Entrevistas m magazine

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PERFIL FALADO

Há planos para a internacionalização?» Em todas as entrevistas, a pergunta repete-se. A resposta pouco varia: «Não penso muito nisso.» O importante, garante, é viver o presente, um dia de cada vez, até porque a magnífica recepção que o seu álbum de estreia tem tido – atingiu já a marca de platina, por vendas superiores a 20 mil cópias – é coisa que nem em sonhos ousou imaginar. «Talvez um dia», deixa no ar, como que lembrando que qualquer artista que se leve minimamente a sério tem o desejo (mesmo que secreto) de exportar a sua música. E não haja dúvidas: Aurea leva o seu trabalho muito a sério. Depois de ouvir o epónimo disco de estreia, custa acreditar que uma voz tão corpulenta e matura saia desta delicada menina de riso solto e 24 anos por cumprir. Uma voz que não precisou de lições nem truques de algibeira, apenas o devido encorajamento familiar. «A minha mãe diz que em pequenina, ainda mal falava, já cantarolava.» Claro que crescer numa casa cheia de música – um pai que toca e canta fado, uma mãe «envergonhada mas com uma voz lindíssima» e um irmão guitarrista – ajudou muito. O mais curioso é que só muito recentemente encarou a hipótese de ganhar a vida a cantar. Quis ser parteira, depois psicóloga e, na hora de escolher um curso, acabou por ir para Teatro, na Universidade de Évora. Até que o seu amigo Rui Ribeiro, estudante de música na mesma escola, a ouviu cantar e tudo começou a acontecer: compôs uma música à medida da sua voz, gravaram-na e Rui apresentou a “demo” à Blim Records. A resposta da produtora de Mem Martins foi quase imediata. «Vamos gravar um disco?» Gravaram. As prioridades inverteram-se, com o curso relegado para segundo (ou terceiro) plano. «Faltam-me só algumas cadeiras do último ano, mas não sei se vou querer terminar.» Pelo sim, pelo não, congelou a matrícula. No fundo, cantar e representar são dois talentos que se complementam. «Há o exemplo da Lúcia Moniz, que faz muito bem as duas coisas», afirma, reconhecendo que «talvez mais tarde sinta a necessidade de retomar a paixão pela representação». Percebe-se que o futuro, no sentido de horizonte temporal longínquo e difuso, não é um dos seus temas de conversa preferidos. E esquiva-se a respostas demasiado sonhadoras ou idealistas. «Se pudesse escolher, quem gostaria de ter a compor para si?», pergunto. «Neste momento, não consigo pensar noutra pessoa que não o Rui Ribeiro» – o tal amigo que a «empurrou» para o “showbizz”, co-autor de nove dos doze temas do disco, responsável também pelos arranjos, pelas linhas de piano e pela direcção musical. Aurea não compõe. Ainda. «Não tenho maturidade para isso.» Mas está já a pensar num segundo disco, no qual espera estar a trabalhar daqui a um ano. «Gostaria de fazer algo mais “rough”, mais “old school”.» O que não é de estranhar: uma das suas principais forças inspiradoras está na “soul” clássica de Aretha Franklin, Otis Redding e tantos outros – com uma óbvia piscadela de olho às vozes da nova vaga, com Joss Stone à cabeça.

“NÃO GOSTO DE INVENTAR PERSONAGENS NEM DE ASSUMIR PAPÉIS: QUANDO VOU PARA O PALCO SOU EU.”

No ano em que Aretha Franklin, Marvin Gaye e Smokey Robinson viram os seus nomes inscritos no mítico Rock n’ Roll Hall of Fame, nascia, em Santiago do Cacém, Áurea Sousa (o acento só viria a cair muito mais tarde, na hora de trocar o teatro pela música). Em pequena, mudou-se com a família para Silves, onde cresceu e estudou até à altura de ir para a universidade – e regressar ao seu Alentejo natal. Daí que se considere 22.magazine

maio/junho 2011

tão algarvia quanto alentejana. À excepção de alguns pormenores quase imperceptíveis, nenhuma das proveniências se faz notar na sua forma de falar. «Aqui em Lisboa o meu sotaque fica mais neutro. Quando volto ao Algarve e começo a falar com os meus pais e amigos, começa logo a agravar.» Cantar sempre foi algo natural – quer em casa, quer na escola, acompanhada por amigas que tocavam guitarra. Isto se descontarmos a sua primeira actuação em público, na festa de Natal do infantário: «Assim que subi ao palco e me vi com tanta gente à frente, desatei a chorar», conta, entre risos. Falando de palcos a sério, teve o baptismo de fogo no Pavilhão Atlântico, num espectáculo da série televisiva “Morangos com Açúcar”, em 2008. Uma vez mais, diante da plateia, sentiu um aperto. No entanto, no momento de soltar a primeira nota deixou-se levar, «saiu tudo automaticamente». «Descobri uma força interior que nunca pensei que tivesse cá dentro.» Hoje, com um disco que teima em não sair do topo da tabela nacional de vendas, três nomeações para os Globos de Ouro (Revelação do ano, Melhor intérprete individual e Melhor música) e uma concorrida digressão de Verão em agenda – com passagem pelo Casino de Tróia (17/6) e pelos festivais Delta Tejo (2/7) e Marés Vivas (16/7) –, ainda se mantém o nervosismo pré-concerto. «Mas passa mal entro em cena e começo a cantar.» Invariavelmente, Aurea sobe ao palco descalça. Um pormenor que não tem qualquer significado especial nem a intenção de forçar uma imagem de marca; é apenas uma questão de conforto, garante. «Não gosto de inventar personagens nem de assumir outros papéis: quando vou para o palco sou eu.» Embora tenha sido, de certa forma, apanhada de surpresa pelo sucesso que a sua estreia está a ter, Aurea não demonstra quaisquer sinais de deslumbramento. «Gosto muito de ser quem sou e é algo que defendo desde o princípio: não vou deixar de ser eu por nada.» Assim seja. É com os pés no chão que se trilha o caminho do sucesso. maio/junho 2011

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