ANTROPOCENAS 2º PUBLICAÇÃO - Diagramação

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ANTROPOCENAS

Um encontro performativo entre publicações: performance, ecologia, imersão e Fim do Mundo

apoio: realização:

APRESENTAÇÃO

Antropocenas propõe uma publicação de duas pesquisas conjuntas, com foco em performance e

reverberações instalativas do fazer performático. A primeira pesquisa foi abrigada pelo Programa de Pós-Graduação em Artes da Universidade Federal do Ceará, de 2019 a 2021, culminando em cinco cadernos diferentes, da qual um deles intitula-se Antropocenas. A segunda pesquisa, homônima e com os mesmos pesquisadores, apresenta-se como um trabalho de conclusão de curso em Cinema e Audiovisual pela mesma Universidade, a ser apresentada no final de 2023. Essa investigação tece reflexões e proposições em torno de como a linguagem performática e o hibridismo de linguagens pode tecer relações artísticas e sociais com os processos políticos, existenciais e ambientais do antropoceno, com um foco nas discussões sobre ecologia, performance, contranormatividade e gênero.

Enquanto o "primeiro Antropocenas" pesquisa a partir do desenvolvimento de sete performances, executadas em um total de quinze vezes de 2019 a 2023, o Antropocenas a ser apresentado no curso de cinema e audiovisual propõe a criação de instalações imersivas, conduzindo a uma união entre criação em novas mídias e performance, propondo discussões em torno das noções de existência, processo de criação, antropoceno e fim do Mundo. Nesse edital, propomos um intercruzamento dos dois materiais conclusivos, conduzindo a uma publicação digital conjunta. Além de conduzir a uma união entre os materiais, adensando e democratizando conhecimento produzido a partir de múltiplas empreitadas dentro e fora da Universidade, também propõe-se 1 -

A construção de um prólogo e epílogo feito pelas duas pesquisadoras; 2 - A finalização e revisão da pesquisa; 3 - A criação de um audiobook com comentários da obra, como estratégia de acessibilidade; 4 - A comunicação e apresentação da obra em escolas públicas do Ceará, como estratégia de democratização, bem como a disponibilização digital gratuita da obra.

prefácio ana aline furtado

prefácio ana aline furtado

nas páginas a seguir, você acompanha proposta de design como argume compartilhamento de pesquisa em perfo focado na investigação desenvolvida ent e 2024 por mateus falcão e bárbara banida

“Antropocenas como um mergulho. aproximação de nossa relação profu inseparavel com a paisagem que nos ce colisão de nossas precariedades orgâni as interioridades cavernosas e abiss planeta. Do espaço à superfície e por debaixo avesso da tela. É descida. É o retorno canto íntimo, ingênuo e aberto na te de encontrar um outro eu, um possível nó

poética construída por meio da capilarização sentidos. Uma composição orquestrada por erentes seres e corporeidades que insistem em itar as extremidades estéticas e conceituais que genciam a obra de arte na era digital.

rojeto Antropocenas busca ponderar a partir das lidades ecológicas a capacidade humana, e não ente humana, de rescindir sobre a devastação. Transpor a catastrofe na tentativa de redesenhar caminhos possíveis para uma convivência icalmente coletiva perante às ameaças stências deste século.

INDICE

> caderno #0 (antropocenas uma introdução) ------------- pág

> caderno #1 (performance e paisagem) ------------------ pág

> caderno #2 (tecnologia e o fim do mundo) ------------- pág

> caderno #3 (ecologias ou queerelidades) -------------- pág

> NECESSÁRIO MANIFESTO PLANETÁRIO DO (CONTRA)OBSOLETO -- pág

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A N T R O P O / C E N A S /

"teceremos teias, emaranhados, gosmas, tecidos e vias por onde irromperão as ações e estéticas capazes de erigir paisagens que reflitam um mundo verdadeiramente democrático, diverso e inclusivo"

"teceremos teias, emaranhados, gosmas, tecidos e vias por onde irromperão as ações e estéticas capazes de erigir paisagens que reflitam um mundo verdadeiramente democrático, diverso e inclusivo"

ecológicos, sociais e estéticos que nos atravessam no contemporâneo.

É a partir do emaranhado vital que nos propulsiona enquanto pessoa LGBTI+, moradora do Sul do Mundo, inseridas no Nordeste brasileiro

- atravessada, em conjunto e individualmente, por uma série de violências - que teceremos teias, emaranhados, gosmas, tecidos e vias por onde irromperão as ações poéticas e estéticas capazes de erigir paisagens que reflitam um mundo verdadeiramente democrático, diverso e anti-produtivista.

Esta publiação parte deste lugar contaminado, poroso, aberto.

Evocou em mim e espero que também evoque em você leitor essa capacidade de abertura profunda consigo e com a paisagem que nos cerca.

O que apresento aqui é produto de um experimento interartístico que, assomado por reflexões poéticas e críticas, encontra sua evisceração nesse processo textual. Considero texto tudo que agencia movimento, rastro, registro. O produto do metabolismo sensivel desenvolvido neste processo (Brad Haseman, 2016) cujas ponderações em cima da prática artística, evocam um texto expandido na construção dos saberes em artes. Assim, também compõem esta pesquisa inúmeras fotografias, experimentos de design, vídeos, relatos, as idas e vindas as paisagens aqui evocadas.

Este texto reconfigura a matéria do inesperado e as próprias paisagens imersivas criadas nesse processo. Tudo isso contribui para a elaboração de uma pesquisa gerida em torno de uma prática emaranhada, povoada de imagens, sons, relatos e incertezas.

As ranhuras, buracos, falhas, glitches e formas ocas traduzem a obliteração do ambiente linear, urbano, clínico da cidade.

Se aquilo que se configura enquanto falha pode ser lido também

enquanto gesto, estabeleceremos uma zona de experimentação

lúdica, dentro da qual tais alterações e singularidades provenientes

de cada processo singular podem prosperar e aglutina em uma obra

híbrida e aberta.

Neste ruído cotidiano, a obsolescência das máquinas e de seus

comportamentos irregulares, provocam uma contra-adição ao

funcionamento premeditado das coisas. Surge a oportunidade para outra espécies de fruições que sejam mais insubordinadas. Algo que

também ocorre na arte da performance, onde os programas são

condicionadores e des-condicionadores do corpo, da vida e ação do

performer questionando a própria noção de utilidade e

performatividade. Em uma semelhante perspectiva, buscamos criar

consonâncias com os programas algorítmicos das máquinas, que

aqui servem também ao objetivo de subverterem a própria

operacionalidade de seus sistemas em colisão com gesto e com a falha.

"redesenhar as superfícies de nossos corpos biológicos e geográficos e traçar estratégias para a superação conjunta do nosso presente"

O peso da câmera em minha mão somado ao passo-a-passo

operado pelo software são estilhaçados nessa disputa simultanea pela dominância sobre as imagens. Nela são evocadas as zonas liminares que separam aquilo que é carne daquilo que é metal, aquilo que é intenção daquilo que é cybernética. Uma dança computadorizada, protagonizada por circuitos iônicos e impulsos elétricos.

UMA INVESTIGAÇÃO SUBMERSA

Acerca da crise sócio-climática anunciada surge a necessidade de revogação dos empreendimentos negacionistas e necropolíticos que buscam perpetuar políticas de extermínio e violência endereçados aos corpos e discursos daqueles que estão relegados às margens do atual sistema produtivista.

Nesse estado disperso e volátil, a reflexo dos modos de divisão instituídos entre os sujeitos e os meios, dificulta-se o acionamento das potencialidades de uma da ação coletiva, concreta e fortemente coordenada. Vivemos uma época repleta de conexões que não encontram relfexo no bem coumum. Nunca foi de tão imediato e fácil

acesso o contato uns com os outros, porém mesmo assim nos vemo afundadados em um epidemia de solidão.

Tal situação não é uma fatalidade do destino se não um empreendimento global que busca desmobilizar a agencia coletiva e democrática. O fazer junto é um aspecto invariavelmente necessário

para o nosso processo de reinviculação com a Terra e com as paisagens que lhe constituem.

É primordial perceber que extensão dessa questão não se restringe a um âmbito específico, mas extrapola os limites das areas técnicas, das linguagens e dos campos políticos, sociais, materiais ou culturais.

Porém vamos aqui nos ater a margem em que tais disputas tocam o campo da arte - um campo extremamente saturado pelas dinâmicas

das telas e de consumo que convertem o estado da arte para algo

cada vez mais utilitarista, efemero e vazio - a arte que, para além de uma coisa capaz de nos deslocar, de nos infringir uma violencia

existencial ou nos dar notícias de uma realidade mais profunda, é

apresentada neste breve texto enquanto prática. Uma prática

coletiva de emancipação e elaboração de outras dinâmicas / outros

modos de fruição possiveis neste panormama cada vez mais

interconectado e cheio de estimulos a banhar nosso cotidiano.

FISGADAS#1(FORTALEZA,2019)

Foto-performanceporBárbaraBandaeMateusFacão

A Arte é como uma drag queen que atravessa a praia coletando

materiais deteriorados trazidos pela maré; uma entidade abissal que

vai ao mercado público comprar peixes e tecer brincantes diálogos

com crianças que curiosas se aproximam encantadas; ou o corpo

semidesnudado repleto de tatuagens que desfila pelas ruas do Bairro

do Benfica oferecendo sua carne anfíbia, assim como santa beata a

desafiar aqueles os olhares que tentam crucifica-lá.

INVESTIGAÇÃO

SUBMERSA é o nome da pesquisa que colide o fazer

artistico da perfromance com a paisagem cativa do dominio urbano da cidade de Fortaleza. O gesto da performance incita não apenas

quem a realiza mas também todos aqueles a compartilhar do espaço-tempo naquele momento. Todos agem e são "agidos". Os corpos investem na paisagem, a paisagem é investida na corpo, corpos se transfiguram em paisagem e paisagens se corporificam em imagem. E é dentro dessa zona radicalmente comum, confusa,

cacofônica que algo novo é capaz de emergir.

No meio desse turbilhão, em que paiisagem e corpo são tencionados até o ponto de ruptura. É possível vislumbrar (mesmo que brevemente), por via da iniciativa artística, o rompimento momentâneo dos modos progressivos e automatizado de pensar, fruir e agir na paisagem urbana.

É nesse estancamento do fluxo do cotidiano imperativo que conseguimos emergir zonas de possibilidades outras capazes de reconfigurar as relaçöes entre os corpos, a paisagem e o sujeito.

No meio desse turbilhão, paiisagem e corpo são tencionados até o ponto de ruptura. É possível vislumbrar brevemente, por via da

iniciativa artística, o rompimento momentâneo dos modos progressivos e automatizado de pensar, fruir e agir nas paisagens urbanas.

É nesse estancamento desse fluxo imperativo que conseguimos

emergir zonas de possibilidades outras que reconfigruam as relaçöes

existente entre os corpos e a paisagem.

SÓ AS MONSTRAS RESPIRARÃO EMBAIXO D’ÁGUA

ecológicos, sociais e estéticos que nos atravessam no contemporâneo.

É a partir do emaranhado vital que nos propulsiona enquanto pessoa LGBTI+, moradora do Sul do Mundo, inseridas no Nordeste brasileiro

- atravessada, em conjunto e individualmente, por uma série de violências - teceremos teias, emaranhados, gosmas, tecidos e vias por onde irromperão as ações artísticas e estéticas capazes de erigir paisagens que reflitam um mundo verdadeiramente democrático, diverso e anti-produtivista.

Esta publiação parte deste lugar contaminado, poroso, aberto.

Evocou em mim e espero que também evoque em você leitor essa capacidade de abertura profunda consigo e com a paisagem que nos cerca.

O que apresento aqui é produto de um experimento interartístico que, assomado por reflexões poéticas e críticas, encontra sua evisceração nesse processo textual. Considero texto tudo que agencia movimento, rastro, registro. O produto do metabolismo sensivel desenvolvido neste processo (Brad Haseman, 2016) cujas ponderações em cima da prática artística, evocam um texto expandido na construção dos saberes em artes. Assim, também compõem esta pesquisa inúmeras fotografias, experimentos de design, vídeos, relatos, as idas e vindas as paisagens aqui evocadas. Este texto reconfigura a matéria do inesperado e as próprias paisagens imersivas criadas nesse processo. Tudo isso contribui para a elaboração de uma pesquisa gerida em torno de uma prática emaranhada, povoada de imagens, sons, relatos e incertezas.

As ranhuras, buracos, falhas, glitches e formas ocas traduzem a obliteração do ambiente linear, urbano, clínico da cidade.

cADERNO #0 ANTROPOCENAS

PERFORMAN CE E PAISAGEM

“APÓS A tóxicos, a humanidade precisa espaço naves arcas pelos floresta, a caatinga é a

“APÓS A CONTAMINAÇÃO da atmosfera por gases tóxicos, toda a humanidade precisa recorrer ao espaço para sobreviver. Nas naves arcas construídas pelos saberes da floresta, a caatinga é a resposta para a recuperação humana.”

RETORNO PLANETÁRIO #1

O alienígena seria o corpo em toda sua estran

em suas infinitas modulações. Sua totalidade

mente cartesiana, pode ser considerada perfei

Para as religiões transponivel; para medicina

sob o devido controle; para economia, ut

excepcionalmente frágil para a artilharia bélica

O corpo enquanto casca, invólucro vazio e

reveste enquanto o tecido primordial ao est

pensamento individualizado. Ele dividiria o Eu

uma barreira física e cognitiva capaz

integridade. No entanto este é um engano.

instância composto partes diminutas que

camadas. Entre as células existem os inter

espaços radicalmetne abertos, mas as células

estão cheias de buracos. O corpo não é oco

contaminado das coisas que formulam aqui vida. A vida seria a incessante cadeia de trocas

as inercias da existência, um caminho a ser p retorno para pausa, uma prolongada e continu

Nossos corpos enquanto entidades sintrópic inevitável decadência orgânica. O risco da d forma é o motor catalisa todas as suas tra corpo, em alguma instância, se comporta giroscópio cujo constante desequilíbrio potenc garante a estabilidade prolongada da permanê

As células gradativamente se rompem para q por outras, em um ciclo ininterrupto; ca aniquilamento gentil em um gesto de abnegaç invade nossas cavidades organicas? Sua na reduzir gradativamente a capacidade regenerativa de nossos corpos.

Oalienígenadesi:EisoHomem,aMulher,ABixa,ATrava,ACriança, OVelho;ascategoriasabertaseinfinitesimaisdohumano.

Agentesclimáticosealienígenasdesi.Acategoria“humana”fazisso: nos distancia dessa rocha que chamamos de Terra e de todos os outroshabitantesehabitadosporela.Quanto mais"humano",menosterrestre.

cADERNO #1

perfromance e paIsagem

TECNOLO -GIA E O FIM DO MUNDO

“APÓS A CONTAMINAÇÃO DOS CORPOS FLUVIAIS COM OS REJEITOS da mineração ostensiva, os rios morrem e todos os seres que rastejam tomam as cidades para devovlver vida à rocha transmutada em concreto.”

RETORNO PLANETÁRIO #2 que transmutada em concreto.”

Existe um mito que nos sustenta: o de que a tecnologia irá nos salvar. Um mito tecno-redentor, enraizado nas promessas da modernidade, que nos faz crer que a resposta para cada crise está no próximo dispositivo, na próxima atualização, na próxima inteligência artificial. Masoque acontece quando a tecnologia deixa de ser solução e se revela sintoma? Quando os sistemas que deveriam organizar o mundo apenas tornam mais visível o seu colapso?Nestecaderno,enfrentamosesseabismo.

“Antropocenas”operanesseterritóriotenso,ondeatecnologianãoé celebrada, mas tensionada. Aqui, o fim do mundo não é catástrofe

futura, mas um presente contínuo. Um processo de exaustão e reinvençãoque atravessa corpos,máquinas e paisagens. Se há uma estética possível neste tempo, ela é feita de ruídos, falhas,

vazamentos, sobrecargas. A obra se constrói a partir daquilo que a tecnologianãoconsegueconter:oserros,oscorpos,osafetos.

A prática com fotogrametria base do desenvolvimento das paisagens digitais deste projeto—ilustra bem esse gesto. Enquanto técnica,afotogrametriapressupõecontrole:exigeluzcerta,precisão milimétrica, estabilidade. Mas no campo, nas ruas de Fortaleza, nas zonasderuínaurbana,issoéimpossível.Oqueseproduz,então,não são representações fiéis, mas espectros. As imagens retornam distorcidas, fragmentadas, em colapso. São imagens contaminadas pelomundoquetentamcapturar.

Essa “estética da falha” é, portanto, intencional. Inspirada por

pensadorescomoTimothyMortoneYukiHui,elapropõequea

tecnologia não seja usada para reafirmar a ordem, mas para

evidenciar a instabilidade. O glitch — falha visual ou sonora — é

tratado como rastro do real. Não como defeito, mas como

testemunho daquilo que o sistema não consegue engolir. Em um

tempo onde tudo parece controlado por algoritmos, reivindicar a falha é um ato necessário.

Neste sentido, é evidente entender que as tecnologias não são neutras. Elas tecem corporeidades. Orientam nossas sensibilidades e o pensamento. A câmera não é um olho impessoal, mas um agente: escolhe, distorce, limita. O software carrega as marcas de quem o criou. Mesmo as imagens virtuais das “selfs” não possuem um compromisso com o real. O que este projeto faz é pôr tais tecnologias em fricção com o corpo, com a paisagem, com o imprevisível do mundo.

A realidade virtual longe de oferecer uma fuga, torna-se uma zona de risco. Ao acessar os ambientes em 360°, o espectador é imerso não em uma utopia digital, mas em um ecossistema degenerado: uma Fortaleza submersa, reconfigurada por resíduos, sons distorcidos, paisagens impossíveis. Não se trata de criar um “metaverso”, mas de escancarar a distopia em que já vivemos. Cada passeio é um mergulho num mundo que já acabou — e que insiste em reaparecer por meio de paisagens sonhadas por dentro da catástrofe.

Se o Antropoceno é a era em que a ação humana se torna força geológica, é também o tempo em que a tecnologia se confunde com

o planeta. A rede de satélites, sensores, lixo eletrônico, servidores e cabos submarinos se tornou parte do tecido terrestre. Como nos alerta Morton, a escala dos hiperobjetos como a internet, o petróleo, o aquecimento global — nos ultrapassa. Não há como se manter fora do colapso. Estamos dentro dele. Nossos corpos são termômetros. Nossas imagens, vestígios.

Nesse contexto, falar de tecnologia não é apenas discutir dispositivos. É refletir sobre o que a técnica diz sobre o humano. Em “Antropocenas”, não se busca a superação do mundo pelo código. Ao

contrário: o código é engolido pelo mundo. Ele é refeito, reprogramado, reencantado por práticas de experimentação sensível. As imagens processadas ganham novos sentidos quando atravessadas por performances, por vozes, por lixos coletados, por vestígios de presença. O mundo digital se abre à contaminação.

As paisagens criadas em ambientes virtuais como a “Caatinga

Kósmica” ou a “Zona Abissal” não são modeladas apenas a partir de dados técnicos. Elas carregam camadas de memória, de fabulação e de ruína. Elas não simulam a realidade, mas fabulam realidades possíveis. São mapas afetivos do colapso. São versões alternativas da cidade, onde corpos híbridos ainda insistem em habitar. Os ambientes são estranhos, orgânicos, sem centro. Carregam a sensação de familiaridade e mistério ao mesmo tempo. Como o próprio futuro.

Este caderno também propõe pensar o corpo como interface. Não no sentido da biotecnologia futurista, mas da carne que comunica, do

gesto que falha, do corpo fabril. A performance se torna um meio de hackear o espaço urbano, de interferir nas dinâmicas do cotidiano. Usando figurinos, máscaras, sensores, LEDs, elementos low-tech, os corpos se tornam máquinas de contágio. Criam brechas. O artista se transforma em vírus.

Em performances como as de Bárbara Banida, por exemplo, o corpo é atravessado por cabos, tecidos industriais e resíduos de plástico.

Sua figura encarna o presságio, entre bicho, máquina e entidade. Ao se deslocar pela paisagem urbana, ela reprograma o espaço com sua presença. Os dispositivos tecnológicos tornam-se extensões rituais. Um retorno às tecnologias ancestrais que o capitalismo tentou apagar.

A partir de tudo isso, talvez a tecnologia não deva ser vista como solução ou como vilã, mas como sintoma. Um sintoma da forma como nos relacionamos com o mundo. Se a técnica se desenvolveu para separar, controlar, calcular — este projeto tenta usá-la para unir, errar, sentir. A fotogrametria falha, a câmera treme, o vídeo glitcha, o arquivo corrompe. E, nesse processo, algo se revela: uma imagem outra, um tempo outro, uma possibilidade ainda viva.

O fim do mundo, afinal, não é o fim de todos os mundos. Como nos ensina Ailton Krenak, talvez seja apenas o fim deste mundo o mundo da razão instrumental, do homem universal, da tecnologia como poder. E o começo de outros mundos, onde corpo, espírito e terra se reencontram. Esta pesquisa não oferece respostas, nem um programa. Mas oferece imagens. Imagens que vacilam, que doem, que nos levam a confabular. E que talvez, entre ruídos e resíduos, ainda nos incentivam a continuar a sonhar.

cADERNO #2 TECNOLOGIA E O FIM DO MUNDO

ECOLOGIASOUQUEERELIDADES

> um gesto condutor

> tópico 2 > tópico 3 > tópico 4

“APÓS A transmutação dos oceanos pelos lixos atômicos - é testemunhado O APARECIMENTO DE CRIATURAS QUIMÉRICAS

COMO RESPOSTA IMUNOLÓGICA PLANETÁRIA

- MUTANTES, diversas e COM CAPACIDADES

“APÓS A testemunhado O diversas e as DIREÇÃO

PROVENIENTES DA hibridização, as kimerais VÃO EM DIREÇÃO à terra firme PARA

RESTITUIR o equilibrio

RESTITUIR o equilibrio

EM UMA TSUNAMI de proporções PLANETÁRIAs.”

EM UMA TSUNAMI de PLANETÁRIAs.”

RETORNO PLANETÁRIO #3

cADERNO #3 ECOLOGIAS OU QUEERELIDADES

NECESSÁRIO MANIFESTO PLANETÁRIO DO (CONTRA)OBSOLETO

POR

PROJETO BARRACUDA

A vós, que criardes tudo que é continuidade mortífera, tudo que é reiteração dos centros escondidos, tudo que é violência disfarçada de hierarquia, tudo que é cartilha de morte disfarçada de costume.

E também a vós, que criamos as raízes dos pecados, que fizemos jus à ficção das cobras, que desdenhamos da concretude da estagnação, que furamos o limiar da binariedade, que plantamos, mesmo nas dificuldades, as sementes-bomba de um Novo Mundo.

Primeiro peço que caia ao chão, logo já, a noção de que corpos minoritários são descartáveis. Que a contranorma pode ser esmagada/sufocada. Que somos mortais.

Nossa raízes conseguiram habitar todo o Mundo, se estendendo, pelos bueiros, ao Centro da Terra e, pelos moicanos, às correntes do Universo. O Planeta encharcou-se, pela ação da Humanidade, de regras, de dejetos, de ilhas de plástico, de corpos de plástico, leis de plástico e ditadores de plástico. Não falo de uma distopia futurista, e sim do presente, em 2023, ano que escrevemos esse texto.

Nos fizeram acreditar que éramos sucata, descartáveis, superadas. Nos fizeram crer que deveríamos nos Curvar. "A minoria que se curve diante da maioria".

Que minoria é essa de que o fascismo fala? Se somos cada fungo que habita dentro dos corpos, se somos cada erva que nasce de dentro do asfalto, cada corvo que anuncia a nossa chegada, cada corpo que resiste ao extermínio colonial, cada cílio aumentado cada blush espalhafatoso. Se somos nós, em número e em ímpeto, maiores do que qualquer cognição que a norma seria capaz de alcançar?

Esse é o Necessário Manifesto Planetário do (contra)obsoleto. O obsoleto, pois, não é aquele corpo que cria disruptividade nas automações do contemporâneo. O obsoleto é aquele que reitera, às vezes sem mesmo nem perceber a sua existência, o que está posto. Que não cria movimento. Que encontra-se acoplado tão bem às estruturas quanto o concreto, quanto os falos-obeliscos, quanto os fóruns, os planaltos.

O obsoleto é o que continua a se achar potente mesmo sem nada de novo propor. O que joga conforme as cartas de um jogo que acha que criou, mas que já está dado antes de nascer e depois de morrer.

É obsoleto pois, ao longo de sua vida, não fez, não faz e não fará nada, senão seguir comandos. Nunca criará programas, nunca ousará transgressões, nunca proporá caminhos. Nunca descobrirá as invenções pois, mesmo aquilo que julga ter inventado, já estava programado para ser inventado pelas ficções falidas dos obsoletos que vieram anteriormente. Falidas, sim, pois estão fadadas ao Fim do Mundo, aos fins dos Mundos, aos esgotamentos planetários, ao transformar dos oceanos em gigantes e secos espaços brancos, imersos em plástico.

De tanto habitar os covis, já ocupamos mais Mundo do que conhece a tola Humanidade. Moramos em todo abissal dos Oceanos, e para depois da órbita de Júpiter. Na outra face da Lua, e na devastação das mineradoras. Moramos nos abandonados espaços, que já se apresentam muito mais numerosos do que os arranha-céus.

AHumanidadenãotem construídoarranha-céus. Elatemfeitovalas.

O obsoleto padrão, de nascer, trabalhar, procriar e morrer. Sem nunca gritar, falando baixinho para não destoar, andando no ritmo para não desafinar, chorando escondido para não perceberem, comemorando o que se diz que é para comemorar, odiando qualquer algum que seja diferente de si, e sem se preocupar com nada de coletivo, nada que, quando incinerado, não tenha cheiro doce. Obsoleto ser que julga que matou as ninfas, as nereidas, as Iaras, os Capelobos, as bruxas e as monstras para criar um Deus que ele mesmo tem medo. Não matou. Resistimos. Existiremos. Nós, que passamos as palavras das bocas para os ouvidos, que inventamos novos dialetos, que nos permitimos passar pela muta das borboletas e pelo esgarçar dos lobisomens. Que aprendemos a respirar embaixo d'água, nascendo de novo da lama, flores de lótus. Que rastejamos, mas também voamos, e também corremos. Cobras- águias-guepardos. Todo tipo de monstruosidade, de híbrido, de combinação estranha de Mundos. E nós temos feito velas. Mandingas, feitiços. Preces, pragas. Coletivos, casas drag, quilombos, comunidades, agrupamentos, movimentações. Nós temos sussurrado em conjunto para criar gritos. E temos gritado muito para que se chegue, do outro lado domundo, os sussurros do Mundo que estará por vir.

corpos dissidentes são meteoros para a dissidentes são meteoros para a plantação são meteoros para a plant

Necessário Manifesto Planet

Proclamam

mamos: a plantação de um Novo Mundo corpos ão de um Novo Mundo corpos dissidentes ntação de um Novo Mundo

tário do

(contra)obsoleto.

NECESSÁRIO MANIFESTO PLANETÁRIO DO (CONTRA)OBSOLETO

cADERNO #4

este trabalho é resultado de uma percurso coletivo

PARA CONFERIR OS TRABALHOS NA ÍNTEGRA, ACESSAR EM:

trabalho de conclusão de curso de mateus falcão silva silveira (curso de cinema e audiovisual, ica-Ufc, 2024) dissertação de bárbara banida mota muniz, programa de pós-graduação em artes, ica-ufc, 2021)

ANTROPOCENAS

É um exercício imaginativo

É a prática de invocar uma realidade para além do cataclisma

É o fim do fim do mundo e começo de uma nova era

é Como o vislumbre de uma vida para além do esgotamento

É redesenhar as superfícies dos corpos biológicos e geográficos

é traçar estratégias para a superação conjunta do nosso estado presente

apoio: realização:

ANTROPOCENAS 2º PUBLICAÇÃO FORTALEZA, CEARÁ - 2025

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