Blanchot, maurice o livro por vir

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PARA ONDE VAI A UTERATURA?

CAPíTuLO III "ONDE AGORA? QUEM AGORA?"

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ou porque essa seria sua tarefa, ou porque ele esperaria, ao escrever, avançar no desconhecido. E então, será para acabar com isso? Porque ele tenta se esquivar do movimento que o arrasta, dando a si mesmo a impressão de ainda o dominar, e porque, já que ele fala, poderia cessar de falar? Mas é ele quem fala? Qual é esse vazio que se torna fala, na intimidade daquele que aí desaparece? Onde ele caiu? "Onde agora? Quando agora? Quem agora?"

Na região do erro Quem fala nos livros de Samuel Beckett? Quem é esse "Eu" incansável, que aparentemente diz sempre a mesma coisa? Aonde ele quer chegar? O que espera esse autor que, afinal, deve estar em algum lugar? O que esperamos nós que o lemos? Ou então ele entrou num círculo onde gira obscuramente, arrastado pela fala errante, não privada de sentido mas privada de centro, fala que não começa nem acaba, mas é ávida, exigente, que nunca termina e cujo fim não suportaríamos, pois então teríamos de fazer a descoberta terrível de que, quando se cala, continua falando, quando cessa, persevera, não silenciosamente, pois nela o silêncio se fala eternamente. Experiência sem saída, embora, de livro em livro, prossiga de uma maneira mais pura, rejeitando os fracos recursos que lhe permitiriam prosseguir. É esse movimento que impressiona, em primeiro lugar. Aqui, alguém não escreve pelo honroso prazer de fazer um belo livro, e também não escreve sob aquele belo constrangimento que acreditamos poder chamar de inspiração: para dizer as coisas importantes que teria a nos dizer,

Ele luta, isso é visível. Luta às vezes secretamente, como a partir de um segredo que nos oculta, que oculta também a si mesmo. Luta não sem esperteza, e depois com a esperteza mais profunda que consiste em mostrar seu jogo. O primeiro estratagema é o de interpor, entre ele e sua fala, máscaras e rostos. Molloy ainda é um livro em que aquilo que se exprime tenta tomar a forma tranqüilizante de uma história, e certamente não é uma história feliz, não apenas pelo que diz, que é infinitamente miserável, mas porque ela não consegue dizê-lo. Esse errante ao qual faltam os meios de errar (mas ele ainda tem pernas, tem até uma bicicleta), que gira eternamente em volta de um objetivo obscuro, dissimulado, confessado, novamente dissimulado, um objetivo que tem algo a ver com sua mãe morta, mas sempre agonizante, algo que, precisamente porque ele o alcança logo que o livro começa (" Es-

tou no quarto de minha mãe. Sou eu que vivo aqui, agora"), o condena a errar à sua volta incessantemente, na estranheza daquilo que se dissimula e não quer revelar-se sentimos bem que esse vagabundo está sujeito a um erro mais profundo, e que esse movimento descompassado se


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