Esta antologia contém vinte poemas de alguns dos autores mais famosos de Portugal. Quando a professora nos perguntou qual era o tema que tínhamos escolhido, tanto eu como o meu colega ficámos indecisos, havia tanto por onde escolher, podíamos escolher qualquer tema, existia uma imensidão de possibilidades. Então, pensámos em apenas procurar, deixar que o tema chegasse até nós, e não o contrário. Mas, quando já tínhamos os vinte poemas, ainda não tínhamos um tema definido, porém, uma coisa permaneceu: a nossa indecisão. Portanto, acho que podemos dizer que o tema desta antologia é a indecisão. Ao longo destes vinte poemas, poderão ler aqueles com os quais nos identificámos, juntamente com a biografia de cada autor.
Biografia de Fernando Pessoa
Fernando Pessoa foi um dos mais importantes poetas da língua portuguesa do século XX, nascido em Lisboa em 1888 e falecido em 1935. Ele é conhecido pela sua vasta obra poética e pela criação dos heterônimos, personagens literários com estilos e personalidades próprias. Entre os seus heterônimos mais famosos estão Alberto Caeiro, Álvaro de Campos e Ricardo Reis, cada um com características únicas que refletem diferentes visões de mundo e estilos literários. Pessoa também escreveu sob o seu próprio nome e é admirado pela sua reflexão profunda sobre a vida, a identidade e a existência humana.
Quando vier a primavera
Quando vier a primavera,
Se eu já estiver morto,
As flores florirão da mesma maneira
E as árvores não serão menos verdes que na primavera passada.
A realidade não precisa de mim.
Sinto uma alegria enorme
Ao pensar que a minha morte não tem importância nenhuma.
Se soubesse que amanhã morria
E a primavera era depois de amanhã,
Morreria contente, porque ela era depois de amanhã.
Se esse é o seu tempo, quando havia ela de vir senão no seu tempo?
Gosto que tudo seja real e que tudo esteja certo;
E gosto porque assim seria, mesmo que eu não gostasse.
Por isso, se morrer agora, morro contente,
Porque tudo é real e tudo está certo.
Podem rezar latim sobre o meu caixão, se quiserem.
Se quiserem, podem dançar e cantar à roda dele.
Não tenho preferências para quando já não puder ter preferências.
O que for, quando for, é que será o que é.
em “Poemas Inconjuntos” 7
Não sei quantas almas tenho
A minha vida é um barco abandonado Infiel, no ermo porto, ao seu destino. Por que não ergue ferro e segue o atino De navegar, casado com o seu fado?
Ah! falta quem o lance ao mar, e alado Torne seu vulto em velas; peregrino Frescor de afastamento, no divino Amplexo da manhã, puro e salgado.
Morto corpo da ação sem vontade
Que o viva, vulto estéril de viver, Boiando à tona inútil da saudade.
Os limos esverdeiam tua quilha, O vento embala-te sem te mover, E é para além do mar a ansiada Ilha.
em “Cancioneiro”
Biografia de José Saramago
José Saramago foi um escritor português, nascido em 1922 e falecido em 2010. Ele é amplamente reconhecido pelas suas obras de ficção, que frequentemente exploram temas sociais e políticos com uma abordagem alegórica e irônica. Saramago recebeu o Prêmio Nobel de Literatura em 1998. Entre as suas obras mais conhecidas estão "Ensaio sobre a Cegueira" e "O Evangelho Segundo Jesus Cristo". A sua escrita é caracterizada por um estilo único, com frases longas e uso não convencional de pontuação. Saramago também foi um crítico social e político ativo, conhecido pelas suas visões comunistas e ateístas.
Retrato do Poeta Quando Jovem
Há na memória um rio onde navegam
Os barcos da infância, em arcadas
De ramos inquietos que despregam
Sobre as águas as folhas recurvadas.
Há um bater de remos compassado
No silêncio da lisa madrugada,
Ondas brancas se afastam para o lado
Com o rumor da seda amarrotada.
Há um nascer do sol no sítio exato, À hora que mais conta duma vida,
Um acordar dos olhos e do tato, Um ansiar de sede inextinguida.
Há um retrato de água e de quebranto
Que do fundo rompeu desta memória, E tudo quanto é rio abre no canto
Que conta do retrato a velha história.
em “Os Poemas Possíveis”
Fala do Velho do Restelo ao Astronauta
Aqui, na Terra, a fome continua.
A miséria, o luto, e outra vez a fome.
Acendemos cigarros em fogos de napalme
E dizemos amor sem saber o que seja.
Mas fizemos de ti a prova da riqueza,
E também da pobreza, e da fome outra vez.
E pusemos em ti sei lá bem que desejo
De mais alto que nós, e melhor e mais puro.
No jornal, de olhos tensos, soletramos
As vertigens do espaço e maravilhas: Oceanos salgados que circundam Ilhas mortas de sede, onde não chove.
Mas o mundo, astronauta, é boa mesa
Onde come, brincando, só a fome, Só a fome, astronauta, só a fome,
E são brinquedos as bombas de napalme.
em “Os Poemas Possíveis”
Biografia de Miguel Torga
Miguel Torga foi um escritor e poeta português, nascido em 1907 e falecido em 1995. O seu verdadeiro nome era Adolfo Correia da Rocha. Torga é conhecido pela sua obra que celebra a natureza e a vida rural portuguesa, além de refletir sobre a condição humana. Entre os seus trabalhos mais importantes estão os diários que escreveu ao longo de mais de cinquenta anos e a coletânea de contos "Bichos". A sua escrita é marcada por uma linguagem simples e direta, revelando profundo humanismo e ligação com a terra. Torga também exerceu a profissão de médico.
Princípio
Não tenho deuses. Vivo Desamparado.
Sonhei deuses outrora, Mas acordei.
Agora
Os acúleos são versos, E tateiam apenas
A ilusão de um suporte. Mas a inércia da morte,
O descanso da vide na ramada
A contar primaveras uma a uma, Também me não diz nada.
A paz possível é não ter nenhuma.
em 'Penas do Purgatório'
Identidade
Matei a lua e o luar difuso.
Quero os versos de ferro e de cimento.
E em vez de rimas, uso
As consonâncias que há no sofrimento.
Universal e aberto, o meu instinto acode
A todo o coração que se debate aflito.
E luta como sabe e como pode:
Dá beleza e sentido a cada grito.
Mas como as inscrições nas penedias
Têm maior duração,
Gasto as horas e os dias
A endurecer a forma da emoção.
em 'Penas do Purgatório'
Biografia de Antero de Quental
Antero de Quental foi um poeta e ensaísta português, nascido em 1842 e falecido em 1891. Ele é uma figura central do movimento literário conhecido como Geração de 70 e é famoso pela sua poesia filosófica e social. Quental também foi um ativista político, influenciado por ideias socialistas e republicanas. Entre as suas obras mais conhecidas estão os "Sonetos Completos". A sua vida foi marcada por uma profunda melancolia e luta contra a depressão, culminando em seu suicídio aos 49 anos. Quental é lembrado como um dos maiores poetas do século XIX em Portugal.
Com os Mortos
Os que amei, onde estão? Idos, dispersos, arrastados no giro dos tufões, Levados, como em sonho, entre visões, Na fuga, no ruir dos universos...
E eu mesmo, com os pés também imersos
Na corrente e à mercê dos turbilhões, Só vejo espuma lívida, em cachões,
E entre ela, aqui e ali, vultos submersos...
Mas se paro um momento, se consigo
Fechar os olhos, sinto-os a meu lado
De novo, esses que amei vivem comigo,
Vejo-os, ouço-os e ouvem-me também, Juntos no antigo amor, no amor sagrado, Na comunhão ideal do eterno Bem.
em "Sonetos"
DIVINA COMÉDIA
Erguendo os braços para o céu distante
E apostrofando os deuses invisíveis, Os homens clamam: – “Deuses impassíveis, A quem serve o destino triunfante,
Por que é que nos criastes?! Incessante
Corre o tempo e só gera, inextinguíveis, Dor, pecado, ilusão, lutas horríveis, Num turbilhão cruel e delirante. . .
Pois não era melhor na paz clemente
Do nada e do que ainda não existe, Ter ficado a dormir eternamente?
Por que é que para a dor nos evocastes?” Mas os deuses, com voz inda mais triste, Dizem: – “Homens! porque é que nos criastes?”
em "Sonetos"
Biografia de Cesário Verde
Cesário Verde foi um poeta português nascido em 1855 e falecido em 1886. Ele é reconhecido pela sua contribuição à poesia moderna portuguesa, apesar de sua breve carreira. Cesário é famoso por retratar a vida urbana e rural com um olhar detalhista e realista. As suas obras capturam cenas do cotidiano e exploram temas como a cidade, a natureza e a condição humana. Entre os seus poemas mais notáveis estão "O Sentimento dum Ocidental" e "Nós". Cesário Verde morreu jovem, vítima de tuberculose, mas o seu trabalho deixou um impacto duradouro na literatura portuguesa.
Manias
O mundo é velha cena ensanguentada. Coberta de remendos, picaresca;
A vida é chula farsa assobiada, Ou selvagem tragédia romanesca.
Eu sei um bom rapaz, - hoje uma ossada -, Que amava certa dama pedantesca, Perversíssima, esquálida e chagada, Mas cheia de jactância, quixotesca.
Aos domingos a déia, já rugosa,
Concedia-lhe o braço, com preguiça, E o dengue, em atitude receosa,
Na sujeição canina mais submissa, Levava na tremente mão nervosa, O livro com que a amante ia ouvir missa!
em 'O Livro de Cesário Verde'
Vaidosa
Dizem que tu és pura como um lírio
E mais fria e insensível que o granito,
E que eu que passo por aí por favorito
Vivo louco de dor e de martírio.
Contam que tens um modo altivo e sério,
Que és muito desdenhosa e presumida,
E que o maior prazer da tua vida,
Seria acompanhar-me ao cemitério
Chamam-te a bela imperatriz das fátuas,
A déspota, a fatal, o figurino,
E afirmam que és um molde alabastrino,
E não tens coração, como as estátuas.
E narram o cruel martirológio
Dos que são teus, ó corpo sem defeito,
E julgam que é monótono o teu peito
Como o bater cadente dum relógio.
Porém eu sei que tu, que como um ópio
Me matas, me desvairas e adormeces
És tão loira e doirada como as messes
E possuis muito amor… muito amor-próprio!
em 'O Livro de Cesário Verde'
Biografia de Florbela Espanca
Florbela Espanca foi uma poetisa portuguesa, nascida em 1894 e falecida em 1930. Conhecida pela sua poesia intensa e emocional, ela explorava temas como amor, sofrimento e solidão. A sua obra mais famosa é "Sonetos", que destaca a sua habilidade em expressar sentimentos profundos e complexos. Florbela teve uma vida marcada por tragédias pessoais e lutou contra a depressão, acabando por suicidar-se aos 36 anos. Ela é lembrada como uma das mais importantes poetisas de Portugal, com uma influência duradoura na literatura portuguesa.
Lágrimas ocultas
Se me ponho a cismar em outras eras
Em que ri e cantei, em que era querida,
Parece-me que foi noutras esferas,
Parece-me que foi numa outra vida...
E a minha triste boca dolorida,
Que dantes tinha o rir das Primaveras,
Esbate as linhas graves e severas
E cai num abandono de esquecida!
E fico, pensativa, olhando o vago...
Toma a brandura plácida dum lago
O meu rosto de monja de marfim...
E as lágrimas que choro, branca e calma,
Ninguém as vê brotar dentro da alma!
Ninguém as vê cair dentro de mim!
em "Livro de Mágoas"
ÓDIO?
Ódio por Ele? Não... Se o amei tanto,
Se tanto bem lhe quis no meu passado,
Se o encontrei depois de o ter sonhado,
Se à vida assim roubei todo o encanto,
Que importa se mentiu? E se hoje o pranto
Turva o meu triste olhar, marmorizado, Olhar de monja, trágico, gelado
Com um soturno e enorme Campo Santo!
Nunca mais o amar já é bastante!
Quero senti-lo doutra, bem distante, Como se fora meu, calma e serena!
Ódio seria em mim saudade infinda, Mágoa de o ter perdido, amor ainda!
Ódio por Ele? Não... não vale a pena...
em "Livro de Sóror Saudade"
Biografia de Alexandre O’Neill
Alexandre O'Neill foi um poeta português, nascido em 1924 e falecido em 1986. Ele foi um dos fundadores do movimento surrealista em Portugal e é conhecido pela sua poesia irónica e satírica, que frequentemente criticava a sociedade e a política. Entre as suas obras mais destacadas estão "Abandono Vigiado" e "Poemas com Endereço". O'Neill também trabalhou como publicitário e tradutor. A sua escrita caracteriza-se por um estilo lúdico e inovador, combinando humor com profundidade emocional. Ele é considerado uma figura central na literatura portuguesa do século XX.
A Morte, esse Lugar-Comum
É trivial a morte e há muito se sabe fazer - e muito a tempo! - o trivial. Se não fui eu quem veio no jornal, foi uma tosse a menos na cidade...
A caminho do verme, uma beldade — não dirias assim, Gomes Leal? — vai ser coberta pela mesma cal que tapa a mais intensa fealdade.
Um crocitar de corvo fica bem neste anúncio de morte para alguém que não vê n'alheia sorte a própria sorte...
Mas por que não dizer, com maior nojo, que um menino saiu do imenso bojo de sua mãe, para esperar a morte?...
em 'Abandono Vigiado'
Os Amantes de Novembro
Ruas e ruas dos amantes
Sem um quarto para o amor
Amantes são sempre extravagantes
E ao frio também faz calor
Pobres amantes escorraçados
Dum tempo sem amor nenhum
Coitados tão engalfinhados
Que sendo dois parecem um
De pé imóveis transportados
Como uma estátua erguida num
Jardim votado ao abandono
De amor juncado e de outono.
em 'No Reino da Dinamarca
Biografia de Vergílio Ferreira
Vergílio Ferreira foi um escritor e ensaísta português, nascido em 1916 e falecido em 1996. Ele é conhecido pelas suas obras de ficção e ensaios que exploram temas existenciais e filosóficos. Vergílio escreveu romances como "Aparição" e "Manhã Submersa", que são considerados clássicos da literatura portuguesa. Além de romancista, ele foi professor e influenciou várias gerações de leitores e escritores com sua profunda reflexão sobre a condição humana. O seu estilo é marcado por uma linguagem introspetiva e poética.
Vergílio Ferreira é lembrado como uma figura importante na literatura portuguesa contemporânea.
Cai a Chuva Abandonada
Cai a chuva abandonada à minha melancolia, a melancolia do nada que é tudo o que em nós se cria.
Memória estranha de outrora não a sei e está presente. Em mim por si se demora e nada em mim a consente do que me fala à razão. Mas a razão é limite do que tem ocasião
de negar o que me fite de onde é a minha mansão que é mansão no sem-limite. Ao longe e ao alto é que estou e só daí é que sou.
em 'Conta-Corrente 1'
Sinto na Angústia o Quem me Lembrasse
Sinto na angústia o quem me lembrasse e do lembrar a mim como uma ponte onde de noite já ninguém passasse viesse a notícia desse outro horizonte
em que o meu grito preso na garganta dissesse à voz que não ouvi e veio quanto cansaço inverosímil, quanta fadiga me enternece como um seio.
Vibrátil voga vaga pela tarde que em cigarros distrai o eu estar só a chama obscura que visível arde quando arde ao sol o pó.
em 'Conta-Corrente 1'
Biografia de Agostinho da Silva
Agostinho da Silva foi um filósofo, ensaísta e poeta português, nascido em 1906 e falecido em 1994. Ele é conhecido pelas suas ideias inovadoras e não-conformistas, defendendo uma filosofia de vida baseada na liberdade individual e na espiritualidade. Agostinho teve uma vida itinerante, vivendo em vários países, especialmente no Brasil, onde influenciou muitos intelectuais. As suas obras refletem uma visão crítica da sociedade contemporânea e uma busca constante pelo sentido da existência. Ele é lembrado pelo seu pensamento original e seu impacto duradouro na cultura lusófona.
Sonho
Teria passado a vida atormentado e sozinho se os sonhos me não viessem mostrar qual é o caminho
umas vezes são de noite outras em pleno de sol com relâmpagos saltados ou vagar de caracol
quem os manda não sei eu se o nada que é tudo à vida ou se eu os finjo a mim mesmo para ser sem que decida.
em 'Poemas'
Mundo
Tenho um amor nas Honduras e tenho outro no Nepal que o terceiro negro seja se for chinês não faz mal
me falta ainda da Austrália
quem sabe do Polo Norte me não virá mais algum se houver foca que dê sorte
até o centro da terra dará por quem me apaixone por quem nunca me atormente com falas ao telefone
mas de verdade o que eu amo é o do nada do mundo
que até duvido que exista tanto se acolhe ao profundo.
em 'Poemas'
Biografia de Jorge de Sena
Jorge de Sena foi um escritor, poeta, ensaísta e crítico literário português, nascido em 1919 e falecido em 1978. Conhecido pela sua vasta produção literária, Sena explorou diversos gêneros, incluindo poesia, ficção e crítica literária. As suas obras são marcadas por um profundo compromisso com a liberdade e a justiça social. Entre os seus trabalhos mais destacados estão "Sinais de Fogo" e "Poesia III". Jorge viveu exilado no Brasil e nos Estados Unidos devido à sua oposição ao regime salazarista em Portugal. Ele é lembrado como uma figura central na literatura portuguesa do século XX.
Da Vida... não Fales Nela
Da vida... não fales nela, quando o ritmo pressentes. Não fales nela que a mentes.
Se os teus olhos se demoram em coisas que nada são, se os pensamentos se enfloram em torno delas e não em torno de não saber da vida... Não fales nela.
Quanto saibas de viver nesse olhar se te congela. E só a dança é que dança, quando o ritmo pressentes.
Se, firme, o ritmo avança, é dócil a vida, e mansa... Não fales nela, que a mentes.
em 'Pedra Filosofal'
Independência
Recuso-me a aceitar o que me derem. Recuso-me às verdades acabadas; recuso-me, também, às que tiverem pousadas no sem-fim as sete espadas.
Recuso-me às espadas que não ferem e às que ferem por não serem dadas.
Recuso-me aos eus-próprios que vierem e às almas que já foram conquistadas.
Recuso-me a estar lúcido ou comprado e a estar sozinho ou estar acompanhado.
Recuso-me a morrer. Recuso a vida.
Recuso-me à inocência e ao pecado como a ser livre ou ser predestinado.