Edição 121 - Abril/Maio 2021

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Diagnóstico diferencial das lesões talâmicas não-neoplásicas que classicamente cursam com restrição à difusão no córtex cerebral (que frequentemente é afetado de forma difusa, mas particularmente suscetível nas áreas motoras, sensitivas e visuais), cerebelos e hipocampos. Entre 24h e 2 semanas surgem alterações nas imagens convencionais em T2, com aumento de sinal nas estruturas afetadas (Figura 5). No fim da primeira semana é frequente ocorrer pseudonormalização da restrição à difusão. No estágio crônico, pode haver hipersinal residual em T2 nos núcleos da base e áreas de necrose cortical, vistas como hipersinal nas sequências ponderadas em T1. [4] Um diagnóstico diferencial importante é a encefalopatia hipoglicêmica, que se apresenta com restrição à difusão bilateral no córtex cerebral e nos núcleos da base, mas classicamente poupa os tálamos, o tronco encefálico e o cerebelo.

Introdução

O tálamo é uma estrutura diencefálica, predominantemente composta por substância cinzenta, formada por múltiplos núcleos, que desempenha funções essenciais na fisiologia cerebral. Pode estar envolvido em patologias de múltiplas etiologias, como vascular, metabólica, desmielinizante, inflamatória/infecciosa, traumática, neoplásica, genética e idiopática. Este estudo tem como objetivo revisar os principais diagnósticos diferenciais de patologias não neoplásicas que se manifestam classicamente à ressonância magnética (RM) com restrição à difusão nos tálamos, considerando a distribuição unilateral ou bilateral.

Envolvimento Unilateral Isquemia O tálamo possui quatro territórios vasculares principais (Figura 1): • a região anterior é suprida pela artéria polar, originada da artéria comunicante posterior (ACoP); •

a porção inferolateral é suprida pelas artérias talamogeniculadas, que se originam da porção P2 da artéria cerebral posterior; a região paramediana é suprida pelas artérias talamoperfurantes, que podem emergir bilateralmente dos ramos P1 da ACoP ou de um tronco arterial único (Artéria de Percheron);

Figura 3. Restrição à difusão (a, b, c) e alteração de sinal (d) no território da artéria cerebral posterior direita, destacando-se o envolvimento bilateral dos tálamos (setas amarelas), sugerindo a presença de variante de Percheron.

A sequência de difusão (DWI) é a de maior sensibilidade para detecção de isquemias. Em tais casos, o core isquêmico se apresenta com alto sinal na sequência DWI e baixo sinal no mapa ADC. Como território de circulação terminal, as isquemias talâmicas frequentemente têm aspecto lacunar e são unilaterais (Figura 2), com exceção da isquemia da artéria de Percheron, que afeta a região paramediana de ambos os tálamos (Figura 3). [1]

Pós-Ictal Dadas as suas extensas conexões com o córtex cerebral, alterações no período pós-ictal podem ser encontradas no tálamo. A frequência de tais alterações é variável, e dependem do tipo, duração, localização da crise e da gravidade da descarga focal, ocorrendo principalmente no contexto de status epilepticus prolongado. Em tais casos, o achado mais comum é alto sinal em T2/FLAIR e restrição à difusão, afetando principalmente o pulvinar ipsilateral à região epileptogênica. Acredita-se que isso ocorra devido a um aumento excessivo da demanda metabólica tecidual durante as crises, resultando em edema citotóxico e/ou vasogênico (Figura 4) [2,3].

Figura 1. Representação esquemática da anatomia vascular dos tálamos.

Intoxicação Medicamentosa pela Vigabatrina A vigabatrina é um análogo do ácido gama-aminobutírico (GABA), utilizado para tratamento de espasmos infantis e crises convulsivas parciais complexas refratárias. Em geral a medicação é bem tolerada, porém 20-30% dos pacientes podem apresentar alterações caracterizadas por hipersinal em T2 e restrição à difusão bilaterais nos tálamos, globos pálidos, no Figura 4. Restrição à difusão (a, b) e alteração de sinal em FLAIR (c) no córtex temporo-occipital esquerdo (setas azuis) e no pulvinar do tálamo ipsilateral (setas amarelas), em paciente após dorso da ponte, no mesencéfalo evento convulsivo. e núcleos denteados (Figura 6). Tais alterações são mais comuns em pacientes com até 12 Envolvimento Bilateral meses de vida e em uso de altas doses de vigabatrina, com Encefalopatia Hipóxico-Isquêmica frequente reversibilidade das alterações após suspensão da medicação. [5,6] A encefalopatia hipóxico-isquêmica tem como etiologia Um diagnóstico diferencial é a leucinose (doença da em crianças eventos com asfixia, como hipóxia perinatal ou urina em xarope de bordo – Figura 7), cujo padrão clássico afogamentos, e em adultos, em geral é secundária a parada de edema mielínico pode ser evidenciado por hipersinal cardiorrespiratória ou a doença cerebrovascular. As estruturas em T2 e em difusão, com baixo sinal em ADC nos tálamos, compostas por substância cinzenta, como os tálamos, núcleos globos pálidos e na substância branca cerebelar, dorso da da base, córtex cerebral, cerebelo e hipocampos, são mais ponte, pedúnculos cerebrais, ramo posterior da cápsula frequentemente envolvidas, devido à sua maior demanda interna e substância branca perirrolândica. Em sua forma metabólica. clássica, a leucinose se manifesta clinicamente no fim da Nos estudos de RM, a sequência DWI é a mais sensível primeira semana de vida com encefalopatia neonatal severa, para detecção da injúria nas primeiras 24 horas, quando as diferentemente da intoxicação pela vigabatrina. [7] imagens convencionais em T1 e T2 frequentemente são normais. Nestas situações, já se pode identificar restrição à difusão CONTINUA na região ventrolateral de ambos os tálamos, núcleos da base,

• a porção posterior é suprida pelas artérias coroidais (medial e lateral).

Figura 2. Foco de restrição à difusão no tálamo esquerdo (setas amarelas), sugerindo evento isquêmico recente, caracterizadas nas sequências de difusão (a) e mapa de ADC (b).

Figura 5. Restrição à difusão (a, b, c) e alteração de sinal em T2 (d) bilateral e simétrica envolvendo os núcleos da base, tálamos, amígdalas, formações hipocampais, hemisférios e vermis cerebelares, em paciente após parada cardiorrespiratória.

ABR / MAI 2021 nº 121

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