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Música I Cinema

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Fernando Proença

LITERATURA INCLUSA Número de Setembro 1 – Quando ouço um disco, uma música, vejo um filme e sei que gosto é porque naquele preciso momento, nada mais me ocorre dizer. No porquê pensarei depois. Primeiro gosta-se depois e só depois se percebem influências, paralelismos. Se um dia, à força de tanto ouvir a música na rádio, me começar a entediar, ou simplesmente me irritar, sem mais, nessa altura falo de outra coisa: por exemplo que gostei, mas que ouvi tanto que me fartei e entretanto perdi o momento mental em que pela primeira vez a escutei e passei para o meu lado. Falando de música. Se ela é contra ou acima da norma e demostra potencial para ser ruptura ou cânone, já são outras cavalgadas, exige memória, saber e ouvido. Mas acredito pouco na razão quando não existe identificação emocional imediata. Gostar só depois de se saber a história completa da gravação, datas de nascimento dos músicos, relação de amigos e dis-cografia completa, parece-me frouxo. 2 - Outro dia li (no ípsilon) sobre a banda, os Death que apareceram no início dos anos setenta em Detroit e que faziam o punk rock, que mais tarde iria lançar no estrelato os Ramones. Ou seja eram punk quando ainda ninguém sonhava soar assim. E não foram percursores porque estariam demasiadamente à frente do tempo, diz o meu departamento de estudos pessoal, baseado no estudo de grandes ideias que não o foram só porque não calhou. Por uma razão ou outra – parece que o nome do grupo foi um dos grandes entraves – não conseguiram reunir vontades e estética à sua volta, e lá se foi a oportunidade. Só contam com uma nota de rodapé para a história porque alguém mais avisado se lembrou deles,

quarenta anos depois. Para se fazer parte de uma revolução, qualquer que ela seja, pequena ou grande, há que beneficiar de uma série de grandes e pequenos acontecimentos (geralmente são mais para o pequeno) que na proporção certa contribuem (muitas vezes aleatoriamente) para essa revolução. Por exemplo, parece que não existem dúvidas que os Viking terão estado na América muito antes dos verdadeiros colonizadores mas por não terem sido isso, colonizadores, não contam. Chegaram, não gostaram da cara dos índios e voltaram atrás, para a sua cerveja e móveis tipo IKEA. Nada tem uma valor absoluto, a contingência é a mãe de todas as revoluções. 3 - Ou seja, podemos lembrar nesta altura o termo cultura, vista como cultura musical, mesmo que achemos tudo isso uma grande pepineira, quando falamos de música pop. Vemos, escutamos um disco ou músicas, pelas sensações que nos dão imediatamente, mas também pelas ligações com o passado e presente que a partir dele ou delas, podemos fazer. Já escrevi tudo isto antes e mantenho. Quando ouvimos e vemos arte, popular ou erudita, não somos tábuas rasas. O problema na música, é que à medida que envelhecemos passamos a estar demasiado longe dessa tábua rasa, o que não deixa de ser um handicap. Deixamos demasiado depressa de ouvir o que lá está para passarmos cedo demais a estabelecer conexões. Perde-se rapidamente uma certa dose de inocência e com ela a alma das coisas. Ficar apenas com o universo intelectualizado de quem não é capaz de ver nada fora de influências, causas e consequências é como se diz nos programas da RTP 2, redutor. Recuperei estas ideias, nem imaginam onde pode chegar a minha parvoíce, das provas cegas dos vinhos. Eu sei que os dis-

cos também deviam ter a sua prova cega. Bora lá ver o que aqui está, não sabendo de antemão de quem se trata, de quem toca. Mas já vi muita gente no meio, pôr em causa os alicerces da crítica. O que é um bom ou mau disco? Qual o papel da moda nas nossas escolhas, etc. No vinho, não. Ou não suficientemente. Não consigo entender o que pode no vinho ultrapassar a sensação de o beber, respeitando as regras da temperatura e acompanhamento. Como pode a prova principal de vinho não ser só e apenas cega? Acredito que saber se um vinho tem potencialidades de envelhecimento ou se a proporção das castas não é a mais aconselhável, precisa de um conhecimento prévio das características do mesmo, além de cultura e conhecimento. Agora, beber, saborear, com ou sem acompanhamento, tem que ser e não há outra hipótese, um acto momentâneo. Vão-me dizer, mas é que calhou naquele dia a temperatura do néctar não ser a perfeita. Que o céu ameaçava chuva e aquilo é um vinho de Verão, está escrito na cara. Não é suficiente: que tenham que saber a marca do vinho para dizerem de sua justiça é que me parece antes de mais um truque publicitário; baixo. Desconfio sempre de jornalistas de vinhos e de automóveis. Não desconfio das capacidades nem da honestidade (neste caso da falta dela), mas que existe uma zona de sombra grande, que não atravessam com medo de pôr em causa os fundamentos da sua escrita. Só para vos dar um exemplo de automóveis: nas revistas da especialidade, são os mesmos jornalistas que alertam para os excessos de velocidade dos condutores, que dizem de um automóvel que tem como velocidade máxima, cento e oitenta, que tem como ponto fraco … a baixa velocidade máxima.

Apontamento de Vídeo Alice "Passaram 193 dias desde que Alice foi vista pela última vez. Todos os dias Mário, o seu pai, sai de casa e repete o mesmo percurso que fez no dia em que Alice desapareceu. A obsessão de a encotrar leva-o a instalar uma série de câmaras de vídeo que vigiam o movimento das ruas. No meio de todos aqueles rostos, daquela multidão anónima, Mário procura uma pista, uma ajuda, um sinal... A dor brutal causada pela ausência de Alice

transformou Mário numa pessoa obstinada e trágica, é talvez a única forma que ele tem para continuar a acreditar que um dia Alice vai aparecer." Um drama que se repete no mundo inteiro, dado com muito emotividade. Edição em DVD. Argumento e realização: Marco Martins. Com: Nuno Lopes, Beatriz Batarda, Miguel Guilherme, entre outros. Distribuição: Lusomundo. Vítor Cardoso

JORNAL DO ALGARVE MAGAZINE - SETEMBRO/2013

O Disco – The Bryan Ferry Orchestra – The Jazz Age – 2013 – BMG A minha sugestão de hoje é uma espécie de mostruário de tudo o que escrevi atrás, no que sugere e esconde. Bryan Ferry quis comemorar os quarenta anos de carreira, fazendo uma releitura no mínimo original de alguns dos êxitos, da sua carreira (Roxy Music, incluído). Ele e Rhett Davies (que já tinha sido seu produtor em As Time Goes By) pensaram como podiam ser as versões dos seus temas, se tivessem sido arranjados e tocados por uma banda de Nova Orleãs. A banda de Nova Orleães é aqui formada por músicos de sessão britânicos, que soam sempre impecáveis; a música é excitante e simples e sugere a atmosfera pouco límpida, captando a ideia talvez de se estar num clube nocturno, em modo de baixa fidelidade. Mas o que mais gosto é que não se está aqui em presença de um pastiche dos originais (que podia ser o caminho) mas de uma verdadeira reinvenção tão reinventada que às vezes custa a conhecer onde está o original (o que esconde). Para mim que não gosto de jazz é uma delícia: imediato no prazer que dá a ouvir e culto nas leituras que permite ao ouvinte.


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