Super interessante nº 209

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Saúde Carlos Caldas, médico e cientista

O caçador de CANCROS

U

m estudo publicado na revista Nature no início de julho promete um alívio para muitas das mulheres que sofrem de cancro da mama, uma doença oncológica que mata anualmente meio milhão de pessoas em todo o mundo. A crer nos resultados obtidos, a progesterona, uma hormona natural segregada pelos ovários, poderá ser usada para diminuir o crescimento de alguns tipos de tumor, nomeadamente na mama. A possibilidade de se obter um fármaco barato para combater a doença ficou assim com a porta aberta, embora se trate de uma investigação que ainda está na sua fase inicial. Feita com células desenvolvidas em laboratório, a experiência esteve a cargo de uma equipa de cientistas das universidades de Cambridge (Reino Unido) e de Adelaide (Austrália). Entre os autores está o português Carlos Caldas, ligado à instituição britânica. Na prática, o que o grupo verificou foi que, quando a progesterona comunica com o estrogénio, uma outra hormona igualmente produzida nos ovários e que está presente nas células do cancro da mama, o comportamento destas

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células malignas muda, fazendo desacelerar o ritmo a que proliferam pelo tecido mamário. “O cancro da mama tem origem no epitélio [um tipo de tecido celular] da glândula mamária, que é controlado por estrogénios e progestagénios. Ambas as hormonas têm um papel central no cancro da mama, pois regulam a diferenciação [de células] no epitélio mamário”, esclarece Carlos Caldas. O grande problema é que “entre 75 e 80 por cento dos cancros da mama expressam o recetor do estrogénio, e nesses cancros o estrogénio estimula a proliferação das células malignas”.

ESTROGÉNIO VERSUS PROGESTERONA

Em que medida é que a progesterona pode dar uma ajuda? Ao que parece, a hormona em causa, que pertence à classe dos progestagénios, tem o poder de contrariar o papel do estrogénio. Já se sabia que os cancros que tinham recetores da progesterona eram menos letais, mas desconheciam-se as razões. “O nosso estudo mostra que em alguns cancros da mama, em que o estrogénio está expresso, a progesterona consegue inibir a proliferação

DICYT / UNIVERSIDADE DE SALAMANCA

Um fármaco barato, à base de hormonas produzidas no corpo da mulher, capaz de travar a expansão das células cancerígenas nos tecidos mamários. Jogos de telemóvel que permitem a qualquer pessoa procurar sinais de cancro. Usar os métodos dos astrónomos, na sua caça às estrelas, para estudar biópsias. Os contributos de Carlos Caldas, um dos nomes mais conceituados do mundo no estudo da genómica funcional do cancro, parecem não ter fim.

celular”, diz o oncologista. Face a esta “ofensiva”, e em jeito de resposta, “esses cancros tentam escapar a esta inibição perdendo os recetores da progesterona”. No laboratório, os cientistas das duas universidades descobriram que conseguiam intrometer-se nesta luta entre hormonas, bastando expor as células cancerígenas com estrogénio à progesterona, de modo a que proliferem menos. “Este resultado sugere que nestes tipos de cancros a progesterona poderá ter um efeito terapêutico”, conclui o português. Dito de outra forma: talvez seja possível criar um fármaco com esta hormona. Além do mais, ele teria todo o potencial para ser barato, dado que a progesterona é fabricada no próprio corpo da mulher.


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