O SÃO PAULO - 3149

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www.arquisp.org.br | 4 a 9 de maio de 2017

Espiritualidade O ser humano não é um projeto fracassado... Dom Devair Araújo da Fonseca

Bispo auxiliar da Arquidiocese na Região Brasilândia e vigário episcopal para a Pastoral da Comunicação

N

um processo de criação nem sempre tudo dá certo. Algumas ideias são boas, mas às vezes um projeto não funciona como esperado, e nesse caso abandonar tudo pode parecer o caminho mais fácil. O ser humano é obra da bondade de Deus, que criou todas as coisas e viu que tudo era bom (cf. Gn 1, 1-31). Mas o pecado parece interromper essa bondade, colocando em xeque a continuidade do projeto. Será que o ser humano é uma obra pela qual vale a pena lutar? Não teria sido mais fácil cancelar e recomeçar criando tudo de novo? Deus é o criador de todas as coisas, mas é também Ele que continua sustentando tudo o que foi criado. Sem a continuidade da ação divina, tudo deixaria de existir. Mesmo depois da queda e do pecado original, Deus não desistiu do ser humano, “criado à sua ima-

gem e semelhança” (cf. Gn 1,27). gunta é outra, e está direcionada a Por isso, “na plenitude dos tem- cada um de nós: Por que nos espos, Deus enviou seu Filho, nasci- quecemos de Deus e do seu amor? do de uma mulher, nascido sujeito Quanto mais o homem se afasta de à lei, para resgatar os que estavam Deus, tanto mais aparecem os sisujeitos à lei” (Gl 4, 4-5). A encar- nais do pecado e da morte. nação do Verbo é a primeira proMas, ainda assim, Deus não va de que Deus não abandonou a desiste de nos amar, e por isso o criação à sua própria sorte, mas mistério pascal reacende em nós que Ele continua a ocupar-se dela. a esperança de vida. O ser humaO mistério da cruz é a segunda e no não é um projeto fracassado, definitiva prova do compromisso uma obra falida, que não deu cerde Deus com a humanidade. Assim, tudo o que foi assu- Deus é o criador de todas mido na encarnação as coisas, mas é também Ele foi redimido na cruz, que continua sustentando por Jesus, o Filho de tudo o que foi criado. Sem a continuidade da ação divina, Deus. Todo o mistério tudo deixaria de existir. Mesmo da nossa criação e da depois da queda e do pecado nossa redenção está original, Deus não desistiu marcado pelo amor. do ser humano, “criado à sua Mas quando olha- imagem e semelhança” mos à nossa volta, ainda conseguimos ver os sinais to, existe esperança porque somos e as consequências do pecado, as amados e fomos resgatados. O Fimarcas da violência, as guerras e lho de Deus, Jesus Cristo, comproa fome, a miséria e os sofrimentos meteu tudo de si, até sua vida, para de milhares de pessoas. Onde está testemunhar isso. Essa é a verdade que tem a força de dar novo e pleno a vitória de Cristo? Em Cristo Ressuscitado, o Pai sentido à nossa existência, e tamconfirmou que não nos esqueceu, bém é o único caminho para properdidos em nossos sofrimentos, mover uma justa e autêntica transabandonados na cruz. Então, a per- formação do mundo.

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Fé e Cidadania Caminhos de superação diante das doenças raras e negligenciadas Padre Leo Pessini Qual seria o caminho de superação do caótico estado de coisas sobre as doenças raras e negligenciadas? Na mensagem endereçada aos participantes da Conferência Internacional sobre Doenças Raras e Negligenciadas, em novembro de 2016, o Papa Francisco afirma que “o desafio epidemiológico, científico, clínico-assistencial, higiênico-sanitário e econômico é, pois, imenso, porque implica responsabilidades e compromissos em escala global: autoridades políticas e sanitárias internacionais e nacionais, agentes sanitários, indústria biomédica, associações de cidadãos/pacientes, voluntariado laico e religioso”. Devido a isso, é necessária “uma abordagem multidisciplinar e conjunta; um esforço que envolva todas as realidades humanas interessadas, institucionais ou não, e entre elas também a Igreja Católica, que desde sempre encontra motivação e impulso em seu Senhor, Cristo Jesus, o Crucificado Ressuscitado, ícone tanto do enfermo como do médico, o bom samaritano”. Francisco diz que para resolver esse problema de saúde global, é necessária “a sabedoria do coração”, sendo também de crucial importância o testemunho de quem se lança nas periferias não somente existenciais, mas também assistenciais do mundo. Uma outra observação do Papa tem a ver com o tema da justiça, no sentido de “dar a cada um o que é seu”, evitando-se discriminações. Isto é, o mesmo acesso aos cuidados eficazes para as mesmas necessidades de saúde, independentemente dos fatores e contextos socioeconômicos, geográficos e culturais. Aqui são evocados três princípios fundamentais da Doutrina Social da Igreja. O primeiro é o princípio da sociabilidade, segundo o qual o bem da pessoa se reflete na comunidade. Portanto, o cuidado da própria saúde não é somente uma responsabilidade pessoal, mas também um bem e responsabilidade social. O segundo princípio é o da subsidiariedade, que, de um lado, sustenta, promove e desenvolve socialmente a capacidade de cada pessoa realizar as suas aspirações legítimas e, de outro, vai em socorro das pessoas onde elas se encontram e não conseguem, por si mesmas, superar certos obstáculos, como é o caso, por exemplo, de uma doença. E, finalmente, o princípio da solidariedade, em relação ao qual deveriam se orientar as estratégias sanitárias, que tem na justa medida o valor de cada pessoa e do bem comum. Conclui o Papa Francisco dizendo que é “sobre estas três bases que podem ser partilhadas por todos aqueles que tenham em grande consideração o valor eminente do ser humano, que se pode identificar soluções realistas, corajosas, generosas e solidárias para afrontar com mais eficácia e resolver a emergência sanitária das doenças ‘raras’ e ‘negligenciadas’”. As opiniões da seção “Fé e Cidadania” são de responsabilidade do autor e não refletem, necessariamente, os posicionamentos editoriais do O SÃO PAULO.


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