Jornal Resistência - Ano 35 - Dezembro de 2014

1 - SOCIEDADE PARAENSE DE DEFESA DOS DIREITOS HUMANOS - SDDH

JORNAL RESISTÊNCIA - SOCIEDADE PARAENSE DE DEFESA DOS DIREITOS HUMANOS

ANO 35 - DEZEMBRO/2014

Leia o artigo sobre a importância da luta pela Constituinte da reforma política nas páginas 6 e 7

O resultado das eleições 2014 e os desafios da luta popular.

Págs. 2 e 3

Energia como direito ou mercadoria?

Interesses energéticos na Amazônia Brasileira.

Pág. 4

A chacina em Belém não é um fato isolado: extermínio da juventude negra em questão.

Págs. 10 e 11

Memórias da resistência.

A estranha companhia.

Pág. 12

2 - SOCIEDADE PARAENSE DE DEFESA DOS DIREITOS HUMANOS - SDDH

Caros leitores, é com o esforço de manter vivo este importante instrumento de luta do povo paraense que lançamos mais uma edição do jornal Resistência no final de 2014 e início de 2015. Este novo ano será de grandes batalhas, principalmente de ideias. Há uma contra ofensiva, principalmente ideológica, da direita fascista brasileira, que busca construir consensos na sociedade contra qualquer proposta que enfrente os interesses das grandes corporações e o domínio do mercado.

Temos visto isso cotidianamente através dos meios de comunicação das elites, como Rede Globo, revista Veja, entre outros.

Nesta edição, o jornal Resistência traz temas que estão na pauta das organizações e movimentos sociais que lutam e resistem na defesa de nossa Amazônia. A matéria de capa expõe o tema da reforma política, que na atualidade tem ocupado o centro do debate no Brasil, visto ser uma das principais reformas para que se possa avançar em nosso modelo democrático, para que o povo brasileiro possa ter maior participação política na definição dos rumos de nosso país, bem como para avançar nas reformas estruturais, como a agrária, urbana, tributária, democratização dos meios de comunicação.

Outro importante tema é a situação de violência que no final do ano de 2014 ganhou maior relevância, devido à chacina ocorrida em Belém, que vitimou 11 pessoas. Sendo que foram denunciados pelas organizações de direitos humanos fortes indícios de que este crime brutal está ligado à ação de milícias na capital paraense.

Em que pese destacar estes temas, há outros de relevância significativa para a nossa luta de resistência, voltado a discutir a questão energética na Amazônia, a luta contra a impunidade e vários outros.

Por fim, destacamos que 2015 será muito simbólico para a luta e a resistência do povo Amazônico. É o ano de memória do 180º aniversário da luta dos Cabanos. Importante resgatar seu legado, pois representa a continuidade da luta histórica contra a herança colonialista a que foi renegada a nossa região, persistindo até hoje. Nossa riqueza é saqueada todos os dias. O desenvolvimento da Amazônia é pensado conforme os interesses das grandes empresas dos países centrais do capitalismo, relegando o nosso povo a mais brutal situação de miséria. Por isso, é um tempo oportuno de se ensaiar um novo levante cabano.

O resultado das eleições 2 O Por Alberto Pimentel*

resultado das disputas eleitorais

em 2014 determina enormes desafios para as forças populares, para se avançar na luta política, social e ideológica. Por isso, é importante fazermos uma análise do contexto atual, tendo em vista estes desafios e as expectativas que se colocam neste cenário. Neste texto não se tem a pretensão de construir uma análise pronta e acabada, mas de colocar pontos que possam contribuir para a reflexão. Então, mais do que se fazer uma análise, o que se pretende é fazer um convite ao debate.

Os números finais das eleições de 2014 destacam de forma imediata pelo menos duas questões que podem nos servir de ponto de partida para uma análise política: i) os parlamentares eleitos para o congresso nacional compõem um dos grupos mais conservadores desde a redemocratização do país, segundo estudo feito pelo Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (DIAP); e ii) a corrida pela vaga presidencial foi uma das mais disputadas desde o fim da ditadura militar, com uma vitória apertada no segundo turno da candidata do Partido dos Trabalhadores (PT), Dilma Roussef, sobre o candidato tucano, Aécio Neves.

Analisando os dados do DIAP, observa-se que o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), maior da oposição, saiu fortalecido nestas eleições, pois ampliou sua bancada na Câmara Federal em 10 deputados: um crescimento de 22,73%. Os tucanos também elegeram cinco governadores e, mesmo perdendo a vaga presidencial, obtiveram uma expressiva votação.

No bloco do atual governo, o Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) também ganhou força, porque continua sendo a maior bancada do Senado e na Câmara dos Deputados.

Mesmo perdendo cinco vagas, aumentou sua força, visto que o PT teve uma perda de 18 deputados, o que representou um encolhimento de 20,40%. Além do mais, o PMDB foi quem mais elegeu governadores, sete, no total, enquanto o PT elegeu cinco, a mesma quantidade do PSDB. Entretanto, vale ressaltar que o Partido Socialista Brasileiro (PSB) foi o que mais cresceu proporcionalmente entre os partidos considerados grandes e médios. Este elegeu três governadores; na câmara federal obteve um crescimen-

Reprodução/Internet

EDITORIAL

to de 41,67% em relação à sua bancada anterior; e no senado ampliou sua bancada de quatro para sete senadores, um aumento de 75%.

Dos partidos de oposição de esquerda, somente o PSOL garantiu assento na Câmara Federal e no Senado, sendo que na primeira casa ampliou sua bancada de três para cinco deputados, o que representa um crescimento de 66,67% em relação à bancada anterior, mas que não representa muita força em relação ao número total de deputados da casa. Já nas candidaturas às vagas do poder executivo, os candidatos da oposição de esquerda obtiveram inexpressivas votações.

Para a vaga presidencial, por exemplo, Luciana Genro, do PSOL, obteve 1,55% dos votos e os demais não alcançaram 1%.

Segundo o DIAP, o Congresso Nacional, no novo pleito que se iniciará em 2015, será o mais conservador desde o período de redemocratização do país.

O gráfico sobre o perfil dos deputados federais eleitos em 2014 claramente demonstra isso. Somando-se os setores que poderemos considerar mais conservadores (empresários, profissionaisliberais, administradores, profissionais de comunicação, agronegócio, forças armadas, policiais civis, militares e federais, pastores evangélicos, políticos, artistas e

atletas profissionais), temos um percentual de 70,64% dos parlamentares eleitos, ou seja, quase 2/3 são completamente refratários às demandas populares.

ALEPA também tem avanço conservador No estado do Pará este cenário é ainda pior. Nos últimos anos a direita tem crescido e o PSDB encontra-se muito fortalecido. A legislatura 2015-2019 da Assembleia Legislativa do Estado do Pará (ALEPA) terá uma composição que não dialoga com as pautas dos movimentos sociais: a bancada do PT diminuiu de oito para três deputados e os outros setores de esquerda não conseguiram eleger ninguém. Sem contar que a polarização entre Jatene e Helder Barbalho na disputa a governador do estado e a ausência de força dos setores populares em colocar uma alternativa na disputa, demonstram a dificuldade de se colocarem na luta política local, o que representa um enorme desafio para os setores do povo, no sentido de recompor suas forças sociais e políticas.

Na disputa presidencial ocorreu o esperado, uma polarização entre o projeto neodesenvolvimentista do Partido dos Trabalhadores (PT) e seus aliados, contra o projeto neoliberal, evidenciado nos programas de Marina Silva e de Aécio Neves.

Expediente O Jornal Resistência é uma publicação da Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos (SDDH). Direção Colegiada: Elysete Veiga Maia - Coordenadora Geral; Marco Apolo Santana Leão - Coordenador de Administração e Finanças; Marcelo Gustavo Coelho da Costa - Coordenador de Secretaria; Antônio Alberto da Costa Pimentel - Coordenador de Comunicação e Cultura; Sandra Maria Fonseca Silva Coordenadora de Formação e Pesquisa. Suplentes: Marcelo Silva de Freitas, Eliana Fonseca Pereira, Rejane Pimentel, Rosa de Fátima Souza Corrêa, Flávia Marçal Pantoja de Araújo. Sede na Av. Governador José Malcher, nº 1381 – Nazaré – Belém/Pa Apoio institucional: Fundação Ford, Fundação Heinrich Böll (HBS), Pão Para o Mundo (PPM), amigos(as) e Conselheiros(as) da SDDH.

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Reprodução/TSE

2014 e os desafios da luta popular

Marina, que se apresentava como uma nova alternativa opositora ao atual governo, configurou-se neste cenário político como um verdadeiro contrassenso.

O projeto político que defende atualmente demonstra ser uma antítese de sua própria história. Porém, esta polarização ganhou ainda mais força no segundo

algumas conquistas dos trabalhadores.

O resultado desta disputa foi uma vitória muito apertada de Dilma no segundo turno, onde a entrada em cena dos movimentos e organizações populares foi decisiva. A diferença foi de apenas 3,28%: Dilma obteve 51,64% dos votos e Aécio 48,36%.

Fonte de dados: DIAP

turno, com a disputa entre Dilma (PT) e Aécio (PSDB). Neste cenário, as forças populares tiveram que se lançar de forma mais decisiva na disputa, mesmo tendo a clareza que o projeto neodesenvolvimentista ainda está muito distante de contemplar as propostas de um projeto popular.

A possibilidade real de uma vitória de Aécio, no entanto, colocava no cenário político um possível retrocesso de

O cenário da disputa eleitoral de 2014 Mas como se deu o desenho desta disputa eleitoral em 2014? Aqui as mobilizações de junho ganharam um papel relevante. Estas, acima de tudo, serviram para evidenciar os limites de nosso sistema político, em que o nosso modelo democrático e a forma dominante de fazer política restou plenamente contestado nas ruas. Eviden-

ciou também que há enormes limites na política neodeselvonvimentista do atual governo, pois esta não conseguiu enfrentar os problemas estruturais da sociedade brasileira.

A presidente Dilma Roussef captou o recado das mobilizações de rua e no dia 24 de junho de 2014 fez pronunciamento propondo um plebiscito para autorizar uma constituinte para a reforma política, porém, a mesma teve que votar atrás da proposta em menos de 24 horas, pois esta não teve sustentação na base do governo. Mas este pronunciamento proporcionou que uma pauta histórica dos movimentos populares, que estava represada, pudesse fluir com força.

Em setembro de 2013, cerca de 80 movimentos sociais reunidos em plenária nacional decidiram fazer um plebiscito popular para perguntar ao povo se este é favorável a uma constituinte para a reforma do sistema político brasileiro. Em torno desta bandeira de mobilização se construiu uma importante força social, que atualmente congrega mais de 500 organizações e movimentos sociais no Brasil.

Por outro lado, a direita também compreendeu o recado das ruas, mas rebaixou o debate político e apenas direcionou o descontentamento das ruas em um movimento de opinião em oposição ao governo, através de um discurso contra a corrupção. Através desta estratégia, deram força à Ação Penal 470, conhecida como mensalão do PT, porém, sem incluirna pauta outros casos de corrupção que envolviam o PSDB. Com isso, têm buscado dar amplitude em qualquer

caso de corrupção que seja favorável à sua estratégia, explorando na atualidade o caso da Petrobrás, inclusive chamando -o de petrolão, para tentar fazer ligação com o caso do mensalão.

Cabe ressaltar aqui, que nesta movimentação a extrema direita se colocou de forma mais incisiva no cenário político, mostrando sua face fascista, com um discurso racista, xenófobo e preconceituoso contra os negros, pobres, nordestinos, etc., com campanhas de ódio contra o PT, mas que no fundo se direciona a toda militância e organizações sociais que lutam por uma verdadeira transformação da nossa realidade social.

Desde as mobilizações de junho estas duas movimentações têm se colocado de forma decisiva nos rumos políticos do país e refletiram na disputa eleitoral de 2014. Estas possibilitaram, no cenário desta disputa, um debate programático em torno de algumas questões, principalmente no âmbito da reforma política, que entrou com força na disputa eleitoral devido à campanha nacional construída em torno do plebiscito popular da Constituinte e também da coalizão da reforma política.

Tal movimentação dos movimentos e organizações sociais em torno da reforma política ganhou tanta força que a candidata eleita, Dilma Roussef, em seu primeiro discurso oficial, assumiu compromisso com um plebiscito oficial sobre uma constituinte para a reforma política no país, afirmando expressamente que a reforma política é a mãe de todas as reformas e que a constituinte é o melhor caminho para se fazer um amplo debate na sociedade brasileira, que gerou certo descontentamento no principal partido da base aliada, o PMDB, que em resposta a esta posição se aliou ao PSDB para derrotarem na Câmara dos Deputados o Decreto da Participação Social.

Neste cenário, a luta pela reforma política está localizada no centro de debate e disputa dos rumos do país.

Setores da extrema direita estão se movimentando em torno desta discussão, setores conservadores do governo também estão se movimentando e também o PMDB já está construindo uma campanha para disputar a proposta de reforma política. Neste sentido não há dúvidas de que estamos vivenciando uma possibilidade impar para as organizações e movimentos populares construírem um grande movimento unitário em torno de uma bandeira política, que antes de qualquer coisa, é uma poderosa ferramenta de luta ideológica na sociedade, capaz de proporcionar acúmulo de força não somente para pautar a reforma política, mas todas as reformas estruturais necessárias para construção um país mais juto e igualitário. * Advogado e coordenador de Comunicação e Cultura da SDDH.

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Energia como direito ou mercadoria?

Interesses energéticos na Amazônia Brasileira Por Rogério Paulo Höhn

Foto: Maurício Matos Reprodução/MAB

ompreender o tema da energia na atualidade é uma questão fundamental para a classe trabalhadora. A disputa central colocada está no domínio de todas as fontes energéticas por grandes grupos econômicos, sejam eles produtores e/ou consumidores dessa energia. Ao mesmo tempo, esse tema deve ser colocado dentro de um processo de contradição, pois é ele que garante o avanço das forças produtivas, capazes de garantir o pleno desenvolvimento da humanidade. Negar o acesso à energia é, no mínimo, retroceder na história, voltar a um passado que não é mais possível.

Por outro lado, mudar a matriz energética por fontes “mais limpas” é querer solucionar um problema pelo viés tecnológico, o que é uma ideia equivocada, pois o modelo implementado é de um projeto hegemônico do capital, ou seja, a energia virou uma mercadoria, logo, o problema é de concepção ideológica.

De um lado, a exploração da energia é forma de garantir altas taxas de lucro, de outro lado, uma imensa massa de trabalhadores, de quem não se pode negar o direito a esse serviço, tem que pagar altas tarifas para ter acesso. O debate aqui proposto está centrado numa questão: energia para quê e para quem?

No campo energético, o sistema capitalista exige uma corrida cada vez maior por fontes capazes de garantir a manutenção e exploração dos grandes grupos econômicos. O petróleo, como principal fonte energética em exploração na atualidade, está sistematicamente sendo disputado.

O cenário mundial de crise energética afeta principalmente os países centrais do capitalismo (Estados Unidos, países da Europa e Japão), pois são eles que consomem 70% de toda a energia do mundo, apesar de possuírem apenas 21% da população mundial. A solução que estes países estão buscando tem sido a tentativa de encontrar novas matrizes, como a biomassa, o xisto, a energia eólica, a solar, a hídrica. No entanto, é impossível, com essas alternativas, atender ao padrão de consumo dos países centrais.

A fonte hídrica para geração de energia elétrica é disputada por causa de cinco fatores, basicamente: (i) tem um custo muito baixo para produção, se comparada com as demais fontes; (ii) tem uma eficiência energética maior do que as demais; (iii) a energia é vendida a preços altos à população, porém, seu custo de produção é baixo; (iv) necessita de grandes investimentos, o que favorece às grandes empresas construtoras e (v)

Fonte: http://oglobo.globo.com/infograficos/hidreletricas/

C

Movimento dos Atingidos por Barragens

Ato de ocupação do canteiro de obras da UHE Belo Monte.

Manifestação do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB).

Mapa de O Globo, que mostra projetos hidrelétricos na Amazônia.

tem uma linha de financiamento favorecida pelo Estado, aliado com o tempo relativamente grande de concessão, que é de 30 anos. Em função disso, entre as fontes de produção de energia elétrica, a hídrica ganha cada vez mais destaque, sendo alvo de enormes interesses econômicos.

No campo da energia elétrica, o Brasil tem o terceiro maior potencial de hidroeletricidade do mundo (10%), ficando somente atrás da Rússia (13%) e da China (12 %). Para o próximo período, até 2.030, há uma previsão de acrescentar mais 130.113 MW de energia elétrica ao sistema brasileiro, conforme o “Plano Nacional de Energia 2030”. Deste total, 94.700 MW deverão ser de fonte hídrica (87.700 MW através de hidrelétricas

de grande porte e 7.000 MW através de Pequenas Centrais Hidrelétricas). Em questão de investimentos, prevê-se a necessidade de R$ 500 bilhões.

Apesar dos erros do passado, a ameaça de exploração de hidrelétricas na Amazônia nunca esteve tanto na pauta como agora, já que a região possui 50% do potencial elétrico nacional.

O Plano Decenal lista 297 locais aptos para a instalação de novas usinas, sendo que 79 obras se localizam na Amazônia. As principais áreas estão localizadas no Rio Madeira, em Rondônia, as barragens no Rio Xingú, Tapajós e Jamanxim, no estado do Pará, e as barragens nos rios Tocantins e Araguaia, nos estados do Tocantins, Maranhão e Pará.

Além disso, essas obras fazem parte de

um projeto de consolidação dos corredores fluviais de escoamento da produção do agronegócio, do setor mineral, para os países mais ricos, entregando o controle de nosso território para grandes grupos econômicos.

Do ponto de vista dos impactos sobre a população, temos a compreensão de que nesse modelo de construção de usinas hidrelétricas, a violação dos direitos humanos vai ser permanente. O propósito dos consórcios construtores é a realização das obras no mais curto espaço de tempo. Nesse cenário, as populações atingidas vão continuar sendo iludidas, violadas em seus direitos e sem a promessa de serem ouvidas e, muito menos, indenizadas. Um dos objetivos das empresas é a diminuição dos custos das obras, e, para isso, vão continuar negando direitos aos atingidos. No Brasil, não existe nenhuma lei que defina um conceito de atingido. Ele passa a ser definido em cada local, pelas empresas construtoras e, nesse sentido, já sabemos o tipo de tratamento que lhes é atribuído.

Por outro lado, entendemos que atingidos são todos os brasileiros, pois é a classe trabalhadora que vai pagar as tarifas de energia mais caras, é o dinheiro dos impostos do povo que financia as obras, é o povo que sofre com os péssimos serviços prestados nesse setor e, é o Brasil que perde sua autonomia ao fazer concessões de serviços importantes como a energia para empresas multinacionais. Além disso, perdemos a possibilidade de pensar um projeto de soberania para o país. Por isso, todos a sociedade brasileira é atingida.

Diante desse cenário, é colocado ao conjunto da classe trabalhadora o desafio de continuar a luta de resistência a esse modelo de construção de barragens. Neste sentido, o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) entende a luta de resistência dentro de um processo mais amplo, envolvendo sujeitos da sociedade em geral e de forma permanente.

Outra luta importante é a da garantia dos direitos, inclusive o direito de dizer não às barragens. Temos o direito a um desenvolvimento de nossas comunidades, municípios e regiões, sem necessariamente estar condicionada à construção de grandes obras. Outro desafio é o da articulação entre diversas forças que hoje fazem de fato uma luta séria. Juntos, entendemos que a nossa força aumenta.

Por fim, a organização da classe trabalhadora deve estar vinculada a um amplo processo de formação política, de forma intencional e permanente. Só o povo organizado e consciente é capaz de transformar, pela raiz, as estruturas opressoras da sociedade.

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O Pará no contexto do IDEB Por Flávia Marçal

Foto: Miguel Chikaoka

A

gar entre os estados da região Norte que mais tem alunos reprovados no Ensino Fundamental. A taxa de reprovação é de 10,9%, ficando atrás apenas de Rondônia, com 14,2% de alunos reprovados (INEP, 2011).

IDEB 4ª Série/5º Ano

IDEB 8 série/9º ano

Brasil

5.2 (meta 4.9)

4.2 (meta 4.4)

Pará

(3.8 (meta 3.7)

3.4 (meta 4.0)

Belém

3.9 (meta 4.3)

3.1 (meta 4.0)

Santarém

4.9 (meta 4.3)

3.8 (meta 4.5)

Limoeiro do Ajuru

3.3 (meta 3.6)

3.5 (meta

Anajás

2.5 (meta 3,7)

3.1 (meta 4.2)

IDH-M 0,744 (elevado desenvolvimento humano) 0,646 (médio desenvolvimento humano) 0,746 (Alto Desenvolvimento Humano) 0,691 (médio Desenvolvimento humano) 0,541(baixo desenvolvimento humanos) 0,488 (muito baixo desenvolvimento humano)

Pib per capita R$ 15.153,00 R$ 11.678,00 R$ 14. 027,06 R$

7.404,94

R$

2,527,48

R$

2.105,61

Fonte: PNAD (IBGE, 2013) e do IDEB (MEC, 2013)

possível observar uma vinculação entre o baixo índice da educação básica e a pobreza.

Analisado o quadro, uma questão que nos parece ser central é que o IDEB não pode ser encarado como o único índice medidor da qualidade da educação.

Este traz um grande avanço ao possibilitar que sejam identificadas de modo mais ágil quais áreas necessitam de maior estrutura de políticas públicas, nos mais variados setores, para que se alcance a melhoria da educação. Porém, nestes quase oito anos de vigência do IDEB, o que se observa é a busca dos governos pela elevação do mencionado índice, desconsiderando o contexto socioeconômico em que municípios, escolas, professores e estudantes estão inseridos.

Nesta esteira, a pobreza ainda afeta 42% da população amazônica. Em 2009, cerca de 10 milhões de pessoas viviam com menos de meio salário mínimo por mês. Além disso, a taxa de analfabetismo das pessoas de 15 anos ou mais de idade foi estimada em 9,5% da população, a segunda maior no país (PNAD, 2013).

No caso específico do Pará, é preciso indicar que o estado ocupa o segundo lu-

O que se pode compreender das informações apresentadas até aqui, é que a Amazônia é herdeira de uma trajetória marcada por um histórico de exclusões.

Sua cultura e bioma são percebidos por um prisma constituído desde a chegada dos primeiros desbravadores, o que contribuiu para uma visão, em grande parte, eivada de preconceito e desconsideração com a multiplicidade de conhecimento que a região oferece. Parte desse atavismo diz respeito à responsabilização de sua população pelo atraso em que está inserida, olvidando-se a própria história da constituição socioeconômica do Brasil que impôs (e impõe) à Amazônia a categoria de fornecedora de matérias-primas, dentro de uma excludente divisão territorial do trabalho, que foi reforçada durante o período da ditadura militar, e que foi encrudescendo desde então.

Como já explicitado, este padrão vem gerando exclusão social e expulsão da população rural para as periferias das pequenas e médias cidades, bem como ocupação de bens públicos, gerando ainda conflitos de terra e violência no campo. Os dados educacionais da região, inevitavelmente, refletem essa realidade.

Concluindo, é necessário que haja avaliações específicas para que se alcance efetivamente o direito humano à educação e não apenas a melhoria do IDEB. Parte desta tarefa pode ser obtida a partir de políticas públicas e práticas educacionais, como a gestão democrática das escolas, que de fato considerem a pluralidade e as diferenças regionais e intrarregionais, que podem ser de grande valia para planejamentos institucionais em favor de propostas que contemplem efetivamente as potencialidades e particularidades da região.

O Plano Nacional de Educação (Lei nº 13005/2014) apresenta vinte metas, voltadas basicamente para a questão da universalização. No entanto, com relação às estratégias de garantia das metas é possível observar que novamente, não há propostas mais específicas para as regiões Norte e Nordeste, ainda que a análise dos dados estatísticos, como visto acima, demonstrem serem estas as regiões com

* Professores, advogada, militante e pesquisa de Direitos Humanos.

Foto: Miguel Chikaoka

Amazônia possui um contexto ímpar em relação ao resto do país. Estende-se por 5.006,3 2 km , com 771 municípios e 80% de sua área urbanizada, com uma densidade demográfica de 4,7 hab/km², em sua maioria, crianças e adolescentes de 0 a 14 anos (28,5 % da população estão na faixa etária de 0 a 14 anos) (PNAD, 2013).

Por contar com um grupamento populacional muito jovem, as políticas educacionais possuem um impacto relevante para a região. Dados do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) - calculado a partir das taxas de aprovação e das notas obtidas na prova Brasil -, divulgado em 2013 demonstram as disparidades que marcam a educação na Amazônia e, como esta desigualdade apresenta-se de modo diferenciado dentro do próprio Estado do Pará, sendo

maior déficit educacional. Desta forma, é fato que sem uma intensa articulação dos poderes e da população amazônida não será possível uma reestruturação na situação educacional da região.

Note-se ainda que a estratégia nº 20.9 do PNE é o único ponto em que claramente é mencionado o prazo de dois anos para que por lei complementar, seja estabelecida as normas de cooperação entre os poderes para o combate às desigualdades regionais, especialmente em relação as regiões Norte e nordeste.

O acompanhamento do PNE, portanto, pode ser um divisor de águas nos próximos anos, assim como o empenho em favor da elaboração/atualização dos Planos Estaduais e Municipais de educação e sua respectiva previsão orçamentária.

Estes aspectos podem ser a pedra de toque para que se inicie uma modificação estrutural em direção à efetividade do direito humano à educação na Amazônia.

Assim, as propostas das políticas públicas existentes (especialmente o novo Plano Nacional de Educação) ou as que venham ser criadas e implementadas só alcançarão uma expressiva efetividade se pautadas em um modelo de desenvolvimento que contemple e reconheça a população da Amazônia enquanto sujeitos da própria história e como peças fundamentais no processo de aprendizagem.

Promover sua participação na gestão escolar e nas decisões acerca do futuro da educação na região, informando-a sobre mecanismos de acompanhamento e fiscalização de seus direitos, é o primeiro passo em favor de uma prática educativa libertadora.

Referências Bibliográficas BRASIL. Lei nº 13.005, de 25 de junho de 2014. Disponível em: <www.planalto.gov.br> INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE).Pesquisa Nacional por Amostragem Domiciliar-PNAD/2013. Brasília: IBGE,2013.

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. Indice de Desenvolvimento da Educação Básica- 2013. Disponível em: <www.inep.gov.br. >

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Ádima Farias Monteiro*

O

Plebiscito Popular pela Constituinte Exclusiva e Soberana do Sistema Político, lançado em novembro de 2013 por cerca de 80 movimentos populares, sociais e sindicais, teve como auge a semana de um a sete de setembro de 2014. Durante a referida semana foram recolhidos 7.754.436 milhões de votos em todo o país, respondendo à seguinte pergunta: “Você é a favor de uma Constituinte Exclusiva e Soberana do Sistema Político?”. 97% das pessoas responderam SIM. O Plebiscito Popular seguiu sua construção num movimento ascendente: 450 organizações ingressaram nesta luta, foram criados 2000 comitês populares em todo o país e durante a semana de um a sete de setembro foram instaladas 40.000 urnas para dialogar com a população sobre a necessidade de realizar uma Assembléia Constituinte para mudar o sistema político do Brasil.

O resultado foi entregue aos três poderes da República (à presidenta Dilma Rousseff, ao Congresso Nacional e ao Judiciário), exigindo que esse mesmo plebiscito agora fosse realizado de modo oficial, pelo próprio governo, para que seu resultado ganhasse força de lei.

No Pará, o Comitê do Plebiscito foi lançado em janeiro de 2014 e foi cada vez mais se fortalecendo. As 40 organizações populares, sociais, sindicais e eclesiais que compõe o comitê levaram urnas a 38 municípios e coletaram 54.996 mil votos, participando assim deste grande mutirão por mais democracia.

Por que lutar por Reforma Política?

Os países do centro do capitalismo realizaram reformas estruturais como pressuposto do desenvolvimento do sistema. No entanto, nos países

periféricos dependentes, como o Brasil, a burguesia não tem interesse em realizá-las. Cabe aos trabalhadores e trabalhadoras a realização das reformas estruturais como pressuposto para criar as condições para efetivação dos direitos humanos.

A reforma política, assim como a reforma agrária, reforma urbana, reforma tributária, reforma na educação, que precisam ser realizadas no nosso país, só se colocam como oportunidades concretas de realização em momentos conjunturais muito especiais.

Nos últimos cem anos, essa oportunidade histórica se colocou em três momentos: no início da década de 1960 quando Jânio Quadros ganhou as eleições, defendendo a realização das reformas estruturais de base; no final da década de 80, com a luta pelas diretas já e pela redemocratização do país; e no período atual.

Foto: Comitê Paraense do Plebiscito Popular e Reforma Política

A importância da luta pela Assembleia C

Por que a Reforma Política está na ordem do dia?

Ao final da década de 1980, o clima favorável às mudanças no sistema político brasileiro estava instalado. A luta pelas diretas já trouxe à tona a necessidade das reformas estruturais, pois os militares haviam desmontado o Estado. O país vinha de um período de crescimento econômico com aumento das desigualdades sociais e da concentração da riqueza e via-se pressionado pela crise do capital – conhecida como a crise do petróleo – que trazia para os trabalhadores e trabalhadoras o arrocho salarial, o aumento da inflação, desemprego e piores condições de vida.

Todo o acúmulo de forças sociais em torno da redemocratização do país evidenciou a necessidade de elaborar uma nova constituinte para onde foram encaminhados todos os anseios da população brasileira, que podemos sintetizar no clamor por uma constituição que favorecesse a realização de reformas estruturais no país.

Movimentos sociais realizaram plebiscito popular pela r

Infelizmente isto não ocorreu, porque os membros da Assembleia Constituinte foram os deputados eleitos nas eleições diretas, em sua maioria adeptos da ditadura militar, filiados à Aliança Renovadora Nacional (ARENA), partido criado em 1965 para sustentar o regime militar, e ao Movimento Democrático Brasileiro (MDB), partido de oposição à ditadura militar, que produziram uma constituição ambígua e contraditória, onde avançou-se no estabelecimento dos direitos sociais, mas não democratizou o poder político.

O domínio político permaneceu altamente concentrado nas estruturas de poder do Estado. Mesmo reconhecendo no primeiro artigo da Constituição Federal de 1988 que “TODO PODER EMANA DO POVO”, os mecanismos de participação popular previstos na carta magna, como plebiscito, referendo e lei de iniciativa popular, só podem ser convocados pelo congresso – os dois primeiros - e o último mesmo depois de arrecadado 1,5 milhão de assinaturas, não tem prioridade de votação e pode sofrer alterações. Ou seja, também fica refém dos interesses do congresso.

Na Constituição Federal de 1988, os movimentos populares saíram derrotados, pois não conseguiram emplacar um processo de reformas estrutu-

rais. A década de 1990 foi o período em que a direita conservadora avançou e se estabeleceu em toda a América Latina, aplicando o receituário neoliberal, que aumentou e aprofundou ainda mais as contradições e as desigualdades no nosso país. Empresas públicas estratégicas foram privatizadas a preço de banana, a dívida externa cresceu de forma assustadora e o desemprego se alastrou pelo país, sendo esta a década da história do país com a mais alta taxa de desemprego.

No início do século XXI, a América Latina como um todo começa a dar respostas aos desmontes promovidos pelo neoliberalismo. Inicia-se um período de eleição de governos progressistas – Hugo Chávez na Venezuela, Evo Morales na Bolívia, Rafael Correa no Equador, Lula no Brasil, entre outros.

No Brasil, os 12 anos de Lula/Dilma ao mesmo passo que trouxeram benefícios e conquistas aos trabalhadores e trabalhadoras: crescimento econômico, diminuição da taxa de desemprego, aumento real no salário, ampliação do acesso ao ensino superior, leis e políticas públicas que estabelecem e garantem os direitos das mulheres e dos negros, entre outros, também favoreceram o capital financeiro, o agronegócio, as grandes empreiteiras, que lucraram de forma exorbitante.

SOCIEDADE PARAENSE DE DEFESA DOS DIREITOS HUMANOS - SDDH - 7

Constituinte exclusiva do sistema político

As conquistas proporcionadas aos trabalhadores e trabalhadoras nesses doze anos não produziram mudanças estruturais na sociedade. O país ocupa o 84º lugar no ranking de Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), embora seja a sétima economia do mundo.

As desigualdades sociais são gritantes, embora tenham se reduzido o número de pessoas que passavam fome no país. Ao mesmo tempo que os grandes empresários, num cenário de crise do capitalismo, não aceitam reduzir seus lucros e vem travando sistematicamente qualquer política de interesse dos trabalhadores. Basta lembrar a recente derrubada pelo atual congresso do projeto de criação de mecanismos de participação popular.

Mais mudanças em favor dos trabalhadores e trabalhadoras só se efetivarão se conseguirmos abrir um período de realização das reformas estruturais no nosso país. Redução da jornada de trabalho, sem redução de salário; fim da terceirização; e a universalização do ensino superior, só serão viabilizadas se realizarmos uma Assembléia Constituinte Exclusiva e Soberana para reformar o sistema político do nosso país, diminuindo os privilégios e poder dos eleitos e aumentando o poder do povo.

O atual congresso teve 70% de seus membros eleitos por 10 gran-

des empresas. JBS, Bradesco e VALE ocupam o primeiro, segundo e terceiro lugar, respectivamente. Esse dado evidencia que a estrutura de poder político do país foi seqüestrado pelos grandes empresários e que o congresso legislará para quem financiou sua campanha eleitoral. Os interesses da maioria da população serão ignorados se assim permanecer a estrutura de poder do nosso país.

Reforma Política: Para quê? Para quem?

O conceito de Reforma Política vem amplamente sendo disputado.

Diante da crise de representatividade evidenciada pelas mobilizações de junho, até o deputado mais conservador se diz favorável à realização da reforma política. Assim cabe a pergunta: para quê e para quem servirá a reforma política que será realizada no Brasil?

Na atual conjuntura mais de 500 organizações pautam a necessidade de convocar Plebiscito Oficial para realizar Assembléia Constituinte Exclusiva e Soberana do Sistema Político a fim de reformar o sistema político do país para por fim ao financiamento empresarial de campanha, combater a sub-representatividade dos trabalhadores e trabalhadoras – principalmente negros, mulheres,

Participe desta luta. Organize um Comitê Popular

Os comitês populares são os instrumentos para quem deseja construir e participar da luta pelo Plebiscito Oficial da Constituinte. Trata-se de um grupo de organizações e/ou pessoas responsáveis por organizar as atividades relativas ao Plebiscito.

Pode-se organizar um Comitê Popular nos municípios, bairros, escolas, igrejas, sindicatos, associações de bairro, universidades, comunidades rurais, grupos culturais, ou seja, em qualquer local que reúna os interessados em participar desta luta.

Já são milhares de comitês organizados em todo país, que realizam palestras, cursos de formação, panfletagens, manifestações, entre outras atividades.

Para criar um comitê, basta que tenha uma pessoa interessada em participar da luta pela constituinte. A partir daí, pode-se chamar familiares, amigos, colegas de escola, pessoas próximas para juntarem-se e organizá-lo. Formado o comitê e em contato com os Comitês do seu município, de municípios próximos ou do seu Estado, é só começar as atividades!

Sabemos que o Plebiscito Oficial da Constituinte só será realizado com muita luta e mobilização social, pois fere os interesses e privilégios dos que se beneficiam do atual sistema político. Por isso, convidamos todos àqueles que votaram no plebiscito popular e todos aqueles que desejem mudanças profundas na sociedade brasileira a se organizarem e se mobilizarem conosco!

Faça contato com a secretaria operativa estadual do Plebiscito através de plebiscitoconstituintepa@ gmail.com para se inserir nesta luta.

Acesse, e replique os conteúdos disponíveis na internet.

A hora é agora! facebook.com/plebiscitoconstituinte www.plebiscitoconstituinte.org.br

Reprodução/Internet

reforma política no tradicional mercado do Ver-o-Peso.

jovens e indígenas; democratizar a comunicação e ampliar o poder do povo. Esta proposta está expressa no Projeto de Decreto Legislativo (PDL) 1508/2014, protocolado em novembro deste ano, que pede a convocação de um plebiscito oficial para realização de Assembléia Constituinte Exclusiva do Sistema Político Brasileiro.

Do outro lado está o relatório de um grupo de trabalho interno da Câmara dos Deputados que propõe PEC (Projeto de Emenda Constitucional) a partir das 37 propostas que já existiam há anos na câmara. O PEC proposto pelos deputados não propõe nenhuma mudança substancial no sistema político. Se essa proposta for aprovada, levariam o resultado a um referendo.

Nesta proposta o povo não decide, apenas referenda um projeto já aprovado pelos congressistas.

Queremos uma Assembléia Constituinte Exclusiva e Soberana do Sistema Político, que seja composta por representantes do povo, livremente eleita, diferente do próprio congresso, que promova as mudanças necessárias no sistema político e que uma vez terminado o seu trabalho seja dissolvida.

O atual congresso não promoverá sua auto-reforma, pois não irá cortar seus próprios privilégios.

Na ocasião da entrega dos 7.754.

436 milhões de votos à presidenta, ela afirmou concordar com a necessidade de um plebiscito para fazer a reforma política, e que só poderia ser feita com participação popular, pois acredita que o congresso não se auto reformará.

Dilma em seu primeiro pronunciamento público depois de reeleita destacou seu compromisso em realizar reformas estruturais no país, a começar pela reforma política, afirmando entender que o apelo das urnas por mais mudanças só se viabilizará se o sistema político brasileiro for reformado.

*Socióloga, professora da rede pública de ensino, militante da Consulta Popular e integrante do Comitê Paraense do Plebiscito Constituinte

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Foto: Jean Brito/SDDH

Conflitos no campo: em 2014 dois manda foram condenados no Pará, mas ainda há

Marco Apolo, advogado e coordenador da SDDH, no júri do “Caso Dezinho”

J

Caso Dezinho: lentidão da justiça

osé Dutra da Costa, o Dezinho, foi morto por pistoleiros no dia 21 de novembro de 2000 na cidade de Rondon do Pará. No decorrer das investigações ficou provado a existência de um consórcio de pessoas influentes na região, entre eles madeireiros e fazendeiros, que se sentiram incomodados com a luta pela reforma agrária e as diversas denúncias que a vítima vinha fazendo.

As revelações feitas por Dezinho, como denúncia de trabalho escravo, grilagem de terras, pistolagem e até a existência de cemitérios clandestinos, atingiam diretamente o grupo que organizou o seu assassinato. Dezinho presidia o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Rondon do Pará e era ligado a FETAGRI. O processo judicial foi longo e tumultuado. Apesar dos indícios de participação de um grande grupo de fazendeiros, políticos e pessoas influentes da região, a polícia e a Justiça conseguiram reunir provas para levar a julgamento apenas quatro pessoas, entre elas o pistoleiro acusado de matar Dezinho, Welington de Jesus Silva.

Este foi julgado e condenado em 2006

a 27 anos de prisão, mas está foragido.

Os outros dois envolvidos, acusados de serem os mandantes, foram levados a julgamento na cidade de Belém em outubro de 2013, mas foram absolvidos por falta de provas. Por ultimo, o fazendeiro e madeireiro Décio José Barroso Nunes, conhecido como Delsão, foi julgado na comarca de Belém, em 29 de abril de 2014, e acabou condenado a 12 anos de reclusão. O réu recorreu da sentença e por determinação do juiz Raimundo Moisés Alves Flexa, que presidiu o Júri, está respondendo em liberdade.

O promotor de Justiça que atuou no caso, Dr. Franklin Prado, a SDDH e CPT (ambas assistentes de acusação) também recorreram da pena mínima que recebeu Delsão, para que a sentença de condenação seja imediatamente executada, nesse que foi um dos julgamentos mais importantes na luta pela responsabilização de latifundiários que violam direitos humanos no Pará.

O julgamento ocorreu 14 anos após o crime. Enquanto isso, mesmo condenado e respondendo em liberdade, Delsão continuou sua rotina de vida

como se não tivesse sido condenado, retornando a Rondon do Pará e, via rádios locais, se manifestando sobre o julgamento, criando uma imagem de injustiçado e dizendo que estaria recorrendo desta condenação. Delsão, pelo visto, ainda continua a exercer forte influência naquela região.

A certeza de impunidade é tão grande para esse grupo que até o juiz do trabalho em Marabá Jonatas An-

drade foi ameaçado no ano de 2013.

Notícias da imprensa atribuíram a Delsão as intimidações. As investigações sobre este caso prosseguem.

A viúva de Dezinho, Maria Joel Dias da Costa, Dona Joelma, após a morte do marido, assumiu a direção do sindicato, apoiando a luta de famílias sem terra pela desapropriação dos latifúndios improdutivos em Rondon do Pará. Por isso, também passou a ser

SOCIEDADE PARAENSE DE DEFESA DOS DIREITOS HUMANOS - SDDH - 9

antes de assassinato Chacina da á muito pelo que lutar Fazenda Princesa Por Anna Lins* Marco Apolo Santana Leão**

A Amazônia brasileira é uma das regiões mais violentas do mundo contra defensores do meio ambiente e para quem luta pela reforma agrária, segundo um relatório recente da organização Global Witness. O Pará, principalmente o Sul e Sudeste do Estado, é o maior foco de violência.

A lista de assassinatos de lideranças políticas é longa, e praticamente toda marcada pela impunidade. “A impunidade é como uma licença para matar”, diz o advogado da Comissão Pastoral da Terra (CPT) em Marabá, José Batista Afonso. Com a ajuda de organizações como a Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos (SDDH), CPT, Terra de Direitos e Justiça Global, que atuam diretamente em diversos casos de conflito, em 2014 foram levados a júri dois acusados de serem mandantes de crimes bárbaros cometidos contra trabalhadores rurais e suas lideranças.

e impunidade ameaçada e vítima de desqualificação e difamação de suas lutas por aqueles que são contra a Reforma agrária.

Dona Joelma está há anos inserida do Programa de Proteção dos Defensores de Direitos Humanos, vivendo sob escolta policial. Ela tornou-se uma grande lutadora de direitos humanos, tendo recebido diversos prêmios nacionais e internacionais.

As entidades de Direitos Humanos e de luta por terra e reforma agrária observam que a seletividade penal com a qual convivemos no Brasil se fez presente neste caso. Pois como explicar para a sociedade que um mandante e principal articulador do consórcio para assassinar Dezinho possa ter recebido a pena mínima, enquanto o pistoleiro executor do assassinato recebeu a pena de 27 anos, quase a pena máxima?

Fernando Trieste, advogado da Terra de Direitos, que atuou na assistência de acusação deste e de outros casos, refletiu sobre o papel dos julgamentos de pessoas que vitimam defensores e defensoras de direitos humanos no Brasil em recente artigo publicado no boletim JUSDH: “Quem

trabalha pela condenação criminal de pessoas que cometeram homicídio contra defensores(as) sabe que o direito penal é seletivo, que a pena de prisão não tem eficaz papel ressocializador e que o sistema de justiça tem grande déficit democrático. Em geral, não cumpre com o papel que lhe é dado na busca pela superação das desigualdades sociais. Contudo, essas questões não elidem a necessidade de buscar justiça na esfera penal. As condenações representam a esperança contra a impunidade, bem como a resignação das lutas cotidianas dos sujeitos, coletivos ou individuais, que estão na linha de frente contra as violações de direitos humanos, desvelam o papel das instituições e das elites políticas e econômicas da sociedade, e põem em evidência as contradições deste apenas declarado estado democrático de direito”. * Advogada e coordenadora do Programa Acesso a Justiça (PAJ) * Advogado, ex-presidente e atual coordenador administrativo financeiro da SDDH.

Uma semana após a justiça paraense condenar a 12 anos de reclusão o fazendeiro acusado de ser o mandante do assassinato do sindicalista Dezinho, o Estado do Pará levou a júri, em Belém, no dia 8 de maio de 2014, o fazendeiro Marlon Pidde, acusado de organizar a Chacina da Fazenda Princesa, ocorrido perto de Marabá, há três décadas, em 1985.

exemplo, os advogados da CPT e da SDDH, que atuaram na assistência da acusação, em conjunto com o Ministério Público, ingressaram com Pedido de Desaforamento do julgamento para a comarca de Belém, em junho de 2007, mas o Tribunal só julgou o pedido em 2010 – levando três anos para julgar um recurso que deveria levar no máximo seis meses.

A brutal matança se deu em uma de suas propriedades, a fazenda Princesa, onde cinco trabalhadores foram assassinados. O caso ficou muito conhecido pela brutalidade das mortes: os camponeses foram sequestrados, torturados, assassinados e seus corpos amarrados em pedras que foram atiradas para o fundo do Rio Itacaiúnas, próximo de Marabá.

“Nesses crimes brutais não se trata apenas de eliminar aqueles que são empecilhos para se ganhar dinheiro destruindo a Amazônia, mas em praticar o crime com extrema crueldade e violência, para que sirvam de exemplo em um ambiente de terror”, diz José Batista, advogado e coordenador da CPT em Marabá.

Quase 30 anos depois, o julgamento do principal acusado teve como resultado sua condenação a 130 anos de reclusão. Este, por recorrer da condenação, espera novo julgamento em liberdade.

A morosidade da Justiça paraense neste caso foi assustadora. Como

A SDDH, junto a outras organizações defensoras dos Direitos Humanos, levaram este caso para a Organização dos Estados Americanos (OEA), para denunciar internacionalmente a demora no julgamento do caso e as violações ao direito à vida dos trabalhadores assassinados.

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A chacina em Belém não é um fato isolado: Por Anna Lins*

Foto: Jean Brito/SDDH

A

Movimentos sociais realizam ato público pela instalação da CPI das Milícias na ALEPA.

novembro. Os familiares seguem com seu luto e com atendimento psicossocial prometido pelo Governo realizado de forma precária, mas se fortalecendo junto a grupos de apoio às vítimas de violência para encarar esta fase de investigações e futuramente o processo penal.

Os órgãos de Segurança Pública criaram um grupo de Delegados de Polícia que junto ao Ministério Público vem investigando o que parece ser uma complexa e intrincada rede formada por diversas pessoas, entre civis e possíveis agentes e ex-agentes de segurança pública do Estado.

O trabalho não deve ser fácil, tendo em vista que há boatos de que até políticos estariam envolvidos em extermínios de pessoas no Pará.

Mesmo que não seja um problema novo no Estado, os movimentos sociais, entidades da sociedade civil local, nacional e até internacional,

como a Anistia internacional, se mobilizaram e cobraram explicações do Governo do Pará. Ocorre que mesmo após a chacina, pessoas continuam sendo vitimadas pela violência em Belém sem que tenhamos avanço na redução dos índices de homicídios.

Uma semana após a execução do cabo Figueiredo da PM, conhecido como Pet, foram assassinados uma jovem, que teria relações pessoais com o policial, e um homem, que poderia estar entre os responsáveis pelo homicídio de quatro de novembro. As entidades que acompanham o caso cobraram oficialmente por informações sobre estes duas mortes, mas até agora não receberam nenhuma explicação sobre as investigações.

Movimentos Sociais querem CPI das Milícias Desde a chacina em Belém, como ficou conhecida internacionalmente

Foto: Jean Brito/SDDH

SDDH soube através de lideranças comunitárias dos bairros do Guamá e Terra Firme da chacina ocorrida na noite dos dias quatro e cinco de novembro que oficialmente vitimou 11 pessoas em alguns bairros da periferia de Belém. Segundo relatos de moradores das áreas, tais assassinatos teriam ocorrido após a morte do cabo Figueiredo, da Polícia Militar. Foi disseminado também, pelos meios de comunicação social, que havia ligação entre a morte do PM e a chacina, haja visto que algumas pessoas, entre elas agentes de segurança pública, estariam convocado seus colegas a “darem uma resposta ao assassinato do cabo Figueiredo”.

Após o ocorrido, a SDDH passou acompanhar o caso em conjunto com organizações da sociedade civil, ligadas à defesa dos direitos humanos, entre as quais o Centro de Defesa da Criança e do Adolescente (CEDECA), Ordem dos Advogados do Brasil – Seção Pará (OAB-PA), Centro de Estudos e de Defesa do Negro do Pará (CEDENPA), Universidade Popular (UNIPOP), FASE e Ouvidoria do Sistema de Segurança Pública do Pará, que atuam em conjunto no Conselho Estadual de Segurança Pública (CONSEPE), com o propósito de exigir a tomada de providências dos órgãos responsáveis pela Segurança Pública no Pará, para que o caso seja apurado com rigor e para que os envolvidos sejam devidamente responsabilizados.

Passados mais de um mês desta tragédia (período de fechamento desta edição), os moradores das áreas ainda não se recuperaram totalmente da noite de terror vivida naqueles fatídicos quatro e cinco de

a noite de terror, os movimentos sociais e entidades da sociedade civil pressionam pela instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) na Assembleia Legislativa do Estado do Pará (ALEPA), com o intuito de investigar a relação de agentes de segurança pública com milícias e grupos de extermínio no Estado.

O deputado estadual Edmilson Rodrigues, do PSOL-PA, foi autor do requerimento de instalação da CPI. O parlamentar conseguiu todas as assinaturas necessárias para que a mesma funcionasse e, devido a pressão popular, com mobilizações até a ALEPA, os partidos indicaram os nomes dos deputados que irão compor a Comissão.

Neste processo o que ficou claro foi a indisposição do Governo do Pará a qualquer tentativa de negociação independente. Sendo assim, os parlamentares alinhados ao governador não assinaram o pedido de requerimento da CPI e fizeram o máximo para atrasá-la.

No âmbito da sociedade civil, diversas ações vêm sendo realizadas, desde vigílias, atos públicos, caminhadas e cortejos culturais no centro da cidade e em alguns bairros da periferia de Belém. Para além da mobilização social, foi criada uma comissão da sociedade civil para acompanhamento e monitoramento das investigações. Esta comissão independente foi sugerida em reunião no Ministério Público do Estado do Pará, por ocasião da visita de representantes do Governo Federal, ainda na mesma semana do ocorrido.

Movimentos sociais na concentração do ato público que exigiu da ALEPA a instalação da CPI das Milícias.

Até o fechamento desta edição, esta comissão independente, apesar dos órgãos públicos diretamente envolvidos nas investigações já terem

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Foto: Jean Brito/SDDH

extermínio da juventude negra em questão

Marcha da Periferia, na Terra Firme, questionou a política de guerra aos pobres.

ciência da existência da mesma, através de diversos ofícios e pedidos de reuniões, ainda não obteve nenhuma informação oficial sobre os rumos dos inquéritos policiais.

Para cada assassinato foi instaurado um inquérito policial específico, mas a investigação corre em sigilo absoluto.

Além do pedido de CPI e da comissão independente da sociedade civil que tenta acompanhar o caso, a SDDH, o CEDECA/EMAÚS e o estudante Romulo Morais, mestrando em Direito pelo Programa de PósGraduação em Direito da Universidade Federal do Pará, prepararam um relatório/informe sobre a situação de extermínios no Estado do Pará. Este documento fará parte de um relatório nacional preparado por diversas organizações da sociedade civil, via ANCED, e será apresentado à Organização dos Estados Americanos (OEA) em dezembro. Entre as reivindicações da carta estão o pedido de audiência para debater a situação do extermínio e milícias no Pará, até visitas de relatores ao Brasil. Também está sendo preparado um informe para a Organização das Nações Unidas (ONU) com os mesmos objetivos.

O informe sobre o Pará ainda contribui para a reflexão sobre como o Estado, através dos órgãos do sistema penal, utilizam da tortura e do extermínio como principal meio de manter uma ordem social hierarquizada e excludente, onde os jovens negros e pobres são os principais alvos de uma seletividade racista e de um discurso jurídico-penal esgotado e aplicado desde o “descobrimento” do Brasil. Ele ainda alerta que a análise e reflexão sobre o extermínio de nossa juventude é hoje a principal trincheira da luta por direitos humanos em nosso país e em nosso continente latino-americano.

A SDDH compreende que este é um momento propício para trazer ao debate público as implicações da

concepção de uma política de segurança publica que vem pautando o combate à violência apenas em mais prisões e repressão seletiva. Este modelo é muitas vezes desmedido e abusivo, e acaba por vitimar a juventude negra das periferias, gerando mais violência e assassinatos, sem que as políticas públicas de proteção aos jovens, como saúde, lazer, educação, moradia, alimentação, sejam, de fato, garantidas. Temos também que pautar a responsabilidade de setores da grande mídia na reprodução de discursos de ódio e segregação social em diversos programas policialescos.

Toda solidariedade às famílias de Alex dos Santos Viana, Arleson Valdo Carvalho Mendes, Antônio Marcos da Silva Figueiredo, Bruno Barroso Gemaque, César Augusto dos Santos da Silva, Eduardo Felipe Galúcio Chaves, Jean Oscar Ferro dos Santos, Jeferson Cabral dos Reis, Marcio Santos Rodrigues, Marcos Murilo Ferreira Barbosa e Nadson da Costa Araújo, todos assassinados na noite dos dias quatro e cinco de novembro. * Advogada, Coordenadora do Programa Acesso a Justiça da SDDH e representando a SDDH no Conselho Estadual de Segurança Pública do Pará.

Carimbó é agora patrimônio imaterial do Brasil Rogério Almeida e Lilian Campelo

Carimbó é coisa de índio, coisa de negro, possui nuances ibéricas.

A percussão domina a manifestação de matriz afroindígena desde o século XVII. Três tambores (curimbó) compõem a identidade percussiva, ajudada por maracás. Cabe ao curimbó maior a marcação, enquanto os dois menores solam. Instrumentos de harmonia, como flauta transversal e banjo, engrossam o caldo nos dias atuais. Os grupos mais pop´s agrupam violão ou guitarra e baixo.

O nome Carimbó é de origem indígena. Em tupi, korimbó significa pau que produz som. Este resulta da união de curi (pau oco) e m’bó (furado, escavado). As canções compostas por pescadores, extratores e lavradores fazem alusão a elementos da fauna e da flora, ao dia a dia do trabalho e às práticas cotidianas.Versos do pescador e mestre Lucindo (Lucindo Rebelo da Costa) sinalizam sobre o ambiente do Salgado: “Dona Maria chegou chegou de Moro-oca, para fazer a farinha, farinha de tapioca É prá rebolir, é prá rebolir É prá rebolir, bolir, bolir, bolir, bolir”.

Esta é considerada a versão original. Noutra canção o mestre romantiza: “A lua sai de madrugada Sai no romper do sol Ela sai acompanhando Os namorados que andam só... Ô, lua! Ô, lua! Ô, luar!

Me leva contigo pra passear” O ritmo é primo do maracatu, do jongo, do congo, tambor de crioula, do reizado, e por ai vai Brasil afora.

A matriz rural é um elemento comum das manifestações. É do barro do mundo das águas do Marajó e do

Salgado (município de Marapanim) as principais referências da expressão cultural mais festejada entre os paraenses.

(Re) existência afro indígena O preconceito e a criminalização das manifestações culturais de matriz africana e indígena constam em inúmeros apêndices ao longo da história. Códigos de posturas de algumas cidades proibiram as rodas de capoeira, samba, carimbó, bumba meu boi.... “Era coisa de malandro. Coisa de preto”, taxavam.

Para (re) existir o samba ganhou o abrigo em terreiros de umbanda e candomblé, como no caso da Tia Ciata e apelou para o sincretismo. Assim como o samba, outros gêneros forjaram formas de resistência e afirmação. Na contramão, a visão obtusa de outrora tem sido oxigenada em dias atuais por alguns segmentos neopentecostais.

Patrimônio Imaterial No dia 11 de setembro de 2014, o carimbó recebeu do Ministério da Cultura a chancela de Patrimônio Imaterial do Brasil. A peleja iniciada em 2008 teve como protagonistas a Irmandade de Carimbó de São Benedito, a Associações Culturais Japiim, Raízes da Terra e Uirapurú, responsáveis pelo pedido de registro do ritmo como patri-

mônio imaterial do Brasil.

Coube ao Departamento de Patrimônio Imaterial do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e a Superintendência do Patrimônio imaterial no Pará a condução do processo de registro e a realização de pesquisas entre 2008 a 2013. Enquanto uns trataram da burocracia, outros organizavam eventos dentro e fora do Estado, além do memorial sobre os grupos e nomes relevantes de mestres do ritmo, onde flutuam Verequete, Lucindo, Dico, Cizico, Bento e outros.

Domingo é dia de festa Toda domingo no bairro de Icoaraci, a casa cultural Coisas de Negro celebra a expressão, festejada por percussionistas nas manhãs da Praça da República, no Centro de Belém.

Ali entre mangueiras, e próximo ao cheio de pompa e circunstância Teatro da Paz, não raro os músicos entoam a canção mais popular do gênero: “Chama Verequete! Velejar.

Velejar...”. Fragmento do texto Carimbó resiste na Amazônia e quer ser reconhecido como patrimônio imaterial publicado originalmente no site paulista Agência Carta Maior.

12 - SOCIEDADE PARAENSE DE DEFESA DOS DIREITOS HUMANOS - SDDH

Memórias da resistência

A estranha companhia

as suas antenas ligadas a serviço da ditadura militar.

Sempre no início da manhã, quando eu saia para trabalhar na seção de loteria da Caixa Econômica Federal que no final dos anos 1970 ficava na atual Avenida Magalhães Barata, entre as travessas Castelo Branco e 14 de Abril, onde funcionou o antigo Cinema Independência -, com uma regularidade quase britânica um homem que usava barba estava sempre ali, quase que ao meu lado, esperando o semáforo abrir, na travessa Mauriti, esquina da Avenida Duque de Caxias.

Em novembro de 1980 eu fui demitido, sem justa causa, da Caixa Econômica Federal, na véspera de eu ganhar imunidade sindical, devido à minha participação numa chapa que concorria para a renovação da Associação do Pessoal da Caixa Econômica (APCE).

Em 1981, desempregado, voltei para O Liberal, onde eu havia trabalhado antes de ingressar na Caixa. A noite trabalhava no jornal e durante o dia na gráfica Suyá, que imprimia o Jornal Resistência.

De tanto ver aquele homem, que eu supunha ser meu vizinho, passei a acenar com a cabeça, como se cumprimenta alguém que a gente já identifica de algum lugar, mas não tem intimidade. Não lembro se ele retribuía o gesto.

Só sei que no dia 14 de setembro de 1978 fui convocado para depor na Polícia Federal (PF). Meu nome estava no expediente da quinta edição do jornal Resistência, que denunciava na capa ações de torturas sofridas por Paulo Fonteles, Hecilda Veiga, Humberto Cunha e Isabel Tavares Cunha, dentro de unidades militares.

A Superintendência Regional da Polícia Federal funcionava na Travessa Castelo Branco, nº 923, no bairro de São Braz, bem próximo da unidade da Caixa, onde eu trabalhava. Ou seja, as duas instituições federais eram vizinhas. Mesmo sem ser indiciado na Lei de Segurança Nacional (LSN), como fizeram com o editor do jornal, Luiz Maklouf Carvalho e os quatro denunciantes, fui fotografado de frente, de perfil e coloquei as impressões digitais de todos os meus dedos na ficha da PF. Só depois de “tocar o piano” é que fui interrogado pelo próprio superintendente, o delegado Sadoc Thales Reis.

O homem da motocicleta, como boa parte de nós, militantes de esquerda, também era visto por mim, nas grandes

No dia 8 de outubro de 1982 acabou o mistério sobre o homem da motocicleta que usava barba, a estranha figura que me acompanhou durante muito tempo. A data marca a invasão da gráfica, por agentes da Polícia Federal, em busca de materiais do Movimento pela Libertação dos Presos do Araguaia (MLPA), que seriam distribuídos no dia do Círio de Nazaré, com denúncias sobre a prisão e condenação dos padres franceses Aristides Camio e François Gouriou e mais 13 posseiros do Araguaia.

Foto: Leila JinkingsAcervo SDDH

A cena se repetia sempre. Durante todo o trajeto, que eu fazia num fusca amarelo, o homem, em sua motocicleta, ora me ultrapassava, ora se deixava ultrapassar. Com o tempo, pensei tratar-se de um vizinho que, por coincidência, saia para trabalhar na mesma hora que eu e seguia mais ou menos o mesmo trajeto. Como na época os carros não eram dotados de ar condicionado e o clima em Belém, mesmo no início da manhã, apresentava uma temperatura em torno de 26 graus, era normal a gente andar com os vidros laterais abertos, para amenizar o calor que fazia no interior do veículo.

Acervo SDDH.

Por Paulo Roberto Ferreira*

Paulo Roberto Ferreira assina um documento na Polícia Federal, depois de uma invasão à gráfica do Resistência.

manifestações pelo direito de morar, na luta pela meia passagem ou nos atos de denúncias contra a violência no campo. Além de vizinho, cheguei a pensar que a tal figura pudesse ser também um “companheiro” de luta contra a ditadura e pela democracia em nosso país.

No final de fevereiro de 1980, quando cheguei para trabalhar, encontrei em cima da minha mesa um memorando anunciando a minha transferência para a Agência da Caixa de Óbidos, a 900 quilômetros de Belém. Fui, mas deixei uma procuração para o advogado da Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos (SPDDH), Deusdedith Brasil, que ingressou com um mandado de segurança na Justiça Federal, pedindo o meu retorno a Belém. Enquanto eu aguardava a decisão, tomei conhecimento, com dois dias de atraso, da tragédia que resultou na morte do estudante de engenharia elétrica, César Moraes Leite, dentro de sala de aula, na Universidade Federal do Pará.

A capanga do policial federal Dalvo Monteiro de Castro Júnior caiu e o revólver disparou de baixo para cima, traspassando o espaldar da carteira e atingindo César Leite no peito. Isso

aconteceu no dia 10 de março daquele ano. Belém viveu um dia de grande agitação, sobretudo durante o sepultamento, quando todas as escolas e universidades paralisaram suas atividades para acompanhar o funeral, que se transformou num ato de protesto contra a infiltração de policiais nas universidades. Enquanto isso, eu me encontrava em Óbidos, carente da família e de notícias. Os jornais diários chegavam a Santarém no final da tarde e seguiam à noite, pelo barco, para amanhecer em Óbidos. As emissoras de rádio estavam sob censura e o pouco que era noticiado sobre a morte do estudante era filtrado.

No final de março a Justiça Federal determinou o meu retorno a Belém.

Mas os meus superiores me transferiram da vizinhança com a PF para uma unidade da Caixa que funcionava dentro do SERPRO, o Serviço de Processamento de Dados do Ministério da Fazenda, cujo prédio ficava bem em frente ao Quartel General da 8ª Região Militar, conhecido como QG da 8ª RM, na Praça Saldanha Marinho, mas que todos chamam de Praça da Bandeira.

Ou seja, a minha vizinhança de trabalho estava sempre bem armada e com

O homem da motocicleta e de barba era um dos “canas” da PF. O agente da Polícia Federal José Roberto Prado da Silva, que gritava, berrava e, com uma pistola na mão, intimidava a todos os que estavam dentro do prédio. Vendo aquele show de exibicionismo percebi o quanto as nossas vidas eram espionadas e fiquei imaginando que tipo de informações a ditadura acumulava sobre a nossa atuação como militantes da luta pela democracia.

Somente em outubro de 2011 obtive junto ao Arquivo Nacional, órgão vinculado ao Ministério da Justiça, a confirmação daquilo que eu suspeitava.

Que nós éramos vigiados não somente no período da ditadura militar, mas os relatórios dos órgãos de segurança e informação foram atualizados até 08 de abril de 1988, meses antes da promulgação da Constituição Federal, em 5 de outubro de 1988. Isto é, o aparato de controle sobre a vida do cidadão permaneceu intacto durante quatro anos após o final formal do regime militar.

Outra lição que ficou do penoso aprendizado, foi que em tempo de ditadura devemos desconfiar até do vizinho. Eu espero, entretanto, que o Brasil nunca mais tenha que viver sob um regime autoritário. * Paulo Roberto Ferreira é jornalista e professor das Faculdades Integradas Ipiranga. Foi fundador e diretor da SDDH e do jornal Resistência.