JBG Abril 2013

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JORNAL DO BAIXO GUADIANA | ABRIL 2013 |

constantemente. É muito bom! JBG: E como é que se consegue colocar uma equipa de amadores do teatro a trabalhar com o brio e rigor profissionais? FB: A minha grande preocupação é que os que participam neste projeto saibam o que estão a fazer e ganhem confiança na sua prestação. E essa é uma preocupação que vem de trás; de um projeto que eu levei a cabo ao longo de 21 anos com um grupo de teatro exclusivamente constituído por pessoas com deficiência. O TEA é muito heterogéneo. Temos pessoas de variadas formações e de faixas etárias diversas. Fazem isto por amor e a título voluntário. A eles cabe ter a vontade e a mim dirigi-los da melhor maneira. Costumo dizer que no teatro não há democracia porque quem dirige é quem decide! (risos). No trabalho artístico como o teatro tem de se trabalhar no coletivo, não podendo sobressair o individual e só o diretor artístico é que pode fazer esse trabalho, pois é quem melhor conhece o material humano de que dispõe. JBG: E qual tem sido a entrega dos seus pupilos em Alcoutim?! FB: Tem sido enorme. O que lhes digo é que apesar de sermos um grupo amador temos de incutir no nosso trabalho uma postura profissional. JBG: Considera que passados três anos o público em Alcoutim está mais formado para o teatro? FB: Ainda é cedo para dizer isso... O que posso afiançar é que há uma grande generosidade do público que reconhece o trabalho que desenvolvemos. JBG: Este agora é o seu público, mas a verdade é que esta é desde sempre a sua terra! Nasceu nas Cortes Pereiras de onde saiu com apenas um ano de idade. Voltar às origens como acontece? FB: Eu reformei-me da formação e ao nível da representação há cada vez menos trabalho em Lisboa. Eu movo-me tanto no teatro, como na televisão e cinema, mas a crise é muito grande, sem dúvida. O último trabalho que fiz em televisão foi uma participação especial na série «Morangos com Açucar». As produtoras estão a cortar bastante nas contratações, e por conseguinte isso nota-se na qualidade das produções. Em detrimento dos profissionais estão a recorrer a amadores, sem experiência, que não cobram os mesmos valores. Eu tenho um mínimo que cobro pelo meu trabalho e não posso baixar a fasquia porque sou profissional da representação e esse é o meu sustento. JBG: Começou há 37 anos e passou por todos os estilos de representação. O que diferencia mais outros tempos da atualidade na área da representação? FB: A grande diferença são os valores que norteiam esta profissão em que não existe a valorização do ator com formação e/ou experiência. Facilmente se troca um ator experiente por uma pessoa sem conhecimento; ou porque é famosa do grande público ou até porque quase trabalha de graça. Sempre se ganhou mal no teatro; o grande

suporte dos atores foi sempre a televisão, o cinema e a publicidade, por exemplo. Mas atualmente a situação está mesmo decadente. JBG: O que costuma dizer aos que ambicionam seguir a área da representação? FB: Digo que se formem e não se iludam com a fama e o sucesso fácil. Nada surge de geração espontânea; tem de haver muito trabalho e dedicação. JBG: A par da sua carreira de ator esteve sempre a de formador, esta última, precisamente, para assegurar o sustento. Algo improvável surgiu na sua vida quando teve oportunidade de iniciar formação a um grupo de teatro de pessoas com Síndrome de Down. A direção artística do grupo de teatro da Crinabel é um dos maiores marcos da sua carreira? FB: Sem dúvida que sim. Durou 21 anos, mas ainda hoje faz parte da minha vida. Corremos mundo com um grupo de cerca de 12 pessoas portadoras de deficiência e que mostraram todo o seu valor. JBG: O que conseguiu fazer neste grupo? FB: Conseguíamos levar à cena até duas produções por ano. Corremos o mundo. Cada espetáculo era um passo a mais na integração daquelas pessoas. JBG: Sentiu-se reconhecido pelo trabalho que desenvolveu junto dessas pessoas? FB: Ah sim, muito! Este projeto foi o livro que não escrevi, o monumento que não construí... marcou-me para toda a vida. Sem veleidade nenhuma digo-lhe que considero que consegui fazer muito por pessoas com Síndrome de Down; pela sua integração. Foi comigo que houve pessoas com esta deficiência a integrarem elencos em televisão e cinema. Um deles ganhou o prémio de melhor ator no Festival de Montereal pela sua prestação do filme «A Outra Margem», de Luís Filipe

Rocha [Francisco Braz foi responsável pela direção artística do ator neste filme]. JBG: E quais as características fundamentais para dirigir um grupo de teatro constituído exclusivament por pessoas com Síndrome de Down? FB: Persistência e muita dedicação. Simultaneamente uma grande auto-disciplina, até porque mantive sempre a minha profissão enquanto ator. Depois uma grande vontade em partilhar afetos, porque estas pessoas têm muito para dar; e não nos devemos esquecer disso. JBG: Teve uma vida muito preenchida sempre ligada à representação. Agora está fixado em Alcoutim. Como olha para a realidade deste concelho? FB: Há muito para continuar a fazer. É preciso agitar os agentes culturais de modo a não deixar estagnar o desenvolvimento a este nível. É preciso continuar a lutar contra o isolamento. O investimento que a edilidade tem feito no TEA está a ter resultados muito gratificantes e é preciso continuar a trilhar este caminho. Sinto-me muito acarinhado por cá e por isso desejo continuar com este projeto durante muito tempo. JBG: Para além do teatro, que outras atividades desenvolve por cá? FB: Apesar de estar aqui mais tempo desloco-me com frequência a Lisboa, mas cada vez que lá vou já me faz confusão aquele corropio! Por cá tenho a serenidade que gosto e que me dá espaço fazer caminhadas e para escrever. Dedico-me muito à escrita e quem sabe um dia não torno público os meus contos e a minha poesia...!

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