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BOCA DE CENA Diz-se às vezes, em conversas plebeias de desabafo das tristezas e rancores, que por causa de uma má mulher da vida (o termo aqui seria outro mas não a escrevo por redundância plebeia) se perde quantas vezes uma boa amiga. Severa Onofriana era uma mulher da vida, presume-se que da parte menos rosa, e por ela se perderam muitos pelas ruas de Lisboa e pelas portas do coração, até um conde, o tal de Vimioso depois arrependidos e que a deixaram triste também por ser trocada. Trazida ao mundo na taberna da mãe, à Rua da Madragoa (actual Rua Vicente Borga nº33) a 26 de Julho, corria já o final da primeira metade do ano de 1820. O encanto da voz que nos deixou só foi ouvida pelos seus conterrâneos mas ficou para sempre lembrada na memória colectiva por relatos orais de contemporâneos e escritos

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de Luís Augusto Palmeirim, Miguel Queriol ou Raimundo António de Bulhão Pato. Regida por signo pelo sol e tendo a Lua por talismã, leoa por zodíaco e magnetismo, criatividade e talento, tornou-se o ícone de primeira fadista cantadeira pelos seus amores e pelos fados que cantava, tocava e dançava, no bairro da Mouraria. Dela glosou o poeta Bulhão Pato, que a terá conhecido pessoalmente: “A pobre rapariga foi uma fadista interessantíssima como nunca a Mouraria tornará a ter!... Não será fácil aparecer outra Severa altiva e impetuosa, tão generosa como pronta a partir a cara a qualquer que lhe fizesse uma tratantada! Valente, cheia de afectos para os que estimava, assim como era rude para com os inimigos. Não era mulher vulgar, pode ter a certeza” (cf. Júlio de Sousa e Costa, “Severa”).


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