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GRANDES VULTOS QUE HONRARAM O SENADO
América Latina, da África e da Ásia no mínimo tão importante quanto aquela que desenvolvemos com os povos do Primeiro Mundo. Tudo indica que essa viagem resultou dos esforços de setores dentro do Itamaraty identificados com o chamado terceiro-mundismo e favoráveis ao desenvolvimento das relações Sul-Sul. Reflete, ainda, os resultados da atuação internacional de Abdias Nascimento, cuja denúncia do racismo na diplomacia brasileira e da falta de solidariedade do país aos povos africanos durante o processo de descolonização repercutira dentro do Ministério das Relações Exteriores. Soubemos, por exemplo, que o livro Sitiado em Lagos, em que Abdias Nascimento relata a perseguição do Itamaraty contra ele na Nigéria durante o FESTAC ’77, fora adotado para leitura em disciplinas do Instituto Rio Branco, escola de formação de diplomatas. O senador Suplicy lembrou, em seu aparte, que a política econômica do Governo Collor até aquele momento “não foi consistente com o objetivo de libertar o povo negro, bem como toda população pobre, da sua condição de miséria”. Abdias Nascimento concordou: “realmente assisti a intenções. Estamos aguardando os atos concretos, a implementação dos resultados dessas primeiras conversações”. Mas não houve tempo para tanto antes da eclosão, daí a seis meses, da crise deflagrada pela denúncia de Pedro Collor, irmão do presidente, que desembocaria no seu impeachment. A atuação de Abdias Nascimento em dois curtos períodos de exercício no Senado436 honrou os compromissos assumidos nesse discurso de estreia. Um exemplo ocorrera antes, quando ele encaminhou ofício ao ministro da Justiça Jarbas Passarinho em que relata três casos de “violação de direitos fundamentais da pessoa humana, atos de discriminação racial e de prática efetiva de racismo” e pede providências. Dois casos, ocorridos em Brasília, haviam sido encaminhados ao Ministro da Justiça pelo então presidente da Fundação Cultural Palmares, Adão Ventura, sem merecer resposta. Eram agressões contra crianças e adultos negros por seguranças em shoppings e supermercados. Os seguranças do shopping Conjunto Nacional espancaram duas crianças negras; os do supermercado Carrefour agrediram e mantiveram em cárcere privado um delegado de polícia, um vereador do município de Flores, Goiás, e um ativista negro de Formosa. Eles registraram a ocorrência em delegacia, mas não houve enquadramento na lei antidiscriminatória (conforme a praxe que a SEDEPRON relatara no ofício em que solicitou a criação da Delegacia Especial). Tampouco o houve no caso de um cidadão estrangeiro que registrara junto ao Conselho de Direitos da Pessoa Humana ter sofrido prisão ilegal, violência física e moral, ter sido furtado em seus pertences e submetido, em dois episódios seguidos, a constrangimentos e agressões pelo fato de ser negro. Ele só escapara graças à intervenção do Cônsul da França em Foz do Iguaçu, que, casualmente, passava pelo local onde a violência era praticada pela segunda vez. 436 Darcy Ribeiro faleceu em fevereiro de 1997; Abdias Nascimento cumpriu o mandato até 1999.