Christian Laval - Nova Razão do Mundo

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Uma nova ascética encontra sua justificação última numa ordem econômica que ultrapassa o indivíduo, porque é expressamente concebida para harmonizar a conduta do indivíduo à "ordem cosmológica" da competição mundial que o circunda. Trabalha-se sobre si mesmo para performar mais, mas esse trabalho para performar mais tem por finalidade que a empresa, que constitui a entidade de referência, performe mais. Mais ainda, os exercícios que são supostos trazer uma melhoria na conduta do sujeito visam a fazer do indivíduo um "microcosmo" em perfeita harmonia com o mundo da empresa e, além dela, com o "macrocosmo" do mercado mundial. Contrariamente às aparências, não se trata de aplicar no mundo da empresa conhecimentos psicológicos ou problemáticas éticas; trata-se, pelo contrário, pelo recurso à psicologia e à ética, de construir técnicas de governo de si que são elas mesmas parte do governo da empresa. Nem a empresa nem o mundo podem ser mudados: é um dado intangível. A gestão neoliberal de si consiste em fabricar um eu de alto desempenho, que exige cada vez mais de si e cuja auto-estima cresce paradoxalmente com a insatisfação para as performances já atingidas. Os problemas econômicos são vistos como problemas organizacionais que, por sua vez, são interpretados como problemas psíquicos ligados a um domínio insuficiente de si e a falhas nas relações com os outros. A fonte da eficácia está dentro da pessoa e não pode vir de uma autoridade externa. O trabalho intra-psíquico torna-se necessário para encontrar dentro de si a motivação profunda. O risco e a "accountability" O novo sujeito é olhado como proprietário de "capital humano" que ele deve acumular por escolhas esclarecidas e amadurecidas por um cálculo responsável dos custos e das vantagens. Os resultados conseguidos são frutos de decisões e de esforços somente imputáveis ao indivíduo e não levam a alguma compensação particular em caso de fracasso a não ser as contidas em contratos de seguros privados facultativos. A distribuição dos recursos econômicos e das posições sociais é exclusivamente olhada como a conseqüência do percurso, bem sucedido ou não, da realização pessoal. O sujeito executivo está exposto em todas as esferas da existência dele a riscos vitais aos quais não pode subtrair-se, a gestão deles dependendo de decisões


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