Blanchot, maurice o livro por vir

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o LIVRO POR VIR

condem um combate extremo, e escondem -no de fato. Temos às vezes a impressão de que Claudel é menos convertido do que tenta converter sua conversão aos recursos de sua poderosa natureza: árvore atingida pelo raio, mas que não arde, que deseja apenas reverdecer pelo fogo. Mas será isso possível? A crise é inevitável.

"O Infinito, Palavra horrível" A crise é inevitável porque Claudel tem dentro de si, ao lado da grande força possessiva, uma aversão excepcional pelo ilimitado e pelo indefinido. E isso num grau extraordinário. É tanto mais notável que, não serido fraco, mas poderoso, ele deveria ser preferencialmente tolhido pelas fronteiras, e aspirar à destruição de todos os limites. E é bem verdade que ele quer tudo, mas não mais do que isso, e, nesse tudo, somente cada coisa, uma a urna, e já formada, já criada, realidade sólida de que ele pode se apropriar e que pode conhecer. Quer tudo, a certeza de tudo, não a origem, não o que ainda não é, mas o universo presente, o mundo em seus limites, fechado e circunscrito, onde nada se perde, e que ele poderá enumerar, medir e confirmar por sua palavra permanente. Mesmo estando ligado ao desejo, Claudel é primeiro o homem presente e o homem do presente; só fala no presente; sempre há, para ele, no que está ali, existência suficiente para que possa contentá -lo, para que possa ser glorificado e provocado, por sua linguagem, a existir ainda mais. Mas o que é esse presente ao qual ele deseja corresponder por um impulso tumultuoso? Será o instante, "a hora que está entre a primavera e o verão", que a Cantata [a três vozes] cantará? Será o presente do gozo? A felicidade que se agarra e se saboreia, na despreocupação do êxtase? Nada

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A QUESTÂO LITERÁRIA

lhe é mais contrário, sabemos bem. Porque quer o presente para estar presente nele, não para nele se perder. Como tem horror do indeterminado, tem horror e nojo do mergulho panteísta; e o presente não é feito apenas para que nos absorvamos nele e com ele nos contentemos, mas para que nos alimentemos dele, para que o desenvolvamos e o ultrapassemos, por um crescimento progressivo e um desabrochamento circular. Poderá, então, contentar-se com uma apropriação espiritual, possuindo cada coisa presente em sua forma ou tocando apenas sua superfície? Ele quer mais: não quer apenas ver, mas ter, possuir com todo o seu ser o ser inteiro, até sua substância. Torna-se, então, o poeta do elementar. "O próprio elemento' A matéria-prima! É do mar, digo, que preciso" - e a terra sólida, primordial, a "Terra da Terra, a abundância do seio", "o ardente sangue obscuro", "o plasma que trabalha e destrói, que carrega e molda", a afluência volumosa, tudo o que é enorme, e não apenas a água clara e corrente, mas "a vaga turfosa", "impregnada da substância da Terra", que os rios da China lhe revelaram, "corrente que, com maior

peso, foge em direção ao centro mais profundo de um círculo mais alargado" (o que corresponde exatamente à definição do presente que lhe é próprio: o presente, para ele, não é um ponto, é o alargamento circular do ser em perpétua vibração). Mas, cedendo a esse movimento, não corre ele o risco de se atolar no informe, de ter tudo, mas dissolvido no coração de tudo, "o Caos que não recebeu o Evangelho"? Ele não deseja a distinção inicial, assim como não deseja o nada. Esse gênio profundo não pretende, no fundo, consentir nem ao abismo do vazio nem à incerteza da origem: nada perder da composição das coisas, mantidas todas juntas pelo poderoso acordo da simultaneidade poética' e de modo que ele as possa enumerar em sua unidade

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