O Fazedor de Velhos - Rodrigo Lacerda

Page 117

De repente, uma movimentação em torno da saída me despertou. Tudo a minha volta recomeçou a se mexer. Tentei enxergar através do blindex escuro. Quando a vi, seu lindo sorriso já apontava para mim. Ela trazia na bagagem um diploma de Primeiro Mundo e até um emprego. Havia conseguido lá da França mesmo, num grupo científico bem patrocinado e disposto a desenvolver por aqui sua linha de trabalho. Enquanto eu dirigia para casa, com a May umi ao meu lado, minha vontade era largar o volante, esquecer a estrada e beijá-la quatrocentas e quinze mil vezes e meia. Quando chegamos – de mãos dadas, abraçados, grudados; simplesmente não conseguíamos nos desgrudar –, fomos ao encontro do professor. Em homenagem à afilhada, e para que ela não o visse tão abatido, ele a esperava no escritório. May umi deu um longo abraço no padrinho, e chorou um pouco. Fiquei emocionado. Passados estes primeiros instantes, eu e o professor quisemos saber como tinha sido tudo em Paris, o fim do curso, a despedida dos amigos, a partida da cidade. Eu poderia ter ficado bombardeando-a com perguntas. Só parei depois de um tempo, quando ela disse: – E vocês? Só eu que estou falando... Então lhe contei sobre o romance, com um sorriso bobo na cara, e sobre como o professor havia me ajudado a descobrir uma carreira que combinava com a minha estrutura mental. Ela riu de mim nessa hora: – Só você pra acreditar na história da aposta com o shakespearianólogo inglês! O professor riu também, dando uma tossidinha, e completou, gozando: – E a pesquisa sobre a natureza humana...? Os dois começaram a rir. Por um instante, balancei, mas acabei rindo junto. Tudo bem eu ter sido ingênuo. Para eles eu queria mesmo ser um grande ingênuo, e nunca ter um único sentimento ruim, um único pensamento escondido. Depois disso, contei à May umi do meu sonho futurístico, no qual visitei a escola do nosso filho (na verdade, o sonho não dizia que era dela também, mas só podia ser...). Eu já o havia contado, a distância, mas falar cara a cara era muito diferente. Ela sorriu meio encabulada. Então o professor cutucou: – Vocês conhecem alguma coisa mais interessante do que as emoções humanas? May umi e eu nos olhamos, entendendo o que ele queria dizer. Era verdade. Eu, em meu romance, procurava construir personagens que realmente sentissem e, assim, fizessem o leitor sentir também. A May umi, por um caminho completamente diferente, absolutamente científico, tentava mapear as emoções que sentimos em ultrassonografias cerebrais. E ele, bem, ele era o mestre de


Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.