Volte mais tarde, estamos ocupados

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Livro-reportagem apresentado ao curso de Jornalismo da Faculdade de Filosofia, Comunicação, Letras e Artes da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Jornalismo. Orientadora: Profª. Anna Flávia Feldmann

São Paulo Novembro/2017



Agradeço os tantos alunos secundaristas - alguns que eu conheço, outros que não - que pararam São Paulo e me emocionaram tanto com sua luta. Agradeço à minha família, em especial à minha mãe, que como professora sempre foi referência no que diz respeito à importância da educação. Agradeço ao João pela paciência e companheirismo ao longo desse ano de trabalho. Agradeço aos meus amigos pelo apoio de sempre e por acreditarem, às vezes mais que eu. Finalmente, agradeço à PUC e aos professores com quem pude conviver por serem uma fonte de liberdade em meio a tanto retrocesso.

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Sumário 1. INTRODUÇÃO

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Educação à venda?

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Reorganização Escolar

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2. SECUNDARISTAS

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“Se nada der certo, a gente ocupa”

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O Comando

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Organização 64 Horizontalidade 67 Novas práticas políticas

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O Fim

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3. VIOLÊNCIA

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Secundaristas 93 Criminalização 104

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Washington 111 Despreparo? 117

4. IMPRENSA

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Ocupação X Invasão

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Narrativa Própria

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5. LEGADO

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E para dentro?

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BIBLIOGRAFIA 167

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Sergipe, Nordeste do Brasil: Paulo Freire começa uma nova jornada de trabalho com um grupo de camponeses muito pobres, que estão se alfabetizando. – Como vai, João? João se cala. Amassa o chapéu. Longo silêncio, e finalmente ele diz: – Não consegui dormir. A noite inteira sem fechar os olhos. Mais palavras não saem de sua boca, até que ele murmura: – Ontem, eu escrevi meu nome pela primeira vez. Eduardo Galeano em “Los hijos de los días”

A EDUCAÇÃO MUDA O MUNDO

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Fig. 1 Manual “Como Ocupar um colégio”. Crédito: O Mal Educado.





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INTRODUÇÃO O Brasil enfrenta em 2017 um cenário de pauperização de direitos em seus mais diversos setores. Como parte de uma tentativa de enxugar os gastos e colocar o país de volta aos trilhos de uma economia forte, após atravessar sua mais acentuada recessão econômica, o governo vem valendo-se do corte de direitos para fazer a conta fechar. Quando se fala em corte de direitos no Brasil, não há dúvida sobre quem é o alvo dessas políticas de austeridade: os grupos marginalizados pela sociedade. E sejam esses grupos étnicos, como os povos indígenas, ou raciais, como a população negra, e também econômicos, as camadas mais desprivilegiadas da sociedade. Entre os setores que tiveram seus gastos revistos, estão a saúde, o assistencialismo social, o meio ambiente e a educação. Da mesma forma, mais recentemente, vemos uma onda crescente de privatizações e desestatizações, tanto em nível federal quanto estadual e até mesmo municipal. Em 2017, considerando apenas o setor energético, por exemplo,

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vimos o anúncio de desestatização da Eletrobras1, que poderá render mais de R$20 bilhões à União, e o anúncio do leilão da Cesp2, a companhia estatal de energia de São Paulo. No setor de serviços, o governo federal anunciou a concessão de alguns dos maiores aeroportos do país, entre eles o de Congonhas e Santos Dumont. Nem a Casa da Moeda, instituição que fabrica o dinheiro, escapou dos planos de privatização do governo. O pacote de privatizações e desestatizações do governo de Michel Temer é o maior em duas décadas -- só não supera o plano de desestatizações do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso3. Embora essa onda de privatizações seja marcada pela ausência de informações e detalhes (no caso da Eletrobras, por exemplo, coube à imprensa ir atrás de informações mais sólidas sobre a venda), a intenção do governo de transferir o controle dos maiores bens estatais para a iniciativa privada, com o fim de arrecadar caixa e minimizar o déficit, fica evidente.

1 https://economia.uol.com.br/noticias/reuters/2017/08/22/governo-preve-obter-r-20-bi-com-privatizacao-da-eletrobras-diz-ministro. htm - acesso em 07/09/17 2 https://br.reuters.com/article/businessNews/idBRKCN1B926A-OBRBS - acesso em 07/09/17 3 h t t p s : / / b r a s i l . e l p a i s . c o m / b r a s i l / 2 0 1 7 / 0 8 / 2 6 / e c o n o mia/1503758227_512966.html - acesso em 07/09/17

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educação à venda? Nesse pacote entrou também a educação e isso fica visível tanto no plano macro quanto micro. A Reforma do Ensino Médio, medida provisória apresentada pelo presidente Michel Temer em setembro de 2016 e aprovada pelo Senado Federal em fevereiro de 2017, tem o intuito de fazer alterações no conteúdo e formato do currículo do Ensino Médio, além de afetar a elaboração das provas de ingresso à faculdade. A proposta não foi nada bem recebida pelos estudantes brasileiros (inclusive, gerou uma segunda onda de ocupações), por tocar em pontos polêmicos como, por exemplo, retirar a obrigatoriedade do ensino de artes, educação física e sociologia e permitir que um aluno curse o Ensino Médio a distância. Dentro do que prevê a reforma, estudantes também serão obrigados, em determinado momento do ciclo, a escolher um tipo de conhecimento específica para seguir, o que poderia levar a uma formação muito mais tecnicista, com ênfase em uma área para tornar o estudante apto a desempenhar funções daquela área no mundo do trabalho.

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Outra alteração proposta pela reforma é a ampliação da carga horária. Se hoje o Ministério da Educação (MEC) exige 800 horas anuais, sob a reforma, a exigência aumentará progressivamente para 1.400 horas ao ano. A ideia do governo é incentivar o ensino médio integral, e junto do anúncio da reforma, veio também o anúncio de que o governo federal investirá R$ 1,5 bilhão no ensino integral. São inúmeros pontos controversos, e embora muitos reconheçam avanços, a medida provisória gerou questionamentos de diversos especialistas, além dos próprios alunos. Uma discussão, levantada principalmente por grupos da esquerda, é de que a reforma pode acabar levando à privatização do ensino, além de aumentar a desigualdade. Nem sempre os Estados e municípios têm as mesmas condições de cumprir com as obrigações e até mesmo com os itens não obrigatórios apresentados pela Reforma. Com isso, abre-se uma brecha para iniciar o debate sobre a construção de parcerias público-privadas como forma de suprir essas carências. A questão do ensino integral, por exemplo, é inviável na realidade de muitos municípios e Estados brasileiros, visto que os custos quase dobram. Além disso, com o sistema público incapaz de atender às demandas, é possível que surjam redes privadas paralelas para cumprir com pontos faltantes ou até mesmo que o governo entregue a administração das escolas a instituições privadas, criando uma oportunidade de negócio e um mercado da educação. Essa privatização não se dará nos moldes clássicos como a conhecemos -- quando uma empresa, às vezes estrangeira, chega e compra um ativo que é patrimônio

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público. Ela ocorrerá a partir da criação de uma lógica de mercado de concorrência.

Fig. 2 (próx. pág.) Zine produzido pelo Coletivo “O Mal Educado” que explica o processo de privatização por detrás da reorganização escolas. Crédito: O Mal Educado

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Os provões e os rankings consequentes destes, que classificam o desempenho das escolas de determinada região, incitam uma lógica concorrencial. Com isso, as escolas começam a mover esforços para alcançar uma colocação melhor nos rankings, que muitas vezes estão atrelados ao bônus pago a professores e funcionários. Não são todas as escolas que têm condições iguais de, por si só, concorrer com outras escolas, e partir disso, cria-se uma oportunidade de negócio. É nesse contexto, por exemplo, que se dá a entrada dos sistemas Anglo e Objetivo de ensino, o ensino apostilado. “É um processo de privatização em que você abre espaço para que as empresas entrem. Elas não estão comprando nada, elas estão vendendo sistemas de ensino”, explica Danilo Chaves Nakamura1, professor da rede municipal de São Paulo. Ele cita também a questão das editoras, que se beneficiaram diretamente do Plano Nacional do Livro Didático (PNLD), uma política que data da presidência de Fernando Henrique Cardoso, que determina que os livros didáticos distribuídos pela rede pública sejam atualizados e substituídos a cada três anos. Com isso, a cada três anos, as editoras que possuem contratos com o governo têm uma oportunidade de negócio garantida. Engana-se quem pensa que essa incapacidade de se adequar às novas demandas da educação é problema exclusivo das cidades mais miseráveis e pobres do Brasil. A

1 Graduado (bacharelado e licenciatura) em História pela Universidade de São Paulo. Mestre em história econômica pela Universidade de São Paulo.

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própria rede privada de ensino, é claro que em passos mais lentos, vêm tendo o mesmo problema. Recentemente, um caso trouxe à tona essa discussão de “privatização” dentro da rede privada (com o perdão da redundância). A Escola da Vila, uma escola privada de São Paulo fundada por Madalena Freire, filha de Paulo Freire, recentemente anunciou que teve 80% de seu capital social adquirido pela holding Bahema1. Originalmente uma empresa de comercialização de incrementos agrícolas, a Bahema2, uma companhia baiana fundada na década de 80, ganhou força quando passou a investir em participações em empresas abertas e negociadas em bolsas de valores. Ou seja, não é uma empresa originária do ramo da educação. A Bahema investirá R$34,5 milhões na Escola da Vila, sendo R$24,4 milhões em três parcelas, R$6 milhões sob certas condicionantes e R$4,1 milhões trimestrais a partir da assinatura “como um bônus para as vendedoras caso certas metas de transição sejam cumpridas”. Ao fim de três anos, a Bahema também poderá exercer opção de compra sobre os 20% remanescentes. Alvo de muitos questionamentos da comunidade escolar, que só teve ciência do acordo após o anúncio oficial, a Escola da Vila, que muitos pais optam para seus filhos por seguir uma linha construtivista, crítica e humanista, teve de esclarecer pontos do acordo. Segundo a escola, “a 1 http://www.valor.com.br/empresas/4869372/holding-bahema-compra-80-da-escola-da-vila-e-5-da-escola-parque - acesso em 07/09/2017 2 http://www.bahema.com.br/show.aspx?idCanal=ETMK98FOIfUFnU9tX413eg== - acesso em 07/09/2017

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associação da Escola da Vila com a Bahema se deu pela busca da perenização e sustentabilidade do projeto pedagógico. A associação fortalece o processo de crescimento da escola, possibilita a melhoria da infraestrutura de suas unidades e garante sua existência no longo prazo”. Resumidamente, a escola declarou que o negócio com a Bahema era uma forma de garantir a sua continuidade, embora tenha reforçado que não corria risco de fechar caso a associação não ocorresse. Além da Escola da Vila, a Bahema também selou um acordo similar onde comprou 5% do capital social da Escola Parque no Rio de Janeiro, que segue uma linha pedagógica semelhante à da Vila, e afirmou estar em negociações para um acordo com a escola Balão Vermelho, em Belo Horizonte. Não cabe aqui fazer um julgamento de se isso é positivo ou negativo. Se de fato, a intenção for garantir a qualidade do ensino e a continuidade do projeto escolar, talvez seja um preço válido a se pagar. A questão é que a associação de uma empresa do mercado financeiro, sem qualquer compromisso histórico com a educação, com uma escola causa estranheza e abre brechas para questionamentos. Só o tempo dirá se havia mesmo motivos para preocupação.

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REORGANIZAÇÃO ESCOLAR É nesse contexto de enxugamento de direitos que está inserida a reorganização escolar proposta pela gestão Alckmin em 2015. A proposta da Secretaria de Educação da gestão tucana era de criar escolas de ciclo único, o que implicaria na transferência de muitos alunos para outras unidades, além de levar ao fechamento de cerca de 93 escolas, conforme divulgado pelo próprio governo. “A proposta da reorganização escolar pretende, por meio da divisão por idades, oferecer uma escola mais preparada para as necessidades de cada etapa de ensino e atenta à nova realidade das crianças e jovens”, informa a Secretaria de Educação em seu site1. A reorganização instituiria que as escolas fossem divididas por idade: Educação Infantil, Anos Iniciais e Anos Finais. Deste modo, os alunos estudariam apenas com outros jovens da mesma faixa etária 1 http://www.educacao.sp.gov.br/reorganizacao/ 07/09/2017

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A medida se aplicaria para o ano letivo que começaria em 2016, mas estudantes, pais e alguns docentes alegaram que até então não haviam sido informados sobre a reorganização. Anunciada oficialmente pela Secretaria em 23 de setembro, pouco mais de 4 meses antes do início do novo ano letivo, a reforma, feita praticamente na surdina, aumentaria o número médio de alunos por sala de aula, além de criar dificuldades logísticas para alunos, que poderiam ser transferidos para escolas distantes de suas casas, além do limite de 1,5 quilômetro previsto por lei, e pais que, em alguns casos, teriam seus filhos de diferentes idades separados de escola. A reforma, segundo o governo, justificava-se por um levantamento da Fundação Seade (Sistema Estadual de Análise de Dados)1 publicado em setembro de 2015 que estimou uma redução de 1 milhão na população de 6 a 17 anos (a população em idade escolar) entre 2000 e 2014, de 8,1 milhões para 7,1 milhões de crianças e adolescentes. “Esta população vem diminuindo a uma taxa média de 0,8% ao ano desde 2000, mas esse processo acelerou nos últimos anos -- desde 2008, a queda tem sido de 1,3% ao ano”, disse o Seade no levantamento, disponível em seu site. Essa redução demográfica, apontada pela fundação com base na queda da fecundidade das mulheres brasileiras, em especial as paulistas, acarretaria na redução da demanda por educação. Segundo estimativa do Seade, a rede estadual

1 Pesquisa disponível em: http://www.seade.gov.br/wp-content/ uploads/2015/11/Seade-População-em-idade-escolar-e-matr%C3%ADculas.pdf

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de ensino perdeu quase 2 milhões de alunos entre 2000 e 2014. Além da redução demográfica, a fundação apontou outros dois fatores como responsáveis pela menor demanda por educação pública: a municipalização das escolas, isto é, a transferência da gestão de escolas da rede estadual para a rede municipal e o aumento dos alunos na rede particular de ensino. “As escolas particulares também têm ganhado alunos nos últimos anos, em função do aumento real da renda das famílias. Desde 2000, as matrículas nas escolas particulares de ensinos fundamental e médio ampliaram-se em 265 mil alunos em todo o Estado”, disse a fundação em seu relatório. No entanto, em 2015, quando a pesquisa foi publicada, o Brasil já se encontrava em recessão econômica, que viria a ser acentuada no ano seguinte com o impeachment da presidente Dilma Rousseff. Em dois anos (2015 e 2016) o PIB (Produto Interno Bruto) brasileiro caiu 7,2%, recuo que não era visto desde a década de 1930. Uma notícia publicada pela agência Reuters em agosto de 2015 indicava que economistas estavam aumentando suas projeções para a contração da economia em 2015 e 2016, estimando declínios de 2,26% e 0,40%, respectivamente, segundo uma pesquisa semanal do Banco Central com cerca de 100 instituições financeiras. Uma reorganização do sistema escolar, sustentada em argumentos como aumento da renda familiar, vai justamente na contramão do momento econômico que o Brasil atravessava ali, quando a recessão econômica podou gravemente o poder aquisitivo das famílias brasileiras. De qualquer forma, a menor procura por vagas na

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rede estadual, justificada por sua vez pela suposta queda na população em idade escolar, ainda não é um argumento plausível o suficiente para fechar escolas, dado que um dos problemas históricos da educação no Brasil é a superlotação das salas de aula e ausência de vagas em creches e escolas. E o Estado de São Paulo não é nenhuma exceção. Além disso, com o fechamento das unidades escolares, o governo escusa-se da responsabilidade de, de fato, lidar com os problemas e procurar soluções para resolvê-los. De que forma o fechamento de uma escola e a transferência dos alunos para outra já existente combate a superlotação e a falta de vagas? Ao invés de encarar de frente os problemas na rede estadual de educação, o governo optou por eximirse dessa responsabilidade. Amparado ainda mais por um suposto discurso de crise e contingenciamento de gastos, o governo ganha “gordura” para fazer tais manobras. Isso cria espaço para a chamada municipalização, que segundo Danilo, é uma tendência que vem desde meados da década de 90, da época do governo Covas. Com os mesmos requintes de fechamento de turma e transferência compulsória de alunos para outras escolas, o governo Covas aplicou uma espécie de “reorganização”, muito similar à que está em pauta hoje, principalmente sobre o ensino Fundamental I e II. Para o professor, por de trás disso, mora uma intenção de transferir o máximo possível da educação para os municípios e deixar que o Estado fique com pouco, em uma espécie de trato feito entre os dois poderes. “Tem uma coisa que é um acordo que eles fazem entre Estado e Prefeitura, se dividem e aí o máximo possível que puder

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‘isso fica só com vocês, vocês que se virem’”, conta Danilo. Para ele, a municipalização também não é solução, aliás, cria mais um problema, pois é um processo que está atropelando importantes alicerces pedagógicos da educação em nome da ampliação do número de vagas. No caso da cidade de São Paulo, por exemplo, o prefeito João Doria afirma que zerou a fila de espera por vagas na educação infantil1, a um certo custo, é claro. “Escolas que tinham sala de leitura, sala de informática, brinquedoteca, estão virando sala de aula, aí colocam umas paredes, uns tapumes lá e vira duas salas”, explica Danilo. “No nível pedagógico, isso é um horror. Uma escola para crianças, onde o brincar, onde a sociabilidade é o mais importante.” Nas creches, aplica-se a mesma lógica. Sob a promessa de zerar a fila de espera para creches herdada pelo seu antecessor Fernando Haddad em até um ano, Doria está entregando as creches na mão da iniciativa privada, com as chamadas creches conveniadas. “A meta será atendida, segundo Doria, mediante recursos doados por instituições privadas, especialmente os bancos Itaú, Bradesco e Santander, além de sindicatos e empresas nacionais e multinacionais”, segundo matéria2 publicada pelo jornal O Estado de São Paulo em 3 de março de 2017. Essa doação de recursos é justificada pela crise, pela 1 http://www1.folha.uol.com.br/educacao/2017/05/1889006doria-zera-fila-de-pre-escola-mas-tem-desafio-maior-com-procura-porcreche.shtml - acesso em 15/09/17 2 http://sao-paulo.estadao.com.br/noticias/geral,doria-prometezerar-fila-de-creche-herdada-de-haddad-em-um-ano,70001685925 acesso em 15/09/17

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falta de verba para atender às demandas da educação, o que, no caso de São Paulo, não parece ser o caso. Segundo Danilo, que dá aulas na rede municipal, em São Paulo, depois do pagamento da dívida, o segundo maior orçamento é o da Educação. O problema é que esse dinheiro que poderia ser gerido pensando no público no sentido bem comum, começa a ser sugado para cá, para comprar um sistema aqui, para fazer algum tipo de provão aqui”, afirma ele. Além disso, as creches que estão sendo abertas, e isso data desde o governo Erundina, passando pelo governo Haddad, são em maioria, creches conveniadas. Isso se dá quase como um contrato de cessão - qualquer pessoa que tem ali na sua casa um espaço disponível para transformar em creche ganha uma licença do governo para operar uma instituição. O problema é que nem sempre a educação das crianças fica em boas mãos. “O que está acontecendo é um monte de igreja evangélica fazendo isso e aí a noção de ensino laico vai pro espaço, noção de um monte de coisa vai tudo pro espaço”, explica Danilo. Por isso, é importante olhar para a questão da reorganização escolar como mais do que uma tentativa do governo de otimizar o uso das unidades educacionais, como mais do que uma mera questão fiscal de tentar reduzir custos. A reorganização escolar esconde nas entrelinhas um projeto maior e de longo prazo de transferir do Estado a responsabilidade de zelar pela educação para a rede municipal e para a iniciativa privada. Projeto este que atropela importantes questões pedagógicas que são extremamente necessárias para oferecer uma educação de qualidade.

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Assim como no caso da Escola da Vila, devemos nos questionar até que ponto é saudável ter parcerias públicoprivadas, ou instituições privadas que não são oriundas da área da educação, atuando sobre esse setor. Oferecer a educação básica é um dever do Estado estabelecido pela Constituição e a reorganização escolar é um projeto que caminha na contramão disso. É nesse contexto que se inserem as ocupações secundaristas. Da mesma forma, devemos fugir da visão simplista de que foi apenas um movimento para barrar a reorganização escolar proposta pela gestão Alckmin. Devemos olhá-lo como um movimento de luta pela educação, de defesa do direito à educação, em um cenário de reforma e “venda” desenfreada do ensino público no Brasil.

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Fig. 3 Estudantes da Escola Estadual Diadema durante ato de rua CrĂŠdito: Facebook/Ocupa E.E. Diadema

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Secundaristas


Numa viela que desemboca na Avenida Presidente Kennedy, uma das principais vias do ABC Paulista, fica a Escola Estadual Diadema. Foi lá que estudantes secundaristas deram, na noite de 9 de novembro de 2015, o chute inicial na onda de ocupações que alcançaria 200 escolas só no Estado de São Paulo.

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Mas a mobilização dos estudantes do Cefam, como a E.E. Diadema é conhecida pelos alunos e professores de lá, havia começado muito antes, com o primeiro anúncio da reorganização em setembro de 2015. “Em setembro de 2015, nós estávamos em um dia comum na escola à noite e aí um dos professores, foi o de Filosofia, entrou na aula dele e já falou assim: “galera, eu tenho uma notícia ruim pra falar pra vocês” e aí a gente já ficou meio tenso, e aí ele disse assim: “o governo, a partir do ano que vem, quer fazer a reestruturação do Ensino Médio, se chama reorganização escolar e nessa reorganização 94 escolas vão fechar e alguns períodos, entre esses o do Cefam noturno”, conta Fernanda, que na época das ocupações era aluna do 2º ano do Ensino Médio da E.E. Diadema. A partir desse momento, segundo ela, começou uma série de tentativas de diálogo. Aliás, a falta de diálogo foi o grande catalisador das ocupações, uma vez que, esgotadas outras opções, ocupar as instituições foi o que restou na mão dos alunos. Já após o professor ter contado à sala sobre a reorganização, Fernanda e uma amiga sua desceram para a coordenação da escola, procurando ter alguma resposta da coordenadora, que então as orientou a procurar a Diretoria de Ensino. A coordenadora, naquele momento, também não poderia fazer nada, apenas recebeu a notícia e passou adiante, conta a estudante. Na diretoria de ensino de Diadema, a estudante, que na época tinha 17 anos, e outros alunos, que àquela altura já haviam formado um grupo, conversaram com a então secretária de ensino de Diadema. “Ela disse que não tinha muito o que ser feito e que era também uma decisão de

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cima para baixo, que ela também não tinha muito poder. Mentira, mentira porque ela podia fazer alguma coisa sim, as cidades escolhiam se queriam fazer aquilo ou não e escolhiam as escolas também. A realidade é que ela escolheu quais escolas que iriam fechar”, lembra Fernanda. Visto que não haveria diálogo ali, os estudantes da escola, que fica no ABC Paulista, partiram para outras formas de tentar barrar a reorganização. Uma das tentativas foi um abaixoassinado com a população. Indo de rua em rua e fazendo plantão na porta do terminal, o grupo conseguiu quase 10 mil assinaturas. Além das assinaturas da população, os estudantes também fizeram reuniões na Câmara Municipal de Diadema e conseguiram a assinatura de todos os vereadores de Diadema. No documento, os vereadores recomendam que os pontos expostos pelos alunos sejam analisados com atenção, uma vez que entre as escolas possivelmente atingidas estão unidades que têm ótimo desempenho. Eles, por fim, solicitam especial dedicação no estudo. Mesmo com as assinaturas em mãos, não houve um retorno dos parlamentares. Os estudantes levaram então o documento à Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) durante uma audiência. Fig. 4 (próx. pág.) Documento com assinaturas de vereadores da Câmara Municipal de Diadema Crédito: Arquivo Pessoal/ Fernanda Freitas

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“O secretário Hermann (Voorwald) estava lá e a gente conseguiu a assinatura dele. Ele conseguiu ver as 10 mil assinaturas, viu que todos os deputados tinham assinado, mas isso também não surtiu efeito”, conta Fernanda. Além disso, o grupo já vinha promovendo prostestos em Diadema para chamar a atenção das pessoas sobre o risco que trazia a reorganização, visto que a imprensa não falava disso. É mais uma comprovação de que as ocupações foram só o segundo momento de uma luta que já vinha sendo desenhada antes, com os protestos de rua e diferentes mobilizações por parte dos estudantes. O que aconteceu no caso da E.E. Diadema também aconteceu em outras escolas, embora nesse momento inicial ainda fosse uma luta muito mais individual de cada instituição.

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“Se nada der certo, a gente ocupa” “Algumas semanas antes, eu tava conversando com uma amiga que já tava nessa luta comigo há uns dois meses, de audiência, de protestos, assinaturas, tal e eu falei assim: “meu, se nada der certo, a gente ocupa”. Foi essa a frase, eu juro pra você que foi assim. E aí elas levaram a sério, ela falou: “Fê, vamos. Vamos sim, porque a gente não tem mais o que fazer”, lembra a estudante. Após essa conversa, elas deram a ideia para outros amigos, que concordaram, e então decidiram ocupar. Mas entre o momento da decisão e a ocupação de fato houve um intervalo de quase duas semanas de planejamento e preparação. Fernanda explica:

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“Foi algo muito sigiloso, a gente tinha muito medo de represália da polícia, da própria diretoria de ensino, da direção da nossa escola, então a gente não se comunicava sobre isso nas redes sociais e nem no Whatsapp de início. Eram só reuniões, a gente usava códigos também, e as primeiras reuniões eram feitas em praças, algo que ninguém podia perceber, porque era realmente uma estratégia, uma tática de luta perigosa se você não souber fazer. Então as nossas reuniões começaram com cerca de 10 alunos que toparam a ideia, a gente começou a ir nas salas e perguntar ‘meu, você teria coragem para a gente dormir na escola? ‘. Era essa a pergunta, se o aluno topava, a gente colocava o nome dele na lista. Pronto, esse aluno aqui pode ser um aluno que pode dormir aqui com a gente. Aí a gente foi em várias salas, perguntando isso, depois a gente chamou esse pessoal pra ter essas reuniões. E lançamos a ideia “olha galera, nossa escola vai fechar, noturno vai fechar, 94 escolas, a reorganização pode alcançar o Brasil inteiro e a gente não pode deixar que isso aconteça, porque isso é um retrocesso. Vocês estão afim de ocupar?” E aí muitos alunos concordaram e a gente começou a pensar na ocupação e nas estratégias.”

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Fig. 5 (anterior) C a r t i l h a distribuída a pais da E.E. D i a d e m a C r é d i t o : A r q u i v o P e s s o a l / F e r n a n d a Freitas

Munidos de um manual (aquele que está no começo do livro) de como ocupar uma escola feito por estudantes chilenos e argentinos (e traduzido pelo coletivo O Mal Educado), os estudantes estudaram, planejaram tomaram todas as precauções possíveis para evitar problemas. O grupo decidiu ocupar a escola às 19h, durante o horário de aula, precavendo-se para que ninguém falasse que estavam invadindo a escola, como poderia acontecer caso eles ocupassem durante a madrugada. No momento da ocupação, o grupo pediu que todos os estudantes se reunissem no refeitório e anunciaram a ocupação. Os primeiros momentos após o anúncio foram de tensão, relata Fernanda. Tanto a direção quanto professores e até os próprios alunos nunca tinham vivido aquilo, era tudo muito novo. Nessa primeira hora, a Polícia Militar chegou a entrar armada na escola. Mas o grupo estava preparado e ciente do que poderia acontecer, como a intervenção do Conselho Tutelar, por exemplo. Sabendo que o Conselho poderia alegar que havia menores de idade dormindo na escola, o grupo preparou com antecedência uma autorização assinada pelos pais e Fig. 6 (à dir.) responsáveis dos alunos menores de idade C a r t i l h a que confirmava que o pai sabia que o filho distribuída a pais da E.E. dormiria na escola e autorizava aquilo. D i a d e m a “Foi um movimento muito organizado C r é d i t o : e que teve comunicação com os pais, foi A r q u i v o P e s s o a l / algo que a gente preservou muito”, conta a F e r n a n d a estudante. Freitas

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Fig. 7 ( à esq.) Cartilha distribuída a pais da E.E. D i a d e m a C r é d i t o : A r q u i v o P e s s o a l / F e r n a n d a Freitas

No dia seguinte, estudantes da Escola Estadual Fernão Dias Paes, no bairro de Pinheiros, zona oeste de São Paulo, também ocupariam sua escola. No terceiro dia, foi a vez da Escola Estadual Heloísa de Assumpção, em Osasco, região metropolitana de SP. “Um colega nosso do turno da manhã já sabia o que tinha acontecido em Diadema e

um dia antes da gente ocupar o Heloísa foi o dia em que o Fernão ocupou e a gente foi lá tirar algumas dúvidas, eles ensinaram para a gente algumas coisas, porque até então a gente era leigo nesse negócio de ocupar”, conta Vitor Benevides, que em 2015 era aluno da escola de Osasco. Lá, diferente da E.E. Diadema, os responsáveis pela ocupação foram alunos do Ensino Fundamental II e algumas crianças do Ensino Fundamental I, conta ele. Alguns dias antes da ocupação da E.E. Diadema, no dia 9 de novembro, do outro lado da cidade, na zona sul, outros estudantes, sem nem saber dos planos de ocupar, também pensavam o que fazer com a notícia da reorganização. Uma das estudantes era Taynah, uma estudante da rede privada que acabou comprando a briga de seus colegas da rede pública. A trajetória de Taynah com a questão da ocupação foi outra. Ela, que diferente de grande parte dos estudantes, já tinha um pé na política, ou ao menos um interesse, soube da reorganização quando um grupo de estudantes apareceu em uma reunião da subprefeitura do M’Boi Mirim, bairro da zona sul de São Paulo, da qual ela costumava participar.

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“Foi uma reunião muito longa que no final não deu em nada -- quer dizer, deu no sentido de que aquela galera continuou se movimentando depois daquilo. Mas aquilo (a reunião) não resolveu em nada. Mas também mexeu com a galera que já tava lá dentro, que era eu e uns meninos”, diz ela. Num curto espaço de tempo, a estudante, que na época estava no 3º ano do Ensino Médio, participou da exibição de um documentário em uma casa de cultura no bairro dela. Era “A Revolta dos Pinguins”, documentário produzido pelo cineasta argentino Carlos Pronzato sobre as mobilizações estudantis no Chile que resultaram na ocupação de centenas de escolas ao redor de todo o país. Coincidência? Jamais. Era algo que já vinha sendo articulado, tanto que o mesmo documentário foi exibido em outros pontos da cidade. Os responsáveis, segundo Taynah, eram pessoas d’O Mal Educado, o mesmo coletivo que traduziu o manual de como ocupar uma escola. “Não foi coincidência na verdade. Depois você vê e não era coincidência. Na real estava todo mundo se articulando na cidade e essas coisas coincidiram porque na verdade tava todo mundo fazendo ao mesmo tempo”, conta ela. Mas ela ressalta que o trabalho de ‘agitação’, como ela chama, feito pelo O Mal Educado não daria certo sem a mobilização de alguns estudantes, que até então agiam apenas em pequenos grupos, e de professores. “O Mal Educado nesse sentido foi o mais radicalizado, de propor uma ação mais acertada, mais radical. Mas estava todo mundo meio mexido”, explica. As primeiras menções à ideia de ocupar começaram a aparecer nesse mesmo espaço de tempo, segundo ela. Essa

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época das primeiras notícias da reorganização coincidiu com a greve da Apeoesp, o Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo, e em um ato no final da greve, já apareciam cartazes escritos “se fechar, a gente ocupa”. “Ficaram em choque”, diz ela. A ideia de ocupar já estava no ar. “Para mim foi bem do nada, porque eu não tava, ninguém falava, e até porque imagina se tivesse explanando essa ideia ‘vamos ocupar uma escola mesmo’, não ia ocupar,” conta sobre o momento em que soube da ocupação de Diadema. Enquanto assistia as outras escolas sendo ocupadas, primeiro a E.E. Diadema, depois a Escola Estadual Fernão Dias Paes, ela sabia que tinha que fazer alguma coisa e começou a acionar os contatos que tinha. “Teve mais uma reunião do fórum (da subprefeitura) e aí apareceu mais um monte de gente e eu encontrei uns amigos antes dessa reunião e falei ‘meu, olha o que tá acontecendo, a gente tem que fazer alguma coisa’. Eu juntei uns amigos que eu sabia que eram conhecidos, namorado de amigas... “, relata ela. Enquanto dezenas de escolas eram ocupadas em São Paulo, em Brasília acontecia o 41º Conubes, a conferência anual da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas. Taynah viajou ao Distrito Federal para participar do evento. “Enquanto eu estava lá eu descobri que a E.E. Padre Saboia de Medeiros foi ocupada e que a E.E. José Lins do Rego foi ocupada. A conferência, segundo ela, mais parecia um carnaval. “Cada escola de samba leva sua bateria e é assim mesmo, a galera fica desfilando com a sua bateria, é uma festa”, explica. “Só que assim, ok, festejar é um negócio

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que eu acho legal, só que enquanto tava rolando essa festa, tava rolando a ocupação das escolas”, diz ela, o que deixa evidente o distanciamento das entidades estudantis da realidade das escolas. Quando ela retornou de Brasília, houve mais uma reunião desse fórum e foi quando apareceram mais estudantes, inclusive um grupo de meninas da Escola Estadual Prof.ª Maria Petronila Limeira dos Milagres Monteiro. A preocupação era com o feriado que se aproximava (20 de novembro), já que eles não sabiam se as outras escolas ocupadas, que a esta altura eram cerca de 20, desocupariam. Eles saíram de lá comprando as correntes, decididos a ocupar o Maria Petronila, como a escola, que fica em Santo Amaro, é conhecida. Um fator importante era que essa escola dividia muro com um quartel, o que gerou um certo temor nos alunos, mas nada que os impedisse de seguir adiante. Assim como relatou Fernanda, o primeiro dia da ocupação no Maria Petronila também foi uma confusão, conta Taynah. Ao mesmo tempo em que lidavam com a intimidação de policiais, os ocupantes também tinham que fazer assembleia, lidar com as crianças que chegavam para o turno da tarde, dialogar com os perueiros para que eles levassem as crianças de volta. “Os estudantes estavam muito confusos também, porque era uma minoria que tinha noção do que ia acontecer, os outros tavam vendo aquilo agora e tava todo mundo muito surpreso”, explica. O processo de convencimento dos outros alunos, que Fernanda também relatou, foi uma questão complicada, avalia Taynah. No caso da E.E. Maria Petronila, os estudantes

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acabaram voltando para suas casas, mas em outras a situação foi mais difícil. A própria estudante levanta a questão sobre a legimitidade de um pequeno grupo impor uma vontade sobre outros. A ideia da assembleia, como propõe o próprio manual aconteceu em poucas escolas, segundo ela. “Muitas escolas tomaram de assalto, poucas tiveram assembleias mesmo. Mas e aí? Aí a gente entra nessa questão. Era uma minoria organizada, entende? E uma minoria organizada tem legitimidade pra fazer um negócio desses?” Na avaliação dela, naquele momento tinham sim legimitidade. “Em várias, houve uma reação muito negativa. Ou às vezes não tinha uma reação negativa de todo mundo, mas um grupo se mobilizou pela ocupação e um outro grupo se mobilizou pra desocupar”, conta ela.

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O Comando “O Estado veio quente, hoje eu tô fervendo. Quer desafiar, não tô entendendo? Mexeu com estudante, você vai sair perdendo. Uma das muitas músicas criadas pelos estudantes

Fig. 8 E s t u d a n t e s durante o trancamento de rua na Avenida Faria Lima, em São Paulo. Crédito: Agência Brasil/Rovena Rosa

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Com cada vez mais escolas sendo ocupandas, veio a necessidade de organizar e unificar o movimento. “Nós começamos a fazer reuniões no Fernão, nas escolas mais de centro, para que todas as outras escolas ocupadas pudessem levar seus representantes... A gente anotava e trazia o que foi debatido lá pras escolas que estavam ocupadas”, conta Fernanda. Para Taynah, essa foi a grande sacada que ela teve dentro do movimento. “O que eu entendia? Eu poderia ficar lá na escola, só que o quanto eu ia absorver do que estava acontecendo se eu ficasse só lá? E aí eu começava a tentar fazer as pessoas se articularem, sabe? Você daqui fala com essa pessoa daqui, outra pessoa ali”, diz ela. Até então, as escolas ocupadas não tinham uma articulação entre si. Essa articulação começou com os grupos de Whatsapp, que foram um importante instrumento na luta, e foi por meio desses grupos que muitos ficavam sabendo das outras ocupações. Ao mesmo tempo, cada uma das escolas tinha suas questões internas para resolver, o que poderia dificultar essa articulação. Taynah explica:

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A gente tinha que lidar com duas situações. A gente tinha que manter a ocupação e a gente tinha que lidar com tudo que era exógeno à ocupação. Que era, por exemplo, a galera que era da escola e não estava entendendo, a que não queria, a que queria, que a gente queria que elas somassem também, a gente tinha que lidar com... Além de toda essa coisa que de certa forma se restringia ao âmbito da ocupação, e além das coisas bem internas mesmo, tipo alimentação essas coisas todas, tudo isso era muito legal. A gente tinha questões tipo abrir a cozinha e era uma grande questão, tipo como a gente vai arombar essa cozinha para poder usar ela, vamos arranjar alguém que tem chaveiro, nossa, era bem legal. Mas além de tudo isso, tinham as coisas de fora que era tipo, existia um movimento, fora da escola, que incluia várias escolas ocupadas, como que a gente vai se articular com essas escolas?” E aí como fazer essa articulação entre as escolas? Eu não tinha essa noção de que a gente tinha que fazer uma articulação entre as escolas. Eu achava que a ocupação, por si só, ia bastar. Mas eu tinha noção de que se eu não fosse pras outras escolas, eu não ia conseguir entender o que tava acontecendo e eu não ia participar de tudo que tava acontecendo.

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Com essa sacada em mãos, Taynah passou a contatar estudantes de outras ocupações. Foi quando estava visitando uma outra escola que acabava de ser ocupada que ela ficou sabendo sobre uma reunião que aconteceria com estudantes das escolas ocupadas na Escola Estadual Godofredo Furtado, zona oeste da cidade. Até então, ninguém da “sua” escola, isto é, a escola que estava ocupando, o Maria Petronila, tinha ficado sabendo da reunião. A trajetória da Taynah foi diferente de outros alunos. Ela tomou a decisão de seguir em frente com essa articulação, enquanto outros preocuparam-se mais com as suas escolas, a fim de manter a ocupação. Para a estudante, uma das grandes perdas do movimento foi que as pessoas que participavam das reuniões do ‘Comando’ eram quase sempre as mesmas, não tinha rotatividade. “Acho que a maior perda que a gente teve, e a gente tem muitas vitórias, mas a maior perda é que nas reuniões geralmente estavam as mesmas pessoas. Teve a reunião do Godofredo, do Diadema, tinha uma mudança, mas mudava uma carinha ou outra”, afirma. A isso, ela atribui uma questão interessante que ela chama de “ligação de responsabilidade”. “Eles não queriam sair porque eles tinham medo que alguma coisa acontecesse e eles não estariam lá. Tipo a Polícia entrar, ou alguém fazer alguma coisa. A galera tinha medo de acontecer alguma tragédia e aí não queria sair.” Para ela, o espaço dessas reuniões das escolas em luta foi importante para os estudantes se conhecerem e trocarem informações. “Tinha um negócio de informação também, quem tinha muita informação, tinha mais controle do que tava acontecendo. Por exemplo, você saber quem

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está dando comida, entende? Ah, ter o contato do cara da Apeoesp, ter o contato do advogado, entende?”, conta. Mas para além dessa troca de contatos, essas reuniões mais amplas foram importantes para deliberar novas práticas, como por exemplo os trancamentos de ruas. A decisão de fazer o bloqueio de ruas da cidade - uma prática que os estudantes aderiram em peso - foi resultado da primeira grande reunião. Foi nesse âmbito das reuniões que surgiu o Comando das Escolas em Luta. Taynah explica que o Comando não era mais do que um nome - embora a imprensa e o resto da sociedade civil os identificasse como um grupo de representantes. Era uma forma de reunir estudantes de diferentes escolas, que traziam as deliberações de suas próprias ocupações, para tomar decisões em comum.

Fig. 9 (a seguir) Manual de Como Trancar Ruas produzido pelo coletivo O Mal Educado.

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Organização

Fig. 10 S e c u n d a r i s t a s cozinham em ocupação na Escola Caetano de Campos C r é d i t o : Agência Brasil/ Rovena Rosa

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Ocupada a escola, o próximo passo era organizar quem faria o que ali dentro, conforme orientava a cartilha feita por estudantes argentinos e chilenos (e traduzida pelo coletivo O Mal Educado). Os ocupantes deveriam instituir uma assembleia e dividir-se em comissões. Cada comissão seria responsável por cuidar de uma área e assim garantir a organização e o bom funcionamento da ocupação.


A questão das comissões não funcionou em todas as escolas. Em algumas, não havia ocupantes suficientes para criar comissões. Em outras, como na E.E. Maria Petronila, escola onde a Taynah era ocupante, os estudantes decidiram não adotar essa forma de organização, decidindo que todos fariam tudo. As comissões funcionaram melhor nas ocupações maiores, como E.E. Diadema e E.E. Fernão Dias Paes, até por uma necessidade dos estudantes de mostrarem uma organização, tamanha a visibilidade que essas ocupações tinham. Para dar uma ideia, no Cefam (o nome popular da E.E. Diadema), as ocupações foram divididas do seguinte modo, conforme relatou Fernanda:

• Limpeza: Não só era responsável por manter os espaços ocupados limpos, como também encarregou-se de fazer uma limpeza mais dura na escola, lavando muros, varrendo jardins, etc. “No final, falamos que todo mundo era limpeza”, conta Fernanda. • Imprensa: Eram os alunos responsáveis por passar informações para a imprensa, centralizando-os como portavozes. Fernanda fazia parte desse grupo. “Precisavam ser pessoas comunicativas a ponto de passar a informação certa e receber”. • Alimentação: Era o grupo responsável por assegurar a alimentação dos ocupantes. Além de cozinhar, eram as pessoas que organizavam as doações recebidas. • Estrutura, Elétrica e Segurança: eram os alunos responsáveis por assegurar a integridade da ocupação, desde a segurança dos portões até a instalação de chuveiros.

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Horizontalidade

Fig. 11 (à esq.) Trecho de zine produzido pelo coletivo O Mal Educado sobre a organização dentro das ocupações Crédito: O Mal Educado

“As decisões mais importantes devem passar por ela (a assembleia) e ser discutidas nela. É importante que se incentive a participação de todos os estudantes e não só os mais experientes”, orienta o manual. A ideia da assembleia é a parte central de uma das características mais importantes do movimento - a horizontalidade. Ao longo dos quase dois meses de ocupação, essa foi uma ideia que os estudantes sempre bancaram e fizeram questão de reafirmar. Inúmeras vezes, quando jornalistas pediam para falar com um representante ou com alguma liderança, os estudantes respondiam que o movimento não tinha nem representantes nem líderes. É uma característica comum de movimentos autônomos no geral, mas no caso dos secundaristas, foi de forma muito intensa.

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Parte dessa horizontalidade, desse desejo de se firmar como movimento autônomo vem de uma recusa à política como é feita nos moldes de hoje. E não só aos políticos que estão no poder hoje, como também ao modelo de democracia representativa vigente. Isso acabou se estendendo às entidades estudantis como a União Paulista dos Estudantes Secundaristas (Upes) e União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes). As entidades não tiveram relação alguma com o início das ocupações, mas assim que o movimento ganhou dimensão razoável, começaram a surgir discursos de lideranças das entidades falando como se tivessem tido parte no movimento.

“Eu fui na reunião da Ubes, a primeira que teve (durante o processo das ocupações), que eles fizeram um grande chamado para vir as escolas. E o que era? Era a Camila Lanes (a então presidente da Ubes falando o que ia acontecer, entendeu? Era um enfeite. Ela vinha com as deliberações, não era um processo participativo. E eles tentavam fazer com que parecesse...”, conta Taynah. Posturas como essa foram extremamente rechaçadas pelos estudantes, que enxergaram ali uma tentativa oportunista de roubar o protagonismo de uma luta que não os pertencia. “Quando a gente dizia que o movimento era horizontal, era também para dizer que as entidades

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não representavam a gente”, afirma Fernanda. “Em outro momento, as entidades fizeram coisas que não representaram os alunos”. Nos atos de rua, quando alguém tentava erguer uma bandeira, outros estudantes imediatamente mandavam abaixar. Era, de fato, um movimento sem bandeiras. “Nessa vez, nessa luta, as entidades não vão nos representar e o que vai valer são as escolas que estão autônomas, que não têm nome, que são escolas por escolas e aluno por aluno”, explica Fernanda, falando que esse era o discurso predominante. Para Rosemary Segurado1, cientista politica e mãe de uma estudante secundarista, há uma crítica não só ao “imobilismo” dessas entidades, como também ao seu distanciamento frente às escolas, aos estudantes e ao cotidiano da vida escolar. Muitos estudantes desconheciam as entidades e seus campos de atuação.”Várias pessoas que colaram com a gente falavam ‘Achava que a Umes só fazia carteirinha’, sabe? ‘Eu nem sabia quem eram esses caras e o que eles estavam fazendo aí’”, relata Taynah. Por trás dessa escolha dos alunos, está também uma recusa à partidarização, avalia Danilo Alves Nakamura. “Acho que tem um apartidarismo no sentido de manter uma horizontalidade, de manter uma crítica às instituições e de 1 Graduada em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1992), mestre em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1996), doutora em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2002) e pós-doutora em Comunicação Política pela Universidad Rey Juan Carlos de Madrid (2008). Atualmente é professora do Departamento de Política e do Programa de Estudos Pós-graduados em Ciências Sociais da PUC-SP e pesquisadora do Neamp (Núcleo de Estudos Pós-graduados em Ciências Sociais da PUCSP) e da Escola de Sociologia e Política de São Paulo

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ação direta”, disse o professor. Pelo movimento transitavam algumas pessoas que já tinham experiências políticas anteriores, alguns de partidos, inclusive. Mas o movimento não cedeu espaço para essas pessoas. Taynah diz que só percebeu isso --- que algumas pessoas estavam discutindo coisas do movimento com seus partidos e trazendo as deliberações para as assembleias -- depois que o movimento acabou. Mas afirma que quando isso acontecia e alguém percebia, a pessoa tornava-se persona non grata. “Eu acho que se a galera tivesse bancado mesmo ‘sou de tal lugar e tal’, eles teriam levado um couro. Porque toda vez que alguém percebia isso, rolava uma confusão”, diz ela. “Rolou em alguns momentos uma discussão e a galera falava: ‘o cara é estudante secundarista e é de partido, a gente deixa entrar, contanto que não seja da Ubes e da Umes. A gente deixa porque ele é estudante. O cara que não é estudante não entra de jeito nenhum”, diz ela

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Novas práticas políticas Endossados por essa insatisfação frente à representação, os estudantes inauguraram novas práticas políticas - voltadas tanto para dentro, quanto para fora. Voltando-se para dentro, é inegável e impossível falar do movimento secundarista sem falar do amadurecimento político conquistado por esses alunos. “Um diferencial desses movimentos é mostrar como o desenvolvimento político e a elaboração da prática vêm da experiência”, conta a cientista política Rosemary Segurado. Traduzindo no bom e claro português, significa que nada como viver na prática para aprender. Taynah relata esse processo, ao explicar que alguns alunos ficaram traumatizados com algumas reuniões que eram um pouco caóticas.”A galera ficou traumatizada porque tinha muita gritaria, muita confusão nas reuniões, mas a questão era que a gente nunca aprendeu a fazer isso, a gente tava aprendendo ali, aprendendo na prática a fazer isso. E é claro que ia ter briga, entende? Eu achava ótimo meu, pelo menos a gente tá aqui. As pessoas iam e elas voltavam”, diz a estudante.

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Rosemary, que além de estudiosa do tema também teve sua filha participando ativamente do movimento, conta sobre como esse amadurecimento e desenvolvimento ocorreram rápido. Embora fosse um curto período, a carga não só política, como o peso do que estava em jogo ali eram tão grandes, que o aprendizado ocorria involuntariamente.

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Eu me lembro de chegar nos primeiros dias dessa ocupação na escola e assim, o menino ou a menina, mal conseguiam articular uma frase. Dois, três dias depois, virar uma coisa assim, articuladíssima, crítica, propositiva. Então acho que para muitos, que viveram mais de perto aquele processo, isso é uma coisa incrível. E muito jovens. Quer dizer, 15, 16 anos, 17, é muito jovem. E compreendendo uma realidade com um nível de complexidade muito grande. A gente teve que entender coisas do Direito para saber de reintegração, como é, quem pode, quem faz, quem fez. Coisas complexas do campo de Direito, que eu inclusive, aprendi muito pra dizer a verdade. E eles aprenderam assim, num estalar de dedos.


Danilo também acredita no aprendizado nesse sentido. “Eles dizem que aprenderam mais do que os três anos de Ensino Médio deles”, diz o professor, o que é a mais pura verdade. Diversos estudantes que participaram das ocupações afirmam que aprenderam mais ao longo dos dias ocupando do que nas próprias aulas. Outra coisa recorrente foi ver estudantes que até então não tinham muito comprometimento com a escola, brigando por educação. Então estudantes que sempre mataram aula, não cumpriam com as obrigações da escola, acabam aceitando uma responsabilidade de lutar por algo que não só o pertence, como pertence a todos. Rosemary conta que em um evento em que participou junto a secundaristas apenas quatro meses depois da ocupação, pôde ouvir estudantes relatarem essa mudança interna. “Era muito lindo e emocionante você ver um jovem que ali já estava com 17 ou 16 ainda, virando e falando assim: “a ocupação provocou uma coisa em mim, que antes eu não estava nem aí para estudar, eu não estava nem aí para a escola, eu não tava nem aí para nada disso, e ela me fez despertar essa vontade de conhecer, de defender a escola pública de qualidade.” Esse mesmo processo fica evidente quando Fernanda conta sobre o que falavam aos estudantes menores para explicar a ocupação. “A gente pedia ‘olha, não venham para a escola, vocês vão perder alguns dias de aula, mas é para o bem de vocês. A gente está ocupando hoje, mas não é por nós, porque nós já estamos saindo da escola, mas é por vocês, para que vocês possam estudar aqui à noite’. E eles entendiam o recado”, diz a estudante. “De repente, a ideia de público fez sentido (para eles). Isso aqui é público

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porque é comum para todos. É público porque é comum, é nosso, a gente está cuidando”, explica Danilo. Para fora, o movimento secundarista teve um papel muito importante de tirar os partidos políticos do comodismo, especialmente os de esquerda, avalia Rosemary Segurado. Uma parte desses movimentos sociais tradicionais tentaram atuar dentro do movimento e foram rejeitados pelo estudantes, muitas vezes de forma não muito gentil. Danilo conta de um momento que assistiu de perto logo nos primeiros dias de ocupação da E.E. Fernão Dias Paes:

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“De repente começam a vir umas personalidades, apareceu o Suplicy lá para dar apoio, o Boulos do MTST, aí já dá para perceber uma certa diferença, óbvio que na hora não dava pra perceber, mas uma concepção diferente de movimento do que a esquerda, digamos, tradicional. Sei lá, o Boulos chegou lá conversando com a Polícia, não sei o que, negociando a saída deles no primeiro dia já. Assumiu uma posição de liderança já, falando assim ‘ó, foi legal vocês ocuparem, agora tô...’, tipo, vamos ter uma saída digna sem vocês apanharem. O Suplicy a mesma coisa né. Tem uma parte importante de proteção né, um monte de adolescente e criança, só que a molecada naquele dia já tinha aquela coisa meio inegociável ‘não, a gente vai ficar aqui’”.

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Ao mesmo tempo, uma outra parte se recusou a sequer dialogar. Essa outra parte é descrita por Rosemary Segurado na ausência de um termo melhor, como a “parte que está inserida na institucionalidade, que seriam partidos, entidades de representação”. Ela fala em uma perplexidade, que vem desde junho de 2013, de não entender e uma rejeição a essa nova prática sendo apresentada por estudantes. “Acho que não tem nem uma vontade, uma parte é isso, que diz ‘que que é isso? porque a vida inteira a gente fez assim assim, aí vem isso e faz assim’. Então tem uma parte que é isso. Tem uma parte que tem uma recusa a dialogar com isso, e a se deixar permear por essas novas práticas políticas, porque assim, é aquela coisa ‘eu faço isso há 30 anos desse jeito’. E por que eu vou mudar?” E ela mesma responde: “porque é hora, porque a história está mostrando que isso se esgotou”. Mas ressalta a lição que o movimento secundarista dá aos partidos. “São movimentos com esses diferenciais que fazem com que a esquerda, o movimento social, repense suas práticas, estratégias e objetivos.” Esse processo aconteceu dentro da própria luta dos estudantes. Embora houvesse algumas pessoas de partidos transitando pelo movimento, isso permitiu um resultado interessante de rompimento “Teve muita gente de partido que rompeu com o partido, pelo menos a galera que estava ativamente na luta, indo nas reuniões e que era de partido, acabou rompendo e os que acabaram não rompendo, acabaram de alguma forma agindo de forma descentralizada, não seguindo a linha do partido”, conta Taynah. Rosemary faz uma recuperação de todos os grandes movimentos sociais que aconteceram no mundo de 2010

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para cá - Primavera Árabe, Occupies nos Estados Unidos, Indignados, Junho de 2013 no Brasil, Inglaterra, França, etc - e aponta que todos mostram isso: o modelo vigente de democracia representativa já não serve mais. E o movimento secundarista também é uma resposta nesse sentido, na esteira do que aconteceu em junho de 2013, assim como é o surgimento de um movimento feminista mais articulado e ampliado. A palavra é efervescência. Taynah também faz essa relação com 2013, falando que tanto junho de 2013 quanto o movimento secundarista, para ela, foram momentos de fim de consenso. Ela relembra que em 2013 o Brasil registrou o maior número de greves desde 1989, segundo dados1 do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese). “Foram momentos de ruptura, momentos em que tudo ferveu”, diz ela.

1 http://www.redebrasilatual.com.br/trabalho/2015/12/grevesem-2013-atingiram-recorde-e-mobilizaram-2-milhoes-7006.html - último acesso em 24/10/2017

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O Fim “Se a escola fechar, o Estado vai parar. Mas se os alunos se unirem, o Geraldo vai cair, vai cair, vai cair” Mais uma das muitas músicas criadas pelos estudantes

Fig. 12 E s t u d a n t e durante ato de rua. Crédito: Agência Brasil/Rovena Rosa

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Em 4 de dezembro, 26 dias depois da primeira escola ocupada, Geraldo Alckmin finalmente suspendeu a reorganização escolar. Pressionado pela queda na popularidade -- no mesmo dia, o instituto Datafolha1 divulgou que a taxa de reprovação ao governador atingiu 30%, o maior nível em todos seus mandatos -- Alckmin anunciou a suspensão prometendo o diálogo com estudantes e pais. No mesmo dia, marcado por mais uma manhã de violenta repressão policial contra os secundaristas, o então secretário da Educação, Herman Voorwald entregou sua demissão ao governador. “Respeito a mensagem dos seus estudantes e dos seus familiares com as suas dúvidas e preocupações em relação à reorganização das escolas aqui no nosso Estado de São Paulo. Por isso, nós decidimos, a nossa decisão é de adiar a reorganização para o ano de 2016. O que seria o ano de implantação, será o ano de aprofundarmos este diálogo. Os alunos continuarão matriculados nas escolas que já estudam e nós começaremos a aprofundar esse debate, diálogo escola por escola, especialmente com estudantes e pais de alunos”, prometeu Alckmin durante coletiva de imprensa no Palácio dos Bandeirantes.

1 h t t p : / / d a t a f o l h a . f o l h a . u o l . c o m . b r / o p i n i a o p u b l i ca/2015/12/1714940-governo-geraldo-alckmin-tem-sua-pior-avaliacao-no-estado-de-sao-paulo.shtml - último acesso em 27/10/2017

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Fig. 13 M a n i f e s t o publicado pelo Comando das Escolas em Luta na desocupação Crédito Facebook/ Secundaristas em Luta de São Paulo

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A decisão, no entanto, não bastou aos estudantes. Em assembleia realizada na E.E. Diadema no dia 4, os secundaristas decidiram manter a ocupação até que o governador revogasse o decreto, cancelando a reorganização das escolas. Eles exigiam algo mais concreto, como um documento ou uma publicação no Diário Oficial do Estado que confirmasse a fala de Alckmin, temendo serem vítimas de mais uma manobra do governador. “Não acreditamos na palavra do governador, não podemos baixar a guarda, nossa luta definitivamente não acabou. Não desocuparemos as escolas enquanto Geraldo Alckmin não revogar oficialmente a sua proposta de reorganização e de fechamento das nossas escolas”, afirmaram os estudantes em uma carta distribuída na assembleia. Eles convocaram um novo encontro para dia 6, esperando reunir mais escolas ocupadas. Nesse novo encontro deliberaram manter a ocupação. “Nós, estudantes secundaristas, após o encontro estadual das escolas ocupadas do dia 6 de dezembro, anunciamos que continuaremos na luta, seja ocupando as escolas ou as ruas”, disse um dos estudantes do Comando das Escolas em Luta na ocasião. No dia 17 de dezembro, o Comando das Escolas em Luta anunciou que iria iniciar a desocupação conjunta das escolas, que deveria acontecer entre 12h da sexta-feira e 12h da segunda-feira. No entanto, não era o fim da luta. Em um manifesto publicado na página do Comando no Facebook, os estudantes reconheceram que suas reinvindicações não haviam sido atendidas, mas afirmaram que as ocupações já haviam cumprido sua função e que era hora de mudar de tática. “É importante que fique claro que estamos saindo das escolas, mas não estamos saindo da luta. E que essa escolha

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de maneira nenhuma significa ceder às pressões do governo do Estado e das entidades burocráticas”, disseram os estudantes no texto. No próprio manifesto, já convocavam um grande ato de rua para a segunda-feira seguinte.

Fig. 14 Desenho publicado na página da Escola Miss Browne após a desocupação C r é d i t o : Facebook/

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A desocupação das escolas, no entanto, não aconteceu de forma conjunta, como pretendia o Comando. Em 19 de janeiro, mais de um mês após o manifesto, as duas últimas escolas desocupavam. Muitos dos alunos tinham deliberações internas


para resolver, separadas da questão da reorganização, como questões estruturais das próprias instituições e, por isso, decidiram decidiram desocupar separadamente.

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Violência Embora o movimento só tenha ganhado a dimensão que teve com as ocupações, muito pela inovação do método, os estudantes já realizavam atos de rua contra a reorganização escolar antes de ocuparem suas escolas. Em outubro, estudantes da rede pública, com o apoio de professores, educadores e outros estudantes, organizaram um protesto na região central da cidade e fecharam parte da Avenida Paulista, uma das maiores avenidas de São Paulo. Tendo como destino final a sede da Secretaria de Educação, na Praça da República, o protesto terminou com dois detidos. As ocupações, na verdade, foram o segundo momento de um movimento que já tinha dado seu pontapé inicial na rua. Mas chegou um momento em que “só” as ocupações das escolas não estavam dando ao movimento as reivindicações almejadas e eles voltaram a realizar atos de rua. Foram três grandes atos no mês de dezembro, nos dias 4, 9 e 21 e, segundo estimativas dos próprios estudantes na época, o ato do dia 9 reuniu 15 mil estudantes, contra estimativa de

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800 pessoas da Polícia Militar. Com os atos organizados pelos secundaristas nas ruas, entrou em cena também a atuação policial. O movimento, assim como a grande maioria dos movimentos sociais no Brasil, ficou marcado pela dura repressão policial que sofreu, e fez com que muitos se lembrassem dos protestos de junho de 2013. Desde junho de 2013, o Estado de São Paulo não havia vivido outra eclosão de protestos tão importante, mas as diferenças entre os dois momentos foram muitas e significativas. Enquanto em junho de 2013, os protestos que surgiram inicialmente contra o aumento das passagens do transporte público acabaram ganhando uma série de novas pautas, em 2015, a pauta era única e clara: contra a reorganização da rede escolar proposta pelo governo Alckmin. Mas a maior diferença é que em 2015 os principais protagonistas foram estudantes, em sua maioria crianças e adolescentes, de idades que variam de 10 a 18 anos. No entanto, isso não fez com que o Estado adotasse outra forma de repressão. Pelo contrário, o Estado utilizou as experiências vividas em 2013 e, a partir disso, aprimorou e aperfeiçoou sua atuação em protestos. Os protestos de 2013 foram marcados pela violência generalizada, mas têm também um marco específico que foi a criação de uma estrutura de repressão muito mais articulada e muito mais bem-pensada. É o que aponta Camila Marques, coordenadora do Centro de Referência Legal da ONG internacional Artigo 19. “A partir de 2013, temos um quadro em que protestos ocupam um lugar muito importante na agenda do poder público, eles pensam sobre isso, é uma

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pauta política para o Estado. E o que acontece? A partir de 2013, o Estado mudou sua postura no sentido de conseguir articular melhor e se definiu uma estratégia mais ampla de repressão e aprimorou suas técnicas”. A advogada cita que, após as jornadas de junho, houve um aprimoramento em dois eixos: no eixo da violência e no eixo da criminalização. O Estado comprou mais armamentos, investiu em tanques e equipamentos de vigilantismo, inovou nas técnicas, tudo para aumentar a violência nas ruas, mas ao mesmo tempo também sofisticou seus quadros de criminalização. “As duas mudanças no sentido de recrudescimento, mas uma no sentido de recrudescer a violência e a outra, os quadros de criminalização”, explica. Após as jornadas de junho de 2013 houve uma maior articulação por parte da sociedade civil organizada e movimentos sociais para cobrar do Estado uma mudança de postura. Originalmente, cabe ao Ministério Público policiar a Polícia Militar, mas há uma omissão por parte do órgão, por isso foi necessário que vários órgãos se juntassem para pressionar o Ministério Público. Paralelamente, essas entidades também acionaram a Defensoria Pública, que tem um histórico muito grande de atuar junto a movimentos sociais. A Defensoria, por sua vez, começou a pensar em uma série de medidas para pressionar a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo e o próprio governo do Estado. Foi assim que, em 2014, ela ingressou com uma ação civil pública na qual pede ao juiz que determine que o governador do Estado e o secretário de Segurança Pública construam um protocolo de uso da força, isto é, um documento que vai reger a atuação policial no contexto de

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protestos. Ele determinaria questões relativas à dispersão de manifestações, proporcionalidade de efetivo policial, questões mais específicas sobre o uso de armamento menos letal, quando pode usar bala de borracha, quando não pode, etc… Além desse pedido, a ação também solicita ao Estado que seus policiais estejam sempre identificados (uma violação que foi recorrente tanto em 2013 quanto no contexto dos secundaristas), que haja prestação de contas, indenizações. A partir disso, uma série de organizações da sociedade civil começaram a acompanhar essa ação, entender em que pé estava, conseguir entender os elementos relacionados a ela no Judiciário.

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SECUNDARISTAS De 2013 para cá, portanto, não houve nenhum avanço concreto, apenas essas ações da sociedade civil organizada no sentido de exigir uma mudança de atitude do Estado. Isso recai diretamente sobre os secundaristas. “Quando eles começam suas ocupações, eles já entram nesse cenário de um Estado totalmente mais aprimorado tanto em meios de vigiar os secundaristas”, diz Camila Marques. No entanto, tudo ganha uma nova dimensão quando pensamos que são estudantes, que justamente por serem crianças e adolescentes, deveriam ter uma proteção muito maior do Estado. A repressão foi muito além dos atos de rua e a presença da Polícia nas ocupações foi uma forma de intimidar o movimento. Uma cena comum e corriqueira nas ocupações eram as viaturas estacionadas do lado de fora das escolas com agentes armados. Pais e alunos também relatam que policiais faziam rondas nos arredores das escolas durante a madrugada. No caso das ocupações em escolas da periferia, a situação era ainda mais grave. “Diretores ficavam na porta

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Fig. 15 (à esq.) Estudante é agredido por policiais d u r a n t e trancamento de rua em 4 de dezembro de 2015 Crédito: Rovena Rosa/ Agência Brasil

da escola todos os dias, a polícia também que fazia ronda. As escolas que estavam mais afastadas conseguiam ser desocupadas ou pela comunidade, que não tinha um acesso tão fácil ao que estava acontecendo, ou pela polícia, que ia de madrugada, armada com fuzil e metia bala para o alto, assustando a molecada”, contou o secundarista Pedro Augusto. Em uma escola em específico, a situação foi especialmente grave. A escola em questão, cujo nome e detalhes serão ocultados por questão de segurança, fica em uma região um pouco afastada da cidade. A área é controlada por uma importante e influente figura que tem envolvimento com o tráfico de drogas e supostamente estaria envolvida em uma série de mortes encomendadas. Por ser em uma área afastada, a ocupação da escola atraiu muito policiamento. Mas diferente de outras escolas, em que a polícia fazia ronda ou aparecia eventualmente, no caso desta, foi montada uma base móvel da Polícia Militar em frente aos portões. O policiamento ostensivo impedia e ameaçava as operações do tráfico. Com isso, entidades e pessoas de defesa dos direitos humanos chegaram a entrar em contato com estudantes ocupantes pedindo para que eles deixassem a escola.

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Segundo o relato de um aluno, os estudantes tiveram que deixar a escola de madrugada, fugidos e com medo. A atuação desmedida da polícia ganhou mais atenção, no entanto, com as ocupações em áreas mais centrais da cidade. É o caso da Escola Estadual Fernão Dias Paes, na Avenida Pedroso de Moraes, em Pinheiros. Uma reportagem do El País Brasil de 12 de novembro intitulada “O dia em que cem policiais sitiaram uma escola ocupada em São Paulo” 1ilustra bem esse tipo de intimidação. Nos primeiros dias após a ocupação da escola, mais de cem agentes e dezenas de viaturas da polícia vigiavam os arredores da escola. Segundo a reportagem, que na data falou com a assessoria de imprensa da PM, o número de agentes ali era para “garantir a integridade física dos alunos que estão lá dentro”. “A orientação do contingente é impedir que outras pessoas entrem no prédio, e registrar o nome de quem sai para o caso de ter havido algum prejuízo material à escola”. Os policiais permaneceram ali por quatro dias.

1 Matéria acessada em 04/07/2017: https:// brasil.elpais.com/brasil/2015/11/11/politica/1447273812_584840.html

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Fig. 16 (à dir.) Policiais militares de plantão na Escola Estadual Fernão Dias Paes, em Pinheiros, em 13 de novembro de 2015 Crédito: Rovena Rosa/ Agência Brasil


O clima de tensão durou cerca de quatro dias, até que os agentes deixassem o local após uma ordem judicial. No entanto, os poucos dias foram suficientes para deixar marcas, inclusive físicas. Rosemary Segurado foi uma das apoiadoras agredidas. Em seu relato, ela conta que estava na porta da escola, junto a outros pais, professores e apoiadores fazendo uma espécie de vigília para garantir, ou ao menos tentar evitar, que a polícia entrasse na escola sem autorização.

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Aconteceu que tinha uma menina querendo sair, na Polícia eles têm isso cada vez mais, ficam filmando as manifestações e ficavam assim, com a câmera colada no rosto da menina. E a menina ficando claro, uma jovem, uma tensão, 100 policiais armados até os dentes, enfim, uma negociação que não ia pra frente. Todo um contexto, a menina ficou constrangida. Estávamos nós ali, tinham professores e tal, e um professor virou pro policial e falou “meu, deixa a menina sair, vamo parar de bobagem”. A hora que ele falou ‘vamo parar de bobagem’, tinha um que já era um brucutu, já tinha me indisposto com ele, foi bem tenso, ele “chamou ele de bobo?”. Enfim, e aí chegou pra tropa e falou “vai”. Na hora que ele falou “vai”, eles vieram pra cima da gente com cacetete, porrada, não sei o que. Esse professor, pegaram ele, e a gente puxando, foi uma briga tentando defender, jogaram o professor no chão, o cara levou pisada no peito. Olha, foi uma coisa assim, parecia que estava no Afeganistão, Iraque, sei lá, uma guerra. E nisso, me deram uma porrada de cacetete no braço. Fiquei com o braço roxo de fora a fora por quase um mês. Se me pegam aqui (aponta para o antebraço), eles me quebravam, porque é muita força. Eles têm muito preparo físico. E quando aconteceu isso, que foi no segundo dia da ocupação, aí tinha uma coisa de violência.

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No caso específico do Fernão Dias, a reintegração de posse e as negociações foram o centro das atenções no primeiro dia. Pela ostensividade do corpo policial ali presente, a entrada violenta dos agentes na escola era uma questão de horas. “ A gente estava ali nessa vigília, porque a gente percebeu que se a gente saísse dali e não estivesse em 24 horas ali, a Polícia ia entrar e defenestrar, ia ser assim, um massacre, pela forma autoritária como a nossa Polícia atua”, conta Rosemary. Na época, o então Secretário de Segurança Pública de São Paulo, Alexandre de Moraes, fez um pedido à Procuradoria Geral do Estado de uma autorização para que ele pudesse fazer essas reintegrações de posse sem precisar passar pelo Judiciário e o procurador concedeu a ele essa autorização, que faz com que as reintegrações não respeitassem a um rito de segurança jurídica. No entanto, segundo o Dossiê preparado pelo Comitê de Mães e Pais em Luta, em 23 de novembro, o Tribunal de Justiça de São Paulo indeferiu essa ordem anterior, sob o entendimento de que as ocupações não tinham o objetivo de tirar a posse das escolas do Estado e sim provocar um diálogo entre as partes, o que estava faltando antes. No julgamento do recurso, o desembargador Coimbra Schmidt negou o pedido do Estado de poder retirar os estudantes forçadamente, alegando que “não apenas não se veem condições para segura desocupação como também se constata a ocorrência de atividades culturais, o que é muito positivo para o debate e para o aperfeiçoamento intelectual da comunidade”. Um outro desembargador, Magalhães Couto, ao

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apreciar pedido da Fazenda Pública que pretendia reintegração de posse das escolas públicas ocupadas, entendeu que “o movimento de professores e alunos das escolas públicas não tem qualquer intenção explícita ou recôndita de se apossar desses bens públicos. Como se reconheceu na sessão de julgamento, cuida- se tão somente de um processo reivindicatório legítimo e de discussão de uma específica política pública de educação da qual, aliás, são destinatários primeiros.” Em sua sentença, ainda defendeu o movimento, e escreveu:

“Esse Estado está vinculado aos vetores axiológicos da Carta Republicana, dentre os quais destaco, o respeito à dignidade humana, o pluralismo, e à gestão democrática das políticas públicas, no interior de um Estado Democrático e social de direito e de um regime político que se estruturou como democracia participativa”. E ainda acrescentou que “Não será, portanto, com essa postura de criminalizar e “Satanizar” os movimentos sociais e reivindicatórios legítimos que o Estado Brasileiro alcançará os valores abrigados na Constituição Federal, a saber, a construção de uma sociedade justa, ética e pluralista” 1 1 Acordão disponível em: http://docplayer.com. br/15632515-Excelentissimo-senhor-doutor-juiz-de-direito-da-egregia-da-fazenda-publica-da-comar ca-da-capital.html - último acesso em 08/10/2017

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A Justiça, para além de ficar, justamente, ao lado dos estudantes, teve um papel fundamental no processo das ocupações: o de forçar o diálogo por meio das audiências de conciliação. Em um documento, o Ministério Público de São Paulo e a Defensoria Pública de São Paulo reconheceram a boa atuação dos juizes. “ Em primeira instância, e também na segunda instância, os provimentos jurisdicionais foram no sentido de reconhecer as manifestações dos estudantes como reclamo s legítimos para abertura do Estado de São Paulo ao diálogo efetivo sobre a proposta de reorganização escolar. Até então, o Estado não havia se disposto a escutar os

Fig. 17 Audiência de conciliação no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo em 19 de novembro

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estudantes. Se não o fez por livre e espontânea vontade, fez por obrigação judicial. No entanto, as audiências não tiveram resultados efetivos, reafirmando a visão de que o governo estadual não estava -- e nunca esteve -- aberto a dialogar sobre a reorganização escolar. Um áudio1 vazado de uma reunião da Secretaria de Educação realizada em 29 de novembro, revelou, entre tantas declarações do governo sobre como desmoralizar o movimento, uma postura assustadora de Fernando Padula, chefe de Gabinete da pasta, que comparou a situação a uma guerra. “Nós estamos no meio de uma guerra e precisamos nos preparar para continuar enfrentando. Eventualmente a gente perde algumas batalhas, mas temos que ganhar a guerra final”, afirmou o chefe de gabinete.

1 Áudio disponibilizado pelos Jornalistas Livres: https://www.youtube.com/watch?v=68qbymS6Xvc último acesso em 08/10/2017

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Sem autorização para reintegrar a posse das escolas ocupadas, o governo passou a atuar sob os panos para desmoralizar e criminalizar o movimento, ameaçando e intimidando os estudantes, e assim, tentando forçar a desocupação das instituições.

Fig. 18 (à esq.) Estudantes correm de bombas de gás lançadas pela Polícia Militar durante trancamento de rua em 3 de dezembro de 2015 Crédito: Rovena Rosa

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CRIMINALIZAÇÃO As violações se deram não só nas agressões, invasões ilegais das escolas, como também nas detenções arbitrárias, irregularidades nas delegacias, abertura de investigações sem provas concretas. O Comitê de Mães e Pais em Luta, um grupo de pais (do qual Rosemary Segurado inclusive faz parte) e apoiadores que surgiu da percepção de que a Polícia Militar estava cometendo violações gravíssimas no âmbito do movimento secundarista, criou um Dossiê como forma de registro da atuação da PM. As denúncias reunidas neste dossiê variam desde as mais “leves”, se é que algo deste contexto pode ser considerado leve, até as mais graves, como estudantes que denunciaram abusos sexuais cometidos por policiais militares. Segundo este levantamento realizado pelo Comitê, foram cerca de 81 detenções de estudantes secundaristas no âmbito do movimento do dia 9 de outubro de 2015 a 17 de dezembro de 2015. Um dos estudantes que participou da audiência na Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) fala em mais de 100 detidos ao longo dos dois meses do movimento.

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Fig. 19 Infográficos das violações cometidas pela Polícia Militar no âmbito do m o v i m e n t o secundarista com base no dossiê organizado pelo Comitê de Pais e Mães em Luta

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De acordo com o dossiê, 61 das prisões ocorreram em atos de rua, o que corrobora para a tese de que o governo estadual reprimia os atos de rua com a clara intenção de criminalizar os estudantes. Outros 20 estudantes foram detidos nas escolas, seja ao tentar ocupar a instituição ou durante uma invasão da PM sem mandado à escola. Esses números não incluem apoiadores detidos, entre eles professores, pais e estudantes universitários, além de jornalistas. O dossiê também tem registros de prisões arbitrárias de pessoas destes grupos. Ainda segundo o levantamento, em cerca de 12 ocasiões os estudantes foram ameaçados por policiais, que fizeram


uso de tortura psicológica inclusive para incentivar a desocupação. Na E.E. Fernão Dias Paes, estudantes ouviram de policiais em tom de ameaça: “nos vemos aí dentro no dia da reintegração”, que acabou nunca acontecendo. Em outra ocasião, a polícia insistiu em deter um estudante que havia sido ferido por agentes da própria corporação, de acordo com o dossiê. Durante um protesto realizado em frente ao 14º Distrito Policial, na região de Pinheiros, pela liberação de outros quatro estudantes que haviam sido detidos durante um ato de rua, a polícia voltou a fazer prisões. “Um dos estudantes chegou no Distrito Policial sem suas roupas, carregado por vários policiais militares que proferiram diversas ameaças dentro da Delegacia, mesmo com a presença de advogados, tendo os militares filmado ele com seus próprios celulares nas dependências do estabelecimento, enquanto faziam provocações”, segundo o Dossiê. De acordo com a contabilização do dossiê, policiais tentaram em cinco ocasiões invadir escolas sem respaldo jurídico algum para isso. Além das tentativas, houve casos em que os agentes tiveram sucesso. Foi o que aconteceu na Escola Estadual Salvador Allende, na zona leste de São Paulo, e que culminou na detenção de quatro estudantes e um apoiador:

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“Os estudantes da Escola Estadual Salvador Allende ocupavam a escola quando, durante a madrugada, uma van trouxe homens armados que arrombaram as portas da escola, quebraram objetos e furtaram diversos equipamentos. Foi um ato de desocupação forçada e violenta com o objetivo de culpabilizar os estudantes por danos que não cometeram. Muitos dos estudantes que estavam na ocupação, com medo, voltaram para suas casas. Quatro estudantes e um apoiador retornaram mais tarde para avaliar o que fazer, momento em que foram presos pelos policiais militares e acusados de furto e dano ao patrimônio público.”

Há diversos registros de vezes em que estudantes foram detidos e ao chegar à delegacia, foram liberados por não haver crime ou não haver provas suficientes para uma acusação. Em outros casos, estudantes foram indiciados mesmo sem haver provas concretas. Na Fernão Dias Paes, policiais munidos de uma videocâmera gravavam estudantes e em outras ocasiões, durante atos de rua, por exemplo, agentes usavam os celulares pessoais para registrar rostos de estudantes, além de obrigá-los a posar para fotografias vexatórias, como é o caso de um estudante que foi obrigado a tirar uma foto utilizando um boné da Central Única dos Trabalhadores

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(CUT) que estava dentro de sua mochila. São tantas violações que é muito provável que o dossiê não tenha registrado todos os abusos cometidos pelas forças de segurança do Estado de São Paulo, infelizmente. Inclusive, este mesmo dossiê foi atualizado depois para incluir desenvolvimentos dos casos. É realidade que a violência continua tendo efeitos até hoje. “Essa coisa da repressão policial foi muito complicada e muito tempo depois. Tem estudantes perseguidos até hoje, coisas muito de inteligência, serviço de inteligência que a Polícia tem”, conta Rosemary. Em 2016, com os estudantes voltando a ocupar escolas contra a Reforma do Ensino Médio do governo de Michel Temer, essa ‘inteligência’ ficou muito evidente. No geral, estudantes contam que após as ocupações muitos tiveram celulares grampeados, contas em redes sociais hackeadas e alguns foram perseguidos fora de atos de rua. Um caso em especial relatado por um estudante mostra como essa articulação da Polícia Militar perdurou até muito depois das ocupações.

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Um menino tinha sido detido indo fazer reconhecimento na Febem (algo que deve ser feito quando você está sem documento). Aí foram buscar ele, um grupo de conhecidos foi buscar esse menino. Aí eles tavam voltando e tinha um cara na cola deles, mas até aí, ok. Só que o que aconteceu? Quando cada um foi pro seu canto, esse cara encostou nesse menino, era um PM.. Levaram o jovem para uma sala, agrediram-o muito e mostraram fotos de amigos meus, mostraram fotos nossas, perguntando das pessoas. Tipo ‘quem é esse aqui? Fala para gente’ 1

É preocupante e muito assustador ver que a fala desses estudantes converge em muito com relatos e depoimentos de estudantes perseguidos durante a Ditadura Militar, como é o caso desse depoimento acima. Foi praticamente uma tortura em troca de informações.

1 Algumas informações foram omitidas para dificultar a identificação do caso

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WASHINGTON As violações cometidas pelo Estado de São Paulo contra os estudantes foram tão graves que um grupo de secundaristas, acompanhados de seus pais, foi a Washington D.C., nos Estados Unidos, para participar de uma audiência da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) em 7 de abril de 2016. A audiência, solicitada pela ONG Artigo 19 junto ao Comitê de Pais e Mães em Luta, colocouos frente a frente com o procurador-geral do Estado, Elival da Silva Ramos, que teve que se explicar perante a Comissão. Na audiência, os peticionários foram representados por duas pessoas da Artigo 19, uma delas sendo Camila Marques, pela mãe de um estudante, e por três estudantes, incluindo a Taynah. O grupo denunciou as principais violações cometidas pela PM, sendo elas: agressões físicas e psicológicas, uso indiscriminado de armamento menos letal, uso de armas de fogo, desproporcionalidade do efetivo policial e ausência de identificação desses agentes. Em um vídeo apresentado à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, um dos estudantes relata ter sido detido sob acusação de corrupção de menores e danos ao

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patrimônio, cuja pena soma cinco anos e meio. Uma das denúncias apresentadas à CIDH que vai na contramão do acordado dentro da Convenção Interamericana de Direitos Humanos foi a condução coercitiva em compartimentos fechados de veículos e uso desnecessário de algemas, além da grave violação cometida por agentes ao não utilizarem identificação durante as ações, o que dificulta uma eventual denúncia. “Não se observou o dever do Estado de garantir a proteção e o pleno desenvolvimento físico e mental dos adolescentes”, afirmou Camila Marques em sua fala. Em um vídeo sobre a audiência da CIDH publicado no Youtube pelo canal Escolas em Luta1, os estudantes que viajaram a Washington, Taynah, Fabiana e Igor comentam a fala do procurador após a audiência e desmontam os argumentos utilizados por ele. Na audiência, os peticionários solicitaram aos comissionados para que, entre outras coisas, condenem a conduta policial, não haja atuação da PM em manifestações ou monitoramento por ronda escolar militarizada nas escolas e para que não haja punição ou perseguição político-ideológica de estudantes e pessoas que apoiaram as manifestações.

1 Vídeo disponível no link: https://www.youtube.com/watch?v=Ql6ck95T6wo Último acesso em 04/07/2017 A audiência inteira pode ser assistida no link: https://www.youtube.com/ watch?v=nKGlOf5k5HM

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Fig. 20 Taynah, Fabiana e Igor, os estudantes que foram a Washington na audiência do CIDH Crédito: I m a g e m retirada de vídeo publicado no canal Escolas em Luta

No entanto, tudo fica muito no âmbito discursivo e os estudantes sabiam disso antes de ir. No processo de decisão de quem iria viajar a Washington, Taynah conta que todos queriam ir, embora soubessem que a audiência não serviria para muita coisa. “A maior questão que todo mundo levantou foi que ‘a gente sabe que isso daqui não serve para nada. Esse negócio de ir para Washington não serve pra nada, só pra dar visibilidade, então não tem nenhum valor real’. A gente já sabia que não ia acontecer nada”, conta ela. A verdade é que não deveria ficar só no âmbito discursivo. Audiências como essa em que os estudantes secundaristas participaram são uma das muitas ferramentas de pressão do sistema interamericano de direitos humanos. “De fato, não é um sistema jurídico

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no sentido de vincular uma obrigação jurídica de volta, mas há sim compromissos, há sim um nível de possibilidade de mudança, de constrangimento, de se exigir algum tipo de mudança política”, disse Rafael Custódio, coordenador do programa de Justiça da organização de direitos humanos Conectas. “A gente sabe, claro, que muitas vezes não tem a mesma força que uma decisão judicial interna”, acrescenta. O Brasil aderiu à Comissão Interamericana de Direitos Humanos voluntariamente, o que significa que, já que ele optou por aderir, ele precisa sim cumprir tudo que engloba essa sistemática. As audiências são um mecanismo de pressão, mas existem outros. Um caso que vai à Corte Interamericana já é outro nível de pressão. Um exemplo recente é o caso Gomes-Lund e outros desaparecidos guerrilha do Araguaia. Em 2010, a Corte Interamericana condenou o Estado Brasileiro sob o entendimento de que ele foi responsável. “A corte interamericana deu uma sentença condenando o Estado brasileiro pelo caso dos desaparecidos do Araguaia e determinando uma série de obrigações para o Estado cumprir. E ele vai ter que sim cumprir”, afirma Rafael. O nível de ônus para um país que sistematicamente desrespeita uma convenção da qual é parte varia, segundo ele. Há casos em que um país pode ser expulso, tendo sua adesão revogada. Ele pode ter sanções simbólicas, diplomáticas e até dificuldades numa eventual relação comercial com outros países. No caso do Brasil, nada disso parece constranger. Aliás, nem mesmo o constrangimento parece ser capaz de provocar mudanças profundas. “Houve mínimos avanços no sentido de que esse

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quadro em que o Estado vem sendo muito contestado, tanto domesticamente quanto internacionalmente, faz com que, muitas vezes, alguns membros do poder às vezes repensem suas ações. Então tivemos notícias de que, com todas essas pressões, alguns inquéritos foram arquivados, talvez alguns atos deixaram de ser concretizados por conta dessas pressões”, explica Camila Marques. Ela acredita na hipótese de que a organização da sociedade civil, embora não tenha provocado avanços na perspectiva do poder público, em uma mudança de postura, possa ter refreado algumas violações. Para Rafael, há ainda outra questão, que diz respeito a uma relação promíscua entre Ministério Público e o Governo do Estado de São Paulo. Segundo ele, nos últimos anos entidades de direitos humanos vêm percebendo, em especial no Estado de São Paulo, a configuração de uma relação “pouco saudável” entre o poder Executivo estadual e a cúpula do Ministério Público. “O Ministério Público Estadual se aproximou do Executivo por interesses corporativistas, por interesses políticos e isso talvez tenha tirado boa parte de sua autonomia, boa parte de sua independência e boa parte de seu interesse de mexer em temas que não são tão interessantes para o governo assim”, afirma Custódio. Para ele, a grande confissão dessa relação nada saudável é o fato de que os últimos sete secretários de Segurança Pública do governo estadual foram ou são promotores e/ou procuradores do MP. Para comparação, seria como se Rodrigo Janot (ex-procurador-geral da República) fosse convidado por Temer para assumir o Ministério da Justiça após o fim do termo como PGR. “Se

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ele fez um bom trabalho como PGR, se ele foi independente, se ele fiscalizou, se ele denunciou, como é que o governo vai chamar ele para ser do governo?”, explica o advogado. “Você tem uma força policial muito forte, muito poderosa, e que por isso comete vários tipos de abusos e o Ministério Público então se intimida, se deixa atuar de maneira protocolar, eu diria, pra não ter que mexer talvez num problema que pode gerar ônus político pro governo”, afirma. Isso acaba perpetuando um ciclo de impunidade em que a única instância que poderia agir de forma a regulamentar e exigir uma mudança de postura das forças de segurança, é conivente a ela.

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Despreparo? No auge das manifestações em 2013, grande parte da população compreendia as ações questionáveis das forças de segurança do Estado como resultado de um despreparo em lidar com protestos daquela intensidade. De fato, havia um bom tempo em que a cidade de São Paulo não passava por um momento de manifestação tão amplo e significativo, e por consequência, havia um bom tempo em que as forças de segurança não eram acionadas para atuar em um protesto. Com isso, essa questão do despreparo foi incorporada ao discurso, tanto da sociedade civil quanto do próprio governo, que utilizava isso como uma espécie de álibi para justificar as suas ações questionáveis. O problema é que em 2015, com as ocupações e os atos de rua dos secundaristas, esse mesmo discurso de despreparo voltou à tona, reforçado pelo fato de que a ocupação das escolas foi um movimento espontâneo e de rápida propagação -- muitos se referem a ele como “efeito dominó”. No entanto, é um discurso difícil de comprar devido ao tempo e os recursos que foram dedicados à repressão dos protestos. Para além disso, não é um

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argumento válido. “Em caso de inicialmente realmente haver um despreparo, isso não poderia seguir como uma justificativa após um determinado período de tempo”, diz Mariana Rielli, assistente jurídica do Centro de Referência Legal da Artigo 19. Além disso, é importante relembrar que há um agravante no caso das ocupações - o fato de serem crianças e adolescentes. Esse suposto “despreparo” não tira da Polícia Militar e do Estado a obrigação de seguir uma série de normas que respeitem o fato de serem jovens. “A Polícia tem conhecimento e não pode se escusar de utilizar os instrumentos específicos para proteção de adolescentes”, diz Mariana. “Inclusive as polícias que são usadas nesse tipo de ação normalmente são as mesmas polícias que são usadas por exemplo, em reintegrações de posse de moradias, onde normalmente há crianças e em todos esses casos, sempre têm normativas específicas e sempre têm procedimentos a serem seguidos no caso de haverem crianças e adolescentes”, acrescenta. Com as violações reiteradas por parte da polícia, dentro e fora do âmbito dos secundaristas, é difícil de acreditar em outra possibilidade senão a de que esse é um modus operandi da corporação.

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imprensa No Brasil, a criminalização de movimentos sociais pela imprensa hegemônica é quase regra. A cobertura realizada pelos veículos tradicionais aos movimentos sociais, que no Brasil militam principalmente por pautas da esquerda, é questionável. No caso dos movimentos de ocupações - como é o caso do Movimento Sem Terra (MST), Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), Movimento Nacional de Luta por Moradia (MNLM), entre outros, a criminalização pela imprensa tradicional é ainda mais grave, por estar relacionada à posse de um território que não pertence àqueles que o estão ocupando. O movimento secundarista converge com outros grupos políticos como, por exemplo, os movimentos por moradia, devido à questão da ocupação. Mas as semelhanças param por aí, pois são ocupações com finalidades distintas, e por isso devemos procurar entender como se deu a relação da imprensa com a pauta secundarista de forma específica. Assim como é de praxe no caso de movimentos

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sociais no geral, que a imprensa ou ignora ou criminaliza, as ocupações secundaristas demoraram a ganhar as manchetes dos principais jornais e portais de São Paulo e do Brasil. Embora a imprensa escrita já viesse noticiando a reorganização e também os atos de rua, com as ocupações houve uma certa relutância em reconhecer que ali havia um movimento em emergência. Perseu Abramo, um dos maiores jornalistas que o Brasil já teve, fala sobre a manipulação institucionalizada em “Padrões de manipulação na grande imprensa”1. Segundo ele, a manipulação já é um modus operandi e, com isso, pode-se notar tipos de padrão. “Os padrões devem ser tomados como padrões, isto é, como tipos ou modelos de manipulação, em torno dos quais gira, com maior ou menor grau de aproximação e distanciamento, a maioria das matérias da produção jornalística”. A cobertura de movimentos sociais feita pela imprensa brasileira não é nenhuma exceção. Pelo contrário, uma análise breve, mas atenta, de notícias sobre as ocupações, o nosso objeto de estudo, nos permite identificar vários dos padrões que Abramo percebeu. O simples fato de a reorganização escolar -- e suas graves consequências -- não entrarem na pauta jornalística já encaixa-se em um dos padrões. Ou seja, foi preciso que estudantes ocupassem suas escolas (aliás, não bastou uma, foram preciso algumas) para que a imprensa começasse a noticiar a reorganização proposta pelo governo Alckmin. É

1 ABRAMO, P. Padrões de manipulação na grande imprensa. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2003

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o que Abramo chama de padrão da ocultação:

“Não se trata, evidentemente, de fruto do desconhecimento, e nem mesmo de mera omissão diante do real. É, ao contrário, um deliberado silêncio militante sobre determinados fatos da realidade. Esse é um padrão que opera nos antecedentes, nas preliminares da busca da informação. Isto é, no “momento” das decisões de planejamento da edição, da programação ou da matéria particular daquilo que na imprensa geralmente se chama de pauta. (ABRAMO, 2003) As primeiras notícias de escolas ocupadas, no caso a Escola Estadual Diadema, em 9 de novembro, vieram das redes sociais, que, aliás, desempenharam um papel importantíssimo na disseminação de informações sobre o movimento. Talvez pelo fato de nunca ter havido um movimento semelhante no Brasil - a referência mais próxima são os estudantes chilenos - a imprensa não conseguiu de início atribuir às ocupações uma organização maior.

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Fig. 21 Postagem publicada na página “O Mal Educado” no Facebook

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Fig. 22 Postagem publicada na página “O Mal Educado” no Facebook

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Um grupo de 20 estudantes ocupa o prédio da Escola Estadual Diadema, localizada no centro de Diadema, desde às 19h de segundafeira (9). Os alunos são contra a reorganização escolar da rede estadual de São Paulo. O governo quer ampliar o número de escolas com ciclo único, ou seja, apenas com alunos do fundamental 1, fundamental 2 ou ensino médio. Fig. 23 Trecho de matéria da Folha de S. Paulo publicada em 10 de novembro de 2015

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Uma matéria1 do UOL Educação de 11 de novembro recebeu o título de “Alunos acampam em escola estadual de Diadema contra reorganização da rede”. No lide, a palavra acampam é substituída por ocupam. Por que não usar ocupam no título se é um movimento declaradamente de ocupação?

1 https://educacao.uol.com.br/noticias/2015/11/10/alunos-acampam-em-escola-estadual-de-diadema-contra-a-reorganizacao-da-rede. htm

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ocupação X Invasão Ainda mais grave é o caso do jornal Folha de S. Paulo, que adotou, com relação ao movimento secundarista, postura semelhante à que adota para movimentos de luta por moradia. Na grande maioria das vezes, a Folha optou pela palavra invasão ao invés de ocupação. São inúmeras matérias cujos títulos ou lides contêm a palavra invadir, invasão ou invasores. Retoma-se a questão discutida há tempos no jornalismo sobre as diferenças entre os verbos ocupar e invadir. Invadir carrega consigo uma conotação negativa, de ilegalidade e criminalidade. Ocupar, por sua vez, é um ato político, de tomar posse de algum lugar ou coisa com o objetivo de chamar atenção para uma causa. No caso dos estudantes, não se considera nem o fato de invadir, pois eles tomaram posse temporária e instalaram-se em um local que, por direito, já os pertence. Nas entrelinhas do uso do termo invasão ao invés de ocupação (o que ficou confuso até para a própria Folha, pois ora eles usavam um, ora outro, depois mudavam), há

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Fig. 24 Resultados de pesquisa no Google usando termos “estudantes”, “invadiram” e “Folha de S. Paulo” com recorte temporal de 9/11/2015 a 22/12/2015

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uma tentativa de minimizar e até mesmo criminalizar o movimento. Embora em dose mais moderada, o jornal O Estado de São Paulo também valeu-se dos termos invasores e invasão para referir-se aos estudantes e às ocupações. Em mais de uma ocasião, a Folha fez matérias falando sobre como o movimento estava afetando outros alunos e “impedindo-os” de ter aula, omitindo o fato de que o movimento reivindicava a suspensão de uma reorganização que afetaria ainda mais gente. Isso poderia acabar jogando um aluno contra outro, o que enfraqueceria o movimento. Essa tentativa de jogar um estudante contra o outro não aconteceu só uma vez e não só na Folha. Fernanda Freitas, que na época das ocupações era estudante do 2. ano do Ensino Médio da E.E. Diadema e porta-voz da ocupação, conta sobre o que aconteceu quando um jornalista do jornal O Estado de S. Paulo visitou a sua ocupação.

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Aconteceu uma vez de eu -- e eu pensei muito antes --, mas eu dei uma entrevista pro jornal O Estado de São Paulo e aí veio um jornalista, falou comigo sobre o início da ocupação e ele fez a seguinte pergunta: “no início da ocupação, vocês aqui do E.E. Diadema tinham ciência de que outras escolas iriam ocupar?” Aí eu disse que não, que nós não sabíamos que outras escolas iriam ocupar. Resumindo, essa foi a minha resposta. E aí eu não sabia, mas ele tinha feito a mesma pergunta pro Heudes, que era o porta-voz do Fernão, e nessa resposta do Heudes, ele disse que sim, que sabia que outras escolas iriam ocupar. O que aconteceu? No Estadão saiu como se o movimento não fosse tão organizado assim, já que eu falei uma coisa que nós não sabíamos que eles iriam ocupar e o Heudes já disse que sim. Então vê que em certo ponto, a mídia queria colocar o aluno contra o aluno?

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Fig. 25 Trecho de matĂŠria da Folha de S. Paulo publicada em 19 de novembro de 2015

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No dia 19 de novembro, a Folha de São Paulo chegou a publicar equivocadamente uma matéria1 noticiando que o governador Alckmin havia cancelado a reorganização. Na realidade, a notícia era de que o então secretário da Educação, Herman Voorwald, havia concordado, durante uma audiência de conciliação com os estudantes, em suspender temporariamente a reorganização. Para alguns alunos, foi uma tentativa de desmobilizar e enfraquecer o grupo. A Vaidapé, um coletivo de jornalismo independente, estabeleceu uma relação entre o tratamento que a Folha de São Paulo estava dando ao movimento com o governador Geraldo Alckmin. Em uma matéria publicada em 3 de dezembro, entitulada “Mídia: O gatilho de Alckmin contra os secundaristas”, a Vaidapé denunciou que a Folha tirou do ar um vídeo da ocupação da Escola Estadual Fernão Dias que havia sido publicado em 1. de dezembro após uma visita do governador à redação da Folha. Segundo a reportagem, na véspera o governador já havia visitado a redação do jornal O Estado de São Paulo com o mesmo propósito - para discutir como os veículos vinham retratando a onda de ocupações contra a reorganização proposta pelo Governo Tucano. Esses elementos citados sobre a Folha de São Paulo -- o uso do termo invasão, a suposta visita de Alckmin à redação do jornal, e a tentativa de criminalizar o movimento 1 h t t p : / / w w w 1 . f o l h a . u o l . c o m . b r / e d u c a cao/2015/11/1708503-gestao-alckmin-suspende-fechamento-e-reorganizacao-de-escolas-em-2016.shtml#article-aside - Último acesso em 28/09/2017

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Fig. 26 Trecho de matĂŠria publicada no site do coletivo VaidapĂŠ em 03 de dezembro de 2015

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-- corroboram para a tese de que o governador empregou parte da imprensa a seu favor. A partir desse momento, travou-se uma disputa, onde de um lado estavam Alckmin e seus aliados da imprensa e do outro os estudantes e os coletivos de jornalismo independente. É a guerra da informação e contrainformação que vamos falar mais adiante. Para além dos termos escolhidos, outra questão importante diz respeito à seletividade sobre os fatos a serem noticiados. A mídia tradicional ateve-se principalmente ao factual, a números, datas, reintegrações, sem de fato entrar com profundidade no mérito das reais consequências que a reorganização teria. Novamente, podemos recorrer aos padrões de manipulação pensados por Perseu Abramo. Nesse caso, aplica-se o padrão de fragmentação.

“O todo real é estilhaçado, despedaçado, fragmentado em milhões de minúsculos fatos particularizados, na maior parte dos casos desconectados entre si, despojados de seus vínculos com o geral, desligados de seus antecedentes e de seus consequentes no processo em que ocorrem, ou reconectados e revinculados de forma arbitrária e que não corresponde aos vínculos reais, mas a outros ficcionais, e artificialmente inventados”. (ABRAMO, 2003)

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O padrão da fragmentação, segundo Abramo, implica em duas operações básicas: a seleção de aspectos, ou particularidades, do fato e a descontextualização. A seleção de aspectos consiste na decomposição, atomização, divisão de um fato em particularidades, ou aspectos do fato, que a imprensa selecionará os que serão apresentados ou não ao público. “Novamente, os critérios para essa seleção não residem necessariamente na natureza ou nas características do fato decomposto, mas sim nas decisões, na linha, no projeto do órgão de imprensa, e que são transmitidos, impostos ou adotados pelos jornalistas desse órgão”, diz ele. A descontextualização, por sua vez, decorre da seleção de aspectos. “Isolados como particularidades de um fato, o dado, a informação, a declaração, perdem todo o seu significado original e real, para permanecer no limbo, sem significado aparente, ou receber outro significado, diferente e mesmo antagônico ao significado real original”, explica o jornalista. É o que acontece, por exemplo, quando os jornais veiculam uma matéria ou reportagem dizendo que alunos foram impedidos de ter aula, como a Folha de S. Paulo fez. É deliberada e intencional a escolha de focar no fato de que alunos estão sem aula ao mesmo tempo em que omite que alunos estão sem aula justamente porque outros alunos estão mobilizando-se para impedir o fechamento da escola, o que também os deixaria sem aula no fim. A informação acaba por ganhar um sentido antagônico ao significado real original. É à essa superficialidade que se refere Fernanda. “Nos primeiros dias, eles mostravam a ocupação, mas mostravam

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algo muito superficial, mostravam até como se a gente fosse vândalo mesmo, não mostrava muito a causa, não mostrava muito o que o aluno queria em si. Mas mostrava a tática, que era a ocupação, e se você falar só ocupação, qualquer um vai ter a visão de que é baderna, de que é bagunça”, avalia a estudante, que teve mais contato com a imprensa por ser porta-voz de sua escola. Ela conta sobre a ocasião em que a equipe do Profissão Repórter, programa semanal da Rede Globo, visitou sua ocupação. Vale lembrar que o Profissão Repórter, comandado pelo jornalista Caco Barcellos, é um dos programas com mais “liberdade editorial” da Globo, fazendo matérias mais aprofundadas sobre temas que, no geral, ficam à margem da pauta jornalística, como chacinas, por exemplo.

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Nós permitimos que a Globo entrasse na nossa escola com o Profissão Repórter, eles passaram uma noite lá com a gente e depois isso foi pro ar. Eles foram em outras escolas também, e a gente teve uma conversa antes, uma reunião pra ver se a gente permitia que a mídia entrasse, porque até então, a mídia não entrava na nossa escola. Era só do portão para trás e nós, que éramos porta-vozes, que passávamos as informações. A gente deixou que eles entrassem, e aí no final, no programa que eles apresentaram todas as gravações, foi algo muito superficial. Não mostrou vários pontos importantes que deviam ser mostrados. Mostrou o aluno dobrando uma coberta, fazendo uma comida, não mostrou reuniões, debates que a gente tinha, não mostrou a fundo o que era a causa. Mostrou que eram só alunos ocupando, entende?

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Além disso, muitos dos veículos nem tentaram ouvir os próprios estudantes, e quando ouviam alguém para suas reportagens, eram pessoas de entidades que, na prática, não tinham nenhuma ligação direta com o movimento e estavam ali para conquistar protagonismo, como é o caso das entidades estudantis como Ubes (União Brasileira dos Estudantes Secundaristas), UNE (União Nacional dos Estudantes), etc. E isso não vale apenas para os mais tradicionais, essa postura também fica evidente nas matérias do El País, do qual falaremos mais adiante. Esse postura se encaixa no que Abramo chama de oficialismo, uma das operações do padrão da inversão. Esse tipo de padrão implica no reordenamento das partes, a troca de lugares e de importância dessas partes, a substituição de umas por outras, o que acarreta na “destruição da realidade original e criação artificial de outra realidade”. A forma que o jornalista define oficialismo, por sua vez, é tão precisa e tão relevante no contexto dos secundaristas que vale incluíla aqui na íntegra.

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“O outro extremo da inversão do fato pela versão é o oficialismo, esta expressão aqui utilizada para indicar a fonte “oficial” ou “mais oficial” de qualquer segmento da sociedade, e não apenas as autoridades do Estado ou do governo. No lugar dos fatos uma versão, sim, mas de preferência, a versão oficial. A melhor versão oficial é a da autoridade, e a melhor autoridade, a do próprio órgão de imprensa. À sua falta, a versão oficial da autoridade cujo pensamento é o que mais corresponda ao do órgão de imprensa, quando se trata de apresentar uma realidade de forma “positiva”, isto é, de maneira a que o leitor não apenas acredite nela mas a aceite e adote. Caso contrário, a versão que mais se opõe à do órgão de imprensa. A autoridade pode ser o presidente da República, o governador do estado, o reitor da Universidade, o presidente do Centro Acadêmico, do Sindicato, do partido político ou de uma Sociedade de Amigos de Bairro. Ela sempre vale mais do que as versões de autoridades subalternas, sempre muito mais que a dos personagens que não detêm qualquer forma de autoridade e, evidentemente, sempre infinitamente mais do que a realidade. Assim, o Oficialismo se transforma em autoritarismo”. (ABRAMO, 2003)

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Fig. 27 (abaixo) Trecho de m a t é r i a publicada no site da revista Época em 04 de dezembro de 2015

Um exemplo prático do oficialismo foi relatado pela estudante Lara Guzzardi, ocupante da Escola Estadual Miss Browne. A estudante conta sobre a ocasião em que uma repórter de uma emissora de televisão foi até a sua ocupação fazer uma imagem, mas não escutou os estudantes. “Eu não sei se era da Cultura, realmente não lembro, mas não era da Globo. Ela foi lá com uma câmera porque ela era repórter, aí ela parou lá na frente da escola e alguém perguntou: “ah, você quer falar com a gente?” Aí ela falou “não, pode continuar aí”. Aí ela ficou lá falando na frente da escola e foi embora.”, contou Lara.

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Alguns veículos também tentaram partidarizar o movimento, estabelecendo relações entre alunos que estavam ocupando com grupos ou partidos políticos. Isso também esbarra em uma tentativa de criminalizar e desvalorizar o movimento, além de colocar estudantes uns contra os outros, visto que os estudantes defendiam e reafirmavam que o movimento era apartidário e apolítico, recusando a intervenção de qualquer grupo político. Em matéria1 publicada em seu site no dia 4 de dezembro, a revista Época questiona o apartidarismo do movimento. Sem nenhum argumento forte, sendo o único embasamento uma “uma ronda nas escolas”, diz que um movimento não se espalharia com tanta rapidez sem a ajuda de grupos políticos. Outro problema foi que, quando teve início a fase de maior repressão da Polícia Militar, a imprensa tradicional se ausentou. As denúncias das violações sendo cometidas pelas forças de segurança do Estado contra os estudantes ficaram muito mais a cargo dos meios alternativos, isto é, veículos não-hegemônicos, coletivos de jornalismo e os próprios estudantes. Sob essa perspectiva, vale reforçar a importância de coletivos independentes que dedicam uma atenção especial à fotografia e registros audiovisuais como a Vice2 , que reúne produção de diversos fotojornalistas independentes. 1 http://epoca.globo.com/tempo/noticia/2015/12/os-estudantes-que-derrubaram-reestruturacao-das-escolas-de-sao-paulo.html - Último acesso em 28/09/2017 2 https://www.vice.com/pt_br/article/ezg8y4/sao-paulo-educacao-ocupada

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Fig. 28 Trecho de matéria publicada no site da Vice em 19 de novembro de 2015

Foi através destas fotografias e vídeos que a população teve acesso ao dia a dia das ocupações, mas também foi por meio delas que criaram-se registros da violência policial contra os estudantes, tanto nas escolas1 quanto nos atos de rua2. Fotógrafos independentes e fotógrafos atrelados a coletivos como estes tiveram um papel fundamental ao registrar em 1 https://www.vice.com/pt_br/article/qkdnem/ocupacao-brigadeiro-gaviao-peixoto 2 https://www.vice.com/pt_br/article/vv4nd8/estudantes-fecharam-a-henrique-schaumann

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Fig. 29 (à esq.) Resultados de pesquisa no Google usando termos “estudantes”, “ocupação” e “El País Brasil” com recorte temporal de 9/11/2015 a 22/12/2015

imagens a ostensividade das forças policiais contra os estudantes. Um importante contraponto à cobertura feita pelos veículos mais tradicionais foi feito pelo El País. O jornal espanhol, em sua versão brasileira, propôsse a cobrir não só o factual, como também a analisar mais a fundo as consequências resultantes da reorganização escolar. Além disso, o El País foi um dos poucos “grandes” veículos a tratar a repressão policial com a devida atenção. Em suas reportagens, o veículo ouviu representantes da sociedade civil organizada que olharam criticamente para a repressão, ao invés de limitar-se a cobrir apenas os atos. Por meio de sua coluna de opinião , ofereceu um contraponto aos discursos das autoridades, como é o caso da coluna1 da Eliane Brum de 7 de dezembro. Com o título de “É Política Sim, Geraldo”, a jornalista rebate diretamente uma infeliz declaração do governador de 2 de dezembro: “Não é razoável obstrução de via pública, é nítido que há uma ação política no movimento. Há uma nítida ação política”. Brum então

1 https://brasilelpais.com/brasil/2015/12/07/ opinion/1449493768_665059.html - último acesso em 14/10/2017

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rebate:

“A frase do governador foi amplificada pela imprensa, em títulos de jornais e chamadas nas rádios, TV, internet. O governador denunciando o movimento dos estudantes que ocupavam as escolas públicas de São Paulo em protesto contra um plano que, em nome da “reorganização escolar”, fecharia mais de 90 escolas e remanejaria mais de 300.000 alunos. Mas, vale repetir, o que o governador denuncia? Que o movimento é político. Qual seria a acusação? É óbvio que o movimento é político. E a melhor qualidade do movimento é justamente a de que é político.”

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Fig. 30 Trecho de coluna da jornalista Eliane Brum de 07 de dezembro de 2015 no site do El PaĂ­s Brasil

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Essa cobertura “precária” da imprensa tradicional teve um preço a ser pago. Os estudantes passaram a evitar dar entrevistas a veículos hegemônicos, que muitas vezes criminalizavam o movimento, e preferir falar à imprensa alternativa, que desempenhou um importante papel nesse contexto. “A gente foi começando a negar entrevista, a limitar o que a gente ia falar, a ser muito seletivo com as pessoas que entravam na escola e com quem a gente falava, a gente ficava muito cansado”, conta Fernanda, citando a ocasião do jornalista do O Estado de S. Paulo. “A gente tinha medo do que iria ser colocado na matéria, então para não dizer mentira, a gente acabava se negando a falar”, conclui ela. Para Rosemary Segurado, cientista política e mãe de uma secundarista, os estudantes prestaram um papel educativo nesse contexto. “Jornalista chegava pra galera e falava “eu vim aqui falar com a invasão”. E eles respondiam “Desculpa aê, aqui não tem uma invasão, tem uma ocupação”. Então assim, acho que teve uma coisa educativa”, avalia Rosemary. Segundo ela, num momento inicial houve uma recusa muito forte dos estudantes em falar com a imprensa, talvez por não saberem como agir. Passado esse primeiro momento, eles começaram a ver que poderiam usar a imprensa até a seu favor. “Depois eles foram mudando e eles foram vendo que a visibilidade era importante pra, enfim, quebrar inclusive uma coisa muito forte na sociedade que é a ideia de que movimento social é igual a baderneiro. E eu acho que eles, de certa forma, conseguiram isso”, conta ela. O fato é que o maior (e mais atualizado) fluxo de

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informações aconteceu nas redes sociais e era alimentado, em maior parte, por coletivos, como O Mal Educado e Jornalistas Livres, e por páginas das ocupações que os próprios estudantes criaram e administravam. Essa também foi uma forma de driblar as informações desencontradas e enganosas veiculadas pela imprensa tradicional. Os estudantes alimentavam as páginas com imagens do diaa-dia da ocupação, como da limpeza que eles faziam, com fotos antes e depois, ou de atividades por eles promovidas. Postavam também fotos dos materiais escolares novos que encontravam em salas fechadas, uma cena que foi comum em muitas das escolas. Além disso, utilizavam a página como um meio oficial de comunicação, postando informações sobre atos de rua, negociações, audiências e eventuais reintegrações de posse. Os coletivos, por sua vez, tiveram um papel de extrema importância desde o primeiro momento. Foi o coletivo O Mal Educado que traduziu e divulgou o manual de como ocupar uma escola a partir do original desenvolvido por estudantes chilenos e argentinos, propagandeando as táticas que haviam sido utilizadas pelos vizinhos sul-americanos.

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Fig. 31 ( a c i m a ) Primeira página do Manual de Como Ocupar um Colégio, traduzido e distribuído pelo coletivo “O Mal Educado”

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Fig. 32 (à dir.) Primeira página do Manual de Como Ocupar um Colégio, traduzido e distribuído pelo coletivo “O Mal Educado”


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Além disso, os coletivos como O Mal Educado, Jornalistas Livres e Mídia Ninja tinham uma relação melhor com os estudantes do que a imprensa tradicional (o preço que foi pago pelo mau jornalismo praticado e pelas reportagens tendenciosas), até pelo fato de alguns estudantes fazerem parte do coletivo, e, por isso, tinham acesso a informações com mais rapidez e veracidade. “O papel da mídia independente foi essencial pra gente. Foi de verdade. Eles passaram as verdades que a gente precisava”, avalia Fernanda. “A gente também era seletivo nesse sentido. A gente escolhia quem entrava na nossa escola depois de um tempo. Na maioria das vezes, quem entrava era a mídia independente porque a gente sabia o que eles iam passar - que eles iriam passar veracidade no conteúdo”, conta a estudante, o que confirma que os secundaristas passaram a preferir falar à mídia independente do que veículos tradicionais. Na onda inicial de ocupações, quando ao anoitecer havia um número x de escolas ocupadas e na manhã seguinte já havia o dobro, a imprensa tradicional não conseguiu acompanhar, por alguns motivos. Em primeiro lugar, porque não compreendeu que era um movimento “unificado” (embora naquele primeiro momento ainda não fosse, de fato) e, portanto, não esperava que outras escolas também fossem ocupadas. E em segundo lugar, porque não tinham o mesmo acesso aos estudantes que os coletivos. Esse segundo aspecto, principalmente, deu uma enorme vantagem aos coletivos, colocando-os à frente da notícia e inclusive pautando a imprensa tradicional. Assim como em 2013, quando no auge das manifestações de

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Fig. 33 Trecho de matĂŠria do UOL publicada em 1. de dezembro de 2015

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junho, o Jornal Nacional exibiu um vídeo veiculado pelo coletivo de jornalismo independente Mídia Ninja, no âmbito da mobilização secundarista, os veículos da imprensa hegemônica também utilizaram os coletivos independentes como fonte, citando as informações veiculadas pelo O Mal Educado sobre o número de escolas ocupadas, por exemplo. No caso de uma matéria1 publicada pelo UOL em 1. de dezembro sobre a suposta depredação a uma escola de Osasco, o Mal Educado foi usado como a forma de apresentar o outro lado, a versão contrária à da dirigente que alegava a destruição à escola.

1 https://educacao.uol.com.br/noticias/2015/12/01/e-uma-tristeza-profunda-diz-dirigente-de-osasco-sobre-escola-depredada.htm - Último acesso em 28/09/2017

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NARRATIVA PRÓPRIA Mas para além da imprensa em si, seja ela a tradicional ou a independente em emergência, os próprios estudantes desempenharam um dos mais importantes papéis na construção de suas narrativas próprias. Munidos de seus celulares e câmeras fotográficas simples, foram eficazes e sábios em registrar a própria versão dos fatos -- seja da repressão policial, da depredação das escolas alegada pelas autoridade, ou até das próprias paródias de funks que criaram com palavras de ordens. Com isso, temos uma história de um movimento social cuja versão principal, cuja versão mais conhecida, veio dos seus próprios protagonistas. E isso é de uma importância sem tamanho. Esse protagonismo dos estudantes na construção da narrativa teve uma função fundamental de contrariar e desmentir as informações sendo veiculadas pela imprensa tradicional. Para Danilo Chaves Nakamura, houve quase que uma batalha de informação e contrainformação. “Então, não tinha como ver aquele negócio ‘ah, eles tão depredando’. Você chegava nas escolas e tava aquela coisa

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toda organizada, na frente eles limpando o pátio”, conta o professor. “Se falasse que era depredação, no dia seguinte você via que não era. Que tava tendo uma organização, um cuidado”. Com essa contrainformação, que desmentia algumas informações da imprensa tradicional e reafirmava a independência e o compromisso do movimento em lutar pela educação, houve uma aproximação da sociedade civil. A população que, quase via de regra, adota uma postura de recusa e distanciamento frente a movimentos sociais, solidarizou-se com os estudantes. É a mesma opinião partilhada por Rosemary Segurado, que fala em uma contra-narrativa hegemônica criada pelos estudantes, valendo-se principalmente das redes, e que ajudou a acessar a população de forma mais simpática. “Essa produção musical, acho que tem uma coisa que é legal de uma estética desse movimento, as músicas que fizeram, a rua, o uso das cadeiras é uma imagem. É muito forte isso. Então acho que eles conseguiram romper com isso e, por mais que, obviamente tem uma força muito grande a grande mídia, eu acho que eles conseguiram uma simpatia, adesão, enfim, e pela própria maneira como eles construíram essa contra-narrativa”, explica.

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legado Outubro de 2017. Nesta mesma época, dois anos atrás, era difícil prever que em questão de semanas, 200 escolas do Estado de São Paulo seriam ocupadas por alunos secundaristas. Hoje, dois anos depois, ainda parece cedo demais para fazer qualquer avaliação do movimento e fazer qualquer avaliação acerca do que foram as ocupações. Até então, o Brasil não tinha vivido nenhuma experiência de ocupação em escolas. A tática de ocupação é velha conhecida do brasileiro e vem sendo utilizada há décadas por movimentos de moradia e terra. Mas na mão dos estudantes, chega como algo novo. Porque de fato é. Há uma questão paradigmática e contraditória envolvida. De que forma ocupar a escola, paralisar as aulas, impedir que outros estudantes tenham aula faz parte da luta por educação? Os estudantes do Estado de São Paulo, e depois do restante do Brasil, mostraram que a contradição está nos olhos de quem vê. Se nos propormos a fazer uma contabilização do legado deixado pelos secundaristas, a primeira coisa que

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devemos falar é sobre o ensinamento das novas práticas políticas. Entre as características que mais definem o movimento estão a horizontalidade e o apartidarismo. Aí está o primeiro ensinamento. Mostraram para os velhos da política que existe uma nova possibilidade de atuação, de luta, em um formato novo e dissociado do que é conhecido. Foram olhados com julgamento, com desconfiança de que conseguiriam ter suas reinvindicações atendidas. Além de terem a reinvindicação principal -- a suspensão da reorganização escolar -- atendida, pelo menos em um primeiro momento, conseguiram dialogar com diferentes grupos da sociedade, até então inacessados por outros grupos políticos. “Acho que a ocupação dos secundaristas está relacionada a esse movimento maior de enfrentamento de questões políticas com outras formas de organização, outras formas de diálogo com a sociedade, outras estruturas”, avalia Rosemary Segurado. Há uma questão que está atrelada principalmente à pauta. A luta por educação é uma pauta “universal”, menos para os governantes, ao que parece. Mas ao que diz respeito à população, tanto direita quanto esquerda concordam sobre a necessidade e importância da educação. Até mesmo os mais céticos e críticos, tiveram que dar o braço a torcer em determinado ponto. Como culpar os estudantes por querer uma educação pública de qualidade? Como culpálos por defender interesses como o de ter uma escola? Em 2016, estudantes do Brasil voltaram a ocupar suas escolas. Paraná, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Goiás, Minas Gerais, Espírito Santo. A pauta era outra -contra a Reforma do Ensino Médio proposta por Michel

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Temer --, mas o número de escolas passou de 2.000. No Paraná, estudantes tomaram quase metade de todas as escolas públicas do Estado. Em São Paulo, as ocupações migraram para as Etecs. Esse é o legado que os estudantes de São Paulo deixaram. Deixaram no ar, na memória de toda a população, a possibilidade de experimentar, pensar e fazer política de uma nova forma. Longe do Congresso, das Câmaras, das sedes de partido. Desassociada de um só rosto, um nome, uma sigla. A cara do movimento é a de todos eles. Ainda é prematuro falar sobre um novo movimento secundarista. Para Taynah, algo aflorou. Ela defende que, se antes não havia nada (no sentido de estudantes secundaristas organizados), agora há, e que por isso, hoje é muito mais fácil fazer alguma articulação. “Aflorou o negócio... Hoje, eu acho mais fácil fazer coisas nas escolas porque as pessoas sentem que é um ambiente fértil”, diz ela. “Aconteceu um fato político muito importante que foi a ocupação das escolas, e esse fato político mudou a conjuntura de como eram as escolas, de fazer luta nas escolas”. Questionada sobre a possibilidade de ter nascido um novo movimento secundarista, ela diz que só o tempo dirá. “Acho que abriu um campo de possibilidades, mas acho que só o futuro vai dizer o que vai se tornar esse campo de possibilidades.” Danilo, que acompanha essa questão da outra margem do rio, como professor, concorda com a visão da estudante. “Você vai em qualquer assembleia hoje da Apeoesp, como quando estão decidindo por greve ou não greve, e o movimento secundarista está lá. Teve agora a coisa

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do passe estudantil, óbvio que numa dimensão bem menor, mas se organizaram enquanto estudantes que estavam sendo afetado pelo passe estudantil. O ano posterior às ocupações teve as Etecs por conta de uma questão específica delas. Então eu acho que ficou”, explica. Para ele, também não dá para pensar numa estrutura no sentido organizativo clássico, com um núcleo duro, mas ficou a ideia de que os estudantes são parte de algo. Os secundaristas que viveram as ocupações costumam dizer que aprenderam mais durante os dois meses de movimento do que durante os três anos de Ensino Médio. E ninguém duvida. É preciso combater o senso comum de que o ensino público, como um todo, é ruim. Ele está muito aquém do desejado, aliás, do aceitável, mas muitas das escolas que seriam fechadas com a reorganização eram ótimas escolas. É o caso da E.E. Diadema, que como Fernanda me contou, é uma das escolas mais disputadas da cidade do ABC Paulista pelo qualidade do seu ensino. Mas será que só isso é suficiente? Que tipo de cidadão queremos formar? Que tipo de cidadão o ensino público quer formar? Essa resposta é fácil. O adolescente formado pela rede pública deverá ser o mais preparado possível para o mercado de trabalho e o menos preparado possível para se pensar politicamente. Suas competências técnicas são mais importantes que as críticas. E é preciso fazer a triste constatação de que essa tendência está chegando ao ensino privado, ao ensino superior. Os secundaristas subvertem essa lógica. Para além da reinvindicação de uma pauta, há um novo espaço de aprendizado criado por eles. Espaço esse onde a prioridade

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é o cidadão crítico, político e consciente do seu papel como sujeito parte da sociedade. Rosemary conta que, em uma conversa com os estudantes cerca de quatro meses depois do movimento, ouviu de um adolescente: ‘eu antes não pensava nada disso e agora a política faz sentido, e agora pensar que eu sou um sujeito dessa política”. Paulo Freire, um dos maiores pensadores da Educação do Brasil, falava da educação como prática libertadora. Amparado por uma temática de analfabetismo, que, segundo ele, tem raízes na exploração e opressão de pessoas, Freire defendeu a educação como um ato de liberdade, dentro do qual as pessoas seriam agentes operadores da transformação do mundo. Para ele, a educação seria um ato de busca eterna, onde o próprio homem seria o sujeito operador e transformador do mundo, o que seria possível apenas com uma compreensão clara do mundo. Essa concepção de educação pensada por ele se opõe a uma outra concepção, que ele chama de bancária. Essa concepção compreende os estudantes como recipientes vazios que receberiam conteúdos, distribuídos por um agente, desconexos da realidade, e que, portanto, não contribuiriam para o seu entendimento de mundo.

“Nela, o educador aparece como seu indiscutível agente, como o seu real sujeito, cuja tarefa indeclinável é “encher” os educandos dos conteúdos de sua narracão. Conteúdos que são retalhos da realidade desconectados da totalidade em que se engendram e em cuja visão ganhariam significação.” - (FREIRE, 1996)

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“A única margem de ação que se oferece aos educandos é a de receberem os depósitos, guardá-los e arquivá-los. Margem para serem colecionadores ou fichadores das coisas que arquivam”, argumenta Freire. Em contraponto a essa concepção, ele propõe a educação libertadora, em que não só o conteúdo passado pelo professor ao estudante seja relevante no sentido da realidade, como também a relação educador-educando seja superada. A ação do educador, identificada com a do educando, deve orientar-se no sentido da humanização de ambos e deve ser fundada na crença nos homens, crença em seu poder criador, diz Freire. Sob essa concepção, o professor seria um mediador entre o educando e o conteúdo na sua constante busca para transformar o mundo e seria uma relação simbiótica. Para Freire, “ninguém educa ninguém, ninguém educa a si mesmo, os homens se educam entre si, mediatizados pelo mundo”. Por que resgatar Paulo Freire? Porque, embora fora do processo de alfabetização, os estudantes secundaristas valeram-se da educação como ferramenta de libertação. Nesse caso, os alunos foram professores uns dos outros, numa relação simbiótica. É mais do que válido dizer que os educandos foram agentes operadores da transformação do mundo.

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E para dentro? A transformação de cada estudante foi tamanha que é até difícil para eles mensurarem. Dois anos depois, traduzir em palavras o que foi essa experiência ainda é uma tarefa difícil. O amadurecimento político é unânime. Muitos dizem que antes não pensavam política, ou não entendiam, e hoje já têm uma visão mais clara sobre as coisas. E não só sobre a política de Brasília, do prefeito Dória. Conseguem pensar com mais clareza as diferentes formas de fazer política. Para Taynah, o maior ganho que teve com as ocupações foi perceber a facilidade em fazer as coisas. “A maior mudança foi perceber como as coisas são fáceis, e simples. É isso. Eu tenho como explicar isso, mas isso já diz muito. Antes eu achava que as coisas eram muito difíceis, inalcançáveis, e hoje eu entendo que elas são simples, que tipo, e isso não reduz a complexidade delas, elas são complexas, mas que tipo, fazer as coisas não exige que a gente fantasie. Fazer as coisas não é toda a fantasia que a gente cria. Fazer é fazer”, explica ela, certa do que está dizendo.

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“Eu fui lá e fiz, eu não planejei, eu fui lá e fiz. Isso mudou totalmente como eu penso política e como eu penso tudo”, completa. “Foi uma coisa que eu sai de um mundo e fez isso”, diz ela, virando as mãos de cabeça para baixo ao tentar explicar a que as ocupações viraram sua concepção de mundo de ponta-cabeça. Para Fernanda, a ocupação também mudou a forma de ver o mundo. “Como eu vejo hoje o mundo, é totalmente diferente de dois anos atrás, antes de ocupar. Eu consigo entender um pouco mais de política, não que eu seja expert, não que eu esteja falando que eu sou de esquerda ou direita, mas eu digo que eu já tenho um pouco mais de consciência”, afirma. “É isso que a luta proporcionou à gente, sabe?” “Ninguém, nenhum aluno que passou pela ocupação, continua vivendo da mesma forma”, garante a estudante. “A gente costuma falar que só a luta muda a vida”.

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