Zimbro - Junho de 2016

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O direito ao usufruto da paisagem celeste José Amoreira Quando pensamos em paisagem, pensamos normalmente nas formas, texturas e coberto vegetal da superfície terreste, eventualmente acrescentadas das nuvens e nebelinas. E consideramos a paisagem como um elemento da nossa identidade, individual e coletiva, e, também por isso, há o entendimento genérico de que é importante protegê-la ("genérico" é aqui a palavra chave; nos casos concretos, quem quer que defenda a paisagem contra uma dada intervenção acaba sempre a ser acusado de eco-fundamentalismo, como se sabe). O PNSE é um exemplo próximo de uma estrutura criada também para proteger a paisagem. Para além deste elemento mais óbvio, mais terreno, da paisagem, pretendo neste apontamento incluir um outro, mais celestial, o do céu noturno. O céu noturno numa noite limpa, num local afastado de fontes de luz intensas, forma um espetáculo de grande beleza, que irresistivelmente chama para si os olhos e as conversas dos que, casualmente ou não, são confrontados com ele. Como a paisagem terrena, esta paisagem celeste acaba também por se constituir como um elemento da nossa individualidade. Nessa medida, deveria igualmente ser protegida. Mas protegida de quê? O céu noturno está, é claro, a salvo das nossas intervenções, mas a sua visibilidade pode ser afetada. A iluminação pública nas zonas urbanas e suburbanas não se limita a dar claridade às nossas ruas, ela desperdiça (em grande medida por estar mal desenhada) muita potência luminosa nos

também por se constituir como um elemento da nossa individualidade. Nessa medida, deveria igualmente ser protegida. Mas protegida de quê? O céu noturno está, é claro, a salvo das nossas intervenções, mas a sua visibilidade pode ser afetada. A iluminação pública nas zonas urbanas e suburbanas não se limita a dar claridade às nossas ruas, ela deperdiça (em grande medida por estar mal desenhada) muita potência luminosa nos céus, que se reflete nas camadas intermédias da atmosfera. Este efeito torna o céu mais claro, escondendo numa espécie de luscofusco permanente as estrelas de menor luminosidade. A expansão das zonas urbanas e um certo exagero luminoso associado à publicidade e a alguma vontade de "dar nas vistas" ou de “parecer moderno” tornaram o céu num quase "deserto de estrelas". O resultado é que o céu noturno passou a ser para muitos quase uma paisagem exótica. Muitos jovens hoje em dia nunca viram a Via Láctea. Esta situação não é apenas uma agressão à


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