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Rio Branco – Acre, SEXTA-FEIRA, 4 de fevereiro de 2011

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OPINIÃO Editorial

Charge

Vereadores sem teto

O

s vereadores da atual legislatura não estão com muita sorte. Apesar de serem considerados um grupo bem organizado e articulado, eles enfrentaram problemas financeiros no fim do ano e agora estão correndo o risco de ficarem sem teto para realizar as sessões. Segundo informações da mesa diretora, a Funasa - onde eles trabalham provisoriamente - já anunciou que vai efetuar reforma no prédio, o que significa que terão que desocupar o espaço. Diante da situação, os parlamentares resolveram pedir a ajuda do governo, da prefeitura e da Assembleia Legislativa do Acre (Aleac). A intenção dos edis é conseguir emprestadas as instalações da Aleac, onde realizariam as sessões no período da tarde. A ideia pareceu absurda para alguns, mas não se pode deixar de observar a importância do parlamento municipal para a população da capital e para a própria prefeitura. Eles precisam de imediato de um local de funcionamento, e se não for possível a realização do trabalho no prédio da Aleac, que sejam instalados em outro local que possa acolher os vereadores e os demais funcionários da Casa. Artigo José Chalub Leite (In Memoriam)

Tão Acre

O humor acreano de todos os tempos

A Índia Gulosa Birroque ainda morava em Tarauacá. Numas andanças parou na maloca dos índios Kapixaua e permaneceu algumas semanas, tempo suficiente para enamorar-se de bonita cabocla. Botou curto na cunhã, mas muito cabreira ela escapava das cantadas e amassos. Num fim de tarde, arrastou a índia para o barranco, atracou-se, querendo porque querendo, beijando-a, acochando-a de tal forma que se tornava impossível a escapada. Enquanto a filha das matas resmungava nãos e mais nãos, o Birroque conseguiu tirar a saia e consumar a posse. Esgotado de tanto esforço causado pela mão-de-obra, já desinteressado da guria, de súbito a curiboca enrosca-se ao cariú, apelando: – Seu Bi, mim quer mais, mim quer mais! Sem condições para o bis, Birroque enfiou o dedo indicador na cara da parceira, seriíssimo, como se enfezado estivesse: – Não senhora, faz mal, faz mal, viu? O FILHO DO BIRROQUE Em Tarauacá era lendária a fama de garanhão do seringalista Birroque. Vestia saia, crau!, estava no papo. Durante permanência numa maloca emprenhou uma índia. Nasceu no devido tempo um menino. Birroque comenta: – Índia que tem filho com

branco gera mestiço. Quando dá mulher, sai bonita e sem-vergonha, quando dá homem é forte e supermacho. Meu filho índio, o Alfredo, tem o maior orgulho de mim. Quando se embravece bate no peito possante e fala grosso como trovão: “Aqui é índio macho, é filho de Birroque!”. O leitor terá oportunidade de deliciar-se com muitas outras historinhas do Birroque espalhadas neste livro (Tão Acre II). Como mais esta, a mim narrada, a provar a quantas andava a justiça nos idos territoriais. – Um juiz em Tarauacá, o Dr. Alfredo de Castro Silveira, teve em mãos um processo para apreciar, o de dona Chiquinha. Ela vivera seis anos amigada com o dono de um seringal no rio Envira e temendo ficar na pior ao enviuvar, moveu ação para ficar com a posse do seringal. O magistrado mandou-lhe recado em carta, onde a certa altura “por alto” insinuava esperar algumas vantagens: “Dona Chiquinha, eu sou da Justiça para fazer injustiça, tirar direito de quem tem para dar a quem não tem, se a senhora não mandar o peru e o garrote, eu vou despachar a questão contra a senhora”. Dona Chiquinha ganhou o seringal do finado.

Desastres naturais e desastres sociais Octavio Luiz Motta Ferraz Estudos nos mostram que os desastres “naturais” são moldados significativamente pelas mesmas desigualdades sociais que afetam o dia a dia Desastres “naturais”, como o que se abateu recentemente sobre o Rio de Janeiro, produzem reações psicológicas intrigantes. Esse tipo de evento aguça nossa capacidade de empatizar com os outros e nos move a agir com generosidade ampliada, que outras situações com igual ou maior impacto em termos de sofrimento humano e número de vítimas não fazem. Doações após o tsunami na Ásia são o exemplo mais claro e emblemático dos últimos anos. Em poucos dias, governos de todo o mundo haviam prometido doar quase US$ 5 bilhões para uma tragédia que, segundo estatísticas da Organização Mundial de Saúde, causou 32 mil mortes e afetou de alguma forma outras 500 mil pessoas. Já o Fundo Global para o Combate à Aids, Tuberculose e Malária vai gastar esse ano cerca de US$ 20 bilhões (apenas quatro vezes mais), com medidas que beneficiarão 174 milhões de pessoas. Mas essa reação psicológica diferenciada em face de desastres “naturais” se funda numa

premissa enganosa (daí a utilização das aspas). Embora os gatilhos dos desastres sejam eventos naturais (geralmente condições geológicas e atmosféricas), a magnitude de seus danos varia fortemente com as condições econômicas, sociais e políticas da região afetada. Um recente estudo da ONU sobre desastres ocorridos no mundo de 1975 a 2007 conclui taxativamente: populações sujeitas a riscos similares em gravidade sofrem danos significativamente mais graves e extensos se morarem em países pobres e com governos corruptos e ineficientes. Japão e Filipinas são bons exemplos. A probabilidade de mortes decorrentes de tufões nas Filipinas é 17 vezes maior do que no Japão, embora o número de pessoas sujeitas a esse evento natural seja similar! (conforme “Risk and Poverty in a Changing Climate”, 2009). Como bem apontou a socióloga americana Kathleen Tierney ao analisar o evento do furacão Katrina em Nova Orleans, os desastres “naturais”, ao contrário de outras mazelas sociais do dia a dia, geram “crises de consenso” (em oposição às “crises de conflitos”), de onde emer-

“os desastres `naturais`, geram `crises de consenso`”

gem “comunidades terapêuticas” que dão suporte às vítimas e ampliam o grau de coesão da comunidade (“Social Inequality, Hazards and Disasters”, 2006). Há várias explicações para esse comportamento incoerente. Fazemos distinção moral rígida entre os danos causados por forças naturais e os causados pela ação humana. Nos primeiros, não temos dúvida de que as vítimas são inocentes e nossa capacidade de empatia é automática. Nos outros, nosso julgamento é ofuscado por dúvidas sobre causalidade e responsabilidade que nos paralisam na ação. Outro fator explicativo é a frequência com que esses eventos ocorrem. Se desastres “naturais” ocorressem com muita frequência, provavelmente nossa capacidade de empatia com as vítimas diminuiria, em decorrência do fenômeno da “anestesia moral”. Precisamos refinar nossos julgamentos morais à luz dos estudos acima citados, que mostram que os desastres “naturais” são moldados significativamente pelos mesmos fatores de estratificação e desigualdades sociais que influenciam a vida das pessoas no dia a dia. Se conseguirmos, com isso, responder aos desastres sociais da mesma forma como respondemos aos desastres “naturais”, estaremos no caminho certo para a minimização de ambos. Mestre em direito pela USP


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