Jbg outubro 2013

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JORNAL DO BAIXO GUADIANA | OUTUBRO 2013 |

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CRÓNICAS Vitor Madeira

* Os autores não escrevem ao abrigo do acordo ortográfico

O insubmisso A pesada factura paga pelo Partido Social Democrata nas Eleições Autárquicas Enquanto uns comemoram o êxito da vitória, outros vão lambendo as feridas da derrota nas eleições autárquicas e ainda há aqueles que digerem vitórias agridoces. É neste fervilhar de sentimentos antagónicos que gostaria de partilhar com os nossos leitores uma reflexão sobre as eleições realizadas no passado dia 29 de Setembro. Com uma abstenção recorde em eleições locais, 47,4%, onde quase metade dos portugueses não foram votar, o Partido Socialista alcançou o melhor resultado de sempre, conquistando 150 câmaras das 308 que constituem o território nacional. Em contrapartida, o Partido Social Democrata teve uma derrota histórica ao ganhar apenas 86 municípios, perdendo

para o PS a Presidência da Associação Nacional dos Municípios Portugueses (ANMP), que detinha desde 2001 e grandes municípios como Porto, Coimbra, Vila Nova de Gaia, Vila Real e Portalegre. A conquista ao PS de dois bastiões, Braga e Guarda e a manutenção das capitais de distrito de Aveiro, Bragança, Viseu, Santarém e Faro não conseguiram impedir a derrocada eleitoral do partido de Pedro Passos Coelho. A CDU recuperou câmaras importantes ao PS, nomeadamente Évora, Beja e Loures, fazendo subir o seu score eleitoral, em especial a Sul do Tejo. O CDS também conquistou 4 câmaras e manteve Ponte de Lima e o Bloco de Esquerda deu um trambolhão político e perdeu a única autarquia que liderava, Salvaterra de Magos. Uma das leituras incontornáveis destas eleições autárquicas é uma derrota ine-

quívoca do Partido Social Democrata, porque não conseguiu alcançar o desiderato traçado pelo seu líder, que era conquistar a maioria das câmaras. Em virtude da pesada factura paga pelo PSD nestas eleições, António José Seguro ganha aqui um novo fôlego para manter a liderança do Partido Socialista, porque os portugueses quiseram com o seu voto penalizar as políticas do Governo e transformar estas eleições autárquicas em eleições nacionais. Percebendo a indignação e a legitimidade democrática do povo, em procurar sancionar o Governo PSD/CDS, aquilo que não é politicamente sério é meter, no mesmo saco, eleições com especificidades distintas. Uma coisa são as políticas nacionais para a governação do país. Outra é o sufrágio de programas eleitorais de candidatos a uma câmara municipal.

Carlos Brito

A vontade do povo

Aí temos com toda a clareza a vontade do povo. Está expressa de forma insofismável nos resultados das eleições nacionais para as autarquias locais, de 29 de Setembro. O PSD sozinho ou coligado com os seus parceiros da direita sofreu a maior derrota de sempre em eleições autárquicas, com a perda nunca vista de câmaras, de mandatos e de votos. Os resultados dos candidatos que apoiou nos quatro concelhos mais populosos do país – Lisboa, Porto, Sintra e Gaia - constituíram uma verdadeira humilhação para o principal partido do Governo. O PS obteve uma vitória sensacional

com a conquista recorde da presidência de 150 câmaras e o aumento substancial do número de mandatos, o que compensa largamente algumas perdas significativas, em autarquias e votos. O PCP teve um êxito assinalável ao reconquistar alguns dos mais importantes dos seus antigos bastiões nas zonas de maior influência e ao ganhar votos em zonas que habitualmente não são afectas. No mapa autárquico, o rosa e o vermelho, o centro-esquerda e a esquerda, com a vitória em 184 municípios, cobrem folgadamente a larga maioria do território nacional. Mas o próprio sucesso das candidaturas independentes, muitas delas (e as mais importantes) geradas nas contradições internas que minam o PSD, acentuam a clamorosa derrota deste partido. A abstenção de 47,4 por cento, recorde negativo em eleições autárquicas e o

grande número de votos brancos e nulos também atestam o desapontamento, o descontentamento, a indignação e a revolta, menos bem orientados, que avassalam o país. Por tudo isto, as eleições autárquicas transbordaram largamente o âmbito das autarquias para se tornarem num grande acontecimento político nacional, um verdadeiro plebiscito de insofismável rejeição do Governo e da sua brutal política de empobrecimento forçado do povo e do país, a que chama austeridade. O primeiro-ministro Passos Coelho não pôde deixar de reconhecer a derrota governamental e de felicitar o PS pela sua «expressiva vitória». Mas fê-lo para atenuar o alcance de uma e outra, pois logo a seguir afirmou, com sobranceria antidemocrática, que ia prosseguir a mesma política , isto é, que ignorava a vontade do povo.

Será que os portugueses, ao infringirem uma pesada derrota eleitoral aos candidatos do centro direita nestas eleições autárquicas, tiveram consciência de que estavam a contribuir fortemente para o bloqueio e entropia de alguns projetos estruturantes para o poder local em desenvolvimento e, ao mesmo tempo, premiando o partido que conduziu Portugal à perda de soberania financeira? Não basta a António José Seguro afirmar que existe uma relação de confiança entre os portugueses e o PS ou que o seu partido respeita os portugueses, quando as soluções que apresenta é pedir a baixa dos impostos e simultaneamente exigir o aumento da despesa do estado, quando este não tem meios financeiros para garantir as funções sociais a que está obrigado! Por último, gostava de dar uma pin-

Há que responder-lhe que uma coisa são os seus propósitos autoritários, já bem conhecidos dos portugueses, outra coisa é a nova realidade política, a nova relação de forças que se criou no país. O Governo sai das autárquicas mais isolado, mais dividido, mais enfraquecido, batido e destroçado. As oposições conseguiram através delas conquistar maior apoio popular, maior legitimidade democrática, mais sólida implantação no terreno, maior força e iniciativa política. Há todas as condições para que se exija de imediato a abolição dos mais gravosos cortes sociais e outras medidas punitivas contra os reformados e os trabalhadores, que o Governo tem em curso ou em adiantada preparação. Reforçaram-se as condições para intensificar a exigência da demissão do Governo e todas as acções e lutas com esse objectivo, com destaque para a proposta de uma alternativa de poder à esquerda, plural, consistente e mobilizadora. Não se pode permitir que o Presidente da República fuja a apresentar a sua leitura política sobre o vendaval que foi a vontade a do povo expressa em 29 de Setembro, com lenga-lenga

celada no mapa autárquico algarvio. Também aqui o vendaval autárquico fez abanar fortemente o laranjal, conferindo 10 câmaras ao PS, 5 ao PSD e uma à CDU. Do meu ponto de vista, a perda de algumas câmaras emblemáticas para o PSD no Algarve não pode ter como única explicação a conjuntura política nacional. Importa que os dirigentes partidários tenham a disponibilidade mental e a humildade política para perceber onde falharam: porque é que permitiram que o partido se fechasse na sua carapaça e deixasse de ouvir as pessoas? Porque é que não foram capazes de avaliar o seu próprio desgaste político ou ainda se alguns dos candidatos tinham perfil e robustez para travar este combate difícil e tenaz? Como tudo poderia ser tão diferente a bem do futuro do poder local algarvio!

Insubmisso69@gmail.com

de que autárquicas são autárquicas. Há que exigir-lhe, como lhe compete como garante das instituições democráticas, que contribua para que a vontade do povo a favor da mudança, tão exuberante expressa, seja respeitada. Uma nota quase final para dizer que, a meu ver, o resultado das eleições autárquicas também envia uma mensagem aos credores internacionais. A simultânea vitória do PS e o êxito eleitoral do PCP, lembram que se estão a completar 40 anos sobre a data em que aconteceu o 25 de Abril em Portugal. Não podia, no entanto, terminar sem referir que o vendaval que mudou o mapa autárquico do país também chegou ao Baixo Guadiana, com a vitória do PS na Câmara de Alcoutim. Onde até agora o laranja era maioritário, passamos a ter um empate: duas câmaras PS – Mértola e Alcoutim; duas câmaras PSD – Castro Marim e Vila Real de Santo António. Esperemos que a mudança pluralista contribua para favorecer a cooperação entre os quatro municípios na defesa dos interesses da sub-região.

Fernando Esteves Pinto

Escritos da Consciência: O lado obscuro de sentir as coisas Nunca nos conhecemos verdadeiramente. A vulgaridade deste conceito só encontra correspondência na observação da tua própria imagem inscrita numa fotografia. É apenas um exemplo. Quando alguém se observa numa fotografia, se admira em busca de um sentido que o identifique, é o seu olhar psicológico que faz o reconhecimento e estigmatiza todos os elementos estéticos da sua imagem. Com efeito, há uma ausência de expressão ligada aos senti-

dos que reduz a clarividência existencial, criando outros pontos de contacto com a pessoa que julgamos ser. A realidade não é uma ilustração fixa da existência humana. O que permanece incógnito na tua própria imagem é uma reflexão desvinculada da vida real, ou seja, é um momento ou aparência que transgride determinada caracterização real representada e justificada noutro plano em que o significado de tudo o que sentimos se manifesta entre o absurdo de não nos reconhecermos e a ironia notável de recriarmos motivações para que os outros não vejam em

nós indivíduos desfocados por qualquer incoerência sintomática. Eis-nos perante a inutilidade, perfeitamente humana, de observarmos de uma forma lúcida e previdente a nossa própria imagem captada num momento em que a realidade se opôs à verdade e de imediato - instantaneamente como um clique duma máquina fotográfica antecipou-se-lhe para activar e focalizar outros aspectos da nossa identidade. É esta dissociação que perspectiva a realidade em si e, sobretudo, nos ameaça com a ausência de qualquer manifestação reflexiva sobre o que sentimos.

Por vezes deparamo-nos com um olhar vago, um vazio meditativo e longínquo, e não raro estamos na presença duma personagem integrada num sistema incompatível com a realidade. Entramos, por assim dizer, no campo da percepção. De facto, existe um eu fotográfico em confronto com um eu fotografado. Uma acção provocatória (o acto de fotografar algo), e uma cedência interpretativa (atitude de quem se deixa captar). A concentração destas duas acções é a história inventada da imagem que projectamos para os outros. É a nossa expressão secundária que fica

registada, estorvada e surpreendente, dado que, de forma pouco credível, raras são as imagens que vivem avidamente das nossas sensações e sentimentos. Há, portanto, duas linhas de visão da nossa própria imagem representada numa fotografia: a da figura despojada dos seus sentidos (ninguém poderá saber o que sentimos no momento em que somos captados) e a do observador (aquele em que nos tornámos quando visualizamos a imagem). Para todos os efeitos, definimos uma nova linha de visão: o enigma da imagem, onde se revela o sentido mais profundo do nosso ser, e onde domina esse processo de transição ao qual designamos: do concreto para o abstracto.


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