CRÔNICAS DA GALILÉIA

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Crônicas da

Galiléia



Angelo Dias pelo Espírito Carlos Henrique

Crônicas da

Galiléia Goiânia, 2016


Crônicas da Galileia - Histórias do Tempo de Jesus Copyright© 2016 by FEEGO 1ª edição Autoria: Carlos Henrique, Espírito / Angelo Dias, Médium Coordenação editorial e revisão: Ivana Raisky Projeto gráfico/capa/diagramação: Juliano Pimenta Fagundes Imagem da capa: Kangaroo cloud in the sky over the Sea of Galilee by haimohayon Foto do autor: acervo pessoal Revisão bíblica: Saulo César Ribeiro da Silva Revisão ortográfica: Wesley Luís Carvalhaes Direitos autorais gentilmente cedidos à Federação Espírita do Estado de Goiás. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação - CIP GPT/BC/UFG H518c

Henrique, Carlos (Espírito). Crônica da Galiléia : histórias do tempo de Jesus / Angelo Dias. - Goiânia : Federação Espírita do Estado de Goiás, 2016. 264 p. il. ISBN: 978-85-60182-48-0 Romance ditado pelo Espírito Carlos Henrique. 1.Dias, Angelo. 2. Literatura espírita . 3. Kardecismo. I. Título. CDU:133.9

DIREITOS RESERVADOS - É proibida a reprodução total ou parcial da obra, de qualquer forma ou por qualquer meio sem a autorização prévia e por escrito dos autores. A violação dos Direitos Autorais é crime estabelecido pelo Artigo 184 do Código Penal. Impresso no Brasil Printed in Brazil 2016 FEDERAÇÃO ESPÍRITA DO ESTADO DE GOIÁS – FEEGO Rua 1133 nº 40 - Setor Marista - Goiânia-GO CEP: 74.180-120 - Fone: (62) 3281-5114/3281-0200 www.feego.org.br


O autor

A

ngelo Dias é natural de Araguari (MG), mas ainda pequeno mudou-se com sua família para Goiânia (GO), cidade que os adotou em definitivo. Católico de formação, aceitou um desafio na adolescência, proposto por uma tia querida: ler O Livro dos Espíritos. Estava plantada a semente que seria sempre cultivada com carinho, mas que somente rebentaria em frutos muitos anos mais tarde, quando finalmente vieram o chamado, o estudo sistematizado da Doutrina e o trabalho na Messe. Ao lado da atividade como palestrante, na capital e no interior do Estado, é também evangelizador, trabalhador da mediunidade, e membro da diretoria da casa abençoada que o acolheu, o Posto de Auxílio Espírita (PAE – Goiânia). Desde 2005, Angelo rege o Coral Espírita Vozes da Terra. Profissionalmente, é maestro e professor de canto e regência na Escola de Música e Artes Cênicas da Universidade Federal de Goiás. A colaboração psicográfica


com o Espírito Carlos Henrique começou em 2011, e dela já resultaram alguns livros e inúmeras crônicas avulsas. Disciplinado, de verbo fácil e inspirado, conhecedor dos meandros da alma, o amigo espiritual tem proporcionado momentos de emoção extrema ao longo dos anos de convivência e trabalho.


Apresentação

A

Galileia de 2.000 anos atrás foi palco de eventos extraordinários, que marcariam de maneira indelével os séculos vindouros nas suas mais diversas expressões de arte, poder, filosofia e religião. Região simples e de pouca relevância política e econômica, foi o campo de atuação Daquele que moldaria a feição da sociedade humana, dividindo a história entre antes e depois Dele. Comparados com o seu impacto, os registros históricos desses acontecimentos são escassos. Fora dos 27 textos que compõem o Novo Testamento, pouco há de confiável em relação ao que Jesus disse e fez registrado pelos seus contemporâneos. Sabemos, pelas palavras do Evangelho segundo João que “Há, porém, ainda muitas outras coisas que Jesus fez. Se todas elas fossem relatadas uma por uma, creio eu que nem no mundo inteiro caberiam os livros que seriam escritos3”. É possível depreender que o Mestre preferiu a singeleza do cotidiano como campo de trabalho e para o advento de uma nova doutrina de amor e paz, sacrifício 3

Evangelho de João 21:25.


e renúncia, bases sobre as quais o Reino dos Céus seria edificado. Escreveu com o Seu exemplo no material mais duradouro que existe: o coração e a mente da criatura humana. A partir do primeiro século, muitos foram os esforços de reconstrução daqueles momentos inicias da Boa Nova. Seguidores, artistas, pesquisadores, se debruçaram sobre o parco material registrado a fim de completar, dar vida, detalhar e explicar o imenso mosaico de ações do Cristo. É preciso reconhecer que realizações notáveis foram feitas nesse sentido. Com o advento da Doutrina Espírita, na segunda metade do século XIX, um outro conjunto de esforços viria a se somar a essa tentativa de reconstrução e compreensão daqueles momentos. Os labores das mãos humanas contariam também com o testemunho dos que já não revestiam a indumentária material. Nesse esforço conjunto, tradições seriam resgatadas, relatos se ampliaram, narrativas seriam completadas e explicadas. O próprio João Evangelista voltaria informando que os espíritos nos ensinariam o sentido exato das parábolas e mostrariam a forte correção que existe entre o que foi e o que é4.É dentro dessa categoria de contribuição que se localiza a presente obra. Mãos encarnadas e desen4

O Evangelho Segundo o Espiritismo. Cap. VIII item 18.


carnadas unidas para o regate de situações, personagens e acontecimentos do primeiro século da era cristã. O trabalho do nosso irmão Carlos Henrique traz características peculiares que merecem ser destacas. As crônicas por ele apresentadas não representam um elencado de fatos, datas, lugares e pessoas que se descortinam rapidamente diante dos olhos ávidos por informação. Ao contrário, o leitor deve ter em mente que ao percorrer as páginas deste livro, estará adentrando uma galeria onde cada crônica corresponde a um quadro, pintado com esmero e cuidado. A narrativa é construída como alguém que busca as mínimas nuances de cores para refletir as impressões do próprio espírito, valendo-se do verbo e da letra ao invés da tinta e do pincel. Nesses “quadros de palavras”, instantes se desdobram, acontecimentos se conectam, sentimentos se expressam. Das alegrias dos pastores às angústias de um cenáculo onde a saudade do Amigo convertia-se em solidão e silencio, passando pelas praias de Cafarnaum o leitor é convidado a transportar-se para aqueles dias e sentir reverberar em seu íntimo uma mensagem de alegria e fé, esperança e amor. Obviamente, que, como qualquer obra de arte, o resultado é obtido a partir do material disponível ao artista, das suas intenções e possibilidades. Fica claro que


aqui e ali surgem os coloridos específicos do autor, as tintas que lhe são próprias, o manejo que lhe caracteriza as ideias. O rigorismo histórico às vezes cede lugar às impressões da alma. Por isso, as crônicas apresentadas são como janelas na alma do autor, através das quais divisamos um tempo longínquo em que uma mensagem de Boa Notícia foi cantada. Longe de representar um problema, essa forma de expressão representa uma das mais importantes maneiras pelas quais o Evangelho deve ser divisado, ou seja, através dos sentimentos e experiências dos que o viveram e o vivem. Ao se dedicar atenção e tempo, aguçando a sensibilidade, o leitor encontrará nestas páginas aquele convite feito a todos os que ainda sofrem pelo peso dos desafios do mundo: “Vinde a mim, todos vós que estais aflitos e sobrecarregados e eu vos aliviarei”. Saulo Cesar Ribeiro da Silva Barueri, 1 de agosto de 2016


Sumário 1. PROMESSAS 2. PÃO E LUZ 3. CEIFA DA ETERNIDADE 4.SUBLIME VIDEIRA 5. AS ANDORINHAS 6. MESTRE EM ISRAEL 7. A CURA 8. NO JARDIM 9. AS REDES 10. O BANQUETE 11. A FÉ 12. HARMONIA CELESTE 13. O CEIFEIRO 14. SOLITUDE 15. TEMPESTADE 16. SILÊNCIO 17. O GLÁDIO 18. TREVAS 19. DESCIDA 20. ASCENSÃO 21. O DÍDIMO 22. CAMINHEIROS 23. PAX VOBISCUM 24. MAMERTINO 25. DE VOLTA AO PAI 26. AZAEL

15 23 31 39 47 55 63 71 79 87 95 103 111 119 127 135 151 161 175 185 193 201 211 219 229 239



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PROMESSAS



A

primavera derramava-se qual véu tenuíssimo por sobre as encostas do monte santo, ocultando suas asperezas naturais e dulcificandolhe as anfractuosidades com jorros de luz e com florezinhas que se espalhavam aos borbotões. No ar, as brisas que poliam a superfície do grande lago invadiam a terra e abençoavam os passantes com o frescor das águas. Era já a hora crepuscular. Em breve, todas as criaturas procurariam seus recessos na rocha, na galharia ou no interior das moradas caiadas de branco, para o merecido repouso dos labores diários. Todavia, naquele fim de tarde, uma pequena multidão ainda estava reunida defronte ao modesto outeiro. Havia entre eles as mais diversas figuras humanas. Alguns ostentavam as vestimentas ricas dos abastados pela vida, tecidas em seda e linho, com fios de ouro delicados que faiscavam à luz do entardecer. Era como se o cobre do sol e o dourado do metal nobre se fundissem para moldar uma nova liga, de cor e textura sublimes. Já outros traziam sobre o corpo o costume surrado dos trabalhadores do povo. Eram pescadores, pedreiros, agricultores, pastores. Havia neles, em suas mãos rudes e calejadas, uma dignidade que só o trabalho pode conceder. Suas frontes cansadas, suarentas e curtidas pelo sol encimavam olhos que giravam em volta, como que a pedir o refrigério de uma bilha d’água, tanto quanto o de uma palavra amiga. Carlos Henrique & Angelo Dias

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E ainda havia entre eles aqueles que escondiam sua nudez em andrajos humílimos, pouco mais que farrapos carcomidos pela sujeira e pelo puir das intempéries. Esses traziam vazios os olhos e, sangrando, o coração. Para ali atraídos por força desconhecida, aguardavam algo que não sabiam explicar o que era. Um burburinho manso ondulava por sobre todos, como se, naquela expectativa, reconhecessem que havia um quê de santidade, de celestial, naquele lugar simples. Principalmente porque muitos sabiam que Ele estava ali por perto e viria lhes falar. Um dos seus discípulos, o mais jovem, quase um rapazinho ainda, viera anunciar que Ele faria ali um importante pronunciamento, o qual mudaria para sempre as vidas de quem soubesse ouvir, de quem tivesse ouvidos para tal. Cercados pela natureza vibrante de beleza, aguardavam, pois, sua chegada. A certa altura, ligeira agitação foi dominando os circunstantes. À pequena distância, uma modesta embarcação deslizava pelas águas do lago mar, impulsionada pelos braços fortes de dois remadores, um de barba e cabelos negros, amarrados por um pedaço de barbante, e outro já na madureza dos anos, de compleição robusta, com cãs nascentes que tingiam suas têmporas altivas e graves. De pé, no meio da nau, Ele vinha sereno. A túnica alva e leve era remexida vez por outra pelo vento que varria a paisagem, bem como seus cabelos

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soltos que, penteados pelos dedos cálidos de Bóreas, erguiam-se com delicadeza. Seu olhar, doce e cheio de compaixão, fixava-se na pequena multidão. Antes mesmo de atingir a margem, todos já sentiam a força de sua presença. Fez-se um silêncio reverente. Ouvia-se tão somente o marulhar das águas na margem pedregosa. Alguns choravam sem explicação aparente, como se dentro do peito algo quente e perfumado estivesse derretendo o gelo eterno que ali se fizera, em virtude do ódio, do rancor, do egoísmo que os assolava. Quando o barco encostou, Ele desceu e, tomando de grossa corda, amarrou-o numa argola de ferro, fixada numa tora de madeira cravada no chão, a fim de impedir que as ondas levassem para longe a embarcação. Os três homens dirigiram-se, então, para junto do povaréu. Ele foi passando pelos presentes, abraçando-os, abençoando-os, trocando, com cada um, olhares de ternura, de compreensão por suas dores autoinfligidas. Sim, Ele os entendia, sabia o que é progredir, evoluir e tomar decisões, acertadas ou não, e conviver com a paz ou as dores que advêm em seguida. Por isso os amava tanto, porque Ele sabia. Ao fim de quase uma hora de contato silencioso — Ele nada dizia, só olhava e sorria —, dirigiu-se para o outeiro. Galgando o topo com pés ágeis, virou-se para aqueles seus irmãozinhos sofridos, sedentos. Então, e Carlos Henrique & Angelo Dias

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só então, falou. Com uma voz altissonante, que estranhamente lembrava o trovão e o bater de asas do colibri, o rugir das vagas e o ciciar das estrelas, Ele falou, ou melhor, Ele cantou as misérias humanas, oferecendo a cada um a consolação. Lembrou os que sofrem perseguições, os que são odiados, os que anelam por justiça, os que pelejam pela paz, os que são mansos, os que têm misericórdia. A todos prometeu a herança sublime da Terra, não a material, finita, mas a da celeste morada, em que o Espírito se refaz das agruras e desfruta do repouso, e onde se veste das armas da luz e volta ao reduto da dor e do erro para o bom combate. Porque quem atinge o cimo da iluminação não se conformará jamais em ver seus companheiros no baixio das trevas. Assim, derramou Ele sobre a multidão emocionada suas palavras de vida eterna. Quando terminou, ergueu os braços para o alto e, com a voz do coração apenas, agradeceu ao Pai a oportunidade de servi-lo, de servir a todas aquelas ovelhas do aprisco que o Altíssimo lhe confiara. Intimamente, reiterou àquele que o enviou que, segundo sua vontade, nenhuma das ovelhas seria perdida, nem que levasse uma pequena eternidade o esforço de promover nelas a consciência do autoresgate. No tempo certo, entregaria cada uma ao Pai, redimida, salva de si mesma, abundando em amor e no desejo de servir.

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Crônicas da Galiléia


Quando seus braços penderam novamente ao longo do corpo, a multidão contemplou-o extasiada. Os últimos raios do poente banhavam-no, de maneira imponente, no alto da pequena colina. Mas, além da luminescência da gentil natureza, um facho de brilho indefinível caía do céu sobre Ele, envolvendo-o, tornando o momento inesquecível. Tão logo a serenidade das primeiras estrelas espalhou-se pela paisagem, Ele desceu e, movido de contagiante alegria, conversou com cada pessoa, enquanto o grupo ia se dispersando rumo ao casario em que se acendiam já as primeiras tochas a iluminar a noite suave da Galiléia.

Carlos Henrique & Angelo Dias

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