A África por ela mesma: a perspectiva africana na História Geral da África (UNESCO)

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O artigo de L. Ngcongco (O Mfecane e a emergência de novos Estados Africanos, Volume VI) completa esta seção dos artigos específicos, que trazem concretude à abordagem regionalista na HGA. Neste ensaio, o autor defende que a origem dos revolucionários movimentos populacionais na África Meridional durante o século XIX, denominados de Mfecane69, estaria na carência de terras disponíveis nos territórios Nguni, na África Meridional – mais especificamente, nas proximidades da atual cidade de Natal, na África do Sul. Dois fatores primordiais teriam condicionado este fato. O primeiro teria sido o aumento demográfico na região Nguni no século XVIII. Algo que se poderia explicar pela adoção do milho na base alimentar dos Nguni e outros povos da África Meridional. Secundariamente, teria ocorrido uma devastação progressiva das florestas na África Meridional, implicada pelo tipo de produção agrícola (queimadas e terras rotativas) e pastoreio nômade da região. Tais fatores teriam impulsionado a luta dos Nguni pela posse de novos recursos, que passaram a ser conquistados pela força (Ngcongco, 2010b, pp. 108-112). Esta abordagem regionalista do Mfecane, para o autor, se oporia a duas outras interpretações possíveis. Por um lado, haveriam aquelas para as quais o Mfecane poderia ser explicado pela influência, direta ou indireta, dos imigrantes bôeres na região, por diversos fatores (exemplo de disciplina militar, expansão colonial, consolidação do comércio internacional etc). Por outro lado, o Mfecane seria explicado pela ação dos líderes africanos de então, que teriam criado novos modelos de estruturação política e militar para suas sociedades. O primeiro tipo de interpretação, para o autor, na melhor das hipóteses, seria infundado; na pior delas, tendencialmente racista. A segunda seria ingênua por explicar a sociedade pelo indivíduo, e não o contrário (Ngcongco, 2010b, pp. 112-113). Sobre este ponto, cito o próprio: Em todo caso, é difícil levar muito a sério as explicações fundadas basicamente na personalidade ou nas qualidades individuais dos chefes 69

Explicação em suas palavras: Os primeiros decênios do século XIX foram marcados por uma poderosa revolução social e política, que, simultaneamente, teve por efeito a destruição e a reedificação da organização dos Estados na África Austral de língua banta, bem como a transformação das condições de existências de numerosas comunidades nos territórios que vão dos confins da Zululândia (Natal) até o Sul da Tanzânia. Esta revolução, denominada Mfecane (esmagamento) na língua nguni, também é conhecida sob o nome de Difaqane (golpe de martelo) em sotho‑tswana

(Ngcongco, 2010b, p. 106). 161


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