RelevO - Abril de 2019

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de destruir. Mas, quando precisava, tornava-se convincente ao expor os argumentos com a sua fala mansa e uma clareza ímpar, como se tivesse engolido centenas de teorias durante todos os seus silêncios. A PIDE soltou-o em três dias. Após a prisão, Eduardo ganhou uma habilidade adicional, além da fala mansa e convincente: a habilidade de desaparecer. E não voltou a dormir mais do que uma noite no mesmo lugar até ao momento em que a sua vida foi abalada por um evento inesperado. O inverno estava no auge, fustigando Lisboa com uma chuva impiedosa como há muito não se via. Se Eduardo acreditasse nas teorias apocalípticas, poderia achar que o fim do mundo estava próximo. Mas não era o caso. Ele acreditava em poucas coisas e nenhuma delas era o fim do mundo. Com frio e as roupas encharcadas refugiou-se no teatro — o único lugar aberto àquela hora da noite. Empurrou a porta e esgueirou-se para um canto escuro depois de subornar o porteiro. Avaliou a plateia. Reconheceu alguns representantes do governo sentados na primeira fila enquanto uma atriz, usando roupas masculinas, parodiava o General Franco. Ela estava se arriscando ao caricaturar o ditador espanhol, porque havia claras semelhanças entre os regimes ibéricos. Eduardo defendia que as ditaduras eram todas iguais: tiranas e cruéis. Não havia em toda a história humana registros de um único ditador que não tivesse as mãos manchadas de sangue inocente.

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