Revista laboratorial A Ponte nº 17

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69 Outubro 2012

...denunciava a tortura” C

asos similares a este aconteceram

os homens. De tudo, o que mais surpreende, é

com centenas de pessoas, duran-

a sua memória impecável.

te os anos da ditadura militar bra-

sileira. Muitos militantes políticos de esquerda ou simpatizantes destes foram ameaçados, torturados, sequestrados ou “presos por ‘suspeita de subversão’”, como se costumava acusar indiscriminadamente. Mas houve muitas formas de resistência, mesmo diante dos riscos que significava opor-se ao que foi chamado de “revolução”. Alguns davam asilo em suas casas a perseguidos políticos, outros engrossavam as passeatas de protesto nas ruas, cada um combatia como podia. Pádua Barroso, 82 anos, advogado criminalista, fez a sua parte representando legalmente presos políticos no tribunais. Tomar um partido que desfavorecesse ou denunciasse falhas do governo militar, podia ter funestas consequências. Nesta entrevista, ele nos conta como foi defender perseguidos políticos, quando outros optaram por abster-se e preservar-se. Ao entrar em seu escritório, chama a atenção um relógio grande e pendular, que marca as horas num tique-taque intermitente e sonoro, e que nos acompanhou durante toda a conversa. As estantes cheias de livros de capas coloridas e, em especial, a sua vistosa mesa do escritório, feita com a madeira de um extinto cinema fortalezense, sobre a qual repousam um castiçal e um cinzeiro de bronze, prestam um ar de seriedade à sala. O escritório possui dois quadros. Um enorme painel colorido, logo na entrada, e um quadro em branco e preto, que simboliza a opressão sobre

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A Ponte – Foi o senhor que escolheu a decoração do seu escritório? Pádua Barroso – Tudo que tenho aqui, eu ganhei. Essa madeira (apontando para a madeira que reveste o escritório) vem do Cine Moderno. Eu era advogado da Companhia de Cinema Severiano Ribeiro, na mesma época em que comecei a montar meu escritório. Iam demolir o Cine Moderno. Eu não gostava de filar nada de ninguém, e acompanhei tudo interessado na madeira. Eles venderam a madeira a uma serraria. Encontrei e fui lá, porque não queria falar com Severiano, pois eu era advogado deles e ele ia me dar se eu pedisse. Então, fui ao rastro da madeira. Quando cheguei lá, o dono da serraria era meu amigo. O dono perguntou o que eu queria e falei que era a madeira. Aqui você está vendo a sala do Cine Moderno. A madeira foi trazida, em 1927, do Recife para ser montado o Cine Moderno. Esse estilo ainda é muito usado na Inglaterra. Depois de montada a sala, eu precisava de um colorido para quebrar a monotonia da madeira. A doutora Wanda Sidou [parceira de Pádua na defesa de presos políticos] deu o quadro, mas eu não entendia nada, só sabia que o tema era justiça. (Leia box ao lado).

Quadro Justiça O quadro é a Justiça com três caras. Ela está usando uma venda transparente, ela não é cega. Tem três caras, dois olho e um nariz. Cada olho retrata uma situação. Um olho mostra a situação dos presos políticos. No outro, há crianças abandonados e órfãos, e mães desesperadas e pessoas desesperadas. As cores que a artista usou não existem mais. A meia-lua presente em todos os olhos indica a esperança, a inspiração do povo. No espaço entre um olho e outro está a balança, que representa o sonho de justiça. A balança deveria pender a favor do povo, mas ela pesa sobre o povo, indicando a opressão e, do outro lado, é favor de poucos. Os doutores, minoria, lá em cima, e a multidão, lá embaixo, suportando o peso da balança. Os cravos da balança provocando a desigualdade. O cravo da balança quando gera a igualdade, forma a foice e o martelo (símbolo do comunismo).

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