Jornal de Fato

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especial escritor fabrica pequenos contos que ficam fermentando numa gaveta de guardados. Desses personagens, João Valério é o primeiro a ganhar uma trama mais elaborada. E, a partir do ano seguinte, Graciliano começaria a escrever Caetés, seu primeiro romance, que ficaria pronto somente em inícios de 1928, sendo lançado apenas cinco anos depois.

treia emperrara na Editora Schmidt por um motivo bastante embaraçoso: os originais simplesmente haviam sumido. Houve pressão de todos os lados, ameaça de processos, Jorge Amado e o ilustrador Santa Rosa chegaram a ir a editora confiscar os originais que, finalmente, foram encontrados no bolso de uma capa de chuva esquecida num canto.

1928 – o prefeito. Graciliano era figura pública na cidade: comerciante, filho de comerciante, professor, jornalista. Três de seus ex-alunos tiveram a ideia de lançá-lo candidato a prefeito. Fora eleito com o apoio do chefe político local, que era do Partido Democrata. É válido lembrar que a chamada política dos coronéis dominava o período – comentário à parte, em alguns lugares, com vestimenta moderna, ainda domina, não é verdade? – e, nas palavras do próprio Graciliano, temos noção de como era o processo eleitoral à época: “Assassinaram meu antecessor. Escolheram-me por acaso. Fui eleito naquele velho sistema das atas falsas, os defuntos votando, e fiquei vinte e sete meses na prefeitura”. As reportagens do período mostram Graciliano como um prefeito laborioso e inovador, mas a notoriedade que ele ganhou veio através dos relatórios administrativos enviados ao governador Álvaro Paes. Um misto de linguagem técnica com comédia de costumes. Não é exagero dizer que os relatórios funcionaram como uma espécie de obra impactante que escondia não um enfant terrible, mas um escritor tardio já assentado na maturidade, mesmo sem publicação relevante. Os relatórios ganharam o país e as rodas literárias. O escritor carioca Marques Rebelo os comparou ao melhor de Machado de Assis, e o poeta e editor Augusto Frederico Schmidt enviaria cartas a Graciliano solicitando algum romance que porventura estivesse numa gaveta à espera de publicação. Esse romance era Caetés, que viria à luz pela editora do poeta. Ainda nesse tempo, Graciliano conhece, galanteia e se casa com Heloísa, sua companheira até o fim da vida.

1933 – novamente no centro do poder. De volta a Maceió, é nomeado diretor de instrução pública, cargo equivalente hoje ao de secretário estadual de Educação. Também é contratado como redator do Jornal de Alagoas. Na capital, Graciliano encontra desafios similares aos da pequena cidade onde fora prefeito. Suas medidas e atitudes, austeras e impopulares, podem ter contribuído para sua prisão em 1936, juntamente com a suspeita de participação na chamada “Intentona Comunista”, de 1935, cujos focos foram Rio de Janeiro, Recife e Natal. Dentre essas atitudes e medidas estavam a não aceitação de qualquer tipo de indicação ou apadrinhamento para a assunção de cargos nas escolas e, a mais polêmica de todas, baixou portaria proibindo que se cantasse o Hino Oficial do Estado de Alagoas nas escolas públicas, por achar que se tratava de “uma estupidez com solecismos”. Nesse período, firma-se uma forte amizade entre Graciliano, Rachel de Queiroz, José Lins do Rego e Jorge de Lima, todos morando em Maceió e unidos pelo amor à literatura e o ódio ao fascismo e ao getulismo, que começa a dar passos largos rumo à ditadura.

1930 – renúncia, outra mudança e nomeação. Renuncia ao cargo de prefeito, após aceitar convite do governador Álvaro Paes para assumir a diretoria da Imprensa Oficial de Alagoas, ficando nesse cargo até fins do ano seguinte. Nesse tempo, esteve preso vinte e quatro horas durante a reviravolta política de outubro, quando Getúlio Vargas toma o poder federal e intervém nos governos estaduais. O temor de uma batida policial na casa de Graciliano fez com que Heloísa e duas cunhadas enterrassem os originais de Caetés embaixo dum pé de sapoti. 1932 – o último retorno. Devido a uma cirurgia na perna, Graciliano passa praticamente todo o ano em Palmeira dos Índios, onde escreve São Bernardo na sacristia da igreja, enquanto aguarda, já sem paciência, o lançamento de Caetés. O romance de es-

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1936 – a prisão. As causas da prisão não são claras, afinal nunca houve processo formal. A acusação mais óbvia é a suspeita de participação, direta ou indireta, na “Intentona Comunista” de novembro de 1935. Com o Angústia escrito, mas não finalizado, entregue à mão da datilógrafa para revisão e cortes, o diretor de instrução pública é preso em Maceió no dia 3 de março. Os originais são recuperados por Heloísa, que os enterra no mesmo lugar onde se escondera os originais de Caetés. De trem, Graciliano vai com outros presos para Recife, e de lá viaja no porão do vapor Manaus, um calhambeque náutico que despeja no Rio de Janeiro, treze dias após a prisão em Maceió, dezenas de presos, políticos misturados a criminosos. Em agosto, Angústia é publicado sem a autorização do autor. Heloísa Ramos juntamente com o editor José Olympio tocaram o projeto. Angústia sai sem os habituais cortes do escritor, que se irrita com a publicação. Paralelamente, o livro ganha o prêmio Lima Barreto, organizado pela prestigiada Revista Acadêmica. A pressão para a soltura de Graciliano e outros presos aumenta, enquanto o estado de saúde do escritor piora consideravelmente, sobretudo pelo excesso de cigarro e pouca alimentação. O advogado de Luis Carlos Prestes, Sobral Pinto, é chamado por amigos de Graciliano para tentar sua libertação. A dolorosa experiência da prisão, degradação huma-

Jornal de Fato | DOMINGO, 2 de dezembro de 2012

na e todo tipo de humilhação, além do comovente caso da deportação de Olga Prestes para a Alemanha nazista, tudo está registrado em Memórias do Cárcere. Graciliano é solto em 3 de janeiro de 1937, bastante diferente do homem de há um ano.

)) Foto tirada durante a prisão de Graciliano, encontrada nos arquivos do DOPS – Rio de Janeiro, 1936 – foto do site: www.graciliano. com.br 1937 – a liberdade e as dificuldades. Após nove meses de prisão, de volta às ruas do Rio de Janeiro, passados mais de vinte anos desde que estivera na capital, Graciliano morará em várias pensões. A família se reuniria novamente apenas no fim deste ano. Graciliano jamais voltaria a Alagoas. De início, morará no subúrbio, com José Lins do Rego, depois no Catete, na mesma pensão onde morava Rubem Braga. Graciliano tem sua vida zerada. Ao cansaço da idade e da sofrida experiência na prisão, juntaram-se a sensação de fracasso e a necessidade de começar tudo novamente. Todo mês, um aperto para honrar as contas. É nesse contexto que é gestado Vidas Secas, escrito aos pedaços e espalhados como semeadura de arroz. Os treze capítulos que compõem o livro sairiam em vários periódicos (O Cruzeiro, O jornal, Diário de Notícias, Folha de Minas, Lanterna Verde e La Prensa, de Buenos Aires). Lançado no ano seguinte, com grande vendagem e elogios da crítica especializada, Vidas Secas trazia Graciliano novamente para o estrelato das letras nacionais, embora, como sempre afirmou o autor, isso não fosse grande coisa, já que o país carecia de uma política cultural que valorizasse a literatura. A política cultural do Estado estaria voltada para demandas que promovessem o sedimento nacionalista e certo apelo fascista, frente ao liberalismo vacilante do entre-guerras. 1939 – o último emprego. Graciliano exerceu várias funções concomitantes à de escritor, a principal delas, revisor de jornais, mas o emprego fixo que manteve até o fim da vida foi o de inspetor do ensino secundário, conseguido por Carlos Drummond de Andrade, que atuava no Ministério da Educação e Saúde Pública. Nesse mesmo ano, Graciliano também é chamado para compor o quadro de colaboradores do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), do governo Vargas, agora plenamente instalado em seu Estado Novo. Primeiramente trabalha como revisor, mas em 1941 colabora no periódico oficial Cultura Política, publicando


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