Câmara Escura
Silva, Livia Cadete da Câmara Escura / Livia Cadete da Silva. -- Bauru, 2018. 38 folhas. Orientador: Prof. Dr. Juarez Xavier TCC (Jornalismo - Comunicação Social) Universidade Estadual Paulista “Julio de Mesquita Filho”, Faculdade de Artes, Arquitetura e Comunicação, 2018.
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ma vez, Roland Barthes escreveu sobre a sensação do encontro com a fotografia de sua mãe, tirada quando ela tinha cinco anos. Ele está no apartamento em que a mãe morreu junto com uma coleção de fotos. É olhando para aquelas fotografias, em que ele encontra “a verdade do rosto em que tinha amado”. Nessa busca, Barthes articula uma forma pela qual muito de nós nos relacionamos com a fotografia: a maneira como elas transmitem uma experiência humana compartilhada e fornecem algum tipo de evidência ou porta de entrada irrecusável de nossa existência ou a de outros. O modo como a fotografia pode ir além do registro de aparências e transmitir algo do temperamento do indivíduo ou de suas circunstâncias é algo com que podemos nos identificar tanto em sua captura quanto no compartilhamento de nossas fotos pessoais. Podemos guardar com carinho as fotos de alguém que se foi ou as fotos de um passado que dificilmente irá existir de novo. Fotografias podem ajudar a confirmar, distorcer, ou até mesmo criar uma ideia de história pessoal. Fotos podem ser usadas para mostrar uma identidade;
uma identidade que pode ser construída ou apenas revelada com um sorriso. Foi com a ideia de construir histórias por meio da fotografia que esse livro nasceu. Nossas personagens Cleusa, Josiani, Lindomar e Marielle se encontram toda semana no Lar Santa Luzia, uma entidade social sem fins lucrativos, que oferece atividade pedagógicas e socioeducativas para deficientes visuais de Bauru e região. Em cada foto, elas escolheram por meio de objetos, pessoas, sorrisos, e gestos, a maneira como queriam retratar sua identidade.
Câmara escura é uma fotorreportagem acessível para deficientes visuais que conta o cotidiano de quatro mulheres cujo a cegueira foi seu ponto de encontro, mas não seu ponto de partida.
Fotografia pode ir além do registro
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Todo mundo utiliza o olhar do outro só que em outros planos, sem se dar conta sempre. E como não se pode nunca ver com os próprios olhos, somos todos um pouco cegos. Nós nos olhamos sempre com o olhar do outro, mesmo que seja aquele do espelho Evgen Bavcar 04
Cleusa Pereira de Jesus Souza 04/04/1973
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Acho que um momento que me marcou foi minha festa de 15 anos. Ela foi preparada por uma ex-patroa da minha mãe, chamava Dona Sônia. Ela mandou me arrumar com o maior cuidado. Ela era minha médica lá em Botucatu, e minha mãe veio trabalho com ela aqui em Bauru. Foi lá no hospital. Eu usei um vestido, foi a Dona Sônia que meu deu. Ela não fez uma festona...foi uma festinha porque eu estava lá dentro e não queria
Ficou guardado pra mim porque foi uma coisa boa.
passar em branco.
Eu nunca tive festa, essas coisas, por isso foi muito especial.
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Eu gosto bastante do lar, porque é gostoso, o tempo passa rápido, mexe bastante com a cabeça da gente. Tenho muitos amigos, converso com todo mundo. Com quem eu mais converso é a turma do meu ônibus, a Mari, a Josi, tem as meninas que ficam a tarde também. Converso bastante com elas.....vish, é tanta gente que nem lembro o nome.
A gente brinca, conversa, bate papo, cada um na sua. Assim o tempo passa. 09
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Josiani da Silva Arantes 09/11/1992
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Eu gosto bastante de ouvir música, sertanejo, pagode, essas coisas. Gosto de Jorge & Mateus, Matheus & Kauan, e Marcos & Belutti, entre outros. Eu amo fazer o Teatro e o Coral. Teatro porque você se sente livre, pode expressar o que você quiser, desde que esteja naquele texto. E no coral, já diria aquele ditado né:
“quem canta os males espanta”.
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Hoje, tenho muitos amigos
mas eu nem imaginava entrar aqui. Tinha um amigo em comum com presidente da escola, e ai eles me encaixaram aqui. No começo, eu chorava, porque não sabia onde eu tava e ai você começa a fazer amizades, e aí muda todos pensamentos. Comecei a fazer informática, coral, braile e até grupo de dança.
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Lindomar Mendes Britto 27/09/1962
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Eu gosto muito do Lar, se pudesse vir de segunda à sexta, mas não dá, tem muita gente.
Aqui é o mundo da gente. Depois que eu entrei me desenvolvi muito mais. É o mundo da gente porque a gente se encontra com pessoas que compartilham da mesma deficiência. A gente acha que só a gente vive essa dificuldade, e não é. Aqui, é tipo um encontro, tudo levamos na brincadeira, na esportiva e aprendendo coisas de que quando a gente enxergava não aprendia. Eu, quando enxergava, nunca peguei em um teclado de computador. Nem celular, eu tinha. Depois que eu perdi a visão e entrei aqui, foi quando eu fui ter um tablet, um celular, tudo.
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Na minha casa, sou quem comanda. Acordo, faço café, dou café pro meu filho, já vou limpar casa e fazer almoço. Tenho minhas cachorras, os periquitos, vou cuidar deles. Eu gosto bastante de animais. Também as vezes eu no meu teclado, no meu computador, ou fazendo artesanato.
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Marielle Lecticia mendes Arruda 24/02/1988
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Eu quero fazer pedagogia porque eu quero ser professora de deficientes visuais. Eu gosto de dar aula. Eu não sabia que eu tinha esse dom, até entrar no Lar. Um dia eu estava conversando com a minha professora de braile, e ela falou
“Marielle, você tem cara de
professora”e ai ela conversou com o outro moço
que dava aula na Lar House e eles perguntaram se eu não queria ficar no lugar dele. Aí que vi que levava jeito.
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não tem sensação melhor que ser mãe.
A princípio, eu assustei, pensei “e agora, grávida e cega? como eu vou fazer pra cuidar do meu bebê?”. Um dia minha mãe precisou sair e eu pensei “agora vou ter que me virar, vou ter que ser mãe”. Foi usando minha audição, o tato, que fui aprendendo como me virar. Hoje ela já ta com 4 anos, e hoje eu acho que já tirei de letra a maternidade.
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LIVIA CADETE DA SILVA 22/07/1994
Nascida no interior de São Paulo, a autora e fotógrafa deste livro, sempre gostou de observar o mundo.
Na fotografia, encontrou uma maneira de capturar tudo aquilo que via (ou acredita ver). Encontrou no jornalismo uma forma de transformar sua curiosidade sobre tudo em uma profissão. Gosta de café, conversas longas e cheiro de chuva. 37