Estação em Movimento - A História da Praça da Estação e Seu Entorno.

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Estação em Movimento A história da Praça da Estação em Belo Horizonte

FLÁVIO DE LEMOS CARSALADE | 2015



Estação em Movimento A história da Praça da Estação em Belo Horizonte

FLÁVIO DE LEMOS CARSALADE | 2015


CRÉDITOS Coordenação Geral Elos Produção Criativa Instituto João Ayres Coordenação Editorial Theo Roberti Mendonça Instituto João Ayres Produção Executiva Theo Roberti Mendonça Direção de Arte Priscila Viana Theo Roberti Mendonça Textos Flavio Carsalade Pesquisa Histórica Flávio Carsalade Bernardo Andrade Projeto Gráfico e Diagramação Priscila Viana - Luna Design Digitalização e Tratamento de Imagens Priscila Viana Roberto Staino Revisão Celia Arruda Equipe de Produção Mário Ulysses Eduardo Eustáquio Tânia de Filippo Luiz de Filippo Karen Resende Belchior Marco Roberti Mendonça Fotografia Roberto Staino Mario Ulyses Priscila Viana

FICHA CATALOGRAFICA

A hora do encontro É também, despedida A plataforma dessa estação É a vida desse meu lugar É a vida desse meu lugar É a vida... (Fernando Brant, in memorian)


Apresentação

Se você abriu este livro em busca da História da Praça da Estação de Belo Horizonte apenas com fatos, fotos e dados elencados em ordem cronológica feche-o. Abra-o novamente com a disposição de viver esta história, pois neste livro ela não é contatada e sim vivida. Com muita maestria o autor Flavio Carsalade personificou prédios, viadutos, monumentos e esculturas que compõem o conjunto arquitetônico da Praça da Estação transformando-os em personagens ilustres, que narram a suas histórias de forma biográfica desde os primórdios da construção da nova capital aos dias atuais. Esta forma de escrever tão peculiar eleva o livro a o patamar de obra literária única, de relevante importância histórica, social e cultural. O registro histórico aqui feito é preciso, os fatos são descritos com detalhes que já beiravam o esquecimento e ilustrados com fotos antigas e surpreendentes imagens atuais. O resultado é um texto leve e intimista que transcende o comum e se mistura ao fantástico para expor a realidade vivida ao longo dos anos no centro da capital. Não se conta a história de um lugar, mas sim de um povo, suas formas de convivência, as mazelas, os erros e os acertos, sua capacidade de superação diante de desafios ou sua simples incapacidade de supera-los momentaneamente. A Estação está viva, os trens ainda circulam em seus trilhos e a história continua em movimento... Boa leitura!

THEO MENDONÇA Belo Horizonte, 2015


Prefácio - “A alma da cidade”

Não se iluda ao abrir este livro e começar a leitura. Não é uma publicação técnica e, por isso mesmo, você não vai querer parar de ler. Portanto,

Tive vontade de adentrar a estação e ficar ali aguardando o trem que me leva de volta ao passado, o trem da Central, como era chamado carinhosamente.

acomode-se numa boa poltrona, estenda os pés sobre uma banqueta, na mesinha ao lado coloque um bule com café ou chá e se dê o direito e o

Ou ir esperar as pessoas que vinham no Vera Cruz da Cidade Maravilhosa para conhecer o horizonte da Cidade de Minas. E é certo que o roteiro

prazer de mergulhar numa viagem fantástica pela alma das coisas que nunca antes havíamos percebido nesta Cidade de Minas, hoje, Belo Horizonte.

traçado pelo autor vai fazer com que o leitor atento salte de sua poltrona e o percorra a pé e lentamente, atento às formas arquitetônicas de hoje

O título desta obra propositalmente nos engana. Não é a “História da Praça da Estação”, mas as estórias de seres aparentemente inanimados que

e imaginando como eram há um século atrás.

ganham vida, voz e emoção no estilo da melhor escrita literária latino-americana: o realismo fantástico.

Numa cidade em que o concreto e o asfalto se apoderaram de tudo e a vida pacata de seus cidadãos se transformou num frenético formigueiro de

Com uma cadência que se alterna entre a descrição formal e minuciosa das edificações, ruas, praças e avenidas e a ficção utilizada pelo autor para

gente e carros, Flávio de Lemos Carsalade consegue, com sua escrita afetiva, poética e apaixonada, nos fazer refletir sobre a alma da urbe, entidade

mostrar as entranhas, artérias e vísceras da cidade, onde habitam os rios, regatos e ribeirões, o leitor é conduzido a um passeio táctil e visual pela

invisível que se esconde no fundo da lagoa da Pampulha para não ver o que se passa.

pele da cidade e a uma imersão nas águas que serpenteiam subterrâneas, traçando formas e curvas, o que nos leva a confirmar a tese de que Belo Horizonte é uma cidade-mulher, tão feminina e marota em seu jeito de ser que por ela nos apaixonamos todos.

Confesso que vivi um tempo em que a cidade cantava seu hino com orgulho: “belo horizonte, sorri pra mim, belo horizonte, cidade jardim”.

O inusitado permeia toda a obra e nos deixa em estado de atenção da primeira à ultima fala, sim, porque este é um livro onde tudo fala e se move. Flávio Carsalade usa e abusa com maestria de recursos da melhor carpintaria dramática na sua escrita. As personagens que ele faz viver ganham voz

Memória e história, preservação e modernismo, progresso e nostalgia, humanismo e intolerância, está tudo ai nas páginas de Estação em Movimento,

em pensamentos, reflexões, diálogos, monólogos, pausas, silêncios, reticências. Conversam com o leitor de forma coloquial e intimista. Desnudam-

menos o trem que ligava Bahia a Minas.

se diante de nós, fazendo-nos ver que do tijolo e do barro salta para a vida uma alma inquieta que deseja chamar a atenção dos habitantes do Curral del Rey. E, no grande e centenário palco emoldurado pela cenografia da Serra do Curral, ou do que restou dela, relatam em forma de tragicomédia

Senhoras e Senhores leitores, embarque imediato pela plataforma do sonho para uma viagem no tempo! Tomem seus assentos e Boa Viagem!

a inquietude de uma vida inteira. São estórias de emoções várias, narradas pela escrita magistral do autor. Cenas que podemos sentir como se estivéssemos na platéia de um teatro ou vendo um filme de trás pra frente, rebobinando a nossa vida e a história da cidade em sua construção e desconstrução, contaminada pelo

PEDRO PAULO CAVA

compromisso de ser eternamente jovem e moderna, pois foi assim que nasceu a capital das Geraes.

Belo Horizonte, 2015

Leitura de um só fôlego foi a que fiz dessa obra. Não conseguia parar porque a cada página virada o inusitado da narrativa me esperava. Num mundo de coisas previsíveis e tecnológicas, repetitivas e sem conteúdo, Flavinho Carsalade nos surpreende, contando no melhor estilo dos causos mineiros a trajetória da Praça da Estação e de seu entorno, que de resto é toda a cidade como a conhecíamos na metade do século passado e da maneira como os mais jovens enxergam hoje a BH que habitamos. Mas não é com tristeza e saudosismo que essa história veio parar nas páginas deste livro. Lúcido registro histórico e fundamental, se um dia quisermos entender as nossas raízes e os motivos de sermos tão autofágicos com os seres animados e inanimados que povoam a terra de Silva Ortiz e Aarão Reis. E apesar do tom afetivo da escrita, Carsalade registra sem rodeios a degradação praticada em nome da contemporaneidade e do “progresso”.


Sumário APRESENTAÇÃO // 08 PREFÁCIO // 10

Casa do Conde de Santa Marinha // 14

Edifício Chagas Dória // 110

104 tecidos // 28

Edifício sede RFFSA // 116

Estátuas da Praça // 44

Hotel Itatiaia // 128

Escola de Engenharia da UFMG // 52

Serraria Souza Pinto // 136

Estação Central // 60

Edifício Central // 144

Sul America Hotel // 84

Peixes Urbanos // 152

Monumento á Civilização Mineira // 94

Viaduto Santa Tereza e Viaduto da Floresta // 154 POSFÁCIO // 166 GLOSSÁRIO // 168 REFERÊNCIAS GERAIS // 172


14 | Casa do Conde de Santa Marinha (1896)

Casa do Conde de Santa Marinha (1896)

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O

mundo da gente é aquilo que a gente vê. Sabemos, de ouvir falar, que existem extensões ou outros mundos, mas de verdade mesmo, o mundo é o espaço que nos envolve diretamente, onde estamos imersos, aquele que vemos da janela de

nossos olhos. Falam-nos de outras águas, Acaba Mundo, Cercadinho, Serra, Leitão, mas as minhas águas, as que banham de verdade o meu sangue e que carregam os meus sonhos para que se tornem realidade em forma de praças e ruas, em Liberdade, Brasil e República, são Arrudas, águas corajosas que os mesquinhos chamam de ribeirão, desconhecendo que se trata na verdade de um verdadeiro rio, o meu rio. Das minhas janelas vejo a Praça que é o meu mundo, para mim, o único que existe. Aquele outro que se construiu em direção à montanha é apenas um satélite que tem a solidez da imaginação, a carga da vontade e a consistência dos sonhos. Como acreditar em um mundo assim? Mesmo que ele exista, ele só me afeta porque precisa da minha solidez. É daqui que partiram as cargas das pedras sem as quais não há realidade possível, é daqui que partem e chegam os trilhos sem os quais não há caminho para o futuro. Mas seja o que for que acontece nesse outro mundo, se é que ele vai mesmo existir ou se já existe, não me diz respeito, meu mundo é a Praça da Estação. Acredito, no entanto, em outros mundos sólidos, Carapuça, Calcário Corado, Prado Lopes, Morro das Pedras, mas fico a cismar qual é o propósito de se desmontar um mundo para criar outro, se aqueles vão continuar a existir após tanta substância retirada ou se simplesmente mudam de órbita, se em seu lugar, antes matéria, passa a boiar o vazio, a ausência se deslocando no nada. Sei que eu mesmo sou resultado de outros mundos que se desfizeram e se deslocaram pelos trilhos e talvez este seja o propósito do desmonte, a transmutação alquímica da matéria pedra de se pegar em matéria ouro de se ver e viver. Vim pelas margens do Arrudas, através da Garganta do João Alves. Estando plantado neste mundo, não sei muito dos outros, mas também não me importo com eles, pois, diferentemente dos humanos que supostamente voltam para onde vieram, dificilmente, caso morra, eu voltaria para a minha fonte. Helás! Não sei se é destino de todos os mundos inanimados e disformes se transformarem em vidas movimentadas e formas mais delicadas, se é destino das coisas naturais inexoravelmente se transformarem em outra beleza, obra rústica em obra de mão, como, aliás, aconteceu

Antônio Teixeira Rodrigues, Conde de Santa Marinha. Acervo MHAB/ Fundação Municipal de Cultura

comigo que já fui terra e pedra, cal e barro, que não tive forma definida, mas que hoje me ergo elegante e altaneiro, assobradado e presente. Apesar de tanto labor de transformação, não me lembro nem mesmo de quem me concebeu, deus morto e desconhecido. Diferentemente de outros modos de criação, em casos como o meu, o dos edifícios e

Planta Topográfica da Cidade de Minas elaborada pela Comissão Construtora da Nova Capital. Mar. 1985. Acervo MHAB/Fundação Municipal de Cultura


16 | Casa do Conde de Santa Marinha (1896)

| 17 Vista das Oficinas do Empório Industrial do Conde de Santa Marinha a partir da Av. do Contorno onde hoje existe o Viaduto da Floresta. Fundado em 1895, o Empório foi o primeiro empreendimento industrial de Belo Horizonte, sendo especializado em materiais de construção. S/a, início do séc. XX. Acervo MHAB.

cidades, as criaturas sobrevivem aos criadores, alguns de nós almejando

Se uma das alas é sólida, para resguardar a intimidade de meu interior,

a eternidade, enquanto vemos nossos deuses soçobrarem pela ação do

a outra é vazada em varanda, como que feita para dialogar com o espaço

tempo. Entretanto, sei que quem me criou inspirou-se inicialmente no

urbano, o vazio que me referencia e ao qual eu me reverencio. Varandas

ecletismo francês então em voga, mas depois minhas feições se voltaram

são feitas para deixar o vazio entrar e, por isso, devem ser leves e também

para o momento glorioso da pátria Brasil, o período do auge ouro-pretano,

por isso o ferro batido e as volutas e rendas que ele exala em sensuais

onde se gestaram as ideias do país futuro, republicano e brasileiro. O meu

lambrequins. Como que reafirmando minha extensão, ladra a cachorrada

estilo colonial, no entanto, é mais refinado do que aquele do Século XVIII,

que arremata a cobertura, marcada por amplos beirais que criam generosa

urdido que fui pelas novas ideias edilícias de um momento ímpar, onde,

sombra. Dignidade é o que não me falta porque me ergo em pés direitos

reunindo toda a sabedoria da história em um mesmo caldeirão, misturou-

altos e nobres e sou adornado pela bela pintura de Frederico Antônio

se o que cada época teve de melhor, sob a diligência segura dos novos

Steckel, alemão de berço, belorizontino por opção. Talvez o contraste com

tempos, marcados pela razão e pela ordem. Esta ordenação racional se

o galpão anexo, o Grande Empório Central, construído como depósito,

revela em minha composição, onde, articuladas por uma interseção em

reforce ainda mais minha nobreza. Nobreza dos novos tempos, fruto do

torre, correm duas alas longitudinais de dois pavimentos, paralelas e velozes

trabalho e não de um título herdado, desprovido de conteúdo.

como as linhas de trem, minhas vizinhas e companheiras de sempre. Em

Se não sei quem me concebeu, por outro lado sei quem fez a minha carne

meu corpo, predomina a massa das paredes em contraposição ao vazio das

e com qual destino, o português Antonio Teixeira Rodrigues, Conde de

janelas, mas só para permitir que estas se expressem em toda a sua beleza

Santa Marinha, como eu, nobre por seu ofício. Na mais respeitável tradição

de vãos, marcados por requadros trabalhados à guisa de molduras e com

luso-brasileira, sua casa e seu local de trabalho se irmanavam em claro

frisos que revelam a luz por suas sombras, encimados por motivos florais

aviso de que a vida tem de ter um propósito e esse propósito é a labuta

que sustentam as vergas retas, encerrando sua bela proporção vertical.

que lhe dá sentido e gera seu sustento. O título de nobreza, dado pela


18 | Casa do Conde de Santa Marinha (1896)

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coroa portuguesa, foi o resultado de sua ação em prol da instrução pública

futuro bairro comercial da nova capital, seria o ponto inaugural da Avenida

sobre uma sólida fundação feita de símbolos, parecia necessário que se

e mais conde ainda se tornou em terras brasileiras, especialmente por

do Comércio, de 50 metros de largura, com passeios de quatro metros,

inaugurasse o quanto antes a transposição do Arrudas, notável metáfora

aqui, nos campos do Curral Del Rey, aonde chegou antes de quase todos.

que se lançaria perpendicularmente desde o edifício da Estação, como a

de completo acesso à urbis, de domínio humano sobre a natureza, de

E já chegou ligando antigas pedras a futuros palácios, natureza morta a

indicar o futuro que a partir dali se anunciava. Para tanto, a avenida teria,

superação de desafios, estabilidade sobre águas tempestuosas. Assim,

obras de arte, campos rupestres a ruas de macadame. As linhas férreas

junto aos prédios, uma via dupla para carros e tramways, que circulariam

ainda em 1896, foi construída a primeira ponte da cidade, aquela que fora

que construiu em 1894 tornaram-se o tapete por onde desfilou a gloriosa

em meio a dois renques de árvores frondosas com passeios, contando

prevista no panorama sonhado pelo demiurgo, batizada de Davi Campista,

Mariquinhas, incansável locomotiva trabalhadora que, dizem, hoje descansa

ainda, em seu eixo central, com uma estrada areada de oito metros de

um nome humano se impondo por sobre um nome vegetal, velada e sutil

em Museu da Cidade. Requiescat in pace. Do companheirismo do homem

largura para cavaleiros. Esta avenida iria terminar em uma praça junto ao

atitude impositiva que comungava com o habitual ufanismo positivista.

e da máquina, Antônio e Mariquinhas, nasceu uma cidade inteira, palácio,

ribeirão, onde estaria reservado espaço para o futuro teatro.

Não tardou também para que a porta virtual se consolidasse na matéria

quartel e cemitério.

Mas como nem só de portas se faz uma cidade, para que ela exista de fato

que, a partir de minhas janelas, vi nascer em 1895 e morrer em 1920. O

Deus maior, Aarão Reis, criador primaz de meu universo, viu tudo isso e

precisa de lugares e de ligações. Quanto a isto, sendo a ponte o maior

nascimento do prédio da Estação foi motivo de orgulho. Em maio de

viu que era bom. Sabia que sem estradas de ferro nada poderia ser feito e

símbolo da união entre as partes e como a nova cidade se erigia por

1895, o deus Aarão encaminhou o seu desenho ao presidente do Estado,

sabia que as linhas do Conde completavam a ligação com Sabará e com a

Crispim Jaques Bias Fortes, com palavras proféticas e seguras: “Quanto

Central, viabilizando a sua criação. Aqui a cidade se abria a quem chegasse

à Estação Central (Minas), que terá de ser levantada como pórtico, na

ou partisse, aqui a cidade começava a construir-se a si própria, pelo milagre

nova capital, procurei dar-lhe não suntuosidades descabidas nem luxo

do trem.

artístico dispensável, mas toda a elegância, todo o conforto e todas as

Em 26 de junho de 1894, papéis começaram a virar pedras, abriram-se as

comodidades, cujas faltas seriam imperdoáveis na Estação Central de uma

concorrências públicas para construção de linhas e estações e, talvez por

cidade do Século XX”. A concepção de Aarão, no entanto, se aproximava

coincidência ou destino, a única proposta aberta para a Estação Central

muito mais do prédio que ali futuramente seria construído em 1922 do

foi a do Sr. Júlio Porta & Comp. Pois era isso mesmo a Estação: a grande

que deste primeiro, projetado pelo arquiteto José de Magalhães, com

porta espacial e temporal da nova cidade, por onde entravam pedras de

participação de Edgar Nascentes Coelho e José Verdussem. Os arquitetos

todo tamanho e gente de toda estatura, autoridades, operários, populacho,

parecem ter sofrido a influência dos ingleses, inventores e propagadores

curiosos e funcionários. O deus maior, Aarão Reis, iluminado pela graça

das locomotivas e suas vias férreas, desenhando-a de maneira pragmática,

positivista que transbordava da Cidade Luz, sabia que seria ali o Portão

tijolos bem marcados como alvenaria aparente, com feições atarracadas,

Principal da Cidade de Minas. Seria a partir do ponto aonde nela se

comprimidas e pouco solenes, torre neogótica, com quatro minaretes

chegava que a nova cidade deveria descortinar-se e dizer ao que tinha

nos cantos do beiral superior, que nada convinha a um transporte da

vindo. O grande largo urbano cortado longitudinalmente pelo Rio Arrudas,

modernidade. De pórtico de entrada, em minha opinião, não tinha nada,

águas a adornar o belo cenário concebido pela engenhosidade humana,

mais parecia uma estação de qualquer subúrbio do que a porta principal da

seria transposto por magnífica ponte em meio a taludes verdejantes, ao longo dos quais uma alameda dupla de 20 metros de largura de cada lado

Vista da antiga Avenida do Comércio, atual Avenida Santos Dumont, com a Estação Ferroviária ao fundo em 1935. Acervo MHAB/Fundação Municipal de Cultura

mais nobre capital brasileira, consequência do abandono da exuberância e requinte da arquitetura francesa pelo discreto pragmatismo inglês. Mas

acompanharia todo o percurso da água, desde o Parque até o arrabalde do

fazer o quê? Esta seria a tradição da nova capital que nascia: como il faut,

Pinto. A enorme esplanada da Lagoinha, que se abria em frente à Estação,

as igrejas seriam neogóticas, os prédios civis neoclássicos e por que não


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22 | Casa do Conde de Santa Marinha (1896)

| 23 alto e vistoso arco triunfal. Foi este o momento em que o advogado Dr. Alfredo Guimarães, em nome da Comissão dos festejos populares e do povo de Belo Horizonte, saudou o Presidente Bias Fortes em discurso que fez balançarem as minhas cortinas, por seu tom emocionado. Entre muitas loas, o eminente causídico lembrou a importância do Congresso Mineiro e do Conselheiro Affonso Penna na consecução daquele sonho que ali se realizava. Depois seguiram todos à Liberdade pela Rua dos Caetés. Em 1898, a torre da Estação ganhava o seu complemento mais importante: o relógio. Fico me perguntando como faziam, por aqui e, até então, os trens para chegar e partir, pois, sendo o passar das horas uma entidade só corporificada em instrumentos como as ampulhetas e relógios, não havia como materializar o tempo em deslocamento - o que os homens chamam de “viagens”. Se as coisas abstratas, por natureza, só existem nos artefatos dos homens, o relógio deve ter feito muito falta em seu período de vacância.

Vista parcial da Praça da Estação. Ao centro, o Edifício da Estação da Estrada de Ferro Central do Brasil. Acervo MHAB/Fundação Municipal de Cultura

Talvez a ausência do relógio, afinal, não fosse de grande importância, pois a grande porta, por essa época, se abria para o vazio e para o futuro. A consistência do espaço que ela propunha era a vacuidade do nada e do

seriam as estações ferroviárias baseadas em quem as originou? Parecia isto muito claro, afinal o apogeu das igrejas se dera no estilo gótico e os prédios neoclássicos faziam referência, em seus ornamentos e composição, aos gregos e romanos, onde se afirmaram a democracia e a república, valores caros à cidade que então nascia. A inauguração se deu com a precisão de um horário ferroviário: às duas horas em ponto, ouviu-se o silvo prolongado das duas locomotivas que apontavam na curva da entrada de Belo Horizonte, em meio a girândolas e dinamites que espocavam por todos os pontos da nova cidade. Na grande Praça da Estação de Minas, uma multidão de dez mil pessoas aplaudiu entusiasmada a comitiva governamental, formada pelo Presidente do Estado, seus auxiliares e a Comissão Construtora, ao som emocionante do Hino Nacional. Logo que as autoridades desembarcaram formou-se longo cortejo em direção à Praça da Liberdade, autoridades escoltadas pela guarda de honra do esquadrão da cavalaria, solene e em uniforme de grande gala, sobrepassando a Ponte Davi Campista, também ornada em

ainda por vir, pois a Praça da Estação, embora prevista no projeto de Aarão

Estação Ferroviária de Belo Horizonte em 1898, chegada do Governador Francisco de almeida Brandão.Acervo APM

Reis, só teve sua construção iniciada em 1904, tendo sido inaugurada em 1914. Por essa ocasião ganhou o nome de Praça Cristiano Otoni, um político com passado ferroviário, nada mais justo, portanto. A Praça se

que passou a inventar modernidades em sucessão atabalhoada e a substituir

do Conde, em 1900, passei a ser constantemente modificado para me

tornava matéria em 200 por 100 metros, sempre como um grande largo

sua carne e matéria em ciclos de vida cada vez mais curtos, demolindo-se

adaptar às necessidades de cada novo usuário que, em rápida e vertiginosa

emoldurado por jardins de um lado e outro do Rio Arrudas, piso em

e reconstruindo-se sem se preocupar com a História ou com a economia

sucessão, vieram me ocupar. Em 1906, vieram as moças do Colégio Santa

macadame betuminoso e sarjeta em grés cerâmico ao redor de todos os

de recursos, em alguns lugares se substituindo por cinco vezes em menos

Maria e eu me regozijei com seu frescor, graça e movimento, mas quando

canteiros.

de cem anos e, autofagicamente, ocupando parques e praças, em ritmo

estava me acostumando com isso, ainda em 1909, sob a alegação de que

A nova praça tornou ainda mais bizarra a presença do prédio da Estação,

frenético, na busca de uma modernidade que, a cada vez atingida, ali já

eu precisava de reparos, veio um tal Eugênio Thibau trabalhar em mim, o

e parecia exigir que ali se colocasse algo mais nobre e condizente com a

não mais estava. E tome neoclássico, tome neogótico, tome art-déco, tome

que só serviu para expulsar as moças e me fazer acomodar o intendente

dignidade do local e talvez até tenha sido por isso que para lá se tenha

protomoderno, moderno, pós-moderno e tardomoderno, tome Niemeyer,

da Rede Ferroviária, em 1910, e depois abrigar uma tediosa Seção do Café,

transferido a sede da Prefeitura Municipal, em agosto de 1898. Por esta

tome normando, californiano, neocolonial, racionalismo e tantos que tais,

em 1911. Em 1920, com os novos ares soprando na Praça pela construção

época já se insinuava a sina de eterna transformação da capital que nascera

em pouco mais de cem anos. Parece que, ao contrário daquele poeta que

do novo edifício da Estação, imaginei-me ganhando fôlego novo, mas para

para ser moderna, que surgira para substituir tudo o que fora antigo, a

vi subir nos arcos do Viaduto Santa Teresa, Belo Horizonte não quer ser

cá veio o escritório da Seção de Construção da Central do Brasil, que logo

cidade positivista, científica e higiênica, com novos ares, em tudo oposta

eterno e não se cansa de ser moderno.

fixou residência. Já era hora de eu tomar consciência de que fazia parte

à feia, tortuosa e sombria cidade colonial de Ouro Preto, antiga capital de

O vírus da viração, constante por estas terras, parece ser altamente

de uma nobreza decadente. Não existiam mais condes e os estilos ecléticos

tempos também antigos. Belo Horizonte tomou tanto gosto por essa sina

contagioso e logo me acometeu também. Poucos anos depois da morte

já não tinham nenhum estilo. Fazia parte de um passado, era apenas um


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“Uma estrada de ferro que ligasse Belo Horizonte à Central foi a menina dos olhos do Dr. Aarão Reis e do seu luzido estado-maior de engenheiros: porque, praticamente, nada se poderia fazer de importante e produtivo, em todos os demais ramos de serviço afetos à Comissão Construtora, sem que material variadíssimo e numeroso, que demanda tão complicada obra, viesse trazido pela locomotiva, que inutiliza, de uma vez para sempre, essas eternas boiadas que de Sabará para aqui arrastam, em 48 horas e com uma chiadeira sonolenta, cem ou duzentos quilos de carga à razão de 40 mil réis por carrada!” (Alfredo Camarate, apud BARRETO, 1996, p. 57)

natural que passasse a abrigar um Museu Ferroviário, além de algumas unidades da Superintendência Regional de Belo Horizonte. Também isto não duraria muito, meros 40 anos, um quase nada na duração da vida de um prédio, e, a partir de setembro de 1996, com a desestatização da Rede, voltei a me aprofundar em meu ostracismo. Digo “aprofundar” porque a cidade já não me conhecia mais, nem a Praça, meu mundo, me reconhecia. Atrás de muros, com alguns prédios à frente, apartado da vida urbana por um trânsito agressivo, em meio a terrenos vagos, vazios de vida, enfrentava meu degredo em pleno mesmo sítio, que é a forma que as cidades acham para expulsar os prédios: deixando-os no mesmo lugar, mas degradando seu entorno. Eu era apenas a ponta de um desgaste maior que há muitos anos vinha se abatendo sobre meu mundo, tomado de carros, sem função, sem vida, mero entroncamento de modos diferentes de transporte. Com o abandono veio a violência urbana, a perda da nobreza do espaço público, Fachada do colégio Dominicano.No pátio e na varanda da casa há várias meninas que posam para a foto. Acervo MHAB/Fundação Municipal de Cultura

prédio que, apenas por existir, precisava ser ocupado enquanto esperava a substituição por algo mais novo, mais condizente com a modernidade crônica da sempre Nova Capital. Como a selar esse destino, em agosto de 1953, um dos trens da linha Vera Cruz chocou-se contra mim, em dolorosa dilapidação, o que me fez passar por reformas que penso terem sido feitas por falta de recursos para demolição, apenas como garantia provisória de sobrevida. Em uma cidade nova e tão pulsante, a velhice precoce era como que a consequência do tal vírus. Diferentemente dos humanos, em que a vida passa externa a seus corpos, no espaço e tempo que os envolve os edifícios abrigam e propiciam a vida em seu interior e, quando o propósito das sucessivas novas ocupações passa a ser menor, quando o cuidado na recomposição passa a ser descuidado, compreendemos isto como o arauto do fim. O pior, no entanto, não veio, creio que, paradoxalmente, por causa de outra mudança. Em 1957 a Central do Brasil deixou de existir para a criação da Rede Ferroviária Federal e, como eu já estava irremediavelmente associado às coisas velhas e quase sem utilidade para as novas tarefas, tornou-se muito

de Praça a estacionamento de veículos. Meu mundo deixara de ser habitado por gente para se tornar o habitat de automóveis, outra praga que parecia ter vindo para acabar com os trens e as pessoas, meus dois encantos. Por sua vez, a cidade solenemente me desconhecia, alguns poucos me visitavam, como a reconhecer os valores que sempre tive e dos quais me orgulhava, meu porte, meus ornamentos, minha implantação em grande área aberta. Alguns arquitetos ousaram me incluir em uma ampla proposta de revitalização urbana chamada de Parque Linear do Arrudas, em um concurso público de 1989, chamado de BHCENTRO que, como a ampla maioria dos concursos de arquitetura e urbanismo, não saiu do papel. Por essa época também sediei reuniões do recém-criado Conselho Deliberativo do Patrimônio Cultural do Município de Belo Horizonte e, ainda um pouco antes, em 1981, fui indicado como representante do Conjunto Urbano da Praça, em uma das mais importantes iniciativas para a memória da cidade, o evento “Praça da Estação: origem e destino”, promovido pelo Instituto de Arquitetos do Brasil. Parecia que eu só importava aos arquitetos, meu mundo me desterrara, como fizera também com seus outros habitantes. Eu me tornara absolutamente transparente. Por volta do final de 1999, aconteceu uma virada. Fui adotado pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais, que me


26 | Casa do Conde de Santa Marinha (1896) resgatou do caldo informe da massa falida da Rede Ferroviária Federal em

praga.

processo de liquidação, na forma de convênio. A idéia era me apresentar

Mas não posso me lamentar de todo. Embora tenha perdido encadeamento

novamente à população da cidade em nova roupagem, mais harmônica

urbano, restou uma intensa vida cultural em meu território, fruto dos

com a antiga, o que acabou por acontecer através de um evento voltado

sucessivos eventos culturais que aqui passaram a ocorrer pós 2000. Tornei-

à arquitetura de interiores, a Casa Cor 2000. A cidade me redescobriu,

me a popular “Casa do Conde”, abrigo da FUNARTE e do IPHAN, meu

as pessoas se seduziram com meu porte e beleza, com a generosidade

atual dono, por força de uma lei que tornou os bens históricos oriundos

de meus amplos espaços abertos em meio a uma cidade tão densa. A

da Rede Ferroviária propriedades da União e geridos por seu Patrimônio

própria Rede descobriu também o potencial de tantos espaços livres e

Histórico. Na vocação cultural que a Praça, meu mundo, veio ganhando

adjacentes, insuspeitada reserva de amplo potencial urbanístico, e trocou

ao longo da História, hoje me integro com a força das artes e da presença

sua estratégia de venda lote-a-lote pela possibilidade de uma operação

humana.

urbana que aproveitasse o potencial de tanta área junta em situação tão

Nada sei sobre meu futuro e só conheço meu passado porque ele está

privilegiada da cidade. A cessão

impregnado em minha alvenaria como uma massa que amalgama meus

provisória de espaços e instalações

tijolos e porque ele veio penetrando em minhas amplas janelas, como

para a Polícia Militar – que acabou se

um vento que minhas varandas souberam receber e guardar por entre

mostrando não tão provisória assim

as volutas dos lambrequins, que nelas permanece como teias de aranha,

– e embaraços jurídicos frustraram

última e permanente forma de vida dos prédios vetustos.

Ficha Técnica Endereço: Rua Januária, 130 Área: 37 mil metros quadrados, ao todo, contando com cinco galpões, oito salas e estacionamento com 600 vagas.

| 27 Proposta do Parque Linear do Arrudas (Menção Honrosa, Concurso BHCENTRO, 1990, coordenação geral: José Eduardo Ferolla, coordenação da proposta do parque: Flavio Carsalade e Eduardo Mascarenhas Santos) O aproveitamento de amplas faixas de terreno disponíveis, em sua maioria de propriedade da RFFSA, permite a ligação urbana (sem vias de automóveis) entre Rodoviária/Estação Lagoinha e a Serraria Souza Pinto (sentido Leste-Oeste) e entre a “cidade baixa” (Centro) e “cidade alta” (Floresta/Colégio Batista) através de ampla laje sobre o metrô, transformada em parque urbano.

Data da Construção: 1896 Arquiteto: Não identificado Tombamentos: Estadual (1988) e municipal (1998) Proposta apresentada no Concurso BH Centro para a área: perspectiva mostrando cenário futuro (Desenho: Flavio Carsalade)

os planos de maior alcance, a cidade voltou a fechar os olhos para a região (como os tempos modernos

Proposta apresentada no Concurso BH Centro para a área: corte esquemático (Desenho: Flavio Carsalade)

se esquecem rápido!) e o cúmulo da falta de visão de conjunto acabou se concretizando na construção de um prédio entre mim e o Prédio da Estação, em amplo vazio urbano de enorme potencial de encadeamento de áreas públicas, o chamado Centro de Referência da Juventude o qual,

Capa da Revista Casa Cor 2000 Minas Gerais

espero, não sirva de referência para a juventude, porque é exatamente o que não deve ser, um grande erro urbano e arquitetônico. Ele me divorciou irreparavelmente de meu fundo e minhas janelas pareceram se fechar, como olhos obnubilados por um véu opaco, sob a terrível maldição agorafóbica desta cidade que não pode ver um espaço livre querendo ocupá-lo imediatamente, parecendo nunca valorizar seus espaços públicos sem cercá-los ou ocupá-los, como se a apropriação pública fosse uma

Grande área estratégica de renovação urbana na região da Casa do Conde e possibilidades de requalificação. A área da PBH indicada hoje está ocupada com o Centro de Referência da Juventude. (Foto: tratamento sobre imagem do Google)


28 | Companhia Industrial Belo Horizonte 104

Companhia Industrial Belo Horizonte

104

determinadas no citado título de venda; 2ª.) dentro d’esse mesmo prazo

MEMORANDUM No. 004/1902

De: Gerência de vendas

fará o passeio na rua e cercará todo o terreno com muros de gradil.”

De: Commissão de implantação da unidade fabril

A: Directoria

Por minhas estimativas, o preço dos lotes deverá variar entre 100

A: Directoria

Refferência: Análize sobre a compra de lote para indústria

réis a 8$000 cada metro quadrado e devemos necessitar de cerca de

Refferência: Perspectivas para a installação de

(faz)

15.000 m2 para as nossas installações.

empreendimento (faz)

MEMORANDUM No. 005/1895

Data: 10 de maio de 1895

| 29

Data: 12 de abril de 1902

Att. Não tem outro mérito esse escripto senão o de chamar para um

Graças à vossa superior sabedoria, fizemos muito bem em aguardar

assumpto da maxima importancia a attenção da illustrada diretoria

um pouco antes de adcquirir a gleba destinada a nossas futuras

de nossa digna empreza. É preciso observar os dados especiaes da

installações. Finalmente o Prefeito Bernardo Monteiro baixou o

questão e não despresar as circumpstâncias de locallidade e de

Decreto n.º 1.516, “regullando a concessão de terrenos a indústrias,

tempo que surgem com a creação da Cidade de Minas, a nova capital

associações e a venda a particulares”. Na appresentação do Decreto

do Estado, e o que ella vem a offerecer de excellência aos nossos

ao Conselho Consultivo, as palavras do Prefeito reconhecem ”A

negócios. A planta submettida à approvação do Governo demonstra

necessidade de desinvolver indústrias incippientes e de criar

appuro technico e a nova cidade deve se tornar um campo mui fértil

novas, impõe-se ao espírito dos que desejam o engrandecimento da

para novas emprezas, pois nos arredores já se encontram industrias

Capital, e assim obedecem ao pensamento do lejislador, que decretou

importantes como a Saint John del Rei Mining Co. em Villa Nova de

a sua edificação, desejoso de abrir um novo centro de trabalho,

Lima, installada em 1834 e a Cia. Mineira de Fiação e Tecidos, esta

onde o commercio e a indústria encontrassem campo vasto para

em Marzaggão, Districto de Sabará, existente desde dezasseis annos

se auxiliarem n’uma reciprocidade de favores, que offerecesse

atraz, além de um estabellecimento de fiação e tecelagem de maior

garantias efficazes de futuro certo e seguro. Além do concurso

vulto que, desde 1838, se encontra no Districto de Neves, Venda Nova.

permannente que nella mora - o funcionallismo publico - para

Appezar da existência d’estas duas tecelagens, é de minha análize

o seu afformoseammento e valorização, entendi de meu dever

que há ainda bastante espaço para outra fabrica se considerarmos o

atrair o capital estrangeiro, para isso fazendo concessões que,

promissor mercado formado pelas centenas de funccionarios publicos

surtindo o desejado effeito, me permmitem annunciar o próximo

e suas familias, com alto nível de rendimentos, garanthidos pelo

estabellecimento de uma importante fábrica, o inicio portanto de

erário.

um novo período de esfforços e engrandecimento da cidade que, com

No dia 9 de julho próximo passado, foi publicado o regulamento que

verdadeiro prazer, verifico todos os dias.

se reffere à commercialização de lotes e às respectivas tabellas

Embora não seja a Capital um nucleo bastante populoso, a sua

de preços. Cumpre dar especial attenção ao Art. 2º. do refferido

situação em relação a diversas zonas do Estado, já consideráveis

regulamento que reza que “o adcquirente dos lotes, nos termos do

mercados de consummo, legitima a possibilidade de ser ella um

artigo anttecedente, alem de sujeitar-se às regras de construcção,

centro industrial.”

hygiene e segurança, que a respeito foram estabellecidas, se

É de meu parecer que devemos aguardar ainda um pouco, face à

sujeitará, por declaração expressa no respectivo título de venda, às

imminente possibilidade de sermos agraciados com essa benesse

seguintes cláusulas: 1ª.) dentro do prazo improrrogável de um anno

governamental.

terá montado os estabellecimentos industriais nas condições

Att.


30 | MEMORANDUM No. 004/1902

Data: 12 de abril de 1902

MEMORANDUM No. 054/1905

Data: 12 de dezembro de 1905

De: Commissão de implantação da unidade fabril

De: Commissão de implantação da unidade fabril

A: Directoria

A: Directoria

Refferência: Perspectivas para a installação de

Refferência: Considerações sobre a implantação da fábrica

empreendimento (faz)

(faz)

Graças à vossa superior sabedoria, fizemos muito bem em aguardar

Em face de recente contracto de doação de terreno, isempção de

um pouco antes de adcquirir a gleba destinada a nossas futuras

impostos e taxas e fornecimento gratuito de energia electrica

installações. Finalmente o Prefeito Bernardo Monteiro baixou o

recentemente firmado por nossa empreza com o governo municipal,

Decreto n.º 1.516, “regullando a concessão de terrenos a indústrias,

venho por meio deste memorandum tecer algummas considerações,

associações e a venda a particulares”. Na appresentação do Decreto

inclusive para fornecer subsídios quanto a algumas preoccupações

ao Conselho Consultivo, as palavras do Prefeito reconhecem ”A

manifestadas por V. Sas.:

| 31

necessidade de desinvolver indústrias incippientes e de criar novas, impõe-se ao espírito dos que desejam o engrandecimento da

1. Trata-se de importante acto da Prefeitura destinado a

Capital, e assim obedecem ao pensamento do lejislador, que decretou

incentivar as mais importantes industrias da cidade que, além

a sua edificação, desejoso de abrir um novo centro de trabalho,

da nossa, a Companhia Industrial Bello Horizonte –tenho sempre

onde o commercio e a indústria encontrassem campo vasto para

grande orgulho de mencionar o nome! - attinge tambem a Fábrica

se auxiliarem n’uma reciprocidade de favores, que offerecesse

de Punhos e Collarinhos, a Tavares & Cia, a Carlos Fornaciari

garantias efficazes de futuro certo e seguro. Além do concurso

& Filhos, a Cia. Minas Fabril, a Jayme Salse, Estabellecimento

permannente que nella mora - o funcionallismo publico - para

Industrial Mineiro, a Lunardi & Machado, dentre outras.

o seu afformoseammento e valorização, entendi de meu dever

Reforça a rellevância da medida o facto de ella chegar a

atrair o capital estrangeiro, para isso fazendo concessões que,

representar 20% da arrecadação do município;

surtindo o desejado effeito, me permmitem annunciar o próximo

2. Teremos bastante tempo para recuperar as inversões financeiras

estabellecimento de uma importante fábrica, o inicio portanto de

que alli reallizarmos, pois os contractos teem duração máxima

um novo período de esfforços e engrandecimento da cidade que, com

de dez annos e nosso capital innicial é de 9:000$000 (nove contos

verdadeiro prazer, verifico todos os dias.

de réis). Não penso que o facto de termos o Ribeirão do Arrudas

Embora não seja a Capital um nucleo bastante populoso, a sua

separando as duas plantas seja factor negativo, pois tambem

situação em relação a diversas zonas do Estado, já consideráveis

essa área deverá receber investimentos governamentaes e se, por

mercados de consummo, legitima a possibilidade de ser ella um

um lado, teremos uma parte mais próxima à Estação de modo a

centro industrial.”

favorecer a lojística, por outro teremos uma porção nossa mais

É de meu parecer que devemos aguardar ainda um pouco, face à

connectada à cidade e ao Mercado Municipal;

imminente possibilidade de sermos agraciados com essa benesse

3. É de nosso conhecimento que vos preoccupa o fornecimento da

governamental.

energia necessária, posto que a construcção da Usina Hidrelétrica

Att.

de Freitas pelo Engenheiro Chefe da Commissão Constructora

Vista parcial de Belo Horizonte. Ao fundo edifícios que abrigaram a Companhia Industrial de Belo Horizonte, popularmente conhecida como 104 tecidos. Acervo MHAB/Fundação Municipal de Cultura


32 | Francisco Dias Bicalho, approveitando uma queda d`água do

de Minas.

Ribeirão do Arrudas, pode não ser sufficiente para toda a nova

MEMORANDUM No. 012/1906

Data: 25 de julho de 1906

nos appresentada pela natureza. Mas se, por um lado, temmos a

| 33

De: Commissão de implantação da unidade fabril

immagem da natureza conphigurada pelo Arrudas, por outro temmos

demanda da cidade que surge. No entanto, é de nosso parecer que

Approveito esta missiva para saudar os illustrissimos senhores

A: Directoria

a bella cidade, umma especie de Paris dos trópicos, com umma viva

esta questão se encontra bem encaminhada não só pelo subsídio

Américo Teixeira Guimarães, Ignacio Magalhães e Manoel Gonçalves

Refferência: Construcção da Fabrica de Tecidos.

visinhança que atesta nosso grau de civillização representado

previsto no refferido contracto, mas também pelos recentes

de Souza Moreira, por sua grande vizão ao fundar nossa illibada

investimentos do Governo na construcção de uma nova Usina, a do

companhia.

Ficou muito bom o trabalho do Architecto Edgar Nascentes Coelho

O presente memorandum é, portanto, para trazer congratullações e

Rio das Pedras, locallizada no Municipio de Itabirito, às margens

Att.

para as nossas novas installações. Ao ver os dois grandes prédios

augurar os melhores votos de um futuro prospero.

do Rio das Velhas, atravez do Decreto n.º 1.833, d’este anno em curso;

finalmente edificados com toda a sua ellegância e sobriedade,

Saude e progresso.

4.

cada um com approximadamente 90 metros de comprimento por 30

Temos accompanhado a vida das fabricas recem implantadas

por hoteis, fabricas, caffés e bares.

na Capital e temos visto que não são appenas as productoras de

de largura, a occupar os dois lados da Avenida dos Andradas,

materiaes de construcção que appresentam successo. Em face da

perfeitamente adecquados a uma installação fabril, percebemmos

capacidade crescente do mercado representado pelos funccionarios

que não eram infundadas as nossas expectativas, affinal trata-se

publicos e a grande affluência de immigrantes, as manufacturas

de reconhecido profissional, inclusive na área industrial, por ter

tambem appresentam prognosticos de successo desde que não se

trabalhado na Commissão de Melhoramentos do Material do Exército

reallisem grandes investimentos em mecanização, utilisem materias

e no prolongamento da Estrada de Ferro Central do Brazil.

primas provenientes do setor primário e que sejam voltadas para o

Funccionalmente me parece bastante correta a opção de se separar

mercado local, embora haja perspectivas de conquistas de mercados

em duas plantas a secção de fiação e tecelagem em um edificio e

algures na medida em que melhor se estructurem a linha ferrea e

no outro a de tinturaria e estamparia. A experiência anterior de

outros meios auxiliares de transporte. A nossa posição estrategica

trabalho do architecto com o fabulloso José de Magalhães só o fez

ao lado da Estação Central em muito nos auxilia quanto a esse

addiccionar à excelência tecnica o appuro estético que faz com

intento, conforme nos mostra o bom exemplo de nosso visinho, o

que a nossa sede se appresente com toda a dignidade que merece,

Empório Industrial, installado pelo Sr. Antônio Teixeira Rodrigues,

em um bellíssimo ritmo de telhados e lanternins em sua porção

vulgo Conde de Santa Marinha;

superior, ritmo esse que se sustenta, na base, pela presença das

5.

amplas janelas verticais com vergas em arco e pela adesão dos

A concorrência em nosso ramo effectivamente existe, mas,

pelo menos em nosso entorno e dentro do perímetro da Avenida

pequenos corpos à fachada, parecendo contraffortes, mas que,

Dezassete de Dezembro, temmos uma gama variada de productos

ao contrário desses que só appresentam funcção estructural, os

differentes dos nossos, representada por pequenas fabricas de

de sua lavra também teem uma funcção utillitária. Alem disso,

carroças, artigos de vestuário, padarias, cerâmicas, fábricas

a presença da enorme chaminé faz com que nossa refferência se

de arreios, curtumes, thypographias, caldeirarias, funilarias,

espalhe a toda a urbis, revellando a nossa pujança industrial, tão

cervejarias, mas tudo isso só atesta a pujança da nova capital, não

característica e importante para os novos tempos progressistas

se constituindo em uma ammeaça aos nossos negócios;

d’este nascente século, marcado por desinvolvimento sem

6.

precedentes. Quando vemos as portentozas novas installações em

Parece-me fortemente ser intenção dos Governos o

estabellecimento de uma base fabril para fortalecer a economia

contraste ao Ribeirão do Arrudas, curso d’água correndo bem abaixo

local e garantir a Nova Capital como centro polarizador do Estado

da escarpada margem, rejubillamo-nos com a preponderância da racionallidade humana sobre a innóspita condição originalmente

Fotografia de um dos edifícios da Fábrica de Tecidos Companhia Industrial de Belo Horizonte demolido provavelmente nos anos 60/70. Na imagem o Ribeirão arrudas aparece em primeiro plano antes da canalização, e separava os dois edíficios da fábrica. Acervo MHAB/Fundação Municipal de Cultura


34 | MEMORANDUM No. 01/1909

Data: 23 de janeiro de 1909

MEMORANDUM No. 015/1910

Data: 22 de junho de 1910

MEMORANDUM No. 035/1916

Data: 01 de março de 1916

MEMORANDUM No. 047/1929

De: Gerência de producção

De: Gerência de producção

De: Gerência de producção

De: Gerência da fazenda

A: Directoria

A: Directoria

A: Directoria

A: Directoria

Refferência: Nova cisterna

Refferência: Considerações sobre o problema da energia

Refferência: Suspensão de subsidios e construcção de edícula

Referência: Novas possibillidades econômicas

electrica (faz.)

administrativa

Informamos o início da construcção da nova cisterna junto à

| 35

Data: 16 de outubro de 1929

Ressaltamos que os bons resultados financeiros obtidos nos

chaminé, segundo projeto do Architecto Luis Olivieri, a appenas um

É realmente preoccupante a situação de supprimento da energia

Conforme já havíamos addiantado à V. Sas., finalmente o governo

ultimos annos teem nos apresentado excellentes oportunidades de

anno do início de nossas operações. Reaffirmamos ser esta medida

elétrica em nossa capital. Tememos que a produção fique

municipal acena com a suspensão dos subsídios. Para tanto não

negócios, especialmente se considerarmos o acerto da aquisição

absolutamente necessaria para a continnuidade da operação de

comprommethida se a questão não for resolvida em prazo curto. A

concorrem appenas os itens annuídos em contracto, mas a atual

da Companhia Fabril Cachoeira Grande, em Pedro Leopoldo, o que

nossos cem teares e de nossa producção annual de 400.000 metros

Empresa de Electricidade e Viação Urbana de Minas Gerais tem nos

situação mundial que, em funcção da Guerra que assola a Europa,

tem nos garantido a producção de 5.200.000 metros de tecido cru,

de tecido, garantindo nossa liderança no ramo, em relação às

imposto frequentes interrupções de fornecimento de energia. Está

vem assistindo a um crescente declinio das exportações de

dos quaes quasi 3.000.000 resultantes de nossa planta em Bello

outras quatro empresas na capital, que já emprega cerca de

prevista para o proximo anno a construcção de umma usina a gás

productos agrícolas, base de nossa economia nacional, forçando,

Horizonte. Por tanto, parece-nos que as ampliações reallizadas

quatrocentos trabalhadores e um total de 270 teares. Conforme

pobre, a cargo da Companhia Brasileira de Electricidade Siemens

também, em nosso solo patrio, ao reccrudescimento de nossas

em 1925 e, especialmente, o salão recem-construido à esquina de Av.

havíammos sugerido anteriormente, embora se trate de construcção

Schuckertwerke, do Rio e fillial da Casa Siemens, de Berlim, a ser

actividades econômicas. Outrossim, o escoamento de nossa produção

Dezassete de Dezembro com Avenida dos Andradas (assim denominada

meramente utillitaria, derivada de necessidades funccionais,

montada em frente ao ediffício da actual Distribuidora, à Avenida

de 3.600.000 metros de tecidos acabados, resultado do trabalho

desde ontem!) se apresentaram como obras estratégicas. Sabemos

entendemos ser mistér à quadra de tempo em que vivemos, garantir

Affonso Pena, junto ao Parque Municipal, em frente ao Departamento

de nossos 220 empregados, parece não appresentar problemas,

que isto se deve à nossa competência empresarial, mas lembramos

a inseparabilidade entre gosto e funcção, de modo a garantir a

de Electricidade.

graças ao mercado cativo da nossa capital federal, o que nos faz

que a expansão do setor siderúrgico (Companhia Siderúrgica

competente formosura mesmo das edículas subsidiárias.

Att.

entender que não nos causa impacto financeiro significativo

Belgo-Mineira e outras) e de varias empresas do setor metalúrgico

a construcção de um novo escriptório à esquina da Avenida do

sediadas em nossa vizinhança, alliada à duplicação da Uzina

Canal e Rua dos Guaycurus, segundo bello projecto do Architecto

do Rio das Pedras (Uzina Mello Vianna), com a montagem do novo

Octaviano Lapertosa e que se appresenta mui necessário face

gerador de 2.200 kwatts, além da construção da estrada de rodagem

à exigüidade de nossos espaços administrativos (nossa área é

Bello Horizonte-Capital Federal facilitaram sobremaneira tal

inteiramente occupada e voltada para a producção) e à necessidade

conjunção. Espera-se que a nova ampliação em curso da referida

de appresentarmos um bello cartão de vizitas.

Uzina venha ainda a mui favorecer nosso successo emprezarial,

Att.

ainda mais com as alvissareiras expectativas com a execução dos

Att.

serviços pela Bond & Share, de indiscutivel idoneidade técnica e financeira, responsável pela operação desde o dia cinco próximo passado. Contudo tudo isso nos fornece umma lição importante, a de permanecermos atentos aos factores externos aos quais somos extremamente susceptíveis. Referimo-nos especialmente à famigerada Coluna Prestes e aos desdobramentos políticos que podem resultar da actual conjuntura politica do paiz. Att.


36 |

MEMORANDUM No. 038/1931

Data: 30 de maio de 1931

MEMORANDUM No. 058/1938

| 37

Data: 18 de novembro de 1938

De: Gerência administrativa

De: Gerência institucional

A: Diretoria

A: Directoria

Referência: Expansão necessária

Referência: Estratégia locacional

Segundo nossa avaliação financeira, consideramos excellente

Já não nos é mais possível manter nossa unidade fabril no

negócio a nova expansão de nossa Companhia, com a aquisição

centro da Capital, em virtude de seu crescimento. É de nossa

da Companhia Mineira de Fiação e Tecelagem, situada no Bairro

comprehensão que, tendo a nossa planta em Cachoeirinha, onde pode

Cachoeirinha, visto que esta dispõe de geração própria de energia

se concentrar nossa unidade fabril, com seus 22.528 fusos e 589

elétrica. Com esta aquisição, accreditamos superar nossa meta de

teares, não se justifica a nossa mudança para a Zona Industrial

produção anual total de 10.000.000 de metros de tecidos, com um

de Belo Horizonte, no Barro Preto, até mesmo porque a lei estadual

maquinário de 689 teares, considerando nossas três unidades. Neste

que criou a referida Zona ainda é muito recente, tendo apenas

momento, nossa indústria têxtil possui uma grande importância na

dois anos. É facto que a faixa de 150 metros compreendida entre

economia mineira, contando com 78 fábricas de fiação e tecelagem,

o Ribeirão Arrudas e as linhas da E.F. Central do Brasil e da

número que coloca a região de Minas Gerais em segundo lugar

Oeste de Minas é bastante estratégica e tem atraído para lá

dentre as regiões manufatureiras do Brasil (São Paulo conta com

muitas indústrias, mas entendemos que temos vida longa em

114 estabellecimentos desse tipo).

nossa capacidade já instalada, sendo dispensada uma vizinhança

Att

industrial, mesmo porque indústrias veem sendo estabelecidas em todo o território municipal, como atesta a recém inaugurada Companhia Renascença Industrial, com cerca de mil empregados, no bairro de mesmo nome. Da mesma maneira, entendemos que as recentes ampliações se mostraram amplamente justificadas, especialmente se as consideramos como conseqüências naturais e necessárias de adaptação de nossa planta na região central da cidade para as atividades administrativas e de distribuição. Apesar de já termos passado pela ampliação de 1932, junto à Avenida dos Andradas, aquela então necessária a suprir a nossa crônica falta de espaços de produção, entendemos serem necessárias as obras do segundo piso junto à Rua dos Guaycurus, no presente anno, em função da reorientação de nossas atividades alí.


38 |

| 39

Informamos ainda que nos associamos à recém criada Federação

MEMORANDUM No. 023/1943

das Indústrias de Minas Gerais, FIEMG. A nossa presença

De: Gerência institucional

De: Gerência de produção

De: Gerência de vendas

nessa Federação se faz muito importante, pois entendemos que

A: Diretoria

A: Diretoria

A: Diretoria

representamos o setor têxtil na Capital o qual precisa se

Referência: Revisão de estratégia locacional (faz.)

Referência: restabelecimento da produção

Referência: Inauguração de loja

Embora recentemente tenhamos realizado investimentos com a

Finalmente as limitações no fornecimento de energia elétrica, que

Cumprimentamos a decisão da Diretoria quanto à adoção do nome

instalação de um elevador em nossa porção leste, segundo risco do

se apresentavam como um gargalo para nossa crescente produção,

fantasia “104 Tecidos” para o nosso braço comercial e, por isto,

Arquitecto Romeo de Paoli, sugerimos a essa Diretoria considerar

parecem ter sido solucionadas graças à construção da Usina

sugerimos reavaliarmos as peças publicitárias produzidas com

firmemente a possibilidade de transferência de parte de nossa

Hidrelétrica Coronel Américo Teixeira, em Santana do Riacho. Essa

o nome de União Distribuidora de Tecidos que, embora reflitam o

unidade fabril para a localidade de Ferrugem, Município de Betim,

usina vem atender tanto a unidade de Belo Horizonte quanto a de

nosso novo potencial resultante da aquisição de várias outras

na Cidade Industrial criada pelo Governo do Estado há exatos

Pedro Leopoldo, permitindo a ampliação e a modernização de nossas

empresas, só deve ser utilizado em campanhas publicitárias de

dois annos. Embora a “Cidade” ainda não tenha se consolidado, os

fábricas. Os métodos de produção serão aprimorados, assim como a

maior alcance. Na oportunidade, informamos o início da operação

investimentos realizados foram de vulto, representados não só

nossa capacidade, gerando produtos melhores e mais bem acabados.

das atividades de varejo na parte da fábrica voltada para a

pela desapropriação dos 770 hectares, pelas obras urbanísticas

Att.

Avenida do Contorno. Embora o nome 104 esteja relacionado ao

Data: 20 de março de 1943

MEMORANDUM No. 045/1952

Data: 20 de dezembro de 1952

MEMORANDUM No. 015/1958

Data: 12 de março de 1958

reforçar por aqui para equilibrar-se aos interesses da indústria metalúrgica.

no loteamento e pela facilitação de seu acesso através do desvio

nosso endereço à Rua da Bahia e à Praça, isto não vem perturbar

das linhas férreas, mas também pela implantação da Usina de

a decisão sobre a nova localização, posto que a cidade já conhece

Gafanhoto, no Rio Pará. Como medida de incentivo, o Governo acena

todo o nosso prédio como uma única empresa. A obra necessária a

com um arrendamento dos lotes industriais, condicionando sua

tal funcionamento está em fase final e, embora criticada por não

posse definitiva à conclusão das obras edilícias em acordo

seguir o apuro estético das construções anteriores, é o que se

de prazos. Lembramos que não é descabida essa oportunidade,

pode realizar no curto prazo que dispomos, enquanto aguardamos

especialmente se considerarmos que, apesar das expectativas

definições sobre possível transferência da unidade fabril.

de redução econômica em função da guerra na Europa, o que se

Lembramos que o país passa por transformações profundas e que

verificou na prática foi a ampliação da exportação de tecidos e do

o binômio “energia e transporte” do Presidente Juscelino, que já

consumo interno, o que também se refletiu na melhoria dos preços

gerou por aqui a CEMIG, em 1952, e possibilitou a instalação da

dos produtos acabados.

Companhia Siderúrgica Mannesmann no Barreiro, foi exportado

Att.

para o nível nacional e se consubstancia na construção de nova capital federal. Urgente se torna, portanto, uma avaliação com relação ao nosso futuro.


40 |

MEMORANDUM No. 005/1968

Data: 12 de abril de 1968

MEMORANDUM No. 044/1983

Data: 09 de maio de 1983

MEMORANDUM No. 013/1995

Data: 10 de maio de 1995

MEMORANDUM No. 002/1997

| 41

Data: 10 de fevereiro de 1997

De: Gerência de produção

De: Gerência de vendas

De: Gerência administrativa

De: Grupo de assessoria estratégica

A: Diretoria

A: Diretoria

A: Diretoria

A: Diretoria

Referência: Transferência

Referência: Grande Loja

Referência: Concordata

Referência: alternativa

A permanência de nossa administração no Centro da Capital já

Passado o nosso pique produtivo de 36.500.000 metros de tecidos

Acreditamos não ser mais possível o adiamento de nosso pedido de

Estamos encaminhando à Gerência de Patrimônio Histórico da

não faz mais sentido, especialmente se considerarmos que ela,

em 1976 e, nesse mesmo ano, a aquisição da Fiação Brasileira

falência. Informamos que devemos encaminhá-lo, no mais tardar, no

Prefeitura de Belo Horizonte o estudo arquitetônico preparado

na prática, produz um divórcio com a gerência de produção. A

de Algodão-FIBRAL, em Pará de Minas, com vistas à exportação

próximo mês de junho.

pelo Arquiteto Lizandro Melo Franco que prevê a reutilização do

demolição de nossa edificação mais perto da Estação já há muito

e, mesmo ostentando em letras garrafais na nossa fachada da

Com pesar,

espaço interno do edifício situado à Praça Rui Barbosa, 104, para

se fazia razoável, não havendo sentido sua permanência na

Rua Guaicurus o nosso nome “União Brasileira de Tecidos S/A”

Att.

a instalação de lojas comerciais, transformando-o em um pequeno

perspectiva de avanço de nosso conglomerado de unidades.

como estratégia de sustentação do comércio de atacado e varejo

centro comercial. Entendemos que esta é a única alternativa

que aqui se realiza, temos indícios que se aproxima um momento

econômica viável para a edificação, posto que, sendo tombada

de crise. Apesar de nosso lastro histórico, a atual estagnação

pelo Patrimônio Histórico Estadual e Federal, não nos resta

econômica do país nos afeta sensivelmente. A nossa imponente

possibilidade de sua demolição. Mesmo que esta possibilidade

chaminé, outrora símbolo do progresso, é agora condenada como

existisse, a limitação em doze metros de qualquer edificação no

símbolo de poluição, em um local decadente como é a Praça da

conjunto da Praça imposta pelo IEPHA justificaria a permanência

Estação.

do volume arquitetônico que temos.

Não sabemos como as alterações de operação de transportes

O Processo pode ser acompanhado na GePH através da Pasta 00436.

previstas para nossa vizinhança nos afetarão. Ao mesmo tempo,

Trata-se de intervenção considerada a princípio respeitosa

há rumores de que a sociedade civil está se organizando em

por manter a volumetria das partes que compõem o edifício, por

defesa da praça, mas parece não haver recursos públicos para

recuperar vãos e ornatos e por considerar todas as intervenções

reverter, em curto prazo, a situação de abandono e confusão em

não descaracterizantes realizadas anteriormente. Parece-nos

torno de nós.

especialmente importante para o Patrimônio o fato de que a proposta preserva a imagem do grande edifício da praça, com características industriais, reforçando a leitura do lugar, onde, pela proximidade com a estação, se instalaram, ao longo da história, vários edifícios industriais na cidade. Visita à obras na Praça Rui Barbosa, Prefeito de Belo Horizonte Oswaldo Pieruccetti. Ao fundo o prédio da União Brasileira Distribuidora de Tecidos, 1965. Acervo MHAB/Fundação Municipal de Cultura

Temos boas expectativas quanto à aprovação do projeto pelo Patrimônio e esta pode ser uma alternativa viável para nosso patrimônio, agora sob a égide de nossa nova organização, o Instituto Libertas de Educação e Cultura.


42 | Companhia Industrial Belo Horizonte 104 Projeto de Restauro do prédio que abriga o CentoeQuatro, sede do Instituto Antônio Mourão Guimarães - IAMG, visa a revalorização do edifício de grande importância no contexto histórico e arquitetônico de Belo Horizonte,

Outros galpões industriais ao longo do Arrudas ainda existentes:

Ficha Técnica Endereço: Praça Rui Barbosa, 104 Data da Construção: 1906 Arquiteto: Edgard Nascentes Coelho Tombamentos: Estadual (1988) e municipal (1998)

| 43

• Avenida dos Andradas, 555 (década de 20) • Avenida dos Andradas, 737 (1938) • Avenida dos Andradas, 767 • Avenida dos Andradas, 875 • Avenida dos Andradas, 887/881 • Avenida dos Andradas, 917/1005 • Avenida dos Andradas, 1145 • Avenida dos Andradas, 841 •Avenida Assis Chateaubriand, 713/719/729 O CentoeQuatro surge com as portas abertas à ocupação artística, ao debate e à formação. No espaço, entram em foco a geração de conteúdo interdisciplinar, a difusão da arte e a democratização do acesso ao conhecimento e aos bens culturais. Mutável e multiuso, o CentoeQuatro é, ao mesmo tempo, café, cinema e galeria. Assume uma programação de duas vias, com projetos próprios e intervenções propostas por organizações, coletivos e indivíduos comprometidos com a cultura e com a produção artístico-intelectual. Sede do Instituto Antônio Mourão Guimarães – IAMG, o CentoeQuatro defende a arte e a educação como ferramentas para o desenvolvimento social. O espaço está instalado num prédio tombado que integra o Conjunto Arquitetônico da Praça da Estação, área priorizada pelo projeto de revitalização do centro da cidade. Por sua localização privilegiada, se apresenta como ponto de convergência cultural no hipercentro – terreno livre para a criação e acesso à cultura. Ponto de confluência na área por onde hoje circulam cerca de 150 mil pessoas por dia, o CentoeQuatro é inaugurado no prédio centenário em 2009. Foco de ocupação e produção artística, o edifício sinaliza uma retomada da função simbólica da Praça da Estação – conectar Belo Horizonte com o resto do mundo.

Vista da entrada do CentoeQuatro. Eixo Central - Multiuso. Foto:


44 | Estátuas da Praça (1900 - 1924)

Estátuas da Praça (1900 - 1924)

| 45 H E R M A D O L A G O 1 (a de jarro no busto, intervindo de dentro do Museu de Artes e Ofícios)

(um dia de outono qualquer, em um ano incerto, talvez 2010. O dia está amanhecendo e se vê um horizonte com alguns raios de sol vencendo a barreira das nuvens e atingindo as estátuas, uma após a outra, lentamente. Todas são réplicas, as originais foram substituídas

homens tenham a ilusão de que possamos alcançar a eternidade. São tolos o bastante para não perceber que não é bem assim, e continuam insistindo nessa bobagem de preservação. Uma réplica é preservação? Mudar de

durante as obras de 1963. Funcionam como médiuns dos originais, cada um em outro lugar,

Imaginem então o meu caso, presa em nicho, dentro de uma sala, eu que fui

lugar é preservar? Não sei mais onde está meu espírito, se ele aqui está

mas cujo espírito também habita a praça, através de suas réplicas)

concebida para ficar junto à água, que só tenho propósito de existir se vejo

ou se ele habita a cópia. Não sei como ficaram os espíritos de tantos que

meu reflexo no espelho que ela gentilmente cria para eu me mirar. Embora

mudaram de lugar, os bustos dos fundadores que já estiveram na Praça

a água exista para celebrar o fluxo, é só quando a minha imagem se faz nela

Sete e agora estão no Parque Municipal, o Pirulito que já passeou pela

VERÃO (falando dos jardins do Palácio da Liberdade, para onde foi transferido)

silente e estática que ela ganha vida e se constitui em inusitado movimento,

Savassi, ou mesmo a Anita Garibaldi que, apesar de nada ter a ver conosco

aquele que acontece em nossa interação. Ela, em espelho contido pelas

nesta Praça, foi também para o Parque. E o tolo do homem ainda acredita

Hoje sinto saudades do tempo em que habitava a Estação. Há alguns anos atrás não sentia

bordas, e eu, sobre pétreo pedestal, ambas nos apresentamos serenas.

que nós somos seres fixos e inanimados, que as obras de arte permanecem

tanto, pois me aprazia ficar perto do poder. Pensava ser esta uma posição mais nobre, em

Mas a vida que flui entre nós, eu afeita à sua umidade que me revigora e

e se conservam, que a vida pode ser imutável: nem nós, condenados a

ponto alto da cidade, todos os dias vendo os governadores em sucessão e os burocratas

ela vendo-me em si própria, leva-nos a outro nível de existência, ao qual só

permanecer imóveis, somos, portanto, imutáveis.

cruzando a praça com ares preocupados ou em completa desatenção. Lá, eu estava nos

se tem acesso pelo completo silêncio e pela ausência de movimento. Mas,

baixios da cidade, inundação após inundação, gente de todo o tipo percorrendo a praça.

por favor, não tomem isto, de forma alguma, como introspecção, coisa que

Aqui, ou são os funcionários públicos ou gente mais tranquila, simplesmente a passear ou a

ocorre com os humanos quando pensam alcançar este estado.

HERMAS DO JARDIM (Coro)

fazer seus exercícios físicos. O frio em minh’alma, tão constante, e que parecia ter deixado O U T O N O (à espera de ser relocada, guardada no IEPHA-MG)

de existir - afinal celebro o calor - volta a me incomodar.

I N V E R N O (respondendo de dentro do Museu de Artes e Ofícios, para onde foi transferido) Melhor sua sina que a minha, ó Verão. Daqui onde estou vejo muita gente, mas não estou ao ar livre, no meio da praça, solto às viragens do tempo, como é de meu gosto. Aprecio sentir o vento e o orvalho, e deles só tenho notícias e contatos indiretos através de minha réplica que por lá está e que, por sua condição, não tem tanta sensibilidade nem canais para perceber os fluidos da vida com tanta intensidade. Réplicas são a imitação da arte que, por sua vez, são a imitação das pessoas e coisas que, por sua vez, são a imitação do belo mundo ideal e perfeito. Se a cada descida na escala da vida perdemos um pouco de nossa capacidade de percepção e de nos emocionar, avaliem só o que posso obter através de meu avatar no meio das ruas, quase um mocho, mutilado que é por sua fatura de cópia.

Ó, irmãos que ousam desafiar o tempo, existindo mais que as vidas dos homens, triste é vossa sina, porque nem sendo de pedra conseguem sobreviver sempre no mesmo estado!

Silêncio... O U T O N O (à espera de ser relocada, guardada no IEPHA-MG)

L E Ã O 1 (respondendo de dentro do Zoológico Municipal, para onde foi transferido em 1963)

Silêncio... Meu rugido ficou ainda mais rouco daqui onde estou. Já não assusto mais as pessoas, apesar de minha aparência bravia e ameaçadora. Não consigo, daqui e aqui, manter meu frescor de fera, contradição só explicada pela

L E Ã O 2 (argumentando de dentro do Zoológico Municipal, para onde foi transferido em 1963)

possibilidade aberta por insípida réplica. É que os homens não nos veem como imitação, como disse o Inverno, mas L E Ã O 2 (replicando de dentro do Zoológico Municipal, para onde foi transferido em 1963)

como se houvéssemos, por milagre, brotado do chão. Eles têm uma ideia anímica da arte, acreditam em seus poderes metafísicos e não que sejamos apenas o que somos, seres que existem de outra maneira. Pensam que

Calma, amigo, estou por aqui também, mas tento seguir minha vida da forma

os deuses querem falar por nosso intermédio, como se, por brincadeira,

que der. Não somos eternos nem em matéria, nem em espaço, embora os

tivessem transmutado nosso mármore em matéria viva. Nem o escultor


46 | Estátuas da Praça (1900 - 1924) Folini, que nos moldou, que nos libertou do bloco inerte de pedra que foi

| 47 De novo esta bobagem de eternidade!

nossa fonte, conseguiu compreender nossa autonomia não metafísica, a

para onde foi transferido)

H E R M A D O L A G O 2 (a de jarro na cabeça, completando de dentro do Museu de Artes e Ofícios)

nossa voz que é própria e não de supostos deuses. Talvez o momento de nossa gênese, o mágico momento em que surgimos do cinzel, seja aquele que traz esta ilusão do divino ao artista... ou talvez seja a nossa perfeição que a perpetue aos que nos olham.

V E R Ã O (completando dos jardins do Palácio da Liberdade,

...de que os homens precisam ser sempre lembrados. O U T O N O (à espera de ser relocada, guardada no IEPHA-MG)

HERMAS DO JARDIM (Coro)

o jardim da praça Rui Barbosa, está sendo feito este jardim vagarosamente, com jardineiros medíocres e, assim mesmo, tirados de outros jardins, pois não há jardineiros na cidade. Pensa esta seção em fazer vir de fora um

Sim! O Coreto construído nessa época trazia muita alegria à cidade, quando

jardineiro hábil, que será contratado pelo tempo necessário à conclusão

ali se apresentava a banda do IIº Batalhão em suas retretas. O povo gostava

deste jardim. Os outros jardins da cidade têm sido zelosamente tratados,

tanto delas que, um ano depois de sua construção, logo foram instaladas

causando a todos boa impressão”.

novas lâmpadas junto a ele.

I N V E R N O (falando de dentro do Museu de Artes e Ofícios,

para onde foi transferido) Ó, irmãos que ousam desafiar o espaço, existindo em mais de um lugar, triste é vossa sina, porque nem sob a ilusão de serem vários conseguem

V E R Ã O (respondendo dos jardins do Palácio da Liberdade,

sobreviver às idiossincrasias do tempo! I N V E R N O (respondendo de dentro do Museu de Artes e

Ofícios, para onde foi transferido)

Eu que fui o único varão humano desta praça, penso que posso dar um depoimento mais racional, desprovido de tanta emotividade. Somos o que somos, pronto. Viemos com uma única função e nisto se resume nossa existência. Se não houvesse a grande reforma da Praça em 1924, não

para onde foi transferido)

Tempo servil, esta é uma boa conjunção de ideias. Nossos jardins, embora contratados pela Prefeitura em 1900, foram criados em 1904 como uma réplica da natureza, e desde então servem para embelezar a vida. Se decaem, como é natural entre os seres vergeis, logo há um jardineiro hábil para fazê-los renascer, nem que seja sob outras formas, como aconteceu em 1924.

existiríamos, e se existimos desde então é só por nossa função de adorno,

I N V E R N O (contrapondo de dentro do Museu de Artes e

secundária, portanto. H E R M A D O L A G O 2 (a de jarro na cabeça, contestando de dentro do Museu de Artes e Ofícios) Meu porte altivo não pode concordar com isso. Sou a síntese de que servir é atitude maior. Se trago o jarro sobre minha cabeça é para lembrar a todos como é nobre servir. Não vejo isto como uma função menor, mas um eterno sinal...

T I G R E 1 (respondendo da loggia do Museu de Artes e Ofícios)

Silêncio...

Ofícios, para onde foi transferido)

Com a devida vênia, meu caro e otimista Verão, o que decai são os gostos e não os jardins. Permita-me temperar seu ufanismo com a visão desiludida de quem se encontra no momento onde as coisas declinam. Eram belos os jardins dos dois lados do rio Arrudas, como era bela a fonte no canteiro entre a Rua Caetés e a Avenida do Comércio ou o coreto do canteiro entre esta avenida e a Rua Guaicurus. Por esta época, eram assim - tão naturais! - os jardins do Parque Municipal e da Praça da Liberdade. Tanto que foram inaugurados com muito orgulho pelo Prefeito Antônio Carlos Ribeiro de

T I G R E 1 (replicando da loggia do Museu de Artes e Ofícios)

Andrada em 4 de setembro de 1906, quando eu já contava seis anos de idade.

De fato, por essa época, Belo Horizonte se considerava nobilíssima, talvez

Belo Horizonte, a Tediópolis, tinha que ter alguma diversão! Mas o que o

pelo excesso de tanta influência francesa, de tanto positivismo. Aarão

povo gostava mesmo era de ver a chegada e partida dos trens e dos que

Reis, o pai da cidade, estudara na França o neoclássico e trouxera de lá

neles iam e vinham!

o gosto civilizado do qual nossos palácios são filhos, apesar de por aqui serem apenas miniaturas e arremedos daqueles da Cidade Luz. Mesmo o

P R I M A V E R A (falando dos jardins do Palácio da Liberdade,

para onde foi transferida)

déco, também de mesma origem e que já começava a despontar por aqui, fazia coro com a literatura de vanguarda - novamente os franceses – e reafirmava sua chegada no mesmo ano e, no mesmo trem que trouxe os

Deixemos de sons e luzes e voltemos à questão da beleza dos jardins.

Andrade paulistas Mário e Oswald. O coro se fazia ainda mais forte através

De plantas e cores entendo eu. Permitam-me dizer que as flores ficam

da gastronomia à moda francesa - Et bien! Je vous demande un toutou! - e

mais belas quando emolduradas pela mão do homem e foi exatamente isso

até mesmo com o concreto armado que viria substituir nossa Versalhes de

o que ocorreu em 1924, até mesmo porque nos anos que antecederam

estuque e que também era francês!

essa grande reforma, os jardins estavam abandonados; o gramado havia desaparecido e os canteiros se achavam cobertos de capim. Fez muito bem o prefeito Flávio dos Santos, seguindo a onda das mudanças na velha “Nova

T I G R E 2 (confirmando, da loggia do Museu de Artes e Ofícios)

Capital”, em fazer a reforma. Só não sei se concordo muito com a derrubada das velhas árvores, mas afinal diziam que elas enfeavam o local...

Voilá! C’est si bon!

H E R M A D O L A G O 2 (a de jarro na cabeça, concordando de dentro do Museu de Artes e Ofícios)

T I G R E 1 (respondendo da loggia do Museu de Artes e Ofícios)

É... tudo isso deve estar certo, pois me lembro bem das palavras do

Em 1924, Belo Horizonte ainda vivia a euforia da chegada dos reis belgas,

Prefeito, dizendo que “apesar da falta de um jardineiro competente e

quatro anos antes e que viria reafirmar nossa filiação européia.

capaz, portanto, de executar rigorosa e inteligentemente um projeto como


48 | Estátuas da Praça (1900 - 1924)

| 49

H E R M A D O L A G O 1 (a de jarro no busto, completando de

P R I M A V E R A (falando dos jardins do Palácio da Liberdade,

Lembro-me dos reis belgas chegando na Estação em vagão especialmente

É verdade, eu e meus companheiros (só andamos em grupo de quatro)

Mas o melhor veio em 1936! Graças ao governador Benedito Valadares,

reservado para a nobreza, tudo tão cuidado, tão lindo!

vivemos juntamente com vocês os mesmos ares inaugurais da nova praça!

surgiu a gloriosa fonte luminosa Independência, projetada por Antônio

Os jardins apresentavam magníficos contornos valorizados pelas roseiras e

Corrêa Beraldo e que funcionava regularmente aos domingos. O poeta

hortênsias em todo o seu esplendor! Esplendor de cores e formas! Beleza

Drummond a cantou muito bem: (...) a música dos bares se espalha pela

por todo lado!

avenida Amazonas, desce a rua dos Caetés e vai morrer na praça Rui

dentro do Museu de Artes e Ofícios)

HERMAS DO JARDIM (Coro) Vaidade! Tudo é vaidade!

V E R Ã O (respondendo dos jardins do Palácio da Liberdade, para onde foi transferido)

Belo Horizonte tinha o impulso e a impetuosidade da juventude, 27 anos apenas, um quase nada para uma cidade, e se mirava aonde a novidade era mais intensa. Acabáramos de reformar a Praça da Liberdade, substituindo o seu tosco desenho saudosista e canhestramente “natural” por um belo projeto onde a natureza fora domesticada, fontes e canteiros se fizeram caprichosamente geométricos, eixos longos a propor perspectivas solenes... Por que não faríamos o mesmo com a nossa primeira praça, ainda mais que, como grande largo que passou a ser, já não se constituía propriamente em uma praça? T I G R E 2 (respondendo da loggia do Museu de Artes e Ofícios)

Chegamos juntos em 1924, mas nossa origem é Carrara, Itália!

H E R M A D O L A G O 2 (a de jarro na cabeça, falando de dentro do Museu de Artes e Ofícios)

Pois eu e minha irmã já estávamos por aqui em 1920!

T I G R E 2 (respondendo da loggia do Museu de Artes e

para onde foi transferida)

V E R Ã O (falando dos jardins do Palácio da Liberdade, para onde foi transferido)

P R I M A V E R A (falando dos jardins do Palácio da Liberdade,

Ofícios)

para onde foi transferida)

E eu fui daqui expulsa em 1969...

T I G R E 1 (respondendo da loggia do Museu de Artes e Ofícios)

Barbosa, onde uma última vitrola congrega todas as noites o mesmo

Qual é o problema de ser removida? Aposto que a Anita Garibaldi, que

público de costas para o jardim. Jardim em que um murmúrio vago de água

veio para cá em 1912 e se mudou para o Parque em 1926, está muito

pulando dos repuxos se parte em bolhas minúsculas sobre os peixinhos

satisfeita por lá. Talvez só o Dr. Fausto Ferraz e seu grupo de patriotas que

vermelhos.

a trouxeram para cá é que não tenham gostado muito disso.

Foi mesmo em 1924 que os jardins foram remodelados, segundo projeto

T I G R E 1 (respondendo da loggia do Museu de Artes e Ofícios)

paisagístico do arquiteto e desenhista Magno de Carvalho. Foi esta a ocasião em que foram instalados os jardins em estilo francês, com seus

H E R M A S D O J A R D I M ( C o r o ) (falando dos

jardins do Palácio da Liberdade, para onde foi transferido)

característicos canteiros geométricos e sua vegetação baixa aparada em cuidadosa topiaria circundando dois espelhos d’água, as duas pérgolas,

Mas nos anos 1990 ela virou uma espécie de jardim suspenso decadente,

além do coreto para retretas e da bela balaustrada da Avenida do Canal.

ornamentada pelo capim “tiririca” e ervas daninhas, circundada por passeios

O calçamento dos passeios externos foi feito em mosaico português,

cheios de poças d’água, bancos e coreto estragados, nem sei como os

que estreava por aqui, e o da área interna, de macadame betuminoso,

lambe-lambes sobreviveram, sem o cenário de fundo de suas fotos.

Não importam os homens. Sic transit gloria mundi!

T I G R E 2 (falando da loggia do Museu de Artes e Ofícios)

conservando-se o grande largo junto ao prédio da Estação.

I N V E R N O (contrapondo, de dentro do Museu de Artes e

P R I M A V E R A (completando, dos jardins do Palácio da

Ofícios, para onde foi transferido)

Liberdade, para onde foi transferida)

Tanto fizeram pela Praça de um lado do Arrudas, mas do outro, nada! Restou o grande vazio do largo em frente à Estação. À espera de quê, meu Deus?!

É que nas obras de duplicação da Avenida do Canal, digo Andradas, em Graças aos bons espíritos, as flores só foram prosperando. Nos anos

1963, só se preocuparam com os carros e lançaram os jardins no limbo do

1930, nos nossos sete mil metros de extensão, nos nossos dois canteiros,

tempo. Foi quando fui exilado daqui, junto com os leões e o Outono. Este,

contávamos com 250 roseiras, lírios, margaridas, gerânios, azaléias e árvores

coitado, de tão desconsolado, vagou errante pela cidade.

HERMAS DO JARDIM (Coro)

A existência é um grande vazio! Um imenso vazio!

desabrochando em explosão de cores, ao lado de árvores imponentes como

O U T O N O (à espera de ser relocada, guardada no IEPHA-MG)

palmeiras imperiais e escumilhas, tudo sempre cuidado com muito esmero pelas autoridades. Tanto que, no começo dessa década, o prefeito Luiz

I N V E R N O (respondendo de dentro do Museu de Artes e Ofícios, para onde foi transferido)

Barbosa Gonçalves Pena empreendeu mais uma remodelação por aqui. Silêncio...

À espera, talvez, de um momento de ainda maior grandeza. De um momento


50 | Estátuas da Praça (1900 - 1924)

CRONOLOGIA DAS REFORMAS DA PRAÇA sublime onde, finalmente, a nova capital estivesse pronta em todo o seu

1904 - Criação dos primeiros jardins.

esplendor, o qual já se prenunciava e se anunciava naquela pequena porção

1924 - Implantação do novo ajardinamento, de autoria de Magno de Carvalho.

da Praça.

1930 - Implantação da estátua Monumento á Civilização Mineira.

T I G R E 1 (argumentando, da loggia do Museu de Artes e

Ofícios)

As cidades nunca ficam prontas... A duplicação da Avenida dos Andradas em 1963, que nos removeu a todos, nos mostra isso.

T I G R E 2 (respondendo da loggia do Museu de Artes e Ofícios)

E a nova duplicação de 2007 também, sepultando o Arrudas...

O U T O N O (à espera de ser relocada, guardada no IEPHA-MG)

Silêncio...

Vista da Praça da Estação, que foi denominada Praça Cristiano Otoni e implantada em 1895. A partir de 1923 passou a ser denominada Praça Ruy Barbosa. Em primeiro plano vemos os jardins da praça e as estátuas que ali ficavam. 1940/1943. Acervo MHAB/Fundação Municipal de Cultura

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1936 - Inauguração da fonte luminosa Independência. 1963 - Redução do perímetro da Praça para duplicação do canal do Arrudas. 2004 - Requalificação da Praça da Estação com implantação da nova pavimentação, das torres de iluminação e dos repuxos na porção da praça mais próxima ao prédio da Estação. 2007 - Implantação do Boulevard Arrudas e restauração da praça.


52 | Escola de Engenharia UFMG (1906, 1921, 1959)

Escola de Engenharia

UFMG

(1906, 1921, 1959)

| 53

P

ela História nosss tornamosss um. A História tem esse poder, o de amalgamar seres

subúrbios, quiçá cidades novamente, tudo isso em pouco mais de 60 anos,

que, embora nascidos em diferentes datas, acabam fixados como personagem único.

vírus louco esse!

Para a História, somosss a Escola de Engenharia da UFMG e, embora hoje a Escola

nem esteja mais aqui, parece que continuamosss a sê-la até que o futuro esmaeça a nossa personalidade – e ainda dizem que é o passado, através de sua distância sempre crescente, que faz os seres desbotarem... Nascemosss em 1906, respectivamente como Grande Hotel, depois Escola Livre de Engenharia, em 1921, como Instituto de Química e, em 1959, como Escola de Engenharia, mas nosss unimosss desde 1911 na forma de Escola de Engenharia da UFMG até que nosss desagregássemosss novamente em Centro Cultural da UFMG (1989), Museu da Engenharia (1993) e em futuro Tribunal de Justiça, mas continuamosss sendo um, até que a vida nosss separe.

1906

Sala de Aula do primeiro prédio da Escola de Engenharia. Belo Horizonte, s/d. Acervo Escola de Engenharia/UFMG Foto da atual Estação do BRT

Em 1906, no entanto, enquanto o Mercado ainda existia, Caetés, Santos Dumont e Guaicurus partiam da Estação em direção a ele, espalhando cargas, comércio e serviços pelos caminhos. Tudo como previra Aarão Reis,

1921

embora de início alguns quiosques na Praça tivessem que ser autorizados, como o primeiro, de Manoel Rodrigues Cabral e o segundo, de Antônio Souza Dias, autorizado pela Prefeitura em 1898. Em Caetés espalharam tão bem o comércio popular que até hoje lá estão uma diversidade de lojas

Somosss a porta dos três caminhos que, partindo da Estação, levavam Belo Horizonte ao

e trocas que nosss encanta por sua variedade e preço. É a rua adornada

Mercado Municipal e hoje une os trens aos ônibus, por estas estranhas mutações urbanas

pelas mercadorias, única e fugaz fronteira entre quem passa e quem

que transformam mercados em rodoviárias, mas que não conseguem separá-los: não há

vende, adorno vivo em cores e transmutações. Em Santos Dumont, nome

estação sem comércio e, se o mercado não se aninha nas estações, ele transborda pelas

inadequado que esconde o verdadeiro, Avenida do Commercio (não nosss

ruas ao longo de seus percursos, oferecendo comércio e serviços de toda ordem. Mas não

consta que Santos Dumont tenha comercializado qualquer coisa, nem o

deixa de serem muito curiosas as rápidas mutações causadas pelo vírus homem que fez

avião), espalhou-se, também, a atividade de compra e venda e instalou-se,

com que os trens que ligavam cidades passassem a ligar subúrbios e depois a ligar bairros,

como não podia deixar de ser, a gloriosa Junta Comercial. Hoje a rua virou

transferindo para a Rodoviária a tarefa de ligar cidades, a qual agora vai deixar de ligar

estação de ônibus urbanos, virótica consequência, pleonasmo urbano.

cidades para ligar bairros, enquanto se discute a possibilidade de trens voltarem a ligar

Em Guaicurus, logo instalaram-se os atacadistas, próximos das cargas que

1959


54 | Escola de Engenharia UFMG (1906, 1921, 1959)

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chegavam, e as putas, serviço indispensável para quem chega à cidade

apenas da então Escola Livre de Engenharia de Belo Horizonte, filha da

ainda sem saber direito das coisas, para quem parte sem saber direito

Sociedade Mineira de Agricultura, mas também pela presença da Junta

sobre o futuro, para quem espera, porque há que se preencher o tempo de

Comercial e do Registro Militar do Ministério da Guerra, instituições que

alguma forma ou para quem simplesmente mora e sabe das fundamentais

também abrigávamosss. Só em 1913 nosss tornamosss inteiramente Escola

referências urbanas. Em Guaicurus, viveu e trabalhou a gloriosa Hilda

de Engenharia e, em 1927, com a Fundação da Universidade Federal de

Furacão, que víamosss passar com a indisfarçável inveja de não sermosss

Minas Gerais, cumprimosss nosso destino acadêmico até depois de 1989,

humanos, mas apenas imóveis contumazes frequentadores da rua. Os

quando nosss tornamosss o Centro Cultural da Universidade.

cabarés desde sempre viriam a se constituir como alternativa de lazer na

Em 1906 fomosss inauguradosss junto com os novos jardins da Praça, e

região desde a demolição do Teatro Provisório Variedades, de propriedade

foi um momento mágico, pois, além das 250 espécies de roseiras que a

de Paulino da Fonseca, que se localizava na Avenida do Comércio e que lá

embelezavam e de seu coreto com suas retretas, começaram a surgir – e dar

funcionou entre 1899 e 1900.

certo – novos hotéis e pensões na vizinhança. Apesar de, no mesmo ano,

Antes de 1906 ainda éramosss, em feições mais modestas, o fracassado

ter ocorrido a inauguração do duvidoso prédio da Companhia Industrial

Hotel Antunes, depois, nesse ano, com bela roupagem, passamosss a sediar

de Belo Horizonte, destinado a uma fábrica de tecidos, as melhorias

o Quartel do 2º Batalhão da Brigada Policial, mas nada disso mudava

vieram atenuar a paisagem marcada pelos galpões e armazéns que, como

nosso congelado destino ou nosso ardente desejo. Em 1911, com o choque

uma praga, proliferavam ao lado da Estação, como seria natural, mas não

causado pela instalação do Instituto de Eletrotécnica e, com a idade, nosss

desejável, para o então cartão postal da nova capital.

tornamos vetustos, assentadosss com firmeza na esquina de Avenida do

Na década seguinte, ainda havia vários lotes vagos por aqui. A Escola Livre

Comércio e rua da Bahia. Por essa época, nossa respeitabilidade não vinha

de Engenharia já vinha se tornando uma realidade cada vez mais intensa. Lembramo-nosss bem da persistência do Baeta Neves e do Demóstenes Rache que tanto fizeram para que ela se tornasse uma realidade em 1911, com os nobres propósitos de servir à Pátria pela técnica, como rezava o artigo primeiro de seu regulamento: “Visa a Escola Livre de Engenharia de Belo Horizonte a propagar, no Estado de Minas Gerais, uma completa educação técnica profissional, formando cidadãos que, no mais alto grau, se tornem úteis à Pátria e à sociedade”. Daí para frente, ela cresceu com muita força e não tardou a adquirir, em 1920, os terrenos localizados na esquina da Rua da Bahia com a Rua Guaicurus, pertencentes ao Cel. Francisco de Assis Duarte, e que abrigavam duas lenharias, propriedade de Joaquim de Souza Xavier e Leopoldo Rodrigues, respectivamente. Contando com recursos do Governo do Estado, foi rapidamente erguido nosso complemento, o Instituto de Química, já em 1921, e, logo, o grande complexo de oficinas instalado nos galpões vizinhos, denominado Oficinas Christiano Otonni. Se as instituições têm vida breve, solenemente

Quadro alusivo à reunião que fundou a Escola Livre de Engenharia em Belo Horizonte em 21/05/1911. Acervo Escola de Engenharia /UFMG

sobrevivemosss a este fado e, apesar de presenciarmosss o fechamento


56 | Escola de Engenharia UFMG (1906, 1921, 1959)

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do Instituto em 1931, nósss o vimosss ser reaberto em 1935, sob a tutela da

A irreversível onda construtiva começava também a alterar nosso padrão

maiúsculo e nem era mais livre: o Brasil mergulhava nos anos de chumbo,

vigorosa escola de Engenharia da Universidade Federal de Minas Gerais.

de movimento, só muito mais tarde alcunhado de “mobilidade urbana”

a ditadura militar pós Revolução de 1964, que passou a silenciar muitos

Mas, mesmo estas fortes instituições têm lá suas transformações internas

(ah! nada como a técnica e a precisão!). Os anos 1940 e 1950 assistiam à

dos alunos que, em nósss, vigiavam e circulavam. Mas o silêncio era só

e, já em 1980, não nosss utilizavam em plenitude e passamosss a sediar o

lenta agonia do transporte ferroviário, progressivamente substituído pelos

aparente, em nossosss corredores e salas recônditas, em salas de aula e

Museu da Engenharia em 1993, sob a tutela da Associação dos Ex-Alunos

modos rodoviários e, mais tarde, pelo aeroviário. A acelerada expansão

auditórios, os estudantes resistiam com encontros, seminários, sessões de

da Escola de Engenharia.

dimensional da cidade, para o largo e para o alto, fazia cada vez mais

cinema, debates ou simplesmente conspirando, muitos deles deixando

Na roda da Shiva belorizontina, na rápida sucessão de criação e destruição

restrito o uso do trem e, já nestes mesmos anos 1950, diminuíam-se as

nossosss umbrais para se integrar a organizações clandestinas de luta

como convinha aos tempos modernos, quando o complemento da Química

ligações ferroviárias entre Estados, privilegiando-se, na Estação Central, o

radical.

veio ao mundo já não mais existia a antiga Estação, demolida em 1920, e

transporte suburbano de passageiros e o transporte de cargas. Mudanças

Mas a Praça era cada vez menos do povo, expulso que fora pelos militares

já surgia, nesse mesmo ano, a então moderna Estação da Oeste de Minas,

no tecido urbano começam a se fazer necessárias para compatibilizar os

e pelas máquinas. Ordem e Progresso?

rapidamente inaugurada para melhor receber os reis belgas. O projeto

modos ferroviário e rodoviário, este já contando com o aumento de ônibus

de Caetano Lopes fora construído pelo engenheiro Antonio Gonçalves

coletivos e carros particulares. As mudanças foram tão graves que a outrora

Gravatá, que parecia ter herdado do Conde de Santa Marinha não o título,

gloriosa Serraria Souza Pinto dos anos 1920, começa a ser desativada em

mas a disposição de erigir a cidade.

decorrência da interrupção do fornecimento de madeira até, finalmente,

Orgulhososss, víamosss a Engenharia, nossa patrona, transformar a

se tornar estacionamento de automóveis nos anos 1960.

paisagem em torno. Já em 1922, inaugurava-se o novo - e belíssimo - prédio

Tudo isso só preparava o definitivo corte da Praça que se daria em 1963,

da nova Estação, entre 1924 e 1926, novamente se aformoseavam os jardins

quando foi duplicada a Avenida dos Andradas, entre as ruas Caetés

da Praça, neste último ano é lançada a pedra fundamental do Viaduto

e Guaicurus, com abertura de nova pista junto ao Ribeirão Arrudas,

Santa Tereza – uma verdadeira obra de arte da engenharia, finalmente

acarretando grande perda da área ajardinada da praça e a retirada de

inaugurado em 1935 (viva Emílio Baungart, o pai do concreto armado

velhos companheiros encarnados em estátuas entre roseiras, as quais,

no Brasil!), em 1936 se constrói o Viaduto dos Viajantes, hoje Viaduto da

por sinal, também se foram. Era a definitiva vitória da máquina sobre os

Floresta, sob a batuta do arquiteto e engenheiro Otávio Goulart Pena, e

humanos. Neste momento, pensamosss que nem os velhos positivistas nem

daí para frente a cidade explode em obras, uma explosão às avessas, que

os novos engenheiros poderiam exultar, embora estivessem coniventes e,

só fez construir e brotar obras, pontes, prédios, viadutos, arrimos, trilhos,

até certo ponto, orgulhosos de sua obra. Os 15 metros roubados da Praça

arranha-céus, reafirmando o poder da gloriosa engenharia. Para nósss que

em favor das pistas não fora o único golpe brutal à sua carne. Ela também

amamosss estatística, é significativo apontar que em 1945 foram concluídos

fora ferida em seu espírito, esquartejada em duas partes estanques pelo

419 prédios na cidade e em 1948 este número saltou para 1.260, segundo

contínuo movimento de veículos, pela expulsão dos pedestres. Ainda bem

nossosss registros. É em meio a essa onda gigantesca que nossa tríade,

que já não mais existia a Ponte Davi Campista, ela não aguentaria tanta

merecidamente, se complementaria: nascia, por decisão do Governador

dor.

Kubitscheck, em conluio com o nosso diretor Mário Werneck, nosso mais

Não tardaria o golpe final: em 1966, o Prédio da Estação Central é

novo irmão, o grande edifício que abrigaria o também crescente número de

completamente desativado.

nossosss alunos que a esta altura já se contavam às centenas, tão diferente

Ingressáramosss em uma era negra travestida de progresso, uma reversão

dos primórdios, onde se os contavam por dezenas. Era a segunda metade

de nossa nobre missão, um mau uso daquele propósito dos fundadores

dos anos 1950, que chegava em 1959 com a inauguração de nosso caçula.

da Escola Livre de Engenharia. Não era mais uma engenharia com “E”

Vista do antigo prédio da Escola de Engenharia; ao fundo veem-se as obras do Edifício Arthur da Costa Guimarães. Belo Horizonte, 1957. Acervo Escola de Engenharia/UFMG/DPFO


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Escola de Engenharia UFMG

Ficha Técnica EDIFÍCIO ALCINDO DA SILVA VIEIRA (CENTRO CULTURAL DA UFMG)

O lugar onde hoje se encontra a Rodoviária de Belo Horizonte (futura estação| 59 de transbordo de ônibus metropolitanos) foi inicialmente, pelos planos de Aarão Reis, o Mercado Municipal, sendo substituído pela Feira Permanente de Amostras em 1931 (autoria do arquiteto Raffaello Berti), depois demolido para a construção do Terminal Rodoviário Municipal, em 1967 (Arquitetos Fernando Graça, Suzy de Melo, Mario Berti e Joany Machado).

Endereço: Avenida Santos Dumont, 174 Data da Construção: 1906 Arquiteto: Comissão Construtora Tombamentos: Municipal (1994)

Mercado Municipal construído em 1900 onde, atualmente, está a praça da Rodoviária. Foi demolido para a construção da Feira de Amostras na década de 30. Acervo MHAB/Fundação Municipal de Cultura

INSTITUO DE QUÍMICA

Endereço: Rua da Bahia, 52 Data da Construção: 1921 Arquiteto: Não identificado Tombamentos: Municipal (1993)

Fachada da Feira Permamente de amostras, na Praça Barão do Rio Branco, também conhecida como Praça da Rodiviária. Acervo MHAB/Fundação Municipal de Cultura

EDIFÍCIO ARTHUR GUIMARÃES (ESCOLA DE ENGENHARIA) Endereço: Avenida do Contorno, 842

Data da Construção: 1959 Arquiteto: Não identificado Tombamentos: Estadual (1988) e municipal (1998) Vista noturna da Estação Rodoviária. Acervo MHAB/Fundação Municipal de Cultura


60 | Estação Central (1920/22)

Estação Central (1920/22)

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abeis vós que já nasci para celebrar a nobreza. Vim para substituir o tosco prédio antiquado da Estação que, com suas formas abrutalhadas e suas proporções fora de compasso, não condizia com a dignidade da florescente capital e seria capaz

de envergonhar qualquer nobreza. Sua demolição, em 1920, poupou-nos da vergonha de receber meus colegas da realeza belga em estruturas pouco condizentes com suas altezas. É certo que, como eu não conseguiria estar pronto com todo o esplendor de minhas vestes para sua chegada, o edifício da Rede Mineira de Viação teve que se aprontar às pressas, mas não causou decepção alguma, recebeu o Rei Alberto e a Rainha Elizabeth com a pompa necessária. Fui projetado e construído com toda técnica e esmero apropriados a um dos principais edifícios da Nova Capital. Estejais certos de que a mim só se compara o Palácio da Liberdade, este destinado a receber os mais altos dignitários do Estado. Não poderia ser de outra forma, pois, afinal, eu sou a Porta de Chegada na cidade dos novos tempos, a cidade que celebra desde sempre a então recém-chegada República Brasileira, uma república que, se medirmos pelos adornos de minha roupagem, espelha-se nos mais altos ideais franceses, e que reconheceu, no fausto neoclássico, a mais legítima representação de seu grau civilizatório. Afinal, deveis compreender que uma civilização não se mede pelo homem comum, mas pelas máximas expressões culturais e pelos requintes que ela consegue criar, elevando as possibilidades humanas às mais altas esferas. Foi com esta clara intenção de suntuosidade que o Dr. Caetano Lopes Jr. orientou o arquiteto Luiz Olivieri, diplomado em Florença, que me concebesse, e ao empreiteiro Antônio Gonçalves Gravatá, que me edificasse. Em agosto de 1920, ao ser lançada minha pedra fundamental, todos já sabiam que ali se ergueria, finalmente, a Estação das Minas Gerais, sepultando definitivamente a rude Curral Del Rey – que de rei nada possuía - e sua acanhada memória. Fora também em outubro deste mesmo ano que viera à luz o meu arauto, a Estação da Estrada de Ferro Oeste de Minas, futura Rede Mineira de Viação, também orquestrada e materializada pelos senhores Lopes Jr. e Gravatá. Era assim que deveria ser para, como me referi anteriormente, dignamente receber os reis da Bélgica, porque uma república nada pode dever à realeza, afinal poder é poder, não importa o rótulo com

Placa de Inauguração da Nova Estação em 1922.

que se apresente. Muito provavelmente tendes ciência que a inauguração desta Estação da EFOM foi celebrada com muito júbilo em grandes festejos populares. É mister que noteis, no entanto, que as maiores festas estavam reservadas para a visita dos monarcas belgas, esta sim, uma verdadeira apothéose. À minha maravilhosa cidade acorreu gente de todo o interior do Estado, a Praça defronte a mim, repleta, a imprensa realizando ampla cobertura

Estação Ferroviária Central de Brasil. O edifício foi projetado por Luiz Olivieri e inaugurado em 1922. Acervo MHAB/Fundação Municipal de Cultura


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jornalística. Ao desembarcar na Estação construída para eles, os reis se

quanto a fazer dialogar o neoclássico com o art nouveau ou até mesmo

estilo, condição antropomórfica fundante, a partir da qual toda a ordem

dirigiram a um veículo aberto, escoltado pelo Esquadrão da Cavalaria, em

com o art déco, afinal tudo isso estava disponível no imenso catálogo que

superior é revelada. O corpo central avançava, é verdade, 14 metros praça

direção ao Palácio da Liberdade e foram ovacionados por todo o caminho,

o homem veio pacientemente construindo na face da Terra, na imensa

a dentro, mas a quem isso importava, se toda a praça nada mais era que

acompanhados pelo Presidente da República Epitácio Pessoa. Toda a

e colaborativa tarefa de antropomorfizar a natureza e provar aos deuses

minha entourage? Ela que refizesse o perfil de seus futuros jardins e

nobreza estava presente e, para se mostrar condigna, a cidade ataviara seu

que, neste plano, nesta dimensão, quem manda mesmo é o ser humano, o

canteiros.

povo e seus espaços. Os professores da rede oficial de ensino ganharam

único que tem a consciência de ser. Kant tinha razão, “o intelecto não cria

ajuda financeira para comprar roupas novas, e seus alunos, sapatos também

suas leis a partir da natureza, mas as prescreve a ela”, afinal o homem é o

Desde a praça, no eixo de simetria do prédio, eu me abro em porte-

novos. A Praça da Liberdade ganhara novas formas, jardins afrancesados,

verdadeiro deus em evolução do qual nos falava Nietzsche.

cochère, guarnecido, na porção que corresponde ao patamar central de

longos eixos ornados por palmeiras imperiais e uma natureza domesticada

Foi, portanto, sob a inspiração desse arranjo superior, desse novo decoro

chegada, por correntes atadas em peanhas alongadas à guisa de pilaretes

pela razão humana, agora se afirmando como legítima dona do mundo.

positivista, de toda essa disciplina, que fui desenhado. Minha planta é

para suporte de postes de iluminação forjados em ferro com colunas com

Pena que eu não estivesse presente, como bem o sabeis. Penso que muito

retangular e longilínea, como convém a uma edificação que corre paralela

fustes canelados que fixam, ao alto, as esferas luminárias de vidroluz,

bem complementaria a ocasião e seu cenário.

aos trilhos e visa abrigar os que esperam a fila dos comboios. Tal parti-pris

enquanto suas extremidades livres traçam suaves curvas arrematadas em

Passada a efeméride da festa, voltemos à permanência das formas. Falemos

retangular é interrompido, em elegante contraste, por um corpo central

quartilhas de pedra, indicando, em sutil concavidade, o acolhimento aos

de minha aparência e de minha perfeita élégance. Fui concebido em

avançado em dois pavimentos, o qual, ao mesmo tempo em que sinaliza a

que chegam do amplo espaço aberto à minha frente. Em sua outra face, o

estilo neoclássico de inspiração francesa, que não apenas remonta ao

entrada principal e distribui as funções, acolhendo e comandando, reforça

porte-cochère propõe a ampla entrada para o átrio em requintada portada.

apogeu da civilização daquela nação luminar, mas que se constitui na

o caráter simétrico da minha composição. Sim, porque para ostentar todo

Como alternativa a quem quer alcançar esse átrio, mas opta por não

mais perfeita expressão da ordem, da razão e da disciplina, onde cada

esse equilíbrio impõe-se a simetria, solenidade necessária e inerente ao

acessá-lo frontalmente, ele também se abre, por dois lados, a acolhedores

parte tem significado e que, em conjunto, se organizam em relação a uma

patamares de recepção, ao cimo de um lance de três degraus, que, por

disposição superior das coisas. O neoclássico reinterpretado pelo ecletismo

uma quebra de 90 graus, se prolongam pelas duas loggias laterais, também

lhe agregou expressividade, luxo, emoção e exuberância em perfeito

simetricamente dispostas em relação ao eixo central do edifício, criando

equilíbrio, fazendo emergir desse encontro uma razão que emociona, um

uma base escalar contínua, em amistosa relação com o espaço exterior.

luxo que não cria distância, uma nobreza ao alcance de todos. Soma-se à minha receita o ecletismo que, como uma oportunidade revisionista da

O átrio é disposto em cruz grega e em dois pavimentos visualmente

maravilhosa herança do conhecimento humano, fez dialogar a arte e a

interligados. Abre-se em claridade derramada de vitral superior e, como

ciência. Sua época foi um tempo em que a arte galgava píncaros nunca

se fora pátio interno, defendido das intempéries do mundo natural e,

antes alcançados e a ciência se afirmava como condição da sobrevivência

apresentando outro, banha-se no jorro de luz que cria pontes ao pavimento

humana, imiscuída, em seu cotidiano, nas coisas mais prosaicas. Com

superior. De cima, o hall se liga ao vão central pela transparência

todo o cabedal da evolução humana a seu dispor, um novo vade mecum

proporcionada por varandas conformadas por quase paredes, vazadas

de como refazer as coisas, o ecletismo amaneirava as formas, tipologias e

que são por elementos arquitetônicos clássicos em background,

elementos construtivos, dando novos contornos a abóbadas, combinando

antecipadas, em primeiro plano e a lhe conferir ainda mais leveza, por

ornamentos, fundindo ordens, não tornando tão rígidos os seus limites,

balcões em balanço, protegidos por grade rendilhada. As quase paredes

não mais a pureza do dórico ou do coríntio, os compósitos assumindo composições

variegadas, redesenhando

dentículos, baldaquinos

e

arquitraves. Pela mesma razão – ah, a razão! - não havia imposições rígidas

do andar superior são graciosamente ornadas por pórticos em arcadas Comício da Aliança Liberal na Praça da Estação e que contou com a presença do Sr. João Pessoa que falava ao público companhado do ex-Presidente Antônio Carlos. Acervo MHAB/Fundação Municipal de Cultura

sustentadas por colunas duplicadas e se distinguem umas das outras em pares situados em posições opostas. Comungam-se os dois pares apenas


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Situação existente na 1ª década do século XX

Situação existente na 2ª década do século XX

Situação existente a partir da década de 60

Situação existente a partir da década de 80


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| 71 quanto aos pilares, todos apoiados em base de expressão maciça, bocais

passam a vida a observar a praça. Como um jogo de referências cruzadas

individualizados sobre plinto reto em comum, fustes monocilíndricos,

entre iluminação natural e artificial e em contraste com o vitral do meio,

capitéis compósitos encimados por ábacos trabalhados em pirâmide

a composição dos forros dos braços laterais coloca a fonte de luz artificial

invertida multifacetada que criam a base para os arcos plenos, encimados

em seu centro e os emoldura por elipse florida que nasce de cercadura

por cornijas decoradas por sófitos de pétalas, formando a guarnição do

de estuque, responsável pela combinação entre os planos horizontal e

forro em abóbada de barrete de clérigo, que, por sua vez, emoldura o vitral,

vertical. A dar base a toda essa dinâmica da varanda superior, apresentam-

fonte de tanta vida. Os dois pares opostos das quase paredes intensificam

se as sisudas e simplificadas colunas de granito, servas do requinte de

o requinte compositivo da varanda superior. O primeiro par, presente nas

ordem maior, tão destacadas do delicado trato dos elementos acima que

arcadas à frente de quem adentra a estação e também sobre essa entrada,

deles se distingue, em vigoroso contraste, pelo sófito que forma a face

mostra-se sob a forma de dois conjuntos de três pilares, dois deles na

inferior do balanço do mezanino, parecendo, não apenas um anteparo de

forma de duplicados e o terceiro, isolado, mas em composição dinâmica

forro, mas, surpreendentemente, a moldura da fachada horizontal de rico

de apoio às empenas entre os arcos, estas apoiadas nos entablamentos que

volume suspenso em direção à claridade.

unem os capitéis, criando, a um só tempo, autonomia de cada conjunto e

O piso, que dá continuidade ao movimento

uma sensação de continuidade proporcionada pela própria arcada. Neste

de quem chega, no nível térreo é todo

primeiro par, os medalhões superiores que ornam o espaço entre os arcos

composto

por

superiores apresentam, de frente para quem entra, em um deles, o caduceu

prensados

que

mercurial alado sobre a roda dentada da indústria e, no outro, o compasso

em gregas a definir o espaço interior em

de navegação aberto sobre o limpa-trilhos, enquanto, por sobre a entrada,

delicada estamparia floral geometrizada.

uma graciosa imagem de locomotiva é ladeada por conjunto de navegação

Parapeitos e portões em ferro batido,

náutica. Nos pares laterais, onde os medalhões exibem monograma com

contorcido em motivos ao gosto art-

as letras E.F.C.B., a quase parede é ainda mais vazada, porque os pilares

nouveau, emoldurando monogramas, criam diáfanos limites entre espaços

vêm em duplas e não em grupos de três, o que faz com que não exista

que devem se comunicar.

ladrilhos

policrômicos

apresentam

molduras

sobreverga a se decorar sobre as arcadas. Aqui melodiam apenas os arcos plenos rematados em aduelas centralizadas, a ligar as duas duplas de

Todo o conjunto é extremamente adequado

pilares soltos ao feixe de pilares dos cantos.

a suas funções, parecendo não ser possível outra forma que não a cruz latina para

No pavimento térreo, as quatro pernas da cruz grega são livres de qualquer

indicá-las: em uma perna, a entrada, e, em

divisão, criando um espaço contínuo referenciado nas quatro direções,

direção oposta, a gare; à direita, o restaurant

enquanto no mezanino elas ensejam quatro salas, ricamente ornadas pelas

e a recepção e, à esquerda, os escritórios e

paredes de contorno frisadas por molduras que fazem alternar panos e

a escada que leva ao segundo pavimento.

arcos cegos e vazadas em lúdico jogo de percepções com o observador,

Muitos desses escritórios se abrem para a

como também o faz o forro adornado em motivos florais. Desde duas

gare para lhe dar o suporte necessário e se estendem também por todo o

dessas salas, em sua continuidade, por sobre os braços longitudinais,

segundo pavimento. Durante muitos anos, em sua ala esquerda, abrigaram

apresentam-se dois salões mais recatados e dois terraços laterais que

um museu com curiosa maquete de ferromodelismo, além de pista gigante


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| 73 de “autorama” que fazia a delícia de crianças e seus pais. Os guichês encontram-se distribuídos na parte fronteira da edificação. Meu alçado, por sua imponência e indiscutível elegância, dominava a praça sem abafá-la e, embora o sistema construtivo não apresentasse novidades, tendo sido utilizados os tradicionais pedra e tijolo, minha concepção plástica e modenatura surpreendiam por suas características inusitadas, com inesperada leveza não encontrada em outras estações brasileiras como as Estações da Luz ou Sorocabana, em São Paulo. Apesar de toda essa novidade quanto ao peso visual e esguio perfil de minha fachada, minha composição respeitava rigorosamente os cânones clássicos. Prova disso não é apenas a simetria, meu principal marco compositivo, mas também sua divisão, por linha fortemente marcada, na parte inferior tratada como opera rústica e na parte superior trabalhada minuciosamente em rica opera de mano, herança florentina trazida por Olivieri. A proporção áurea define meu corpo avançado e comanda as relações entre a rusticada massa inferior e a sofisticada parte superior. A completar a ordenação canônica, a proporção total da fachada se divide em ritmo de três setores de iguais dimensões, dois recuados para reforçar o avanço do corpo central da entrada, e o terceiro na forma de torreões de arremate a guarnecer as extremidades, os quais, embora de clara proporção vertical, têm altura exata para não disputar a primazia com a torre principal, esta o grande marco do eixo de simetria. Para que o corpo central não se apresente com todo o peso visual que poderia ter, ele se decompõe em três planos. O primeiro deles, mais próximo da praça, é a torre, e depois, em sequência, o plano que define a primeira parede do átrio (primeira perna da cruz grega) e o terceiro, o plano mais ao fundo, que forma a parte superior da loggia, este também o dos torreões de arremate. A loggia surpreende o vocabulário tradicional da arquitetura por se apresentar tanto como galeria quanto como peristilo, reforçando simultaneamente as características de percurso e interioridade, espaço público e ponto de partida, rua e centro, praça externa e praça interna. A opera rústica da base se faz em pedras de granito aparelhadas em tom


74 | Estação Central (1920/22) cinza, claramente demarcadas em suas dimensões individuais de peças por frisos severos que revelam, ademais, a sua natureza de elementos extraídos da rocha. Quando dispostas em arcos, elas se apresentam, como não poderia deixar de ser, em aduelas que conformam e seguram o arco pleno e ensejam o olhal, hoje habitado pelos leões que povoavam os jardins da praça. Quando dispostas em trechos retilíneos, as pedras descarregam sua massa em arquitraves suportadas por colunas coroadas por capitéis de moldura apoiadas no estilóbato formado pelos degraus de acesso ao peristilo. A variedade dos elementos verticais portantes, criando planos, pórticos e vãos, ou os diferentes tratamentos dos ábacos dos suportes verticais, mostra que mesmo a ópera rústica pode ser requintada e rica. Por sobre o pavimento de base ergue-se o refinamento dos volumes superiores. Dominando o primeiro plano, sobranceira por sua posição sobre o eixo de simetria, está a torre do relógio, este um importantíssimo e apropriado aparelho que define os fluxos da vida, o movimento dos trens, a determinar os ritmos do ir e vir. A torre se ergue entre dois terraços que lhe reforçam a verticalidade, com sua virilidade abrandada pelos ornamentos que lhe são aplicados. Como pano de fundo a esses dois terraços e à própria torre, a sequência dos planos de fachadas em recuo progressivo oferece janelas em motivos variados, em diálogo com aquela do primeiro plano. Sobre elas, em constante afirmação contra o horror vacui das paredes nuas que domina toda a minha trama, estão guirlandas de festão em massa a preencher a faixa entre elas e a cornija superior. Esses tímpanos são ora em frisos emolduradores da guirlanda, ora em frontões triangulares clássicos, mas sempre encimados por cornijas ornadas por dentículos a lhe marcar o ritmo, as quais, por sua vez, são coroadas por empenas cegas decoradas, estas mais juntas à torre, e por balaustres arrematados por cunhais, estes no plano de fundo. Na porção inferior da torre, correspondendo ao andar superior do restante do prédio, a janela central se apresenta gloriosa em arco pleno, à guisa de janela de púlpito, parecendo sempre esperar algum pronunciamento crucial para o futuro da capital, e que, por ostentar dois mainéis a modular sua abertura, torna-se mais comportada e solene. Trabalho em estuque semelhante às outras janelas preenche a faixa entre


76 | Estação Central (1920/22)

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ela e a cornija superior, demarcatória do segundo pavimento, onde também

Encimando a composição e protegendo as açotéias de cada torreão, guarda-

principal por não apresentar o mesmo jogo de recuo volumétrico que a

a belíssima Estação Ferroviária do Oeste de Minas, a grande vassalagem

se apresenta friso tríglifo a oferecer o fundo necessário para que se ressalte,

corpos mais fechados, guarnecidos pelos pilaretes de seus quatro cantos.

caracteriza. Na ausência da profundidade criada pelos volumes, o ritmo e

representada pelos galpões à minha esquerda e pelas modestas residências

a forma dos vazados, o tratamento dos cheios, a sombra criada pelos frisos

dos ferroviários, à minha direita.

em epígrafe, a inscrição “Anno. MCMXXII”, marco temporal de quando vim ao mundo. A partir daí, liberta, solta no espaço, a torre se completa

Embora não tão evidente e exposta, a fachada posterior é também

e relevos passam a ter função primordial. O centro é ainda marcado por

no quadro do relógio guarnecido em suas fímbrias por cariátides em alto

importante por dialogar com a outra Estação - aquela construída para

ter sua responsabilidade com a demarcação do átrio em cruz grega e por

Como também já é de vosso conhecimento, o prédio da EFOM pré-

relevo que, a partir dos poiais em que se firmam, intervalados pela faixa

receber os reis belgas - e com o grande terraço superior urbano da Rua

isso é levemente alteado em relação ao restante do alçado posterior, sendo

existia em relação a mim. Fora criado para suprir as necessidades daquela

onde se lêem as iniciais EFCB, sustentam o frontão triangular, pujante de

Sapucaí. Sua base, em granito, segue o tratamento da fachada frontal e

marcado por frontão em frontispício decorado, encimado por elemento

linha férrea do Oeste de Minas que até 1920 possuía grande movimento

tão clássico, acrotério das alegorias do comércio e da indústria, símbolos

abre sua arcada para a plataforma em ritmo que faz coro com os vagões.

escalonado em direção ao eixo de simetria. É, no entanto, a cornija que faz a

e nenhuma instalação adequada a seus passageiros, sempre funcionando

da civilização republicana tão caros à nova capital, portando cornucópia e

O andar superior, em contraste, apresenta tratamento diverso da fachada

separação entre a aba corrida da cobertura - esta também tratada em ritmo

em situações precárias e provisórias, em abrigos de veículos ou em partes

caduceu, este se apresentando também como sutil referência ao Hermes

alternado de balaustres e empenas cegas – e o corpo do segundo pavimento,

do prédio que me antecedeu. Com a iminente chegada dos reis belgas,

grego ou ao Mercúrio romano, o deus que percorre distâncias, sempre

logo abaixo, que faz a marcação mais severa e mais pujante. Enquanto sua

o Presidente Epitácio Pessoa tomou uma atitude para resolver ambas as

a levar e trazer humanidades. Completando a torre e conferindo-lhe o

linha, bem definida por vigorosos cimalha, lacrimal e sófito, se desenrola

demandas, recepcionar os monarcas e finalmente dar condições dignas à

necessário arremate, surge o brilho da abóbada de espelho, ligeiramente

em triângulos por sobre algumas janelas. Quando cruza a porção do átrio,

importante linha férrea. Trata-se de uma edificação em dois pavimentos,

abaulada em sua parte superior pelo maneirismo eclético, zimbório em

alteia-se em acentuada curva que emoldura o vitral verticalizado, como se

com partido em “T”, com a perna curta, apenas o suficiente para ligá-lo à

zinco, que se completa em afilada agulha sobre o zingamocho, a reforçar

cedendo a seu empuxo ascendente. Entre triângulos e curva, os demais

Rua Sapucaí, e com os dois braços alongados se estendendo paralelamente

sua esbeltez e sua certeira direção rumo ao firmamento.

vãos se sucedem em forte e grave sequência de luz e sombra proporcionada

à via férrea, como convém a uma estação de trens. O primeiro pavimento,

pela decoração e pelos elementos em relevo. Nas extremidades, os mesmos

no nível térreo, adjacente à linha, abriga a sala de espera, sanitários,

A restante fachada superior se desenvolve em cada um dos lados da torre

torreões da fachada principal fecham a composição e fazem a transição

serviços e bilhetagem. O segundo pavimento, superior àquele, mas ainda

no ritmo de seis janelas alongadas e uma porta gêmea, por elas se abrindo

para as fachadas laterais, estas também de rica proporção e zelo com

em nível pouco mais abaixo em relação à Sapucaí, é mais requintado, com

para amplo e ensolarado terraço protegido por balaustrada em aba corrida.

suas janelas frontais em arco com tímpano profusamente decorado em

seu grande salão de alto pé-direito ocupando todo o corpo central, seus

Entre as janelas e conjuntamente com elas, as pilastras, também inspiradas

volutas de massa e, por sua posição no conjunto, com uma proporção mais

amplos vitrais, colunas com capitéis trabalhados e forros emoldurados por

na ordem toscana, reduzem sobremaneira o peso visual da vedação vertical,

verticalizada a se oferecer como fechamento à perspectiva das duas bandas

cimalhas. Ladeiam o salão outras grandes salas destinadas a instalação de

como se se abrissem de par em par, enquanto os tímpanos das sobrevergas

da Rua Aarão Reis.

escritórios.

saliência em fita alinhada aos capitéis em baixo relevo. Também aqui as

Algum tempo depois, acrescentou-se a meu corpo, ao longo da plataforma

Como não poderia deixar de ser, sua concepção tem a inspiração neoclássica

guirlandas se apresentam para enobrecer a fachada e pontuar o ritmo. A

de embarque aos trens, em grande extensão, uma cobertura de telhas

tão celebrada pelo ecletismo então em voga na novíssima capital. Desde

cornija superior se estende por todo o muro de ático que oculta o telhado,

de cimento amianto sobre tesouras metálicas, com a aparência clara de

a Rua Sapucaí é que a estação se mostra mais impressionante, com uma

este também ornado de festões por entre os pilaretes arrematados em

instalação industrial, apoiadas também em colunas metálicas, estas um

massa física vigorosa que parece ainda mais robusta pela forte decoração

ábacos em forma de pirâmides abatidas.

pouco mais ornadas com caneluras e capitéis. Embora a cobertura não

nela aplicada e pelos frisos marcados em seu reboco e que remetem a

Nas extremidades os torreões finalizam o corpo do prédio e, por isso, em seu

tivesse o requinte do restante de meu corpo, ela guardava certa coerência

grandes blocos construtivos. Também aqui a simetria se faz necessária e

segundo pavimento apresentam cunhais que são, a um só tempo, remates

com o pragmatismo da operação ferroviária.

distinguem-se, claramente, em seu alçado, três grandes partes constituintes.

recuperam a austeridade do conjunto, também com a massa atenuada por

A central, requintadamente ornada em seu tímpano, onde imponente

laterais e molduras das suas janelas em três faces, também marcadas por mainéis, mas aqui com verga reta, porque, afinal, na cuidadosa hierarquia

Sabeis vós muito bem que a nobreza normalmente vem acompanhada de

sobreverga curva se apõe à portada ricamente trabalhada e protegida

da fachada, elas se subordinam à expressão da grande janela central.

uma corte e comigo não foi diferente. Faz-me companhia desde sempre

por felino em seu ápice, apresenta, em sua platibanda, a dominar toda


78 |

| 79 a composição, detalhes florais, fitas e mui rica composição de rodas e

o mais belo edifício ferroviário da América do Sul. Tinha 15 linhas e três

engrenagens férreas com motivos alados. Nos volumes laterais, mais baixos

plataformas e me situava em frente à belíssima praça.

e encimados por beiral que sobre eles projeta severa sombra, dominam

Imaginava para mim um destino de glórias e passei a servir ao povo

a composição esbeltas janelas alteadas com sobreverga em decoração

mineiro que, desde então, aos bocados passava por meu átrio, sempre.

profusa de motivos florais. Também aqui se observam, entre o leão e o

Raul Soares, por exemplo, chegou e partiu várias vezes. Olegário Maciel

painel de rodas aladas, as palavras “Rede Mineira de Viação”, necessária

chegou e partiu. Fernando de Melo Vianna chegou e partiu. Antonio

epígrafe em massa como a atestar a nobreza de sua procedência. Do outro

Carlos Ribeiro de Andrada chegou e partiu. Milton Campos chegou e

lado, em face para mim, pela inexistência de um corpo central projetado, a

partiu. Juscelino Kubitscheck chegou e partiu, mas depois conspirou

fachada é menos movimentada, mas nem por isso mais pobre, com o ritmo

contra mim. Clóvis Salgado chegou e partiu. Bias Fortes chegou e partiu.

e o trabalho ornamental das janelas ajaezando as vistas que se possibilitam

Magalhães Pinto chegou e partiu, mas aí os governadores começaram a

a partir de minha gare.

me abandonar. Pedro Nava chegou e partiu. Carlos Drummond chegou e partiu. Anita Malfatti chegou e partiu. José Wanderley chegou e partiu.

Com este edifício-irmão eu possuía grandes ligações e que não eram

Hernani Moraes chegou e partiu. Amélia chegou e partiu. Heleno de Freitas

apenas aquelas ligadas à forma. Tínhamos ligações operacionais, sempre

chegou e partiu. Noel Rosa chegou e partiu. Jorge de Castro chegou e

trabalhando em conjunto, e físicas, através de dois túneis que, passando

partiu. Clea e Sergio chegaram, partiram e voltaram, sempre. Maria das

por sob as linhas férreas, permitiam que os passageiros e cargas se

Tranças chegou e partiu. Dario, Denis, Elias, Claudio chegaram e partiram.

movimentassem de um lado a outro. A decoração do túnel de passageiros,

Honório chegou e partiu. Bino, Zeca, Lilian, Dora chegaram e partiram.

em azulejos bisotados azuis, com barra estampada a meia altura, dividindo

José Eduardo chegou e partiu. Rogério chegou e partiu. Paulo César

os dois tipos de cerâmica, até hoje delicia as pessoas que o percorrem.

chegou e partiu. Fernando e Milton chegaram e partiram. Gustavo, Veveco, Mariza, Tina chegaram e partiram. Pádua e Paulo Henrique chegaram

Enquanto as casas ferroviárias, de fatura modesta, duas águas, se

e partiram. Maria Elisa chegou e partiu. Silas chegou e partiu. Cuno e

apresentam bem ao gosto inglês de justeza a adequação à função, os

Cybelis, acompanhados de José Oswaldo, chegaram e partiram. Por falar

armazéns e dormitórios até que apresentam certo apuro compositivo se

em Oswaldos, Angelo e Mário também chegaram e partiram. Francisco

os cotejarmos às suas funções de mero apoio. Embora sem a decoração

Campos, Arthur Bernardes, Gustavo Capanema, acompanhados entre si

efusiva que caracteriza os edifícios principais, o prédio dos dormitórios,

ou desacompanhados, chegaram e partiram. José Abílio chegou e partiu.

em dois pavimentos, se destaca pelo ritmo de suas janelas e pela presença

Afonso, Murilo, José Maria, Beatriz, Rodrigo chegaram e partiram. Almeida

de cornija superior que lhe confere proporção e evita que a platibanda

e Pedro chegaram e partiram. Eduardo chegou e partiu. Valério chegou

se misture com o corpo edificado, garantindo seu coroamento. Apenas o

e partiu. Ibsen chegou e partiu. Vitor chegou e partiu. Glycon chegou e

bloco destinado aos armazéns é mais modesto, com a cobertura cerâmica

partiu. Josefina chegou e partiu. Euro chegou e partiu. Sandoval chegou e

aparente em balanço por sobre a plataforma de carga e descarga.

partiu. Robertina chegou e partiu. Querubina chegou e partiu. Maria Clara chegou e partiu. Silvinha chegou e partiu. Claudia chegou e partiu. Regina

Fui inaugurado em meio a grande festa, no dia 11 de novembro de 1922,

chegou e partiu. Eugênia chegou e partiu. Zuleika chegou e partiu. Nísia

durante as comemorações do Centenário da Independência, com a

chegou e partiu. Rubem chegou e partiu. Wilson chegou e partiu. Altino

presença do presidente do Estado, Raul Soares. Fui considerado, então,

chegou e partiu. Simone chegou e partiu. Armando chegou e partiu. Maria


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82 | Estação Central (1920/22) de Lourdes chegou e partiu. Heloísa chegou e partiu. Normanda chegou

projeto de um museu de arte e tradições populares em minhas instalações,

e partiu. Maria Lúcia chegou e partiu. Luiz chegou e partiu. José Pedro

o que começaria a se concretizar em 2002, com meu restauro e adaptação

chegou e partiu. Marília chegou e partiu. Irene chegou e partiu. Heleno

para o Museu de Artes e Ofícios, finalmente inaugurado em 14 de dezembro

chegou e partiu. João chegou e partiu. Pedro chegou e partiu. Roberto

de 2005 - um presente à cidade que aniversariara dois dias antes - e aberto

chegou e partiu. Cyro chegou e partiu. Djalma chegou e partiu. Carla

ao público em 10 de janeiro de 2006. A presença do Museu funcionou

chegou e partiu. Gilberto chegou e partiu. Hugo chegou e partiu. Ou

como uma âncora de revalorização de toda a minha vizinhança, já não se

partiram e chegaram todos, todos a povoar a cidade e o tempo encerrado

admitia a ela os maus tratos que viera recebendo nas décadas anteriores. O

aqui dentro e aberto a partir de mim. Até que um dia começou a diminuir

próprio largo à minha frente fora recuperado, ainda em 2004 e, em seguida,

o número de pessoas que frequentavam o meu átrio para viajar. Eu, que

assistiríamos ao restauro dos jardins da Praça. Fazia sentido que um museu

já fora a antessala dos sonhos, começava a me deparar com meus próprios

colocado em minhas entranhas celebrasse o trabalho popular, pois eu,

pesadelos.

apesar de minha suntuosidade, sempre servira a todos, sem discriminação.

Ficha Técnica ESTAÇÃO CENTRAL

Endereço: Praça Rui Barbosa, s/n Data da Construção: 1920/22

INFORMAÇÕES SOBRE O MAO

O museu é uma iniciativa do Instituto Cultural Flávio Gutierrez – ICFG e foi desenvolvido a partir da doação ao patrimônio público de uma coleção de 2.147 peças, dos séculos XVIII ao XX, pela empreendedora cultural Ângela Gutierrez. A coleção mostra a riqueza da produção popular na era pré-industrial: os fazeres, artes e ofícios que deram origem às profissões contemporâneas. Ao percorrê-la, como suporte de recursos museográficos e de ações educativas, o visitante poderá ver um amplo painel da história e das relações sociais do trabalho no Brasil, nos últimos três séculos.

Arquiteto: Luiz Olivieri Tombamentos: Estadual (1988) e municipal (1998)

Para adaptar-me às novas funções, fora preservado e restaurado todo o O grande desenvolvimento urbano da Belo Horizonte a partir dos anos

meu corpo, destinando-se ao espaço de exibição as plataformas adjacentes,

1940 paradoxalmente resultou em minha regressão. O trem não mais se

o edifício da EFOM e o túnel que a ela me ligava. Das janelas dos trens que

apresentava como o meio de transporte do progresso, papel que até ali

por ali passavam, os passageiros poderiam ver o acervo do Museu.

desempenhara tão bem. Começava a passar essa primazia para o modo rodoviário, que não mais desaceleraria sua presença nos anos subsequentes

A meu lado foi criada a Estação do Metrô de Superfície da Superintendência

e até hoje. Foi assim que o automóvel, o ônibus e os aviões começaram

de Trens Urbanos de Belo Horizonte – CBTU - STU-BH e um ramal

a empurrar o trem contra a parede da Sapucaí e vi meu uso ficar mais

ferroviário da Estrada de Ferro Vitória-Minas – EFVM, além da operação

restrito, apenas ao transporte de cargas e a alguns trens suburbanos,

de cargas. Descortinava-se um novo futuro com a consolidação da região

intermunicipais e interestaduais. Ainda não seria o meu fim, mas ele já

como centro de mobilidade urbana e com novas possibilidades culturais,

se anunciava com tal clareza que, mesmo não querendo aceitá-lo, não

vocação que se apresentava vigorosa e irreversível, afinal o espaço urbano

havia como negá-lo. Quando, em 1975, surgiu a Empresa Brasileira de

é o local por excelência do exercício da cultura.

Transportes Urbanos, com toda arrogância foi logo apresentando suas credenciais, dizendo que tudo havia de mudar segundo seu desejo. Eu

Recuperado em meu brilho e dignidade, continuo a pontificar na Praça

não estava em sua lista. Até mesmo a Praça, com seu grande largo, não lhe

e a dar a ela sua identidade e referência. Meu relógio não aponta mais as

importava. A Praça, no entanto, conseguira reagir, sediando, nos anos 1980,

horas em vão.

várias manifestações políticas, comícios e passeatas, apesar de maltratada. Mas a mim, nem o ofício de receber passageiros me restava, essa missão fora transferida para novas instalações em minha vizinhança.

ESTAÇÃO FERROVIÁRIA DA REDE MINEIRA DE VIAÇÃO

Endereço: Praça Rui Barbosa, s/n Data da Construção: 1920 Arquiteto: Luiz Olivieri

Tombamentos: Estadual (1988) e municipal (1998) Foto interna do Museu.

ARMAZÉNS DA ESTAÇÃO

Endereço: Praça Rui Barbosa, s/n Data da Construção: Década de 1910 Arquiteto: Não identificado Tombamentos: Estadual (1988) e municipal (1998)

Minha dignidade só viria a ser recuperada muitos anos depois e em uma situação absolutamente inesperada para mim. No ano 2000, início de milênio, começara a ser preparada minha nova vida. Divulgou-se, então, o

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Os armazéns da estação situados na Praça Rui Barbosa.


84 | Sulamerica Hotel

Sul America Hotel

| 85 JOSÉ ANTÔNIO DE ALMEIDA (1928)

ferroviário de peças de granadas de mão desde a Siderúrgica Belgo

Profissão: Estudante de Direito

Mineira, registradas como cargas de tampas de tubos para moirões em

Proveniente de: Cataguases. Próximo destino: Cataguases

estradas de ferro. Hoje, passado o auge do movimento revolucionário,

Entrada dia 25/08/1928. Saída: dia 30/08/1928

ele nos deixou. Muito estranho. Algo a ver com os novos rumos políticos. Não deixa de ser curioso, no entanto, que as coisas mudem tanto e tão

Vinte anos de idade, rapaz de baixa estatura, cabelos escuros, testa ampla e alta, sobrancelhas

rapidamente neste campo da política. Cito um exemplo: a praça aqui ao

cerradas, expressão triste, inteligência vivaz, com manias de poetar a qualquer mote. Em

lado, inicialmente denominada de Cristiano Otoni, na data histórica de 4

sua bagagem, um bilhete de saída da Estação da Leopoldina Railway em Cataguases e

de setembro de 1914, assim chamada pelas relações deste engenheiro com

Nota ao leitor: Os personagens são fictícios, mas

revistas de literatura futurista como “A Revista”, “Jazz-Band” e “Verde”. Espalhadas na

a implantação da ferrovia, teve seu nome alterado para Praça Rui Barbosa,

as situações em que eles estão envolvidos são fatos

cama, quando esteve fora do quarto, várias notas esparsas, ideias de poemas e uma lista de

em 27 de setembro de 1923. Não sei por que, talvez pelo impacto da morte

históricos, exceto a de Aurora Lacarmélia, extraída de

locais de hospedagem: Grande Hotel (Rua da Bahia), Guilherme Leite (Rua da Bahia), Hotel

do famoso brasileiro em março do mesmo ano. Mas qual seria a outra

uma História em Quadrinhos de Celton, o super-herói.

Lima (Rua dos Tamoios), Romanelli (Rua São Paulo com Carijós), Monte Verde (perto da

ligação entre este insigne baiano e a nossa praça? Temo que em breve ela

Qualquer semelhança com pessoas reais é mera

Estação), Pensão D. Senhorinha (Rua Alagoas). Não sei por que exatamente me escolheu.

passe a se chamar Getúlio Vargas...

coincidência.

Talvez porque acabei de ser inaugurado, talvez pela minha imponência, excelente fruto que sou da prancheta de Luiz Signorelli. Permitam-me aqui fazer um parêntesis para me

Comitiva de Getúlio Vargas a caminho do Rio de Janeiro após a vitoriosa Revolução de 1930. Foto: Claro Jansson

Profissão: Comerciante

apresentar: sou um belo edifício com marcação de esquina em torreão encimado por cúpula, contínuo ao corpo do prédio. Minhas feições são clássicas, em estreita correspondência com os cânones da boa arquitetura, apresento base (comercial), corpo (quartos marcados pelo ritmo de janelas e marcações verticais à guisa de pilaretes) e coroamento (andar superior e telhado decorados com cornijas). Por minha descrição vê-se que nada tenho a ver com um rapaz com interesses modernistas, movimento este que temo já estar chegando a nossa capital também na arquitetura, através do horrendo art-déco. Mas estou tergiversando... o principal são os hóspedes. Voltando, então ao Sr. Almeida, encontrei estes versos, entre suas notas, de autoria de um tal Ascânio Lopes Quatorzevoltas, não sei se é outra pessoa ou um pseudônimo seu: Nas tuas ruas brinca a inconsciência das cidades Que nunca foram, que não cuidam de ser

DANIEL CHAGAS

MARK WITTENSTEIN (1930) Profissão: Engenheiro militar aposentado Proveniente de: São Paulo Próximo destino: Rio de Janeiro Entrada dia 12/09/1930. Saída: dia 09/10/1930 Cidadão alemão, apresentando-se como ex-oficial do exército daquele país, alto, magro, louro, com cabelos sempre em desalinho, o que contrasta com sua origem militar, um olhar de esgar e uma pressa sempre incontida, passando uma sensação de que está aqui muito provisoriamente, mais provisoriamente do que qualquer outro hóspede do hotel, se é que me fiz entender. Não sei se ele tem qualquer relação com o momento político pelo qual estamos passando, mas há algo escuso em seu proceder, especialmente quando ele se encontra com outros senhores também de aparência estrangeira, com nomes provenientes do leste europeu (na função de hospedagem que me caracteriza, vamos nos familiarizando facilmente com nomes, línguas, costumes, geografias e histórias...). Pelo pouco que os ouvidos das minhas paredes puderam perceber, parece que há algo relativo a uma fábrica clandestina de armas, ao transporte

Proveniente de: Caeté Próximo destino: Caeté Entrada dia 20/04/1931. Saída: dia 22/04/1931 Vindo de tão perto e com tão pouca bagagem, eu já desconfiava que o rapaz não ficaria por muito tempo. Aliás, na convulsionada cena da capital mineira neste último ano, nada parecia durar muito tempo. Logo que ele abriu a mala e dela sacou um uniforme de camisa cáqui, entendi tudo. Daniel viera para o desfile dos milicianos da Legião Revolucionária Mineira, organizada por Francisco Campos, com apoio do Gustavo Capanema, visando finalmente desestabilizar o Bernardes. De fato, o evento do dia 21 foi uma manifestação grandiosa, contando com 15.000 milicianos legionários, com direito a missa campal, aqui a minha frente, na Praça da Estação. A multidão estendia-se da praça até ao longo da Avenida do Comércio. Eram centenas de milicianos de diversos municípios do Estado, que prestaram continência à passagem dos fundadores da Legião de Outubro. Quando chegou o Sr. Dr. Francisco Campos, ministro da Educação e da Saúde Pública, por si e como representante do Sr. Presidente da República, os milhares de pessoas que compareceram à gare da Central receberam-no


86 | Sulamerica Hotel

Imagem do Sul Americano Hotel, construído em 1928, na esquina da Rua Caetés com a Av. Amazonas. S/a, anos 1930. Acervo APM.

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88 | Sulamerica Hotel

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com estrepitosas palmas, e, sob aclamações do povo, seguiu até o carro

não o pegou por lá. Desde que chegou, já engordou uns dez quilos. Não

JOTA MACIEL e esposa (1944)

oficial. A missa foi rezada às 8 horas por D. Antônio dos Santos Cabral,

sei se foi a boemia que o curou ou se foi mesmo o Congresso Eucarístico.

Profissão: Delegado Proveniente de: Patos de Minas. Próximo destino: Patos de Minas

arcebispo de Belo Horizonte, em intenção do vigor e êxito que se deveria esperar da nobre cruzada. Após a missa campal, o Sr. bispo de Uberaba,

MICHELANGELO PIERUTTI (1937)

D. Sant’Ana, fez uma saudação aos legionários e milicianos do Estado.

Profissão: Arquiteto

Assistiram ao ato os membros do governo, arcebispos e bispos, além de

Proveniente de: Padova (Itália) Próximo destino: Deve permanecer na

todos os milicianos e legionários. Assim na terra como no céu. Espero que

cidade assim que se firmar profissionalmente.

não troquem as cores da minha fachada por cáqui, não me cairia bem.

Entrada dia 16/10/1937. Saída: dia 13/02/1938

HELENO ROSA (1936)

Gostei deste rapaz que se veste com elegância, traje bem cortado de exímia

Profissão: Músico

fatura, grandes olhos claros sob um cenho de seriedade e firme esperança,

Proveniente de: Rio de Janeiro Próximo destino: Buenos Aires

passada larga e decidida, mãos com dedos longos e finos de pianista e um

Entrada dia 12/01/1936. Saída: dia 09/12/1936

jeito de pegar no lápis que já nos fazia antever os seus dons de exímio desenhista. Registrava Belo Horizonte e a praça que via de sua janela em

Não estou suportando mais receber tantos tísicos. Desde que a cidade

esboços rápidos, mas de grande beleza, que deixava espalhados por sobre

ganhou fama por suas qualidades climáticas adequadas à recuperação de

a cama e pelo chão e não sei se afinal os guardava ou se os deitava fora, o

doentes de pulmão, é um tal de aportarem por aqui cantores, jogadores de

que seria uma pena. Belo Horizonte é pródiga em receber artistas italianos,

futebol, gente da noite, poetas (porque tantos poetas são tísicos, meu Deus?)

se é que dizer “artista italiano” não é em si um pleonasmo, já que todos

e de várias outras profissões, vindos de diversos cantos de Minas e do Brasil.

os daquele país que recebo por aqui revelam talento artístico em uma

Dirão vocês que eu deveria estar satisfeito, pois, com a crise dos hotéis ao

ou outra área. Ele se autodefine

meu redor, pelo menos eu tenho movimento, não sei como andam o Hotel

como um arquiteto de tendências

Avenida, o Brasil Palace Hotel, o Normandy ou mesmo o Hotel Boa Noite,

neoplasticistas, seja lá o que for isto,

vulgarmente conhecido como “Buraco Quente”. Mas é que essa gente é

não bastasse o tal déco. Parece ter

muito ambígua. O Sr. Heleno mesmo, com sua aparência almofadinha,

sido convidado ou bem recebido

amplo topete, um olhar de superioridade, queixo miúdo e lábio recortado

por seus colegas italianos como o

em constante riso cínico, no momento em que aqui se registrou disse

próprio Signorelli, meu criador, e

estar vindo para o II Congresso Eucarístico. Claro que duvidei de tanta

um discípulo seu, o Raffaello Berti,

antecedência, em minha condição a gente aprende a conhecer as pessoas

este da província de Pisa. Soube

só pelo seu jeito, seus hábitos e suas conversas (e, é claro, pelas espiadelas

que ambos estão trabalhando em

em seus aposentos), mas também imaginava que um assíduo frequentador

um edifício em construção bem

do Montanhez Dancing Club, já célebre, embora inaugurado há dois anos,

aqui perto, na Rua Espírito Santo

não poderia ter tanta devoção assim – ou talvez tivesse muito pecado a ser

com Carijós, destinado a um

perdoado. Parece que, em suas perambulações pela cidade, andou fazendo

Banco. Pelos esboços que vi em

uns sambas debaixo do Viaduto Arthur Bernardes, não sei como a polícia

seu quarto, o tal do neoplasticismo

Entrada dia 01/07/1944. Saída: dia 05/07/1944

Modulor de Le Corbusier regulador de medidas da escala humana universalmente aplicável desenhado por Le Corbusier para a arquitetura.

nada mais é do que uma evolução do déco. Em tudo, no entanto, seu modernismo parece bem diferente do francês, trazido aqui por um tal Le Corbusier, arquiteto que há dois anos andou de visitas pela segunda vez ao Rio de Janeiro, e cujas ideias conheci através de uns magazines esquecidos aqui por um estudante também francês. Parece-me que os arquitetos não estão se entendendo bem em meio a tantas tendências arquitetônicas, mas o menino sabe o que quer, também me parece. Oportunidades não vão lhe faltar, afinal é conterrâneo dos Lunardi que tão bem trabalham em mármore e ladrilhos policrômicos prensados, artefatos de cimento, gesso e areia, os mesmos que, em sua oficina, criaram, bem aqui ao lado, o magnífico piso do grande hall da Estação Central. Uma dessas manhãs, o rapaz revelou pretensões acadêmicas e já começa a cotejar a Escola de Arquitetura, fundada há seis anos e que há dois já é considerada de utilidade pública. O Signorelli esteve envolvido com a fundação da Escola, o que deve facilitar a aceitação do rapaz. O que o motiva especialmente é o fato de constituir-se na primeira escola brasileira fundada como Escola especificamente de Arquitetura e não como fruto das Belas-Artes ou da Politécnica, como é usual em todo o mundo.

Embarque dos pracinhas da FEB no dia 29 de junho de 1944 no navio de transporte de tropas USS General W. A. Mann.

O semblante dos dois membros do casal era muito parecido, um misto de dor e de orgulho, uma saudade antecipada, uma antevisão do véu da morte e de perspectivas de glória, como se estas fossem as únicas duas opções da vida, de qualquer vida, de qualquer destino humano. Dava-me pena ver os dois, ambos de baixa estatura, ainda moços, na expectativa do aceno de um adeus ou um até breve a seu filho, desde já um bravo soldado, mas com a certeza de que esse gesto também serviria para suas próprias vidas que, nos próximos anos, ficaria suspensa à espera de notícias. O registro mostra que voltariam a Patos de Minas, para seu cotidiano, delegacia, criação rural, afazeres domésticos, talvez só a rotina mesmo para iludi-los de que nada mudaria. O Brasil relutara em entrar em combate, “seria mais fácil uma cobra fumar do que o Brasil aderir à guerra na Europa”, diziam, mas agora não havia mesmo jeito de não fazê-lo. “Pracinha” era um epíteto carinhoso, mas meio estranho para se chamar um guerreiro. Coisas da cultura brasileira, muito “boa praça”. E por falar em praça, a minha praça, nunca a vi tão cheia de gente como naquela manhã de embarque dos soldados da Força Expedicionária Brasileira que iam integrar-se ao V Exército dos Estados


90 | Sulamerica Hotel

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Unidos da América, nosso bom vizinho, para a campanha da Itália. Nossos

organização sindical, o descanso semanal remunerado, a participação no

ausência generalizada de gordura que caracterizava todo o seu corpo, aliás

homens iam lutar contra a nação que ajudara a construir Belo Horizonte,

lucro das empresas, dentre outras. O Brasil realmente mudara muito nos

como também em todo espanhol (só conheci um com um pouco mais de

que nos dera feições artísticas, que nos trouxera civilidade e sofisticação,

últimos 15 anos. Não se teria visto antes tanto operário junto na Praça da

carne, este louco por pão-de-queijo). Alto, esguio, já com alguma calvície,

que forjara nossa personalidade impregnada em um sem número de belos

Estação, ocupando todos os seus espaços, não para embarcar, mas para

sobrancelhas sempre arqueadas e um sorriso meramente insinuado, como

edifícios e obras de arte. No entanto - grande ingratidão! – quando, há

exigir direitos trabalhistas, como uma decorrência natural do tanto que eles

se desbragá-lo fosse revelar a estratégia da revolução, mania de sempre

dois anos, a Perfumaria Italiana, bem aqui ao lado, foi destruída pelo ódio

já haviam ganhado no período de Getúlio. José era um inquieto. A sua voz

tomar uma cachacinha meio que de soslaio, às ocultas, ainda quando não

advindo da guerra, quando os odores das essências finas espalhadas pelos

rouca não se sabia se era dom de Deus ou resultado de seus gritos de ordem.

era necessário esconder, homem de falar contido e de muito saber, coisa

meus arredores passaram subitamente de Eros para Thanatos, eu já sabia

Entrava e saía a todo o momento, fizera questão de ficar no epicentro da

que seus olhos não conseguiam deixar de revelar, apesar da sobriedade com

que cedo ou tarde isso aconteceria. Os italianos homenagearam nossos

manifestação para acompanhar de perto cada passo, cada movimento, cada

que se apresentava. Sua experiência profissional se forjara em excelente

mortos em belíssimas esculturas espalhadas por todo o Cemitério do

lance. Ao ver o burburinho lá fora, pensei que fazia sentido que, na nova

escola, o Cassino Atlântico, no Rio de Janeiro, onde a diversão era a

Bonfim e agora iríamos matá-los sem pompa ou circunstância, “não chore,

estética dos edifícios, não houvesse mais lugar para o requinte ornamental

vertigem e nem o futuro ou o passado importavam aos clientes, apenas

meu filho, não chore, (...) no arco que entesa tem certa uma presa, quer

que me fora agraciado em minhas formas. Não havia mais como pagar

o momento vivido, tão fugaz, por inconsequente, quanto duradouro, por

seja tapuia, condor ou tapir”, ou um italiano... Não chore, não chore. Ser

tanto dispêndio do tempo de um operário, talvez por isso a plástica dos

consequência. Não tinha ambições, como seus colegas italianos, de ter

amigo ou inimigo é só uma questão de ocasião. Dramas não faltam entre as

novos tempos fosse tão nua, despida das vestes delicadas que faziam a

seu próprio estabelecimento, sua própria trattoria ou cantina, de produzir

várias quatro paredes de meus andares, mas eles não deixam de me trazer

dignidade de qualquer prédio, até os mais modestos. A simplificação déco

pizzas – nesse momento um prato novo no Brasil que as pessoas pareciam

certa emoção, de se impregnarem de alguma forma no reboco de minhas

já me era estranha, mas apenas prenunciava a nudez total, a substituição

adorar. O espanhol preferia servi-las a prepará-las, como também preferia

alvenarias, coisa que nem as várias demãos da tinta do tempo conseguem

da mão do homem pela frieza da máquina. As construções que começavam

estar em contato direto com as pessoas da noite, vendo-as discutir teatro

esconder.

a surgir ao meu redor não tinham pudor em se mostrar na transparência

ou cinema, literatura ou jornalismo, gozar da liberdade de ir e vir, ver cine

Não são poucos os que entram furtivos em minhas dependências. Jessé

de vidros cada vez maiores e roupas de menos, como escandalosamente

grátis na Praça da Estação ou loucuras como aquelas trazidas por Klauss

Ferreira Filho foi um deles. Muito discreto em seu trajar, seus modos e

JOSÉ DA SILVA (1947)

o vinha fazendo o Banco da Lavoura, na Praça Sete ou o fizera o Edifício

Vianna, de gente mexendo o corpo só com barulhos. Ao contrário dos

suas anotações. Difícil bisbilhotar seus aposentos, difícil perscrutar seus

Profissão: Operário

Ibaté, há mais de dez anos atrás, também visto da Avenida Afonso Pena.

habitantes noturnos que faziam a ronda dos bares a lazer, ele a fizera a

movimentos, difícil antecipar suas ações. Pelas minhas deduções pertencia

trabalho, em roda da Praça da Estação. Começara servindo feijão tropeiro

ao Movimento Revolucionário Marxista ou ao Movimento Revolucionário

Proveniente de: Juiz de Fora.

Passeata dos 100 mil - junho de 1968. Em meio a ditadura militar, 100 mil pessoas foram às ruas para pedir o fim do regime. Foto: Divulgação.

Proveniente de: Diamantina. Próximo destino: sem registro Entrada dia 02/04/1968 Saída: dia 04/04/1968

Próximo destino: Juiz de Fora

OLYMPIO IBAÑEZ (1955)

no Tran-Chan à noite e cachaça no Fincas durante o dia (já que à noite este

Tiradentes, mas tenho quase certeza que participava de ações armadas

Entrada dia 01/12/1947

Profissão: Garçom

virava pensão). Depois passou a servir joelho de porco e hi-fi no Alpino, um

em um movimento conhecido como “Frente”. Talvez pelo excesso de

Saída: dia 15/12/1947

Proveniente de: Madrid/ Espanha e Rio de Janeiro. Próximo destino:

pouco mais para cima, já na Avenida Amazonas. Senti saudades quando

discrição é que passei a suspeitar dele. Nada de novo naqueles dias, todo

Belo Horizonte, quando se estabelecer

ele se mudou para sua residência definitiva na cidade. Recomponho-me

mundo suspeitava de todo mundo. Toda vez que via sua figura, cabelos

Entrada dia 01/03/1955 Saída: dia 23/02/1956

rápido: se há um sentimento que um hotel não pode ter é saudosismo, o

despenteados, um blazer surrado sobre uma camisa amassada, olhos

mundo é um ir e vir, eu é que o sei, talvez até mais que as estações de trem,

fundos e um bigodinho ralo, imaginava, logo abaixo de seu rosto, o registro

Naquele

dezembro

de

1947,

comecei a receber um movimento inusitado. O José era apenas um

Por que todo espanhol é anarquista? Nunca recebi um que não o fosse. Ou

porque, diferentemente destas, convivo um pouco mais de tempo com as

de uma data, quase como uma foto oficial em um reclame de procura-se.

de tantos que afluíam a nossa

comunista. O “seu” Olympio não era diferente, parece que o sangue lhe

pessoas e compartilho de suas intimidades. Boa sorte, “seu” Olympio, onde

Às vezes alguém entrava em meu saguão, procurando por um “professor”,

cidade para o III Congresso dos

fervia nas veias quando se falava em algum caudilho ou ditador. Embora

quer que esteja.

mas, ou havia muitos com essa qualificação entre meus hóspedes de então

Trabalhadores de Minas Gerais.

sua fisionomia tentasse esconder quando esse tipo de assunto vinha à

Na pauta de reivindicações, a

baila, seu ódio era facilmente perceptível pelo ligeiro rubor que coloria sua

JESSÉ FERREIRA FILHO (1968)

o “estudante” do quarto 201, ou seria? Nesses anos de chumbo, minhas

regulamentação do direito de livre

pele muito fina e muito branca, sua face muito magra, condizente com a

Profissão: Estudante

janelas pareciam como que vendadas e a Praça, deserta como a nação,

ou não tinha nenhum que assim se registrara. Não seria, de qualquer forma,


92 | Sulamerica Hotel

| 93

deteriorava-se dia-a-dia. Sabia que algo estava ocorrendo na Escola de

manifestações de rua. Os jornais também disseram “en passant” sobre um

segundo soube depois, a perseguia, querendo matá-la. Graças ao mesmo

Engenharia, a poucos passos de onde eu me localizava, mas nesse quatro

tal Luiz Inácio da Silva, que teria trabalhado como intermediário entre

Deus que ela invocara junto à Estátua, eu acho, o super-herói Celton

de abril ela permaneceu fechada, uma cautela quanto às manifestações

patrões e empregados e negociado o atendimento parcial de algumas

salvou-a e a trouxe sã e salva de volta a seus aposentos. Espero que ela

pelo assassinato de Edson Luis de Lima Souto pelas forças de repressão

reivindicações e a substituição da presidência do Sindicato, até então

retorne o ano que vem.

no restaurante estudantil Calabouço, no Rio de Janeiro. A polícia se postou

ocupada por um nome indicado pelos militares. Como não cheguei a

em frente à Escola e também reprimiu algumas manifestações estudantis

ver o retrato desse intermediador nos jornais, nunca vou saber se o Luiz

na Praça da Estação. Jessé nunca mais voltou. Nem para pegar suas coisas.

Inácio da Silva era o “meu” Inácio da Silva. Pode ser. A história ou os frequentadores do Boteco do Zé Beleza o dirão.

INÁCIO SILVA (1979) Profissão: Operário Proveniente de: Ipatinga. Próximo destino: Ipatinga

AURORA LACARMÉLIA: 2003

Entrada dia 29/07/1979. Saída: dia 04/08/1979

Profissão: Aposentada Proveniente de: Ouro Preto. Próximo destino: Ouro Preto Entrada dia 14/07/2003 Saída: dia 16/07/2003 Aurora devia ter uns 90 anos, mas não demonstrava nem 50. Fora exvereadora em Ouro Preto, mas sua história foi marcada por um fato, em Belo Horizonte, que a impressionara a vida inteira. Tendo assistido à inauguração da estátua do Monumento à Civilização Mineira na Praça da “Celton” é uma publicação independente de Lacarmélio Alfêo de Araújo, segundo ele, sem vínculo com qualquer partido ou movimento político. Não conta com nenhum patrocinador, sendo totalmente bancada pelo autor que a vende, ele próprio, nas ruas de BH.

Estação, em 15 de julho de 1930, criou com ela uma espécie de vínculo Passeata dos trabalhadores da construção civil na rua dos tupis durante a greve dos pedreiros. Acervo MHAB/Fundação Municipal de Cultura

metafísico e estudou-a bastante ao longo dos anos. Só ela sabia que a

Inácio trazia uma grande mala quando se registrou no balcão. A princípio,

firme e decidida, voz doce e bochechas fartas, cabelos meio lisos, meio

pensei que ele ficaria por longa temporada, apesar de não parecer turista

encaracolados e sem mostrar os sinais do tempo, surpreendentemente por

Ficha Técnica

nem comerciante. Quando escreveu sua profissão, vi que ele não se

não parecerem pintados, com uma franjinha que lhe criava uma estampa

EDIFÍCIO AURÉLIO LOBO, ATUAL SUL AMÉRICA HOTEL

demoraria muito e, no dia seguinte, pude confirmar minhas suposições,

de velha com cara de menina, pois, apesar da jovialidade de suas mechas e

estourara a primeira grande greve dos trabalhadores na construção civil

corte, se viam as rugas da testa, seu queixo duplo, uma suave papada. Parecia

e, aberta sua mala, ali só havia panfletos e papéis diversos. Os primeiros

que irradiava luz, nunca alterava a voz. Via-a em seu quarto rememorando

movimentos da greve começaram na Praça da Estação, com sérios conflitos

as palavras que diria à estátua, em seu aniversário: “oh, Senhor Jesus, eu,

entre os operários e a Polícia Militar, que se viu cercada por eles. No dia

em minha insignificância, rogo-vos aceitar o meu agradecimento sincero

seguinte, os jornais batizaram o movimento de “Rebelião dos peões”,

pela perseverança de acreditar no impossível! Viva a Liberdade!” Veio

que teve também seu mártir, Orocílio Martins Gonçalves, morto em

procurar por ela um tal Armando, também político em Ouro Preto que,

estátua tinha uma vida secreta e uma espantosa mobilidade, deslocando-se de seu pedestal quando em defesa dos necessitados. Apesar da aparente fragilidade decorrente de tantos anos vividos, Aurora era dona de postura

Endereço: Av. Amazonas, 50 Data da Construção: 1928 Arquiteto: Luiz Signorelli

Tombamento: Municipal (1994)

O super-herói Celton tem como cenário de suas aventuras as mesmas ruas por onde anda o seu autor.


94 | Monumento à civilização Mineira (1930)

Monumento à civilização Mineira (1930)

MONTANI SEMPER LIBERI (inscrição sob o monumento)

Sou um ser lançado no mundo, mais propriamente em 15 de julho de 1930. O mundo já existia e acontecia antes de mim. Se vim com a missão de trazer as boas vindas a quem chega à cidade ou de apresentar, pela minha postura e flâmula, as características do povo desta terra, considero hoje essas duas como missões secundárias. Eu nasci para observar. Por isso sou todo olhos. Não são apenas as cavidades orbitais do meu rosto que exercem essa função, pois minhas pupilas são feitas da mesma matéria da minha pele ou da minha carne. Diferentemente das imagens dos santos de madeira que saem em procissão e têm olhos de vidro para poder melhor ver as transparências das almas, enxergar os pecados e condenar os pecadores, eu permaneço fixo e os meus olhos são todo o meu corpo, antena que sou do movimento, do ir e vir, do chegar e partir. Os afetos que perscruto são os dos que passam e não tenho para eles nenhum juízo de reprovação ou absolvição, mas profunda compaixão por já ter presenciado tanto fato e tanta paixão. Todos eles passaram. Eu, que sou imóvel, me movo tanto como aqueles que, a meu lado e em torno de mim, vão e vêm, porque com eles deixo fluir meus sentimentos e com cada um me identifico em sua agonia ou em seu júbilo, imerso que estou na vida, na mais pulsante que há, neste imenso largo urbano onde só há movimento, o movimento de toda a cidade. A dureza do bronze que faz a consistência de meu corpo ou a minha postura viril escondem ao olhar desatento ou sempre apressado dos transeuntes a minha alma sensível. Ninguém pode ser passivo lançado ao território do coração da cidade, onde eu estou. Se minha bandeira e meu braço erguido transmitem a falsa impressão de uma eterna valentia, é que mais do que homens, que, pela cultura não podem chorar, eu, por natureza, não posso extravasar na minha pele meus sentimentos internos. Não bastasse o bronze que me conforma e imobiliza, que me dá existência e me prende nela eternamente, estou ainda fixado em granito, mas profundamente solto no pleno vazio de um espaço preenchido de sons, desejos, direções, intenções, brados, encontros, desencontros, dramas cotidianos, fugacidade, conflitos, gestos de amor ou camaradagem, gestos de dor ou desespero, mãos dadas ou destruidoras, pés cansados ou apressados, lentos ou impulsionados por urgências que logo se dissipam. Convivem comigo, a meus pés, em realidade física incompleta e em frustrado impulso existencial, os quatro personagens que dirigem minha consciência e que tentam moldar o meu jeito de ver o mundo, como,


96 |

| 97 aliás, faz com todos nós aquele deus onipresente a quem damos o nome de “civilização”, tautologicamente completando, assim, o meu propósito de vida: revelar a civilização dita mineira. São eles dois bandeirantes e dois mártires da independência, dois modos de viver pautados pela transformação e pelo rumo ao futuro, pela criação e pelo descobrimento, ironicamente fixados em bronze e em pedra, reduzidos a cenas imaginárias de uma história possível, alegorias do que poderia ter acontecido, com as mãos que transformam o mundo congeladas em uma única cena, ou com os pés que lhes permitem descobrir-se presos a um chão de conjectura histórica. É claro, portanto, que convivo, na modorra dos tempos eternos, com quatro amarguras, com quatro maneiras céticas de ver o mundo e, não fora o burburinho dos humanos que passam, penso que, mesmo em bronze, dificilmente conseguiria manter erguido o meu gesto otimista. De frente para a Estação, Bruzza Spinosa, bandeirante que além de tudo está expurgado dos livros de História escolar, remói sua frustração por ter percorrido Europa, Bahia e Minas, Jequitinhonha e São Francisco, de ter pertencido à corte de Tomé de Souza, de ter sido picado pelas moscas de sertão e matas, e agora estar congelado em um único sítio, antítese de seu impulso de vida, mero penduricalho aos pés de uma figura que ninguém sabe quem é, que alguns pensam que é Tiradentes quando jovem, a percorrer os quatro cantos de Minas com a boa nova da Inconfidência. Para ele são todos idiotas, os que não o conhecem, os que o confundem com algum personagem histórico e até mesmo eu, para ele insolente jovem sem passado ou história. A Bruzza o que importa é viver: dramas são inconsistências da alma. Talvez seja o personagem que primeiro vê quem chega à cidade, porque também chegou primeiro à História, grande coisa, ainda mais que, como se sabe, à História interessa menos quem chega primeiro do que aquele que por mais tempo nela permanece, porque a história é a ciência da assimetria do tempo e dos personagens que assim a tecem. À minha direita está Felipe dos Santos, um dos maiores personagens de esquerda da nação brasileira. Fixado na pedra em cena e expressão dolorosa, de nada adiantam os corcéis a que ele se encontra atado, pois Inauguração do Monumento à Civilização Mineira. S/a, 15/07/1930. Acervo APM.

continua a se contorcer de impaciência e vontade de ser livre, superar


98 | Monumento à civilização Mineira (1930)

| 99

definitivamente o momento doloroso em que o petrificaram. Odeia por

dolorosos, veem as mesmas coisas: um mundo mais livre e estimulante,

isso o nosso criador, o ítalo-paulista Giulio Starace, e só o consola a raiva

quer seja o do cerrado, ondulante e sem fim, quer seja o das serras, que

que este escultor sentiu ao ser obrigado, pelo assessor do Presidente

encerram a paisagem mas propõem horizontes inusitados. O mártir da

Antônio Carlos, o Engenheiro Baeta Neves, a cobrir as minhas partes

independência não se fecha em postura de mártir. Apesar da corda ao

pudendas com o panejamento do meu estandarte. Em minha opinião

pescoço que para sempre se lhe fixou à visagem, o labor do Giulio o coloca

ficou pior a emenda que o soneto: rígido e ereto que é o meu mastro,

em expressão permanentemente atenta. Apesar de envolvido em cena

aqueles que querem ver o falo como dominador do mundo não precisam

trágica, consegue ainda manter observação cordial com os que passam.

procurá-lo por debaixo dos panos. Mas o fato é que Felipe dos Santos

Alguns o reconhecem, algumas crianças o apontam com o dedo, mas isso

tempera seu amargor com o sofrimento eterno, enquanto durou, por

não o envaidece ou o encanta. Seu encanto é o desencanto com a opressão,

suposto, do sensível Giulio. Felipe não consegue compreender por que

que torna uma emoção negra em explosão de cores e possibilidades. Ele

aqueles que sofrem calados ao por ele passar não bradam e se mexem.

sabe que a vida continua em direção ao horizonte e após, que ganha

Como gostaria de fazer isso por eles!

corpo inteiro em Praça Tiradentes e liberdade espiritual à medida que

Na sequência, em giro anti-horário, às costas de Spinoza, mirando o

sobe Afonso Pena até chegar à bandeira nacional, que aponta para o alto.

Arrudas, surge Fernão Dias Paes Leme, de certa maneira o inventor das

Apesar de enforcado e esquartejado, ele é um otimista, pois afinal, foi

Minas Gerais, por ser o desbravador dessas terras inabitadas - porque

recomposto em um sem número de esculturas por Minas afora. De suas

índios não contam, são parte da natureza selvagem. O velho Fernão

várias cabeças, podemos dizer que uma das boas é esta que dialoga comigo,

deveria ficar com os olhos rasos d’água ao ver a profundidade das águas

pela eternidade afora.

do Ribeirão a correr constantemente em direção ao Velhas e daí para

Antes de eu aqui estar, à minha volta nem sempre existiu um largo. Embora

o mundo infinito, mobilidade que lhe foi suprimida pelo bronze que o

pareça ser implícito que em frente a uma estação nada pode se constituir

fixou no espaço e pela História que o fixou no tempo. Ainda bem que

em obstáculo entre chegada e destino, isto só veio a ocorrer quando aqui

seu sofrimento foi suavizado pelo ocultamento das acintosas águas,

cheguei. A sabedoria cósmica finalmente impôs esse direito urbano,

pela canalização do movimento fluido e da liberdade das ondulações

evitando para sempre que algum incauto ousasse fazer jardins onde se

aquáticas, pelo tamponamento de sua flutuação. Ainda bem que Felipe

deve alargar a vista, demarcar canteiros onde deve vigorar a liberdade de

dos Santos e Tiradentes, por mirarem daqui outras plagas, não estão

qualquer direção, colocar bancos onde não se deve parar. É uma lei das

obrigados a conviver com tanta supressão de liberdade, isto aumentaria

cidades. Assim deve ser. É a mesma lei que garante sua ocupação civil

ainda mais sua condenação. Para Fernão Dias, de cuja posição vislumbra

coletiva em momentos de festa ou de comoção, em momentos de celebração

privilegiadamente a cidade, as pessoas são riquezas em circulação e seus

ou de mútua aliança. Isto é o largo de uma estação, seu destino é acomodar

dramas são riqueza urbana, o verdadeiro sal da terra. De seu observatório,

as solidões errantes, o passo variado, no dia-a-dia, e as multidões, nos

vê pessoas e paisagens em transformação, o que lhe confere sensibilidade

momentos em que os passos desconexos queiram se reunir em feixe ou

maior e, também, melhor humor.

que as solidões queiram se encontrar.

Finalmente Tiradentes, que se volta, por assim dizer, para os Gerais, ele

O largo existiu sem mim longos 33 anos, se contarmos desde a inauguração

que veio das Minas. Se aparece como antípoda ao Felipe dos Santos,

da cidade, como existiu sem o prédio nobre, que lhe dá alcunha, 22 deles.

mantém com ele um fraternal e estimulante convívio. Paradoxalmente,

Sei que nossas ausências lhe eram indiferentes, absorvido que sempre

embora mirem em direções opostas e o façam em meio a momentos

esteve em cumprir sua missão urbana. O que não lhe foi indiferente foram


100 |

| 101

Nesta imagem o escultor Giulio Starace posa junto à maquete do primeiro modelo do Monumento à Civilização Mineira. Inicialmente este monumento teria três conjuntos de estátuas de bronze além das placas: nos conjuntos laterais apareceriam Felipe dos Santos arrastado pelos cavalos e a condenação dos inconfidentes. No topo figuraria o espírito montanhista, representado por um camponês com seu cachorro. O projeto final, no entanto, ficou bem mais simples, com apenas uma estátua, representativa do espírito libertário de Minas. Inicialmente um nu, esta figura foi mais tarde modificada para tornar-se mais pudica, com a bandeira tapando suas partes íntimas. S/a, 1930. Acervo APM.

Vista parcial do largo da Praça da Estação. Acervo MHAB/Fundação Municipal de Cultura

os acontecimentos das décadas seguintes, que pouco a pouco foram

mas o abandono. Não mais o gesto amigo do abraçar-se e do dizer “você

lhe drenando a energia vital. Já seria de se desconfiar que algo estaria

por aqui?”, mas a violência; não mais o sorriso simpático da solidariedade

ocorrendo quando o trem, fonte que lhe abastecia de vida, começara pouco

neste barco à deriva que é a vida urbana, mas a violência; não mais o

a pouco a ser substituído pela nova máquina de transporte individual, o

caminho seguro que nasce de se ver que todos caminhamos e que não há

automóvel, que, qual vírus de lenta disseminação, viera pouco a pouco

uma só direção, mas a violência; o medo no lugar que deveria ser o mais

aumentando sua presença até lhe tomar todo o corpo, a desagregar toda

seguro do mundo por dispensar muros e polícia, apenas protegido pelas

a sua consistência de vazio. Talvez isto já fosse de se esperar porque a

vidas que se cruzam e que, ao fazerem isso, se amalgamam como consistente

Prefeitura, em 1898, já mandara calçar de paralelepípedos o local, junto à

e generosa alvenaria, a coibir a violência e a propiciar a fraternidade. A

Estação, onde estacionam os carros e, em 1910, por portaria, determina que,

mobilidade é o muro mais poderoso contra o abandono e a violência,

dos 37 carros existentes na cidade, sete deveriam estacionar na Praça da

exatamente por se constituir na antítese da separação, demonstrando que

Estação. Ainda nos anos 1930, em seus arredores foram se construindo os

só o que une efetivamente protege e ampara. Como prova desta verdade,

viadutos de Santa Tereza e Floresta, apresentando-se como vias urbanas

ofereço a constatação de que somente a nova concentração de pontos

para ligar as pessoas separadas por linha férrea e por água, concebidos em

de coletivos e sua conexão com o novo metrô, a partir dos anos 1980,

generosa largura para convidar e abrigar caminhantes, possibilitar olhares

iniciariam a reversão da decadência do largo, apagando a terrível imagem

cruzados e conversas ligeiras de grupos que estacassem para discutir

de meu corpo como única forma humana a sobreviver em um mar de

o governo de Getúlio ou para observar as grandes linhas que riscavam

automóveis estacionados no amplo espaço da praça.

o território urbano levando o futuro e deslocando a pujança. Logo os dois viadutos se infestaram de carros que expulsavam os pedestres para

Tudo isso não seria possível, no entanto, se as próprias pessoas não

suas margens, sem qualquer cerimônia ou bons modos. Já nos anos 1940

reagissem a reivindicar o seu lugar. Em 1980, elas já se organizavam em

e 1950, o clima urbano parecia estar propício a tal proliferação virótica

manifestações políticas, comícios e passeatas, ocupavam mesmo o grande

que se alimenta de torres e de gente, quanto mais, melhor. Um de seus

vazio urbano, reconhecendo-o como adequado ao povo e a seus brados.

sintomas era o ataque aos comboios ferroviários, deles retirando gente e

A sociedade civil parecia reagir ao vírus, reforçada que fora pela injeção,

mantendo só as cargas.

embora em doses lentas, de uma nova democracia que já se vislumbrava

Mas, se o efeito virulento já se prenunciava em quarenta e cinquenta,

no belo horizonte. Um fato, de certa forma normal no desenvolvimento

a partir daí é que se tornou mais terrível. O largo deixou de ser o local

das grandes cidades, funcionara como o estopim de uma reação, em um

dos que chegam ou dos que cruzam a cidade, deixou de ter o marco da

tempo em que a sociedade procurava como louca a presença de gatilhos,

centralidade, marca fundamental de sua personalidade – a letalidade do

a lhe dar razões de revolta. Os órgãos centrais de planejamento de

vírus se revelava especialmente por sua ação de ataque à alma – e passou a

trânsito e transportes GEIPOT, METROBEL e EBTU pareciam ameaçar

ser o local do abandono e da violência. Não mais as solidões que cruzavam,

a integridade da praça com a proposta de instalação de vários terminais

reconhecendo, uma na outra, a réstia da esperança, mas o abandono; não

de ônibus para a integração com o novo trem metropolitano e a possível

mais o encontro fortuito de gente que passa e se solidariza em seu ir e vir,

demolição de parte de seu conjunto arquitetônico. Foi o que bastou para

mas o abandono; não mais a fraternidade dos que se amparam por habitar

grupos de defesa do patrimônio histórico da cidade, entre eles o Instituto

o mesmo lugar e compartilhar o mesmo território, mas o abandono; não

de Arquitetos do Brasil, se mobilizarem na defesa do berço da capital.

mais o risco aleatório marcado por nós de encontro ao chão rabiscado,


102 | Monumento à civilização Mineira (1930)

| 103

Em 1981 se realizaria o I Encontro pela Revitalização da Praça Rui

alguns pactos urbanos, consolidados no documento final do Encontro,

Conjunto Arquitetônico e Urbanístico da Praça da Estação foi tombado

Barbosa, envolvendo técnicos, entidades civis, poderes públicos

coerentes com sua proposição inicial de debater e traçar uma política que

pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas

constituídos, universidades, que debateram sobre a “Praça da Estação,

definiria diretrizes para a conservação da área da Praça da Estação e a

Gerais (IEPHA), ao mesmo tempo em que se criava a CBTU (Companhia

origem e destino”, como se batizou o evento. Discutiam-se coisas como a

compatibilização dos projetos ali executados – citem-se o alargamento do

Brasileira de Trens Urbanos), responsável pelo planejamento e operação

distância entre os tecnocratas responsáveis pelas decisões, sediados em

canal do Rio Arrudas, o projeto PACE (Projeto de reorganização da área

dos trens urbanos nas principais capitais brasileiras. No âmbito municipal,

Brasília, e a cidade real e de fato, destino final dessas decisões, debates

central de BH) e o Trem Metropolitano - para que tudo isso fosse implantado

na ausência de uma “lei de tombamento”, e como medida alternativa,

que resultaram em ações concretas como a criação, nesse mesmo ano,

em harmonia com o patrimônio histórico aqui existente. Propostas

incorporava-se à nova Lei de Uso e Ocupação do Solo de Belo Horizonte,

da Divisão Especial do Metropolitano de Belo Horizonte, denominada

nobres não faltaram: criação de uma comissão mista sociedade/governo

promulgada em 1985, um perímetro de proteção da Praça, como sucedâneo

DEMETRÔ. Paralelamente a essas ações concretas, firmaram-se

para acompanhamento de projetos e obras, transformação dos prédios

à lei de 1983 que já a havia consagrado como área de urbanização restrita.

históricos em centros culturais, recuperação do depauperado paisagismo

O perímetro definido pela Lei, de fato apenas incorporava os limites

da praça com espécimes nativos, dentre outras. Até mesmo uma proposta

e diretrizes já estabelecidos pelo IEPHA, reconhecendo os edifícios

que extrapolava os limites da Praça fora feita, a criação de uma Comissão

tombados individualmente e a diretriz de 12 metros como limite máximo

Municipal de Tombamento, sob a presidência do Secretário Municipal de

do que viesse a ser construído na área.

Cultura, Turismo e Esportes, além da criação da Fundação Municipal de

Enquanto o processo de proteção se intensificava, o metrô se solidificava,

Cultura, proposta esta extremamente necessária para a cidade que ainda

se é que esta é uma expressão correta para algo que se propõe a mover-

não possuía um órgão municipal de seu patrimônio, o qual vinha sendo

se. Em 1986, o DEMETRÔ iniciava sua operação em superfície, no largo

dilapidado em um vórtice autofágico nunca visto anteriormente. Mas,

trajeto que unia a Estação da Lagoinha ao Eldorado, e, em 1987, inaugurava-

como diz o ditado, de boas intenções o inferno está cheio (e me parece

se o braço Lagoinha-Estação Central. Com a nova mobilidade, a praça

também de automóveis), pouco ou quase nada foi efetivamente feito, além

parecia ganhar vida e, já no final da década, era ocupada pelo Forró de

do impulso preservacionista ali gerado. Na administração do prefeito Júlio

Belô, por comícios e festas populares, enquanto se aguardavam ações

Laender, sob a Coordenação do Departamento de Cultura, da Secretaria

mais consistentes para sua revalorização. É certo que foram realizadas

Municipal de Turismo, Esporte e Cultura, formou-se uma comissão, com

algumas restaurações nos edifícios do complexo da Rede. Ainda nesses

participação de instituições como IAB, PLAMBEL, IEPHA, Museu Abílio

anos 1980, foi criado o Núcleo Histórico da Rede Ferroviária Federal na

Barreto, UFMG e as Secretarias Municipais de Serviços Urbanos e de

Casa do Conde de Santa Marinha e instituído o Concurso Nacional de

Obras, entre outras. O então diretor do Departamento de Cultura, o

Anteprojetos para o Museu de Arte de Belo Horizonte, antiga e ainda

artista plástico José Alberto Nemer, entendeu ser a principal tarefa dessa

não realizada aspiração da cidade, no terreno vago ao lado do largo, em

Comissão a apresentação de um projeto de lei à Câmara Municipal, para

posição simétrica ao Edifício Central. O projeto vencedor nunca foi

criação da Lei Municipal de Tombamento, sem a qual o município não

construído e, de certa forma, felizmente, porque até

disporia de nenhum mecanismo para proteger as edificações de interesse

sua desastrosa ocupação recente, o grande lote se

histórico da cidade, medida que só viria a ocorrer muitos anos mais tarde.

constituía em reserva estratégica de encadeamento

Por tudo isso é possível que vocês entendam que, na minha condição de

urbano, juntamente com os vários terrenos e

imutabilidade e de duração, a paciência vem a ser virtude indispensável.

prédios públicos da região da Casa do Conde.

Entretanto, enquanto o município não se mexia para se proteger,

As coisas pareciam estar caminhando para

utilizaram-se os mecanismos que estavam á disposição e, em 1984, o

um resultado positivo. A cidade reconhecera o

Documento final do “I Encontro pela revitalização da Praça da Estação” promovido pelo grupo de defesa do patrimônio natural e cultural do Instituto de Arquitetos do Brasil, departamento de Minas Gerais (IAB/MG).

Projeto Flávio Carsalade e equipe

Projeto Alda oliveira e equipe

Projeto Joel Campolina e equipe

Projeto vencedor.


104 | Monumento à civilização Mineira (1930)

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lamentável estado de seu berço, reagira e pressionara para a requalificação

como se os bordos abraçassem as multidões e os transeuntes, mas ao

Apenas em 1998 se deu o tombamento definitivo do Conjunto da Praça

de seu mais amplo e histórico largo. Assim, em 1995, na administração

mesmo tempo lhes franqueasse livremente a passagem, oferecendo-lhes,

Rui Barbosa e adjacências pelo Conselho Deliberativo do Patrimônio

Patrus Ananias, a Prefeitura realizou licitação para o projeto de

através do tênue véu criado pela irmandade dos grandes pilones, a visão

Cultural de Belo Horizonte. Os planos que se seguiram ficaram no papel ou

recuperação da área da Praça Rui Barbosa, vencida pela BGL Arquitetura

da urbe e, por sua inconsútil transparência e pelo desobstáculo gerado, a

na intenção. A Operação Urbana do Parque Linear do Arrudas, proposta

(arquitetos Eduardo Beggiato, Edwirges Leal e Flávio Grilo) que, para

possibilidade de ir-se ao seu encontro.

pelo IEPHA e pelo IAB, visando implantar um parque em todo o território

tanto, foi contratada. Cumpre ressaltar que mesmo este projeto resultou

A Rua dos Caetés, por sua vez, também passou por medidas requalificadoras.

de propriedade da Rede Ferroviária Federal, ensejado por sua liquidação

de uma preocupação requalificadora de toda a área central, por parte da

Parece que os arquitetos da cidade haviam aprendido as lições de com

em 1999, não passou de projeto de lei aprovado pela Câmara Municipal,

administração municipal, revelada pela edição de outro concurso, “Ruas

ela dialogar e respeitar seus ritmos e ritos, depois de uma época de tanta

sem consecução. A realidade colocou em seu lugar a ocupação privatista

da Cidade”, destinado a selecionar equipes para elaboração de projetos

destruição e desrespeito ao passado. A rua do comércio popular, que

da Polícia Militar, a construção de um templo evangélico e a construção

urbanísticos. Mas, mesmo com toda essa convergência de interesses, a

desde os primórdios mantinha essa tradição, teve seus prédios antigos

de um Centro de Referência da Juventude, em meio à ilha cultural da

obra da praça apenas seria inaugurada em 2004, e os investimentos no

recuperados, as descaracterizações revertidas e, principalmente, a celebrar

Casa do Conde e dos galpões da FUNARTE. A sina de surrupio de espaço

Centro, notadamente na Rua dos Caetés, também só se fariam no mandato

e propiciar o caminhar de quem vai às compras, suas calçadas ampliadas

de vocação pública ao cidadão comum voltava a mostrar sua terrível

do Prefeito Fernando Pimentel, a partir de 2003, dentro do programa

e o contato com a parte térrea dos edifícios desobstruída de lojas de todo

face e a subtrair do centro da cidade a sua última reserva estratégica.

denominado “Centro Vivo”.

o tipo, que derramam sobre quem passa, em

Não vingou também, em sua amplitude, o projeto da municipalidade

Quando inaugurada, a nova feição da praça

gesto de oferta, suas mercadorias variegadas,

denominado “Projeto Quatro Estações”, de 2001, liderado pelo arquiteto

se mostrou em perfeito diálogo com sua

as quais, tão diferentemente do que ocorre

José Abílio Belo Pereira, o qual procurava criar alternativas urbanísticas

espacialidade e tradição histórica. Conservou-

nos shopping centers, prevalecem sobre a

para todo o trecho entre as estações Santa Efigênia, Central, Lagoinha

se o grande largo, aberto, amplo, receptivo,

decoração dos recintos. Um viva à rua, um

e o Terminal Rodoviário. Foi como se se deixasse ao sabor do destino o

mantendo-se todo o grande universo que à

brinde aos espaços públicos!

futuro dos decadentes prédios dos atacadistas da Rua dos Guaicurus, o

não tardaram a aparecer os conflitos: privatização de espaço público para

minha volta girava estático e que propiciava

A iniciativa da empresária Angela Gutierrez,

enorme contingente de imóveis desocupados e subutilizados, os galpões à

shows de grupos, grandes mas excludentes; presença de grades a coibir

todas as direções. A instalação de repuxos

em 2000, de implantação de um museu

minha volta ou a ocupação dos terrenos da extinta RFFSA. Horror vacui,

passagens em eventos “particulares”; depredação de patrimônio público

de água, no solo, a funcionarem quando

dedicado ao trabalho, no prédio da Estação,

a cidade, que não sabe conviver com o vazio, mostrava novamente suas

e do patrimônio cultural, pichação - como expressão legítima de grupos

o largo estivesse vazio, como alternativa

também sinalizava como importante âncora

garras.

ou do crime? -, vendedores de droga e insegurança urbana contrastando

cênica, inaugurava outro tipo de movimento

de recuperação da dignidade da praça.

Mas a grande qualificação de meu largo, da praça e dos arredores viria

com a afluência cada vez maior de pessoas, lugar de livre expressão e de

e, poeticamente, fazia dialogar o vazio com o

A inauguração do museu, em 2002, viria

através da presença cidadã, minha razão de ser. À minha volta, a vida urbana,

presença popular (em contraste com a ascética Praça da Liberdade e seu

movimento, como a revelar a condição sempre

confirmar a importância da iniciativa para o

em todas as suas faces, acontecia em um carrossel de tipos, diferentes

circuito cultural gerido por grandes empresas), comerciantes a reclamar

presente neste espaço. A água temperava

reviver de meus arredores.

classes sociais, manifestações culturais de toda ordem, artistas, skatistas,

de mendigos e uma opção bastante clara de preferência pelo lugar por moradores em situação de rua; manter ou retirar pontos de ônibus,

Praça da Estação tomada por foliões durante o carnaval de 2015. Foto: Alexandre Mota

a aridez que se abatia sobre o solo, quando o sol castigava e expulsava

Por outro lado, a Secretaria Municipal de Cultura que, desde sua criação,

moradores de rua, boêmios, notívagos, muambeiros, toreros, passageiros de

as pessoas, reintegrando-as por sua amenidade. Espalhada em vários

revelara opção e compromisso com a Praça, deixava suas instalações no

ônibus, comerciantes, vagabundos e ocupados, frequentadores de templos,

demolir ou consolidar os usos do edifício Central; moradores a reclamar

repuxos, parecia ser a afirmação de que, para sempre, estava aqui garantido

Edifício Central para outras atividades da administração municipal, e

esportistas de rua, gente, muita gente, movimento, muito movimento.

dos encontros de bandas e duelos de MC’s sob o viaduto; duplicar ou não

o burburinho, a multiplicidade, o ir e vir, o bailar e o interagir. Os grandes

migrava, em 2001, para o edifício Chagas Dória, de modo a espalhar os

Isto no varejo da apropriação individual, porque no atacado dos grupos

o viaduto da Floresta; o 104 abrindo e fechando, funcionamento 24 horas

suportes verticais de iluminação, deslocados para os bordos do grande

benefícios da presença qualificada a toda a região.

vieram as festas, os comícios, as reuniões de igreja, os shows, o carnaval.

dos sete dias das 52 semanas do ano e, se mais houvesse, mais movimento

espaço central, liberavam definitivamente o seu miolo e definiam os seus

No entanto, como visto, não foi fácil chegar até aí, e apenas uma pequena

A cidade se realizava em plenitude no seu berço, parecia ser o lugar de

teria. Tudo o que me alimenta, devo confessar. Gosto muito disso, até

contornos, de modo a evitar que o vazio vazasse para outras plagas. Era

parte do amplo potencial de meu universo fora efetivamente realizado.

todos, sem distinção. Mas, como lugar de contradições que também é,

mesmo porque permaneço inabalável em face de tantos conflitos da raça


106 | Monumento à civilização Mineira (1930)

“Amigos, quando esse moço subiu no bloco de sustentação da estátua e reconstruiu com seu corpo o “Monumento à Terra Mineira”, meu coração vazou por entre os dedos da mão. O bronze enfrentado pela carne viva, em cores, a bandeira esvoaçante, a forma humana; é um marco que efetiva a Praça da Estação como Espaço Público da cidade. A despeito das tentativas de transformá-la em um espaço de controle excessivo do poder privado municipal. O monumento originalmente feito para receber a população que chegava a Estação e honrar a conquista da coroa portuguesa juntamente com sua oposição, a Conjuração Mineira; agora recebe a população que vem se banhar e constituir um dos espaços cívicos mais importantes de BH, também em oposição a coroa, mas desta vez à Municipal. A inscrição em latim gravada no bronze logo abaixo dos seus pés diz: A Montanha Sempre Está Livre (Montani Semper Liberti ). À terra mineira dizemos, com muito protetor solar e guarda sol laranja: A Praça é Livre!”. Priscila Musa

| 107 humana, esta tão inconstante e tão cheia de embates.

manifestantes. Eu, acostumado a tantas formas de luta popular, comícios

rua viravam crentes e depois desviravam, membros da igreja convertiam

Por volta de 2009, a tensão chegara a um ponto em que o governo

e multidões, confesso nunca ter experimentado maneira tão alternativa

almas desgarradas e eram bem recebidos, ou nem tanto, atores de teatro

municipal entendeu ser necessário intervir e “disciplinar” o espaço. O

de expressão. Celebrei, nesses dias, o grande vazio que me envolve, eterno

encenavam com as pessoas e às vezes tinham que impor limites aos

Prefeito Márcio Lacerda, pressionado pelo uso “indiscriminado, excessivo

contenedor e propiciador do frescor de cada geração que traz a novidade

atores espontâneos mais entusiasmados em seus papéis, maconheiros

e predador” da praça, houve por bem promulgar um decreto proibindo ali

do tempo, cores sempre novas, movimentos inaugurais.

e pichadores às vezes toleravam a bronca dos policiais, e às vezes não,

qualquer manifestação pública. A reação não tardou. Ainda em dezembro

A “Praia” não foi o único movimento de reivindicação de uso livre do

apresentavam-se pessoas que vendiam drogas ou bugigangas apenas

desse ano, respondendo a convocações variadas organizadas através da

espaço urbano. Ainda em 2010 aqui se realizou, em duas edições, o

para sustentar suas famílias ou planejadores urbanos e autoridades que

Internet (vadebranco@gmail.com), diferentes grupos e indivíduos, de

“Eventão de qualquer natureza” com shows e outras atividades culturais

queriam retirar o morador de rua e, de repente, mudavam de idéia, a

diversos extratos sociais, começaram a se mobilizar e iniciou-se o episódio

em franca desobediência ao édito administrativo, sempre com uma

considerar que eles fazem parte da cidade, havia gente que só queria fazer

que ficou conhecido como “Praia da Estação”. O “vá-de-branco”, embrião

organização espontânea, auto-financiada e cooperativa. A terceira edição,

ali um xixizinho - que ninguém aguenta segurar além da conta – e havia

da “Praia”, convocava os cidadãos a trajar o branco e se manifestar contra

em 2011, reuniu mais de 600 desobedientes, com a presença constante

gente que se agregava aos outros para se manifestar e depois se rebelava

a proibição. Em janeiro, pleno calor de verão, o branco foi desvestido em

da Guarda Municipal e da Polícia Militar, inicialmente a sugerir que

por achar que estava tudo muito organizado e com lideranças intoleráveis.

sungas e biquínis, na convocação para se ocupar o grande largo como se fora

se retirassem e, no fracasso da admoestação, a observá-los, aliás, como

Eram todos uma grande família de rua, tolerante e intolerante, fraterna

uma praia, “de maneira divertida, lúdica e aparentemente despretensiosa”,

ocorrera desde a primeira vez. Quando não se conseguia realizar os shows

e briguenta, com gente de bem e ovelha negra, como toda a família

afinal estavam ali todos os ingredientes de uma boa praia: sol, água e

na própria praça, utilizavam-se os baixios do Viaduto Santa Tereza como

compartilhando o mesmo lar.

muito espaço livre, além, é claro, de gente se relacionando, rodas de violão

espaço alternativo, porque, por não ter muros, uma praça que se preze

A vida das ruas fez renascerem os prédios, ou foi o contrário? Daqui onde

e batuque, peteca e um bom debate sobre a proibição do prefeito. Era o

sempre vaza para as ruas da cidade.

estou fica difícil enxergar os bastidores, mas penso que a definição de

dia 16 de janeiro de 2010 e, junto com a praia, inaugurava-se oficialmente

Os movimentos acabaram por gerar desdobramentos oficiais. Após apenas

quem veio primeiro efetivamente não importa, pelo fato de que rua e bares,

um jeito contemporâneo de posicionamento político, acéfalo, horizontal,

duas semanas da primeira “Praia”, em 29 de janeiro de 2010, a Prefeitura

rua e lojas, rua e espaços culturais se complementam mutuamente. Isto é

anônimo, acolhedor de todo tipo de causas, multi-intencionado e, parece,

criou uma comissão especial para revisão do decreto que, em maio, foi

cidade, isto é praça. Em 2010, na esteira da praia e embalado pelos duelos,

bastante eficiente, tanto que, no ano seguinte, marcaria profundamente

“aperfeiçoado” com novos critérios e regras para a utilização da Praça, tais

nascia o cabaré Nelson Bordello, que viria a ser o legítimo sucessor do bar

a vida nacional com as grandes manifestações populares durante a Copa

como seu cercamento, limitação do número de eventos e participantes e

que existira há poucos anos no prédio da Estação, ampliando ainda mais

das Confederações, batizadas por alguns historiadores como as “jornadas

cobrança de um valor caução, para o caso de danos ao patrimônio público.

o público frequentador a várias tribos urbanas, com shows de diversos

de junho”. O endereço não era particular, mas de todos: “pracalivrebh@

Era a privatização instituída e, por isto, com a chegada do verão de 2010,

gêneros e preços “generosos”, cuja varanda era a própria rua, os pontos

gmail.com” e os que eram individuais, de e-mails personalizados, eram

em dezembro, as praias foram retomadas. Não era novidade para mim, já

cobertos do transporte coletivo, apresentando a vantagem adicional de

compartilhados pelo perfil @pracalivrebh no Twitter e publicados em

que desde sempre me apresentei em traje de banho, como a propugnar,

abrigar o samba mesmo quando o bar estava fechado. No mesmo ano,

diversos blogs da cidade. Como a “praia” passou a se repetir todos os

ad aeternum, o uso público do lugar.

ao lado do Bordello, entrou em cena o Teatro Espanca que, na prática,

sábados, até maio, a água dos repuxos foi cortada, mas os “banhistas”, que

Enquanto se realizavam as tratativas oficiais, as diferentes tribos e gentes

se apresentou como um grande centro cultural alternativo, com shows,

já iam ao local com boias, máscaras de mergulho, toalhas de piquenique,

que frequentavam aqui em volta construíam seus pactos. Vendedores de

feiras, cinema, pocket-shows, recitais ou qualquer nome que se queira dar

esteiras, guarda-sol e outros apetrechos apropriados, não se abalaram,

droga respeitavam os que com eles nada queriam, assaltantes só roubavam

a essas manifestações da cultura.

contrataram caminhão-pipa para o necessário componente de uma boa

quem desse muita bobeira, policiais faziam vista grossa para muita coisa

A dinâmica da cidade fecha e abre bares, oferece lojas e as troca segundo

praia: água para se refrescar. Esta parecia ser uma das vantagens da

e só agiam sob demanda específica ou, vez ou outra, para manter a

conveniências do destino, mas os movimentos se sucediam, pois o show

praia artificial, se falta mar, qualquer água é possível e bem-vinda, o sal,

moral, moradores de imóveis reclamavam e toleravam, alternadamente,

deve continuar e o preço da liberdade é a eterna vigilância, conforme ouvi

indispensável a qualquer boa água marinha, ficava a cargo do labor dos

gostavam e não gostavam sem uma frequência definida, moradores de

em diferentes tempos, dito por diferentes grupos. A Ocupação sucedeu


108 | Monumento à civilização Mineira (1930) a Praia e o Eventão. Com o cuidado de se chamar encontro e não evento

que articulam esses eixos urbanos, onde estariam os espaços a serem

retratadas em meu pedestal. As lutas são outras, os processos são diversos,

para não ferir susceptibilidades oficiais, a Ocupação continuou com a

recuperados e onde os índices construtivos seriam majorados como

continua a haver injustiça de ordens variadas. Sigo sendo quase o mesmo

dinâmica de shows, com a mobilização via Internet e a promoção de

forma de pagamento do investimento privado. Pelos debates iniciais

monumento à civilização mineira, com a diferença que, a cada geração,

comunhão da Família de Rua. Enquanto os meios oficiais, via Fundação

que ensejaram sua formação, a comissão deveria ser representativa da

agrego outras camadas a meu bronze.

Municipal de Cultura, procuravam integrar a Família e as instituições

multiplicidade dos agentes que atuavam na região, de forma a garantir seu

constituídas em um projeto batizado de “Corredor Cultural Estação

caráter e sua diversidade, evitando-se a exclusão social. Assim, a comissão

das Artes”, a Ocupação corria por fora, sem apoio oficial, atenta aos

apresentava, em sua composição, além dos tradicionais membros ligados à

desdobramentos da pista e, como mobilização constante, pronta para

administração municipal, também representantes de movimentos sociais,

agir quando necessário, como nas discussões e obras de restauração do

de comerciantes, de moradores do entorno, da população em situação

Viaduto Santa Tereza, em fevereiro de 2014, com a atualização de nome

de rua, dos esportes urbanos, da mobilidade e acessibilidade, além da

para “Viaduto Ocupado”, ao suspeitar que as reformas não atenderiam as

tradicional representação dos arquitetos. A comissão se reuniu durante

reivindicações da Família.

vários meses e buscou fornecer subsídios para uma equipe de arquitetura,

O “Corredor Cultural Estação das Artes” surgiu frente à notícia de

apresentada pela Prefeitura e que se responsabilizaria pelo projeto de

que o Governo Federal, através da intermediação do IPHAN, liberaria

reabilitação urbana do trecho, dentro das diretrizes por ela propostas.

recursos para ali serem aplicados, dentro do chamado PAC (Programa

Convém notar que as diretrizes não se restringiam apenas a intervenções

de Aceleração do Crescimento) dos Centros Históricos. A proposta

físicas, mas a toda uma gama de iniciativas e novidades para o “Corredor”,

da Fundação nascera a partir desta motivação, mas também buscava

tais como implantação de política pública para o atendimento à População

reconhecer os movimentos populares que aqui se realizavam, além de

de Rua, desburocratização de uso do espaço público, realização de Plano

integrar os mais de 20 equipamentos e instituições ligadas à área e que se

Diretor Participativo para o conjunto, destinação do estacionamento da

instalavam desde a Avenida dos Andradas, na altura da Rua Varginha, no

Rua Aarão Reis para mercado de uso popular e, é claro, reformulação do

Bairro Floresta, até o Parque Municipal e a Rua Sapucaí, e que tinha como

decreto que regulamentava o uso da Praça da Estação. Apesar de tudo isso,

objetivo “mudar o visual e fortalecer a vocação artística da área central da

nem o projeto arquitetônico se mostrou coerente com as proposições e

cidade”, além de implantar, nos antigos galpões da Rede Ferroviária, a

nem as ações propostas de gestão do espaço urbano se efetivaram, o que

“Escola Livre de Artes”. Tudo isso deveria ficar pronto para a Copa de

acabou não tendo muita importância, porque os recursos também não

2014.

chegaram, pois a instrução superior era que eles não seriam liberados para intervenções em vias públicas, mas se restringiriam aos imóveis da

Os trabalhos se iniciaram a partir da criação de uma comissão cujo

União ali existentes.

objetivo era estabelecer diretrizes para o projeto de requalificação urbana que aqui se faria como primeira medida para obtenção dos prometidos

O recurso não chegou, as obras não se realizaram e a região da praça

recursos. A instalação desta comissão se deu em um cenário de fortes

continua em processo, aberta à apropriação que se faz à revelia deles e aos

suspeitas, já que a região inteira estava incluída em outra iniciativa de

inúmeros planos que para ela ainda hão de ser feitos. Eu, por minha vez,

planejamento municipal, a operação urbana de recuperação de espaços

continuo aqui, impassível, a observar tempo e gente, testemunha muda

públicos municipais, denominada “Nova BH”, e que se estendia pelos

da história dos homens a constituir seu processo civilizatório em meio a

eixos norte-sul e leste-oeste da cidade, nas áreas lindeiras às avenidas

embates e descobertas, a construir continuamente cenas dignas de serem

| 109 * O Conjunto Paisagístico e Arquitetônico da Praça Rui Barbosa (Praça da Estação) é constituído pela Praça, seus jardins e esculturas e o perímetro descrito no processo de tombamento. Inclui os prédios da Estação Central, da antiga Estação Ferroviária Oeste de Minas, os Dormitórios e Armazéns da Estação, a Casa do Conde de Santa Marinha, o Edifício Chagas Dória, a antiga Serraria Souza Pinto e os prédios da UFMG (antigo Instituto de Química, antigo Instituto de Eletrotécnica e antigo Pavilhão Mário Werneck), além dos viadutos da Floresta e Santa Tereza. Definiu-se para o conjunto uma altura máxima para novas edificações em 12 metros. O tombamento estadual do conjunto foi homologado pelo Decreto nº 27.927, de 15 de março de 1988, e está inscrito no Livro I, do Tombo Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico, número de inscrição XXIII, página 04v; e no livro do Tombo das Belas Artes, número de inscrição XLIV, página 08.

* O serviço municipal de proteção ao patrimônio cultural de Belo Horizonte foi instituído em 1984, com a criação do Conselho Deliberativo do Patrimônio Cultural do Município, pela lei municipal nº 3802. O CDPCM-BH é o órgão responsável pela proteção do patrimônio cultural de Belo Horizonte. Composto por representantes da sociedade civil organizada e de órgãos e instituições públicas, reúne-se uma vez por mês, quando são analisados e deliberados os processos de inventário, tombamento, registro imaterial, registro documental e as propostas de intervenção nos conjuntos urbanos protegidos. Todo o aparato de proteção ao patrimônio tem fulcro na competência jurídica estabelecida pela Constituição Federal de 1988: art. 23, incisos III e IV, art. 30, inciso IX, combinados com o art. 216, inciso V e §1º, e pela Lei Orgânica do Município de Belo Horizonte de 1990: art. 167 e art. 168, caput; encontrando-se em plena consonância com as normas contidas no Decreto-Lei nº 25, de 30 de novembro de 1937; no Decreto-Lei nº 84, de 21 de dezembro de 1940: art. 133; no Decreto nº 80.978, de 12 de dezembro de 1977; na Lei Municipal nº 3.802, de 06 de julho de 1984; no Decreto Municipal nº 5.531, de 17 de dezembro de 1986: art. 8º, incisos I, II, III, IV, XI, XIII, XIV, XXI, XXII, XXIII, XXV; e na Lei Municipal nº 7.165, de 27 de agosto de 1996: art. 11, inciso III, art. 12, inciso IV, art. 13, inciso II, art. 14, art. 15, caput e parágrafo único, e art. 16; Lei Municipal 7.166, de 27 de agosto de 1996: art. 60 a 64, e art. 66, inciso V; no Decreto Municipal nº 9.470, de 23 de dezembro de 1997: art. 2º, inciso I, letra m.


110 | Edifício Chagas Dória (1934)

Edifício Chagas Dória (1934)

| 111

N

o desenvolvimento arquitetônico de nossa belíssima capital moderna, encontrávamonos, quando fui criado, em nova fase, quando se verificava cada vez mais a substituição das casas velhas, de inspiração passadista, de final de século, hors de la mode, por

um estilo finalmente adequado aos novos tempos, baseado na Exposition internationale des Arts décoratifs et industriels modernes realizada em Paris, em 1925. Orgulho-me de ser um arauto desse esprit nouveau que, finalmente, fez jus à pujança de uma cidade moderna e em franca expansão cultural e

desenvolvimentista.

Em uma cidade com um plano à primeira vista pouco convidativo, onde o acentuado paralelismo de

ruas

criava

uma

monoformidade monótona e monocórdica, tornou-se muito importante que se pontuassem por toda essa urbe novíssima edifícios como eu, dotados da mais viva vitalidade, como se concebido nas mais altas esferas da verdadeira arte. Fui parte de um seletíssimo e pequeno grupo de arranha-céus que, ao longo dos quarteirões ab origine do centro da capital, se ergueram, entre as décadas de 1930 e 1940, com uma “volonté d’imposer sa griffe en evidence au-dessus de la cité, au-dessus des autres marques commerciales” , gigantes que, juntos, encomendaram nada menos de 70 contos em elevadores! Nasci da mesma estrada de ferro que trouxe o progresso, fruto das companhias de trem, tendo sido batizado com este nome em homenagem ao Sr. Chagas Dória, fundador da Caixa de Socorros dos Empregados da Estrada de Ferro Oeste de Minas, cujo busto em metal se encontra em meu hall nobre. Chamam-me de futurista e me veem comprometido com “a beleza da velocidade” de Marinetti, porque meus adornos lembram conjuntos de “pontes que parecem acrobatas gigantes que transpõem rios, cintilantes ao sol com um lampejo de facas” ou são como um “voo suave de aviões, cujas hélices esvoaçam ao vento como uma bandeira”. Sou sim, isso tudo, meu pó de pedra efetivamente brilha ao sol como uma faca cortando o horizonte da cidade vergel, e meus planos verticais, em ondulações rítmicas, apontam para o céu, aviões e bandeiras soltos no ar. Tenho potência, vitalidade,

Edifício Chagas visto do final do Viaduto Santa Tereza, observando-se na rua sapucaí e alguns automóveis na avenida Assis Chateaubriand. Acervo MHAB/Fundação Municipal de Cultura


112 |

| 113 sou uma máquina feita para abrigar o trabalho do homem ou, como diria

cerca é o passado, ainda mais naquela quadra de tempo em que surgi,

o eminente arquiteto franco-suiço Charles-Edouard Jeanneret-Gris,

para espanto de todos. Naquele momento já apontava a Belo Horizonte

alcunhado Le Corbusier, ou como se expressaram Prampolini, Pannaggi e

futura, cumprindo seu destino de ser sempre moderna e vanguardista.

Paladini, jovens protagonistas do Segundo Futurismo, em maio de 1923: “a

Superei frágeis e tímidos arranha-céus como o pioneiro Ibaté e prenunciei

Máquina se torna a fonte inspiradora para a evolução e o desenvolvimento

o grandioso Acaiaca e o enorme Sulacap, alertando a cidade sobre o

das artes plásticas (...) a Máquina hoje imprime o ritmo da grande alma

cumprimento de sua missão de se tornar uma skyscraper-city. Construímos,

coletiva e dos vários indivíduos criadores. A Máquina marca o cadenciar

em conjunto, de fato, o tempo futuro, marcado pela produção industrial,

do canto do Gênio. A Máquina é a nova divindade

pela altura e pela velocidade. O santuário do

que ilumina, domina, distribui as suas dádivas e

deus Aarão, a partir de nós, foi marcado pelo

pune, nesse nosso novo tempo futurista”.

reino de Mercúrio, tornando profanos todos

Alfredo Carneiro, o engenheiro que me projetou

os edifícios que nos cercavam e substituindo

no início da década de 30, não foi de fato meu

as funções menores pela presença do capital

autor. Foi, antes, um portador dessas novas idéias,

e sua força, pela presença da indústria e do

um médium, porque essas idéias não pertencem

comércio, sirenas substituindo sinos, dinamismo

a um homem, mas a toda uma civilização e se

substituindo a passada lenta passadista. Sinal

materializam porque elas têm força própria para

de um novo tempo, indício de uma nova era,

existir e têm de existir, no grande plano divino do

adoradora da rapidez, lisonjeadora do máximo,

Deus racional que projetou a escala do tempo. O

Plinio Codognato - Aquarela sobre papel Fiat 806 corrida (1927)

urbanisme en hauteur foi a grande solução para as

veneradora da quantidade e da opulência. Surgi, portanto, no momento em que a cidade

cidades, anunciada no momento em que nasci e que até hoje vem se

cumpria finalmente seu destino e em que a presença ferroviária era

mostrando eficiente e característica desse modo de vida que o homem

celebradíssima e altamente respeitável. Junto comigo, que nasci sobre

escolheu para seu futuro. Dizem que somos egocentrados e que temos

os auspícios e por causa da Rede Ferroviária, em 1936, nasceu também

tendências totalitárias, ou que é impossível sermos belos individualmente,

uma grande valorização da Praça da Estação, quando causou furor

mas só quando vistos em conjunto com outros de mesma estirpe, criando

a inauguração da Fonte Luminosa “Independência”, projetada por

uma espécie de “urbanismo artístico”. Quanta tolice! Se somos belos em

Antônio Corrêa Beraldo e instalada em um de seus cantos. Funcionava

conjunto, tanto mais belos somos individualmente, ou alguém, ao me ver,

regularmente aos domingos, mas era quotidianamente simbólica do

ao me fruir, não reconhece a grandeza de meus gestos, a pujança de meus

momento pelo qual passava a cidade e de sua relação com o trem.

ritmos, a imponência da minha presença entre Sapucaí e Paraopeba? Visto em minha vizinhança, sou como um comandante de regimento que

Da minha posição, à cavalera na cidade, sempre observei a vida e as

se destaca em sua tropa, que, por meu porte e forma, me imponho e

transformações que se processaram na Praça e no resto da paisagem

mereço o respeito e a admiração de meu povo.

urbana, seu pano de fundo. Vi-a ser pontuada cada vez mais por outros

Não me distingo apenas pelo porte, é bom que se reforce, mas porque,

arranha-céus, no vertiginoso progresso belorizontino. Mas via também o

enquanto minha vizinhança se queda estática, eu tenho movimento e

footing da Praça da Estação, esta uma espécie de síntese da cidade com

existo em constante tensão com quem me cerca. Sim, porque quem me

seus diversos estabelecimentos comerciais e industriais convivendo com


114 |

| 115

Ficha Técnica Endereço:Rua Sapucaí, 571 Data da Construção: 19234 Arquiteto: Alfredo Carneiro Santiago (presumido) Tombamentos: Estadual (1988) e municipal (1996)

O Edifício Ibaté (arquiteto Ângelo Murgel, 1933), situado à Rua São Paulo, 498, quase esquina com Avenida Afonso Pena, é considerado o primeiro “arranhacéu” de Belo Horizonte, apesar de ter apenas dez andares. Já o Edifício Acaiaca (arquiteto Luiz Pinto Coelho, 1943), que se posta magnanimamente na esquina da mesma avenida com as ruas Espírito Santo e Tupis, com mais do dobro da altura deste primeiro, se apresenta como nosso principal arranha-céu déco. Já o conjunto Sulacap/Sulamérica (arquiteto Roberto Capello, 1941), que ocupa toda a quadra formada pela Avenida Afonso Pena, Rua da Bahia e Rua Tupis, é uma das principais obras protomodernas da cidade, cuja implantação, criando uma bela praça urbana e uma especial visada do eixo do Viaduto Santa Tereza, se constituiu em marco de integração edifício-cidade, até que esta situação foi obstaculizada pela construção de um anexo em toda a extensão da Avenida Afonso Pena, nos anos 1970.

Vista a partir do Edifício Chagas Dória para a Praça da Estação.

zonas do baixo meretrício. São outra coisa as cidades que não o lugar de

esqueço – e a da Sapucaí, se prestaram a várias atividades, e quando,

convívio das diferenças? São outra coisa as cidades senão o lugar onde as

na virada do século XX passei a ser considerado cult (merecidamente,

pessoas se juntam para produzir e trocar, ou para gozar da fonte de seus

penso eu), abriguei funções burocráticas ligadas à cultura, a Fundação

lucros em diversões coletivas e solidárias? São outra coisa as cidades do

Municipal de Cultura, que orgulhosa e solenemente recebia as pessoas

que o contraste entre as massas informes e as celebridades, tão necessárias

na minha esquina aberta e acolhedora, encaminhava-as aos meus belos

entre si, uma a contraparte da outra? Em algum outro lugar se exerce

elevadores que, por sua posição central, os conduzia às minhas alas.

tanto o anonimato e a vigilância? A nova cidade desse tempo celebrava a

Sempre funcionei e sempre fui belo: passaram-se os anos, mudaram-se

conquista da civilização, se afirmava como o locus por excelência da vida

os gostos, mas permaneço admirado por todos. Sou um ícone da cidade,

humana e a Praça explicitava isso com suas diferenças e sua frenética

o velho Flash Gordon ou um ninja samurai ou um foguete, prédio em

atividade. Cotidiano mecanizado, novas tipologias edilícias, diversão para

chamas, brilho diamantado, sempre arauto do futuro.

as massas, novos serviços para novas necessidades, finalmente saíamos

Trecho da avenida Afonso Pena, na altura em que faz esquina com rua dos Carijós e São Paulo. À direita, o Edifício Ibaté em construção. Acervo MHAB/Fundação Municipal de Cultura

Edifício Acaiaca

Edifício Sulacap/Sulamérica

das cavernas. As populações cresciam, a Floresta, meu bairro, deixava de ser uma velha periferia para absorver cada vez mais gente que morava de maneira moderna, em constante sintonia com a cidade, ao invés de usar a casa como abrigo e esconderijo. Durante minha vida fui muitas coisas, o que só vem provar a utilidade das plantas modernas, abertas, funcionais, flexíveis. Minhas duas alas, a da Paraopeba – desculpem-me, hoje é Assis Chateaubriand, sempre me

* Roberto Franck foi um excepcional crítico de arte e arquitetura que escreveu na Revista “Perspectiva (litteris et artibus)”, editada por J. W. Carsalade, em meados da década de 1940. Muito da forma literária aqui utilizada e mesmo várias expressões vêm dos seus escritos, de onde selecionamos este trecho: “Mas – “tempora mutantur”. E, quando, no próximo ano, em dias de festa de já ativíssima preparação, Belo Horizonte celebrar o primeiro cinquentenário da sua construção num terreno, há meio século, quase deserto, a cidade se apresentará num vestido mais suntuoso ainda.” (“Urbanismo, Arte e Arranha-céus”. In: Seção Ronda Artística, Revista Perspectiva, julho de 1946, p. 50)


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Edifício Sede da RFFSA

(Década de 1910)

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N

este momento miro o pôr do sol desde a grande varanda da Rua Sapucaí. Tenho muitas e diferentes janelas para observar a cidade e o sol e por isso o faço também de várias maneiras. São janelas com sobrevergas dotadas de cimalhas em gola

reversa e frisos com aba, em cimalha reta ou com arquitraves em ferradura, com ou sem frisos, com detalhes ornamentais figurativos ou simplesmente geometrizados, em arcos plenos com ou sem cimalhas, às vezes com aduelas, às vezes com medalhões, todas entre marcações dos pilares dotados de capitel ornamentado e caneluras e detalhes geométricos em seu fuste, com ou sem parapeitos marcados e, neste caso, em falsa balaustrada, ou também geometrizados, finalizados ou não por cornijas, ressaltadas na volumetria, que às vezes se sustenta em duas falsas mísulas. Mais perto da esquina, ergue-se minha torre, cuja base é guarnecida por pavimento térreo, volume de contorno oitavado, quase uma bay-window. No alto dela, tenho minhas ventanas mais discretas, as menores em tamanho e as mais singelas em forma, espremidas mesmo entre cornija e entablamento em sequência horizontal que, abaixo do telhado, sob o beiral, estende-se em linha ininterrupta a reafirmar o limite superior, integrando os capitéis das pilastras que, em pirâmide invertida de ornamentação tripartida, dissimulam-se nesta cimalha, como se a sustentassem. Tal expressão recatada das aberturas é como uma expiação quanto a essa posição superior, evitando retirar a força das verdadeiras estrelas, as grandes aberturas que, sob mim, explodem em exuberância de formas e geometria, clássicas como devem ser, estruturadas em um grande vão ladeado por outros, menores em tamanho e largura, cuja única função é realçar a pujança da esquadria central que se ergue no eixo simétrico, encimada por verga em arco pleno guarnecido por frisos em diferentes planos de relevo e com aduela central em curvas e contracurvas. Se, abaixo do andar superior, no segundo pavimento da torre, são assim os meus olhos, no restante desse nível eu me abro de forma mais simplificada, porém não menos bela, em meio a requadros verticais em massa, também em espaço horizontal definido por fortes cornijas. Por esses olhos, logo abaixo do topo, vejo um céu em fim de tarde, abóbada que descende em azul apenas manchado de amarelo, duas cores que, neste primeiro momento do anoitecer, nunca se misturam em verde, amarelo-gualdo a criar um véu por sobre o azul entre o azul-celeste e o azul-pombinho, em franca busca de outros azuis mais escuros, entre marinhos e azulóios. Um pouco mais abaixo, no primeiro pavimento - e na sequência do percurso descendente do astro-rei - minhas janelas se desfraldam sob os medalhões ornados em motivos florais e marítimos que compõem as minhas vergas em gola invertida, alegremente fazendo brincar as flores, cordoalhas e nós com o amarelo quase champanhe com que nos brinda o sol em


118 | Edifício Sede da RFFSA (Década de 1910) direção a seu nadir. São flores e conchas, a princípio inertes, que recebem seu colorido diretamente dele, em seu movimento de descida e mergulho, completamente oposto ao meu, de torre que se dirige ao céu mais alto, mas que, no encontro de nossos movimentos, se animam, ganham vida, fazendo pétalas se soltarem da parede e cordas a balançar como se soltas ao mar. É pelo movimento do sol que meus ornatos se animam, é por seus raios que eles ganham cores, é em nosso diálogo que mutuamente existimos. Das janelas do térreo, arquitraves severas porque retas, mas adoçadas por iconografias de igual fatura às das minhas irmãs de cima, miro, a seguir, os dourados que não estão no horizonte, mas que, a partir dele, tingem todos os objetos da cidade e fazem com que nada mais seja cinza, verde, rosa, pó-de-pedra, ladrilho ou massa, tudo passando a ser áureo, como se toda a rua fosse esculpida de uma mesma rocha aurífera. O Eldorado, finalmente e a cada dia, se revelando por aqui, no lugar que fica entre as Minas e os Gerais. Como a transição da tarde, é assim a vida. Ela não se resolve nem nas partidas nem nas chegadas, nunca nos começos, onde é maior o temor e a perplexidade, nem nos finais, onde nada há mais a fazer, mas nos interstícios, nos meios, também no miolo da pedra, onde o traço do metal precioso brilha, protegido, ou que aparece na bateia, quando o fluxo na metade do rio da vida deixa suas marcas. O dourado no meio das Minas Gerais, no meio da vida, em minha existência média, antes do ocaso. De minha base, em pedra basáltica de corte irregular e rejunte em massa ressaltada, janelas em arco abatido, verga curva marcada por aduelas também em pedra - mas aqui com corte regular - vejo a cena seguinte a partir do rés-do-chão. Trata-se de uma visão privilegiada, onde o sol parece mais vermelho, no precioso momento em que atinge o limite entre a clara existência da manhã e o nada da noite que chega, lembrando-nos que a morte pode ser salpicada de estrelas e que a vida tem a fugacidade de um único dia. É com essa cor base que é tingido o verde que se espalha desde o meu encontro com o chão, onde eu suporto a massa

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vertical de tom claro que se ergue, ataviada e altaneira e que, apesar de

públicos de baixo escalão, imigrantes e, estendendo-se em direção a Santa

que levaram o imperador ferroviarista, D. Pedro II, a promulgar uma lei,

toda a sua virtuose neobarroca, necessita de meu peso e força para existir.

Efigênia, os militares de baixa patente e a comunidade negra, tudo isso

em 1835, que incentivava as empresas privadas a investir nas ferrovias,

O vermelho se apresenta, então, em profusão de tons, todos em festa

mesclado a casarões e chácaras de famílias

iniciativa de que bem se aproveitou o

de plena transmutação, como a celebrar o momento do dia em que esta

mais ricas em pontos mais privilegiados. Todo

Barão e Visconde Mauá em sua concessão

qualidade do viver se apresenta com mais vigor. Cereja, amaranto, coral,

este deslocamento habitacional abriu espaço

para construção e exploração da primeira

alizarina, persa, castanho, cardeal, carmesim, bordô, laranja, magenta,

para que a Rua Sapucaí se tornasse o grande

ferrovia brasileira ligando o Rio de Janeiro

rubi, terracota, vermelhão, scarlet, veneziano, cornalina, sangria, carmim,

terraço que é hoje e de onde acompanhei

a Petrópolis através da locomotiva Baronesa,

falu e borgonha, cor de rosa vermelha, de bico de tucano, de pedra rubi

a expansão da linha férrea, desde seus

de certa forma parente próxima de nossa

rubra preciosa, cor de sangue que se derrama, em passo lento e em minha

primórdios, em todas as suas transformações

Mariquinha e prima daquela que exibo em

direção, primeiro sobre a cidade, depois sobre a Sapucaí, sobre meu

de trem a metrô, e os diferentes veículos de

meu jardim frontal. No entanto, como a E.F.

gramado e, finalmente, sobre mim.

transporte coletivo, desde o ancestral bonde,

Mauá não se manteve financeiramente, mais

Mais tarde, precisamente em 1946, ganhei janelas ainda mais altas, quando

que partia da Praça da Estação até a Praça Rio

tarde se tornou a E.F. D. Pedro II e, em 1855, a

Raffaello Berti criou outra torre de nove andares, déco, bem ao lado da

Branco, inaugurado em sete de setembro de

E.F. Central do Brasil.

minha, fazendo dialogar duas eras no compasso da ascensão. Depois, no

1924 pela Companhia de Eletricidade e Viação,

Nessa história, Minas quase perde o trem:

último quartel do Século XX, no mesmo impulso existencial de se criar

desaparecido em 1963, até ao BRT Move,

foi só a sexta província a inaugurar a estrada

passando pelo inovador trólebus, nascido em

de ferro, já na década de 1860, quando

1953 e falecido em 1969, e passando ainda

a E.F. D. Pedro II alcançou os limites de

Mas, voltando ao meu corpo quase inicial e aos meus olhos de criança, a

pelo metrô de superfície, inaugurado em 1982,

seu território e se inaugurou a primeira

minha visão original finalmente se alargava nas amplas varandas que se

até aos banais ônibus urbanos convencionais

estação em nossas terras, a Paraibuna, em

instalaram em meu centro, rasgadas em paralelas ao horizonte, no fundo

movidos a combustível fóssil. Essa visão foi

1874, graças aos esforços continuados de

de meu recôncavo, meta de quem me adentra pela fraternal e acolhedora

facilitada especialmente porque, além de

dois grandes mineiros, Mariano Procópio e

escada que para os bem-vindos se abre. São tiras guarnecidas por

ser o portal de entrada de Belo Horizonte, a

Honório Bicalho, os quais, depois de mortos,

balaustradas e por pilares seccionados através de elementos geométricos

Praça sempre foi o abrigo de pontos finais de

reencarnaram em estações de subúrbio. Este

que, aplicados em seu fuste, quase os transformam em papiros nascidos

bondes e trólebus, ao mesmo tempo em que

pouco honroso sexto lugar se deve ao fato

em chão de calçada portuguesa. Por elas esqueço o movimento do sol

viu crescer o tráfego de automóveis e ônibus,

de que o primeiro objetivo das ferrovias era

para me concentrar na mobilidade da vida, afinal nasci sob o signo de

a despeito de já existir na cidade, desde 1941,

abrir uma saída para o litoral, razão pela qual

Mercúrio, no vazio causado pela velocidade do trem, no terraço primaz do

uma rodoviária com 105 linhas de ônibus

ficamos

belo horizonte, de onde se observa a cidade em todas as suas direções e

regulares de transporte intermunicipal.

província do Rio de Janeiro, depois da de São

olhos para melhor se ver, a torre modernista propunha outro jeito de observar, por janelas em fita entre vigas horizontais de concreto aparente.

Vista das fachadas lateral e frontal do edifício que abrigou o Escritório Central da Ferrovia Oeste de Minas. Acervo MHAB/Fundação Municipal de Cultura

os trilhos que lhes conferem sentido. Dessa posição vi a cidade se mover.

dependentes, primeiramente, da

Paulo, e por fim do Espírito Santo e da Bahia.

O Bairro Floresta era ainda o lugar daqueles que não tiveram lugar no mais

Sou filho do trem. Ferroviário de sangue. Foi

Superada essa primeira dependência, restava-

interior da nova capital. Já em 1895, antes portanto da sua inauguração, a

um longo caminho histórico ascendente até

nos achar nosso próprio caminho que, como

Rua Sapucaí abrigava a Favela Alto da Estação que, em breve tempo, cedeu

mim e, depois, em breve período, uma longa descida. Meus ancestrais

se sabe, por ser a linha de trem sempre amiga do rio, é junto a ele que

são fáceis de identificar, estão temporalmente bem perto, desde 1828,

encontra seu leito natural e mais fácil. Não seria diferente por aqui, onde

quando começaram os primeiros empreendimentos férreos no Brasil e

o caminho mais evidente seria o Rio das Velhas, passando, portanto, longe

lugar aos novos - e também excluídos - moradores do bairro, trabalhadores da construção civil, comerciantes, caixeiros viajantes, funcionários

Vista da fachada da Praça da Estação, ao fundo vê-se o Edifício Sede da RFFSA. Acervo MHAB/Fundação Municipal de Cultura


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de Ouro Preto e ameaçando ainda mais sua hegemonia como capital

em frente a mim, em 1920, inaugurada às pressas para receber a realeza

estadual, já meio combalida. A linha acabou chegando por lá, mas só com

belga, cuja vocação siderúrgica era a base do ferroviarismo. Consolidava-

algum esforço político, posto que, de início, buscou a garganta divisora de

se por aqui a centralização administrativa necessária a uma coordenação

águas do Rio Paraopeba com o Rio das Velhas, descendo para Itabirito e

mais racionalizada e que justificava a necessidade da construção de uma

Sabará. Assim, embora perto da nova capital, ainda em 1894, e já sendo

sede, razão pela qual vim ter a este mundo.

necessária para as obras da Nova Capital, a ferrovia encontrava dificuldades para aqui chegar. O entroncamento com a Estrada de Ferro Central do

Com o passar dos anos, algumas fusões se tornaram forçosas, até mesmo

Brasil acabou acontecendo no lugar denominado Arrudas, na bacia do

porque a hegemonia do transporte sobre trilhos começava a se perder.

ribeirão de mesmo nome, tributário do Velhas, na estação que passou a se

A Estrada de Ferro Oeste de Minas e a Rede Sul-Mineira e Paracatu se

chamar “General Carneiro”. Como a margem direita do Arrudas era mais

uniram para constituir, em 1931, a Rede Mineira de Viação. Alguns anos

acidentada devido aos contra-fortes da Serra do Curral e do Marzagão,

mais tarde, ao final dessa década, o governo Vargas iria fundir 37.019 km

e dos profundos vales onde correm Acaba-Mundo, Serra, Taquaril,

de ferrovias brasileiras, o que facilitaria ao Governador de Minas Gerais,

Tombadouro, Freitas, Manoel Luiz e Marianno Alves, assentou-se a linha

Juscelino Kubitscheck, na primeira metade dos anos 1950, devolver à

na margem esquerda, que não exigiria grandes obras, segundo estudos

União algumas ferrovias então ainda sob a responsabilidade do governo

do engenheiro José Carvalho de Almeida, da Comissão Construtora da

mineiro, entre elas a Rede Mineira de Viação que, em 1953, passaria ao

Cidade de Minas. Foi assim que, com bitola de um metro entre os trilhos,

regime de Autarquia Federal, tornando-se a mais extensa do sistema

vencendo uma diferença de nível de 142 metros e desenvolvendo-se na

viário brasileiro, com seus 3.882 km, dos quais 729 em bitola de 0,76 m e

extensão de 14.852 metros, finalmente inaugurou-se, em sete de dezembro

o restante em bitola métrica.

de 1895, a Linha do Centro, ramal que incluía a Estação Central da Cidade

O auge das fusões aconteceu na data de 16 de março de 1957, com a criação

de Minas, a de entroncamento (General Carneiro), com o material rodante

da Rede Ferroviária Federal S.A., através da coalizão de 18 ferrovias. Em

calculado para permitir o tráfego até Conselheiro Lafaiete.

1965, a R.M.V., juntamente com a E.F. Goiás e com a E.F. Bahia e Minas

O período entre 1908 e 1914, quando fui construído, muito a propósito,

transformaram-se na Viação Férrea Centro-Oeste e, em 1969, na Quinta

marcou o auge das construções ferroviárias em Minas e no Brasil, com a

Divisão Centro-Oeste da RFFSA. Em 1976, passou a ser chamada de

presença das estradas de ferro Leopoldina, com sede em Londres, Rio e

Superintendência Regional 2, com sede em Belo Horizonte. Manteve-se

Minas, a Rede Mineira de Viação, (mais extensa que a Central, abrangendo,

assim até o ano de 1996, quando, dentro do programa de desestatização

além de nosso Estado, também Rio de Janeiro, São Paulo e Goiás), a de

da RFFSA, foi incorporada pela Ferrovia Centro-Atlântica (FCA), que faz

Morro Velho, que ligava Nova Lima à E.F.C.B., criada para atender a St.

parte do grupo Vale. Este foi um dos resultados da política de privatizações

John d’El Rey Mining Co Ltd, a E.F. Mogiana, a E.F. Goiás e a E.F. São Paulo

do Governo Brasileiro iniciado em 1990 e que teve a RFFSA incluída em

e Minas Gerais. A linha da Estação Ferroviária Oeste de Minas, ligando

1992, culminando com sua transferência para o setor privado entre os

Belo Horizonte a Carmo do Cajuru, foi aberta em 1911, e depois prolongada

anos de 1996 e 1998. Lembro-me até hoje da melancólica data de 31 de

até Garças, em 1916. Em 1917, embora com pouco tempo de vida, vi nossas

agosto de 1996, último dia de funcionamento da SR-2, quando pararam

linhas se expandirem à região Oeste de Belo Horizonte, com a criação

de circular, nos dois sentidos entre Ribeirão Vermelho e Barra Mansa, os

das estações do Jatobá, do Barreiro, da Gameleira e do Calafate. Foi esta

trens diários de passageiros com carros de primeira classe para até 58

pujança que ensejou a construção da belíssima Estação da EFOM, bem

lugares e de segunda classe para 76 passageiros, além do restaurante para


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30 pessoas e o carro bagagem. Finalmente, em 7 de dezembro de 1999,

do Ministério das Cidades ou, através de convênios com prefeituras

é tão dinâmico? Por ser popular? Por ter perdido freguesia atacadista

a RFFSA seria dissolvida pelo Decreto 3.277 e extinta em 22 de janeiro

municipais, transformando-se grande número de edifícios em centros

para o CEASA ou para o Barro Preto, por ter perdido suas indústrias

de 2007. Desde então nos tornamos uma nação praticamente sem trens

culturais. Quero ver o que vai ocorrer no dia em que as estações voltarem

para Contagem? Pelo aumento da criminalidade ou pela falta de vagas

a nos unir, um absurdo para um país de dimensões continentais, uma

a ser necessárias para uma nova rede de trens. Sim, porque algum dia,

para estacionar? Pelas enchentes do Arrudas? Do que estamos falando,

rendição forçada ao poder do rodoviarismo. Por consolo nos foi dado

certamente, o trem voltará e, como na inauguração da nossa Estação

afinal, se por aqui há tanta vitalidade? Esquece-se que nos baixios há um

o PRESERVE, Programa de Preservação do Patrimônio Histórico do

Central, em alguma curva do tempo, ele voltará a apitar e aquilo que fora

forte movimento de pessoas e, mesmo aqui, nos altos da Sapucaí, vi se

Ministério dos Transportes, de curta duração, entre 1980 e 1988, e que

considerado artigo do passado retomará sua dimensão de futuro.

instalarem pelo menos três faculdades particulares, Estácio de Sá, UMA

apresentava como uma de suas metas a preservação dos bens imóveis e

Por minha vez, fui destinado a sediar o Centro de Memória Ferroviária

e FEAMIG. O belorizontino me reconhece como lugar onde começou a

da memória ferroviária e portuária no Brasil, e o PRESERFE (Programa

e, para tanto, estou sendo recuperado. É melhor do que o destino

cidade e ainda como uma de suas portas de entrada, como grande espaço

de Preservação do Patrimônio Histórico e Memorial Ferroviário), ligado

errante de quem, em pouquíssimo tempo, já foi sede da Ferrovia Centro-

de integração de seus cidadãos, de qualquer classe social, mas também

à Superintendência de Patrimônio da União - SPU. Paralelamente, a

Atlântica, escritórios da Companhia Vale do Rio Doce, Unidade Regional

como área de passagem, nó de ligação leste-oeste e sul-norte, sempre a

sociedade civil e os ex-ferroviários - se é que se consegue ser “ex” em meio a

de inventariança da antiga RRFSA, sede mineira da Minas da Serra

exigir investimentos, sempre a superar sua herança decadente recente,

tanta paixão - lutavam arduamente para soerguer o transporte ferroviário,

Geral Grupo Vale, da Aliança Geração de Energia S.A., URBEL e até

sabendo que, se há gente pobre ou moradores de rua, isto não significa

sob a liderança e apoio do Movimento de Preservação Ferroviária, fundado

Consulado-Honorário da República da Indonésia. Mas, ao final, parece

decadência, mas uma forma mais generosa de se conceber a cidade que

em 1997, e que teve Victor Ferreira como seu principal líder.

que, de patrimônio material ativo e operante, passei à dimensão diáfana

deve ser de todos.

A ferrovia é um dos principais personagens da História Brasileira

da memória. Do ferro ao papel. Eu que vendia passagens para o futuro,

tornaram centros de cultura ou templos, trilhos que levavam longe e

e sua brutal extinção foi traumática para a nação e seu povo. Ela fora

ofereço agora bilhetes para o passado.

agora levam perto, ponto de troca de modos de transporte de passageiros.

responsável por disseminar povoados e criar cidades, por aglutinar

Mas meus trilhos continuavam, obstinadamente, a perseguir o futuro.

Desde sempre grandes investimentos viários foram por aqui realizados.

comunidades e unir pessoas distantes, por aqui fora fundadora, junto

Com a criação da Região Metropolitana de Belo Horizonte em 1972,

Inicialmente com respeito à transposição das linhas férreas, que o digam

com a mineração, de um dos pilares da identidade mineira. A rapidez

tornava-se necessário integrá-la e, para tanto, o Governo Federal criaria,

os viadutos da Floresta e Santa Tereza, depois, na minha vizinhança

com que tudo ocorrera nos deixara atônitos e sem reação inicial. O

em 1975, a Empresa Brasileira de Transportes Urbanos (EBTU), que viria

imediata, visando atender também os veículos rodoviários, com o

governo, em 2007, tentou minimizar seus atos com algumas providências

a ser sucedida pela Companhia Brasileira de Transportes Urbanos, CBTU.

Complexo da Lagoinha. Parecia-me que eu assistia mais a transformações

relacionadas ao patrimônio ferroviário, tais como: a transferência dos

Começava a nascer o Trem Metropolitano, hoje em franca operação e em

no espaço público do que nos imóveis particulares. Enquanto a cidade

ativos operacionais arrendados para o Departamento Nacional de Infra-

lenta expansão, responsável por pouco mais de 5% do total de passageiros

se autodestruía, na demolição de seus antigos edifícios, a região da

Estrutura de Transportes – DNIT, a transferência dos bens móveis e

que utiliza diariamente o sistema de transporte coletivo na RMBH. Faço

Praça se mantinha impassível, enquanto a metrópole se verticalizava,

imóveis de caráter histórico e artístico ao Instituto do Patrimônio Histórico

eco com pichação que vi alhures: “cadê nosso metrô?”.

o horizonte da Praça permanecia em mesmo nível. Quais as razões?

e Artístico Nacional – IPHAN, e, também a este último, foi repassada a

A nova possibilidade criada pelo aproveitamento dos trilhos como metrô

Prédios mantidos por serem propriedade de famílias tradicionais ou

responsabilidade de realização de inventário desses bens, que passaram a

de superfície se associou ao vasto patrimônio material criado pela ferrovia

com pouca atratividade comercial da área? Pouca gente morando? Por

gozar de proteção especial pelo órgão. São cerca de 14.785 itens, em estado

e suas consequências urbanas, indústria, comércio e atração de pessoas,

volta do ano 2000 eram apenas dez por cento do centro da cidade, nem

de conservação os mais diversos, sendo muitos deles abandonados ou em

passando a mostrar com clareza a vocação do grande largo urbano abaixo

um milésimo da população de Belo Horizonte. Hotéis decadentes pela

condições precárias de preservação. As áreas não operacionais passaram a

de mim, chamado de Praça da Estação – ou Rui Barbosa, se preferirem

extinção de viajantes, que nos primeiros tempos chegavam pela única

se destinar a programas de regularização fundiária, habitação de interesse

– lugar de encontro entre mobilidade urbana e cultura, esta de caráter

porta da cidade? Eles se reduziram a apenas 14 pontos de hospedagem

social, com o aproveitamento para realização e implantação de projetos

popular e espontâneo, motivada por aquela e pelas amplas possibilidades

na virada do milênio e os outros tantos tornaram-se 38 motéis e seis

de regularização fundiária e revitalização de centros urbanos, através

que a substituição de usos causara: grandes indústrias vazias que se

cinemas exibindo filmes pornográficos. Comércio decadente por que, se

“Integrar” passou a ser o lema da Praça desde que o trem assumiu sua vocação metropolitana e desde que os primeiros brados em defesa da praça se fizeram ouvir, no começo dos anos 1980. Integrar gente e seus modos de origem e destino. Gente em seus mais diversos movimentos seja de ir e vir – ou de ficar – seja em suas formas de exercer seu direito à cidade. Desde a reforma da Praça ao final dos anos 1990, a Rua Aarão Reis passou a abrigar, além do Trem Metropolitano (de gestão de órgão federal, a CBTU), linha circular municipal de integração (a cargo da BHTRANS, desde 1991, quando foi criada, gestão municipal), parte dos BRT’s metropolitanos e linhas de ônibus metropolitana (a cargo do estado, da Secretaria de Transportes e Obras Públicas), sempre com o objetivo de ligar estes instrumentos de circulação, o que vem se efetivando com a criação do saguão B do trem Metropolitano em subsolo articulado à estação de passageiros, em frente ao Edifício Central, em 2006 e 2007 e, mais recentemente, em 2014, com as estações do MOVE na Avenida Santos Dumont. É certo que a mobilidade urbana ainda tem muito a avançar. Em vários aspectos. Seja na criação de rotas alternativas ao tráfego de passagem na área central – 40% do movimento de veículos que trafegam por aqui não


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se destina à região, mas à interligação de outras zonas urbanas - seja na

e depois ao centro, com o gradil acompanhando seus passos. Fui eclético

gestão integrada dos modos de transporte. Novamente somos o epicentro

neobarroco, déco e moderno. Fui sede de vários organismos. Presenciei

dessas questões, a rota alternativa de ligação entre bairros - a Rota Leste

uma transformação sem par na história dos transportes, minhas inquietas

envolve os viadutos da Francisco Sá e da Floresta, este apontado para

janelas nunca configuraram um ritmo único e observam uma cidade

duplicação nos diversos planos diretores urbanos - e as ações de gestão

mutante em disciplina instável.

integrada combinam o trem e o ônibus que aqui se unem. Mesmo o

Não vou ficar parado, portanto. A bordo do trem metropolitano vou a

transporte sobre trilhos, minha última esperança de futuro, ainda tem

oeste, Lagoinha, Carlos Prates, Calafate, Gameleira, Vila Oeste, Cidade

muito a avançar, afinal, pela reduzida capacidade de suas composições

Industrial, até Eldorado, e adiante, por onde a linha me levar; vou a norte,

e seu traçado viário, ele ainda não atende direito a Área Central,

Santa Efigênia, Santa Tereza, Horto Florestal, Santa Inês, José Cândido,

principal destino das viagens no período do pico da manhã. Somente

Minas Shopping, São Gabriel, Primeiro de Maio, Waldomiro Lobo,

quando ele se assumir efetivamente como eficiente corredor troncal, de

Floramar, Vilarinho e depois ao Centro Administrativo e cerrado adentro;

elevada capacidade, através da ampliação da oferta do sistema de trem

mas vou ainda mais longe, hoje, pelo Trem da Vale, Dois Irmãos, Rio

metropolitano e com linhas alimentadoras distribuídas ao longo das

Piracicaba, João Monlevade, Desembargador Drumond, Antônio Dias,

estações do sistema, especialmente em minha vizinhança, ele se exercerá

Mário Carvalho, Intendente Câmara, Frederico Sellow, Periquito, Pedra

em plenitude. Mesmo assim ainda depende de nossa sociedade priorizar

Corrida, Governador Valadares, Tumiritinga, São Tomé do Rio Doce, Barra

o transporte coletivo em relação ao individual e a outros modos de

do Cuieté, Conselheiro Pena, Resplendor, Itueta, Aimorés, Baixo Guandu,

deslocamento que não apenas o automóvel. Quero bicicletas e pedestres

Mascarenhas, Colatina, Piraqueaçu, Aricanga, Fundão, Pedro Nolasco,

também. Quero a cidade se movimentando de várias formas.

depois sempre mais longe, em busca de novos lugares e de novos tempos.

É pura ilusão quem me vê como um imóvel. Por natureza sou ligado ao movimento. Desde quando fui construído permaneço em mutação. Comecei conformado em “L” na esquina das ruas Sapucaí e Tapuias, depois ganhei outra perna e me conformei em “U”, poucos anos depois ganhei outro grande bloco, mais alto, na Rua Tapuias. Mais tarde, outro volume ainda mais vertical me foi agregado, totalmente em contraste com a concepção de massa que caracterizava as duas composições anteriores, por possuir panos de vidro, brise, jardineiras curvilíneas, uma leveza inusitada se comparada ao peso visual de minhas formas anteriores. Minha forma original, que se resumia a dois pavimentos, ganhou um terceiro. Tive espaços laterais vazios progressivamente ocupados. A princípio, amplieime junto à divisa lateral em direção à Estação da EFOM, agregando-me em mais dois volumes, o primeiro recuado em relação à minha fachada da Sapucaí, o segundo mantendo esse alinhamento e espelhando-a, prolongando-se para os fundos. Minha entrada era na esquina, passou a ser no centro do “U”, depois se fez pelos outros prédios, voltou à esquina

Ficha Técnica Endereço: Rua Sapucaí, 383 Data da Construção: Década de 1910

“Mas há luzes no fim dos túneis. Vozes se levantam contra o sucateamento de nossa malha ferroviária. Movimentos e entidades surgem e atuam, nas diversas regiões, protestando contra o abandono do trem, o descaso com o patrimônio público ferroviário, os descaminhos de um transporte sem rumo. Com um detalhe alvissareiro: a causa já não é mais uma luta exclusiva dos de ferroviários de profissão ou de preservacionistas apaixonados. Outros segmentos de nossa sociedade, como a comunidade acadêmica, estão agora na luta, protestando contra os descalabros e propondo ações concretas para recolocar o Brasil na linha.” (Victor Ferreira, 1943-2012, em 2010)

Arquiteto: Não identificado Tombamento: Municipal (1996)

PROJETO QUATRO ESTAÇÕES/ 2002 (Prefeitura de Belo Horizonte) OBJETIVOS: - Sintonizar os interesses de preservação do patrimônio com usos para atividades culturais e de lazer e a vocação da área para integração de sistemas de transporte; - Consolidar a praça como local de atração de moradores e trabalhadores da região, mas também do morador da metrópole; - Tornar a região referência ambiental com vitalidade de usos; - Abarcar os usuários atuais e receber novos, de várias classes sociais e com vários interesses, de forma que a diversidade e a multiplicidade de usos sejam a principal garantia de convivência segura e harmoniosa.

PlanMob-BH – Plano de Mobilidade de Belo Horizonte/ 2008-2013 (BHTRANS) OBJETIVOS: 1. Tornar o transporte coletivo mais atrativo que o transporte individual, tendo como meta ampliar o percentual de viagens em modos de transporte coletivos em relação ao total de viagens em modos motorizados; 2. Promover a melhoria contínua dos serviços, equipamentos e instalações relacionados à mobilidade; 3. Promover a segurança no trânsito; 4. Assegurar que as intervenções no sistema de mobilidade urbana contribuam para a melhoria da qualidade ambiental e estimulem o uso de modos não motorizados; 5. Tornar a mobilidade urbana um fator positivo para o ambiente de negócios da cidade; 6. Tornar a mobilidade urbana um fator de inclusão social. A rede estruturante multimodal de transporte coletivo, proposta no PlanMob-BH, compreende os sistemas de média e alta capacidade, operados por diferentes tecnologias (BRT, Metrô, VLT etc.), alimentada pelo sistema de ônibus convencional e pela rede cicloviária.


128 | Hotel Itatiaia (1950)

Hotel Itatiaia (1950)

| 129 Quando cheguei por aqui, em 1950, a Praça já era outra, pelo menos foi o que me relataram.

mais carros, maior a riqueza da população! Nada mais abjeto do que rios

um pequeno conjunto de estabelecimentos comerciais e de serviços: a

Fui uma aposta no boom imobiliário, em um lugar que mudava sua vocação. Ocupava a

correndo a céu aberto, águas só servem para transportar esgotos e, no

Empresa Progresso (serviços de mensageiros, transportes e despachos),

frente majestosa de um dos principais cartões postais de uma cidade em franca expansão,

período de chuvas, provocar o transtorno das inundações!

a Confeitaria Americana, a Farmácia e Drogaria Comércio, a Empresa

próximo aos pontos finais dos bondes e, logo, de seus sucessores, os trólebus, que já

Hoje me pergunto como em breve tempo parecemos ter perdido o

Minerva (papelaria e tipografia), duas firmas de bilhar, uma loja de loterias,

começavam a chegar ao final da década. Esse tipo de veículo, que funcionava a eletricidade,

rumo, embriagados que ficamos pelo progresso científico positivista

bar, barbearia, e a redação de um vespertino, o Jornal de Minas. Minha

tinha uma vantagem em relação aos bondes: transportava muito mais gente, necessidade

preconizado no final do Século XIX e que se estendeu inexoravelmente

capacidade de residência permanente ou temporária, prestação de serviços

imperiosa de uma cidade que não parava de crescer, apresentando, entre 1950 e 1970, a

em BH até os anos 1980. Foram menos de cem anos, mas o suficiente para

e comércio seria muito maior com meus 12 andares e 48 apartamentos,

maior taxa de crescimento do país, saindo de 352 mil almas em 1950 para 1,25 milhão em

desequilibrar o planeta. Também hoje me pergunto se afinal superamos

além dos andares reservados a hotelaria, lojas e escritórios. Assim me

1970. Não deixa de ser irônico, hoje, que tenhamos substituído a propulsão elétrica pelo

essa mentalidade urbanizadora, sobretudo porque de minhas janelas

configurei ao longo dos anos: meus dois primeiros pavimentos destinados

combustível fóssil e agora estejamos fazendo esforços para voltar à eletricidade. Disseram-

ainda vejo obras muito parecidas com aquelas do século passado, como o

ao comércio, do terceiro ao sexto ao funcionamento de escritórios de

me que o mundo dá muitas voltas, mas não esperava que essas voltas acontecessem tão

recente Boulevard Arrudas, em pleno segundo milênio.

empresas de planos de saúde, além de alguns apartamentos compactos

rapidamente, como também não esperava um crescimento populacional tão grande em tão

que, nos anos 1950 e 1960 - tão americanizados! - eram chamados de

pouco tempo. Imagino que tampouco meus criadores tinham essa consciência.

quitinetes. Do sétimo ao último andar, os apartamentos residenciais. Entre os anos 1950 e 1980, no pequeno mercado receptivo belorizontino, reinei como um de seus mais luxuosos hotéis.

Claro que a cidade não estava preparada para tal vertigem e por isso faltava tudo o que era básico: tínhamos crises constantes de abastecimento de água, coleta de lixo insuficiente,

Família posando na Praça da Estação em frente ao referido prédio na década de 1960. Foto bhnostalgia.blogspot.com

esgotos correndo pelas ruas, inundações abundantes, enquanto, por outro lado, sobrava

Sempre tive, portanto, muitas janelas para ver e muita gente por mim

gastrenterite, esquistossomose, hepatite, loteamentos clandestinos, aglomerados de sub-

circulando. Muita observação e muita informação. Por essas janelas

habitações, desemprego e construção/destruição. A solução para tantas mazelas: urbanização

que um dia certamente virão abaixo, eu, que não mais acredito em

total, apesar da falta de recursos.

permanências e continuidades, vi o mundo mudar, a sociedade mudar,

Nasci grande, o país pensava grande,

um rio desaparecer, trens de ferro se evaporarem, carros se juntarem e

as soluções deveriam ser grandiosas,

escafederem-se, estátuas caminharem e irem morar em outros lugares,

urbanização total! Por esses anos,

muita gente e pouco carro, muito carro e pouca gente, ônibus chegarem

urbanizar

pavimentar,

e partirem, árvores em terreno natural e árvores em asfalto, prédios se

canalizar, criar autopistas, exportar

autodestruírem e depois se recuperarem, viadutos que parecem mudar

significava

a moradia de gente pobre para as

Quando me incluo no grupo que parece ter perdido o rumo, não o

de lugar, gente chic, gente pobre, muito movimento, muita solidão, várias

periferias, cortar árvores em busca

faço retoricamente, mas de fato. Nasci majestoso, como atesta meu

moedas, todo tipo de comércio, gente de todo tipo, tamanho, raça e

do progresso, domesticar ainda mais

primeiro nome, Hotel Internacional, para mudar mesmo a realidade de

credo, gente sóbria e gente bêbada, alguns perto de Deus e outros dele

a natureza. Nada mais belo do que o

minha quadra que vinha se arrastando humilde desde 1912, pelo menos.

completamente afastados – ou que pelo menos assim se acreditavam -,

asfalto, terra suja muito! Nada mais

Paradoxalmente, poderia até mesmo adotar o anúncio do primeiro hotel

muito dinheiro ou muita pobreza, voltas, voltas, voltas, muitas voltas em

pujante do que a industrialização,

instalado na Nova Capital, o Hotel Monte Verde: “Em frente e próximo da

pouco tempo, vertigem, tontura. Muita mobilidade para um imóvel!

chaminés são sinais de progresso!

Estação de Minas”. Mas, em pouco tempo me vi vazio e decadente, desse

Nada mais rico do que automóveis

modo, como não repensar a existência? Da prancheta dos arquitetos

Como disse, logo que vim a este mundo a cidade passava por um grande

particulares por largas ruas, quanto

Raffaello Berti e Shakespeare Gomes passei a existir concretamente em

processo de urbanização. A meu ver, era uma urbanização que lhe roubava


130 | Hotel Itatiaia (1950)

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Fachada principal e lateral esquerda do Hotel Itatiaia, localizado entre os quarteirões da avenida Santos Dumont e rua dos Caetés. Acervo MHAB/Fundação Municipal de Cultura


132 | Hotel Itatiaia (1950)

| 133 revelava, em ato falho, menos a homenagem aos três irmãos que tanto

a contribuição de tanta gente, com tanta área impermeabilizada às suas

tornou ainda mais definitivo, enquanto dure, esperamos (hoje, de novo

lutaram pela Independência e mais a ânsia de esconder o ribeirão, como

margens, com tanta destruição de matas ciliares e ocupação desordenada,

a poesia nos socorre, grato, Vinicius). Em 2005, foi iniciada nova obra

se fosse possível que o véu de um nome pudesse ocultar a realidade,

logo sua calha precisou ser rebaixada, não suportava mais o volume de

viária, dentro de um sistema de mobilidade urbana mais abrangente

embora esta seja, até hoje, atitude que se constitui em firme crença dos

água que lhe acorria. Recebia o despejo de tantas construções a suas

denominado “Linha Verde” e que busca realizar a ligação leste-sul, ao

humanos. Já em 1895, realizavam-se as primeiras canalizações em Belo

margens e, por sua vez, as destruía.

norte da Região Metropolitana, com mais agilidade, abastecendo o novo Centro Administrativo do Governo do Estado e o Aeroporto de

Horizonte, no córrego do Acaba Mundo e no Ribeirão Arrudas e, três anos

Panorama da Praça da Estação em 1946. Em primeiro plano vemos o Ribeirão Arrudas e a Ponte Davi Campista, primeira construída na nova capital (1896). Em segundo plano aparecem o Hotel Avenida, demolido nos anos 1970, e a construção do Hotel Itatiaia. Acervo MHAB/Fundação Municipal de Cultura

a urbanidade, mas quem sou eu, beneficiário direto dessa urbanização e mero edifício entre tantos (embora nos primeiros anos me considerasse um portento), para contestar tanto esforço dos seres humanos? Não cabe à criatura contestar seus criadores, penso eu, ou pelo menos, pensava. Primeiro foi o rio. A cidade parecia nunca ter gostado dele. Mas não se enganem, não era só o meu rio, o Arrudas, mas todos os outros da cidade que, via de regra, deveriam ser enterrados. Talvez fosse uma tradição nacional, pois nas cidades brasileiras os rios sempre correm nas suas partes dos fundos, afinal só servem para carrear para alhures os restos que elas produzem. O Arrudas era exposto demais, participava demais da vida urbana, uma festa para a qual não fora convidado. Erro de Aarão Reis ou da natureza (esta tão inconveniente, às vezes...)? Talvez dos dois, da natureza que insistia em fazê-lo correr e de Aarão por ter previsto, em seu plano, a Avenida do Canal, cuja mudança de nome para Andradas

mais tarde, implantava-se o canal entre a Avenida Tocantins e a Estação

Se ao longo do caminho se desmantelavam

Confins, revalorizado com a proibição de voos

Arrudas, abrindo-se, em 1929, o primeiro trecho da Avenida dos Andradas,

favelas e construções mais singelas, a Praça

regionais a partir do Aeroporto da Pampulha.

a partir da canalização de seu ribeirão, iniciada em 1914. Sem dúvida era

da Estação e adjacências também sofriam

A obra, inaugurada em 2007, no trecho

uma cidade que prezava a hygiene, conceito caro ao seu criador, mas,

com as enchentes. Depois da primeira

entre a Alameda Ezequiel Dias e a Escola

apesar da construção, logo de início, de um sistema de abastecimento de

grande inundação de 1923, desde 1928 foram

de Engenharia da UFMG, minha vizinha,

água, a solução de esgotamento sanitário era mesmo o Rio Arrudas, onde

mais de duzentas. No dia do aniversário da

aproveitara as vigas para receber uma laje que,

foram colocados coletores sanitários. O prosseguimento da canalização se

cidade, em 1977, um presente às avessas: nove

por sua vez, recebia novas pistas de rolamento

daria, em 1935, nos trechos entre as Ruas Rio de Janeiro e Tupis e Avenida

mortos, 17 feridos graves, 23 desaparecidos

e um grande alargamento de calçadas, com

Tiradentes e Rua Tupinambás. Assim, a avenida que nascera apenas

e isolamento urbano. Dois anos depois, o

novo paisagismo. A cidade trocara um rio

para ligar a Estação à Avenida Tocantins, hoje Assis Chateaubriand –

Parque Municipal ficou alagado, carros foram

por pistas e passeios. A leste, a via buscava

novamente trocando um rio por um nome humano - ganhava dimensão,

arrastados e as lojas da Avenida dos Andradas

reintegrar a Câmara dos Vereadores, exilada

prolongando-se entre a Avenida do Contorno e o Parque Municipal, já

foram invadidas pelas águas. Parece que só os

preconizando a supressão do verde - pra que tanta natureza, meu Deus? -

lojistas sonegadores acharam pontos positivos

e a drástica redução de sua área, que se daria ininterruptamente nos anos

no episódio: “perderam” todos os seus livros-

vindouros. Afinal, se se suprimia um rio, por que não suprimir árvores,

caixa. Em 1983, dois dias após o início do ano, a favela conhecida como

no antigo campo do América Futebol Clube.

que é muito mais fácil? Além de tudo, o rio ainda apresentava caprichosas

Sovaco de Cobra, às margens do Arrudas, desapareceu. Foram 70 mortes

A cidade fizera clara opção pelo modelo rodoviarista associado ao progresso,

curvas, o que não ficava bem em uma cidade de ruas tão largas e ruas

e muita destruição, inclusive a da nova ponte do Perrela.

abolira os trens e fizera da produção de automóveis um dos carros-chefe

Lama proveniente da enchente do Rio Arrudas na Avenida do Contorno com Rua da Bahia em frente ao prédio da Escola de Engenharia da UFMG. Acervo Escola de Engenharia/UFMG

do Centro há décadas e, por que não, também facilitar o acesso a um novo espaço comercial, o Boulevard Shopping, inaugurado em 2010

de sua economia. Fizera a opção por uma urbanização supressora de

tão retas, aqui não cabia o passo torto do poeta e nem as idiossincrasias das águas. Retifiquem-se os cursos d’água, derrubem-se árvores para

As obras de alargamento e rebaixamento da canalização não poderiam

áreas verdes e cursos d’água para combater a sede dos automóveis por

orientar o trânsito e melhorar os pontos de embarque do trólebus (1958),

esperar mais. Era a “única e definitiva solução”. E tinha que ser drástica:

vias de circulação. Desprezara os pedestres e nem lembrara que existiam

substituam-se as pontes (em 1923, a ponte Davi Campista foi reconstruída,

22 metros de largura e nove metros de profundidade. Para uma obra

bicicletas. Impermeabilizara todo o solo urbano para que não sobrasse

em maiores proporções, pela Cia. Construtora de Cimento Armado, e

de engenharia desse porte, fazia-se necessário um travamento superior

vestígio de nosso passado rural, para que a sombra de nosso atraso não

novamente em 1973), substitua-se graciosa balaustrada por moderna e

do canal com vigas de concreto, já antecipando a possibilidade da sua

nos alcançasse. Se isto se explicava nos anos 1960 e 1970 - vá lá, até o final

insípida amurada de concreto (1983), a partir do Perrela, canalize-se em

cobertura definitiva. Até o Bairro Boa Vista, a obra se completaria em

do Século XX - ainda se justificaria em pleno Século XXI? Talvez fosse

direção ao centro (início, 1980), canalize-se em direção a Sabará (1981-

1987, com a retirada das populações ribeirinhas. Depois, a partir de 1992,

tarde demais para voltar atrás, parecia ser o mote da sociedade. Talvez seja

1997).

ela se estenderia até o Bairro São Geraldo, chegando a Sabará.

tarde demais para voltar atrás, ecoa-se até hoje. Talvez seja tarde demais para voltar atrás?

O problema é que um rio é mensageiro de outras plagas, não se segmenta e não respeita trechos de jurisdições oficiais.Vindo de tanto lugar, recebendo

Como já se anunciara, e apesar da virada do milênio, o definitivo se

Mas de onde parte a voz que origina o eco do “talvez seja tarde”? Até


134 | Hotel Itatiaia (1950) 1988, partia da única fonte que soava, a da Ditadura, burocratizada e tecnocraticamente planificadora, sem que se ouvissem sons discordantes. Lentamente o cenário foi mudando, a participação social se tornou mais efetiva e presente. Opiniões contrárias e resistências começaram a surgir. Para mim, tudo aquilo era muito desconcertante. Quando as primeiras manifestações começaram a ocorrer bem defronte a minha fachada, não entendia direito o que era aquilo. Temia aonde poderíamos chegar com elas. As questões que eu imaginava meramente técnicas, exatas, sem discussão, passaram a não ser bem assim, alternativas poderiam ser aventadas. A solução ortodoxa de canalização de córregos como receptores de esgotamento sanitário passara a ser fortemente suspeita. A preocupação com o meio ambiente e com a sustentabilidade, que viera ganhando força, passara a questionar as canalizações desde os anos 1990 e eu só observando daqui a defasagem entre discurso e prática (como são curiosos esses humanos...). Itatiaia em tupi-guarani significa pedra cheia de pontas. Minha arquitetura

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Ficha Técnica Endereço: Praça Rui Barbosa, 187 Data da Construção: 1950 Arquiteto: Raffaello Berti e Shakespeare Gomes. Tombamentos: Municipal (2004)

A Praça da Estação de Belo Horizonte - 1982 Carlos Drummond de Andrade Duas vezes a conheci: antes e depois das rosas. Era a mesma praça, com a mesma dignidade, O mesmo recado para os forasteiros: esta cidade é uma promessa de conhecimento, talvez de amor. A segunda Estação, inaugurada por Epitácio, O monumento de Starace, encomendado por Antônio Carlos São feios? São belos? São linhas de um rosto, marcas da vida. A praça da entrada de Belo Horizonte, Mesmo esquecida, mesmo abandonada pelos poderes públicos, Conta pra gente uma história pioneira. De homens antigos criando realidades novas. É uma praça – forma de permanência no tempo. E merece respeito. Agora querem levar para lá o metrô de superfície. Querem mascarar a memória urbana, alma da cidade Num de seus pontos sensíveis e visíveis. Esvoaça crocitante sobre a praça da Estação O Metrobel decibel a granel sem quartel Planejadores oficiais insistem em fazer de Belo Horizonte Linda, linda, linda de embalar saudade Mais uma triste anticidade.

não é tão irregular, talvez as pontas sejam a multiplicidade de usos a que me propus ou os espinhos que tive de enfrentar por toda a minha vida e aqueles que ainda vou enfrentar, curiosa correção de rumos em relação a meu primeiro nome. Hoje já não sei mais como prever o futuro, coisa que era banal nos idos dos anos 1950, quando nasci, graças à certeza da ciência. Nem sei ainda direito quanto a meu próprio futuro, embora ações de recuperação já se tenham iniciado e outras se anunciem. Parece que vou durar mais que os carros que vêm e vão da Praça da Estação, pode ser que veja ressuscitarem os córregos. Não tenho certeza de mais nada.

* Segundo o Portal da Transparência da Copa 2014, a implantação do Boulevard Arrudas tinha como objetivo melhorar as condições de mobilidade, priorizar o transporte coletivo e criar espaços de circulação de pedestres. Foram efetuadas a recuperação estrutural da laje de fundo, paredes e estrutura de recobrimento do canal e criadas novas pistas para o transporte coletivo, sendo implantados ainda elementos paisagísticos, ciclovia e viaduto de transposição da linha férrea, em uma extensão total das obras de 3,5 km.


136 | Serraria Souza Pinto (1913)

Serraria Souza Pinto (1913)

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M

inha primeira existência, eu a vivi entre 1913 e 1997. Período em que conheci esplendor e decrepitude, período em que me vi sorrir e morrer, para depois reencarnar ainda em vida, glória que só se reserva aos edifícios e é negada pelos

deuses aos seres humanos.

Vista da fachada principal da Serraria Souza Pinto, construída em 1913. Seu estilo eclético é complementado pelo belo letreiro em ferro com o nome do estabelecimento. S/a, anos 1920 (?). Acervo APM.

Nos idos de 1913 fui o primeiro estabelecimento da nova capital destinado ao beneficiamento da madeira e à comercialização de produtos para a construção civil, ambas missões muito importantes para a cidade que nascia a um ritmo já acelerado de substituição de paisagens. Era tão clara a minha importância que fui o primeiro estabelecimento industrial da capital a ter um desvio ligando-o à via férrea da Central. Fotografias de Antônio Garcia e Paiva (esquerda) e Augusto de Souza Pinto (direita), fundadores da Serraria Souza Pinto, primeiro estabelecimento do tipo na nova capital. Ambas s/a, 1910. Acervo MHAB/Fundação Municipal de Cultura

Comecei como serraria modesta e uma loja denominada “A Industrial”, que já funcionava um pouco antes na Rua da Estação, de propriedade do coronel Antônio Garcia de Paiva. Mas foi com a chegada do construtor português Augusto de Souza Pinto que se constituiu a sociedade Garcia de Paiva & Pinto, responsável pela venda de materiais para construção ou reformas de edifícios da capital e, em indústria de serraria, a Serraria Souza Pinto, nome gravado em minha fachada e que até hoje ostento com muito orgulho e fidelidade às minhas


138 |

| 139 origens.

proporções do corpo, conhecimento que Alberti ratificara na Renascença

Quando a sociedade empresarial se instituiu, meu corpo ganhou um

e que Corbusier, já em pleno Século XX, resgatara com a novidade tão

impulso notável. Passei a ocupar uma área de 3.600 m², minha ossatura

antiga de seu modulor, as medidas humanas como unidade de projeto.

se fez em estrutura de ferro belga e a minha fisionomia em estilo eclético,

Sabe-se também que nossas semelhanças não se restringem apenas

como convinha àquela época. Meu organismo se dividia em seções de

às proporções coincidentes, mas em nossa constituição mais profunda,

serraria, carpintaria, pedreira e construção, tudo isso impulsionado por

em nossa organização e em nossa relação entre as partes, ou, como diria

um coração constituído por um motor a vapor e uma completa instalação

Francesco di Giorgio, no setecentos italiano, em seu Trattati di architettura,

de transformadores, onde grande contingente de seres humanos fazia

ingegneria e arte militare: “A mim parece que a cidade, a fortaleza e o

vascularizar a produção por todo o meu corpo.

castelo devam ser formados de acordo com o corpo humano, e que a cabeça

Toda essa ordenação antropomórfica não é mera metáfora, mas se verifica

tenha uma correspondência proporcional às partes apropriadas; de modo

de fato, edifícios e homens são co-essenciais, compartilham da mesma

que a cabeça possa ser a fortaleza, os braços suas muralhas adjacentes

natureza orgânica, afinal já não é sobejamente conhecido que deuses criam

e confinantes que, circundando-a por todos os lados, irão transformar

suas melhores obras à sua imagem e semelhança? Já se sabe, há muitos

o restante dela em um único corpo, uma imensa cidade”. Não é de se

séculos, que há perfeita correspondência entre corpo humano e edifícios,

estranhar, portanto, que edifícios tenham sensações, alegrias e dores, que

desde os gregos que revelaram a postura humana em suas colunas, a face

se relacionem com o mundo através dos sentidos ou que compartilhem

feminina e masculina no tratamento de suas ordens, ou de Vitruvio que,

das humanidades. Quanto a nossas diferenças, apenas compensamos

no Século I, já identificara a medida correta dos edifícios baseada nas

nossa aparente imobilidade com uma longevidade ampliada, tempo extra que os deuses também negaram aos humanos. Quando divido minha existência em duas vidas, no entanto, falo da exumação da minha carne e da sua recomposição, por se tratar de intervenção radical de alteração de carne e pele, que, conservando meu corpo, aí se processou. Falo também de uma ressistematização completa de meus órgãos internos que, antes ocupados a uma produção fabril, voltaram-se a outro tipo de função, mais sensorial, mais lúdico, tão diferente daquela seriedade dos primeiros tempos, mas que acabou por garantir minha sobrevivência. Isto não significa, no entanto, que em cada uma dessas duas vidas, meu corpo não tenha passado por transformações menores, isto é natural em homens e edifícios, afinal não só envelhecemos, como vamos incorporando em nossas feições as marcas da existência. Foi assim que recebi anexos e puxadinhos, mas também sofri a transformação dos processos de produção, a derrocada das obras em madeira pela exuberância do concreto armado que, nos anos 1940, fez iniciar-se minha lenta agonia. Até 1964, minha continuidade como serraria se deu graças à tenacidade da família Souza


140 | Serraria Souza Pinto (1913) Pinto, mas a partir daí, só consegui sobreviver como estacionamento, por causa da praga que assolou a praça nos anos 1960 e 1970, o automóvel, que tinha fome de corpos e se alastrava de forma epidêmica. Continuei decaindo, fui oficina mecânica e até abrigo de mendigos, quando, em 1978, passei a ser propriedade do Banco de Crédito de Minas Gerais, primeiro passo para minha recriação. Àquela época, no entanto, eu não tinha qualquer consciência ainda sobre isso.

Entre duas vidas há o limbo, todos sabem disso. Entre duas encarnações, há que se vagar pelo bardo, coisa que menos gente sabe. O fato de muitos ou poucos saberem não altera, entretanto, o fato de que há um necessário hiato para que possamos ir nos desapegando de nossa antiga personalidade em busca de uma outra e, se fizemos por merecer, podemos renascer com consciência mais elevada e sentidos mais apurados. Foi assim que, entre 1997 e 1998, passei por um completo processo de restauração e adaptação para uso de feiras, pela ação do Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais. O IEPHA foi o meu anjo reencarnatório, que me fez despir de minhas antigas e surradas vestes e assumir o esplendor de um grande espaço aberto à vida e aos sentidos, especialmente quando,

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142 | Serraria Souza Pinto (1913)

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em dezembro de 1998, minha gestão passou a ser feita pela Fundação

de Grafite, que só veio por aqui em 2008, minha imaginação a voar com

Clóvis Salgado.

outra presença contumaz, a Bienal do Livro. Formas, cores, pontes para diversos mundos, outros. Meu paladar a se regalar com canapés e acepipes,

A vida passou a ser uma eterna festa. Algumas vezes, na acepção da palavra:

brigadeiros e canudinhos, espumantes e cervejas, minha realidade a se

festa de casamento, de

embriagar em quantos festivais de cachaça, aprendi a ter bom gosto

formatura, de debutante

gastronômico em tantos e diversos festivais de boa mesa, com tantos chefs

ou de aniversário. Outras

e cozinheiras, com as sempre presentes barraquinhas de quitutes.

vezes, festa em forma de e

feiras,

encontros

convenções.

Meus ouvidos a escutar tanta música, de todos os gêneros, de todos os tipos,

Meu

em todos os volumes, tanta e tão variada que me reconheci profundamente

quadriculado piso em

eclético e acolhedor, seja de bandas ou de cantores-solo, com eles dancei

preto e branco a receber

e sonhei tanto. Meu olfato se perdeu em tanto cheiro, sejam os que se

todo o tipo de flores e

produziram aqui dentro, sejam os que vieram de alhures, da minha

adornos, em

vizinhança poluída ou viajante, de meu interior controlado e perfumado.

explosão

de cores e de texturas, minha visão a se extasiar com criações de moda,

Meus 5.000 m² abrigaram tanta gente que nem conto, gente que eu abracei

a movimentar-se na graça de belas mulheres, a viajar nos incontáveis

e cujos desígnios e vontades materializei sob minha generosa cobertura,

Festivais Internacionais de Quadrinhos que bienalmente me visitam, amigo

no abraço terno de minhas paredes.

constante, ou com amigos menos frequentes como a Bienal Internacional

Agora permaneço aqui, sob a reta definida do viaduto, entre praça e parque, imerso na bela Belo Horizonte, a viver porções da grande festa que, bela criação da humanidade, recebe o nome de “cidade”.

Ficha Técnica Endereço: Rua Assis Chateubriand, 809 Área: 5.000 m2 Data da Construção: 1913 Alguns eventos realizados na Serraria Souza Pinto.

Arquiteto: Não identificado. Tombamentos: Estadual (1988) e municipal (1998).


144 | Edifício Central (1966)

Edifício Central (1966)

| 145 O que nos dá vitalidade é gente nos percorrendo. Gente transporta energia daqui prá lá enquanto circula e, quando finalmente se fixa nos lugares de ficar, espalha toda essa energia que transporta. Sou muito vital. Tenho muita saúde. Abrigo muita gente e muita coisa em mim acontece. Bares e lanchonetes sou inúmeros. De todos os nomes, Família Mineira, Sabor da Praça, Destak, Xopotó, Pé de Boi, Real, Bolos de Minas, Pastel Frito. Mas se não tiver nome, como vários não têm, também funciona, o importante é vender tira-gosto, pastel, coxinha, empada, carne no molho, caldo de mocotó, torresmo, ovo cozido colorido, tropeiro, kaol, traçado, cachaça, aperitivo, marvada, pinga, água que passarinho não bebe, branquinha, aguardente, cana, caninha. Se restaurante e bar tiverem nome de gente, parece até que dá mais procedência, afinal Ana e D. Helena impõem respeito ao ambiente e garantem a qualidade dos quitutes. Há também que se celebrar o local, e tome estação e trem, seja em mim, Trem de Minas, Estação dos Pastéis, seja na vizinhança, Estação da Empada, Estação disso, trem daquilo, são tantos que dá até para imaginar o porvir, Plataforma da Cachaça, onde se deve tomar cuidado para não cair, Estação do 1,99, onde há muita promoção de pastel + refresco, Trem de comida, onde se paga um prato e se come vários, Trilhos dos Pastéis, onde se come na linha, Comboio, onde se come um excelente combo de boi, Boi no trilho, onde se deve parar para comer. E sou eletrônicos, tanto usados como novos, compro e vendo, recebo e troco, sou sebo de livros, revistas e congêneres, tenho a Playboy da Rose de Primo e de quando Vera Fischer era ainda quase uma ninfeta, conserto TVs, eletrônicas ou de válvulas, rádios de pilha, controle remoto, sou alfaiate para quem quer ficar elegante com terno sob medida ou vestido de baile reformado para festas chiques, vendo máquinas registradoras de todos os tempos, com contas antigas a acertar ou com certeiros ajustes de contos, tenho calçados para todos os pés, acredito que há um sapato velho para cada pé cansado, salto alto, salto baixo, rasteirinha, plataforma, Anabela, sapato que é pra quem quer ficar alto ou para quem quer ficar mais baixo que o namorado, e junto com os sapatos vendo bolsas, para combinar ou descombinar, que nos tempos atuais isso até dá um certo charme, bolsas para usar ou


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| 147 continuam a imprimir, não muitas páginas que nada é eterno, mas dá pro gasto, consórcios tenho de todo tipo, de carros, casas, eletrodomésticos, TV’s de 80 polegadas, rometeater, só não temos consórcio para a felicidade, que esta não se compra, mas já estamos estudando consórcios para aproximar carentes ou para montar um grande negócio que vai fazer você rico, mas se você quiser abreviar a espera, temos loterias de todas as marcas, mineira, federal ou baú da felicidade, a paratodos ou o bicho que

só pra deixar o ladrão roubar, daquelas que se penduram ou que se leva elegantemente na dobra interna do braço, mochilas de todos os tamanhos e para quaisquer costas, pastas para cavalheiros, bolsinhas, bolsões, sacos e sacolas, vendo máquinas de costuras Singer ou similar para pessoas físicas ou jurídicas, para a vovó que só quer fazer uma roupinha para a neta ou para o sagaz empresário que pensa em abrir uma confecção no Prado, imprimo qualquer coisa, de cordel a alta literatura, propaganda do PT ou do PSDB, qualquer tipo de texto, não importa a procedência ou o teor, tenho papel que aceita qualquer coisa, a cores ou em preto e branco, livros ou reclames, suas memórias ou trago seu amado em uma semana, folheto para distribuir ou pregar no poste, só não dou garantias se alguém vai ler, vendo roupas usadas seminovas em bom estado, vestidas só por gente bem, com manchas não muito graves e que abrigaram só bons comportamentos e que trazem boas recordações e energias positivas de quem as usou, não aceito, por exemplo, roupas vestidas em encontros fortuitos ou casuais, momentos de dor ou separação, mas recebo e vendo roupas que precisam de pequenos consertos porque afinal nós todos sempre precisamos de algumas emendas ao longo da vida, mas também vendo roupas novas para senhoras e senhoritas, daquelas que fazem as mulheres ficarem mais bonitas, sejam gordas, altas, baixas, anoréxicas, magrinhas, de canela fina ou canela grossa, grávidas ou desesperadas, casamenteiras ou prafrentex, descoladas ou carolas, coquetes ou recatadas, tenho lojas de lingerie para a mulher se sentir mais bonita, mais por dentro ou para adentrar o coração do homem, soutiens de renda, meia taça ou taça inteira, com enchimento ou sem espuma, calcinhas negras ou vermelhas ou cor pele, daquelas que entram na bunda ou a cobrem totalmente, vendo cartuchos para impressoras, originais ou piratas, talvez mais piratas que originais, mas que

dá prêmio toda hora e dialoga com seu sonho, além, é claro, de realizá-lo, carimbos temos aos montes, que nada é oficial sem um bom carimbo, é só trazer o modelo que fazemos igual, de qualquer banco ou instituição, serviço discreto sem perguntas de por que ou para quê, lanrause para você se comunicar com o resto do planeta, aqui é a Estação do mundo, para você dar uma olhada no Face ou até mesmo no defunto Orkut, pra você buscar seu par ou se orientar na vida, que isto o Google pode fazer por você, tenho loja que vende tudo, carregador de celular, raquete pra matar pernilongo, conectores de todo tipo, bonecas de plástico de todas as cores e tamanhos, Barbie e Ken, a Barbie com o Ken ou o Ken sem a Barbie, caneta hidrocor que funciona e das que também não funcionam, aí depende da sorte, como tudo na vida, acessórios para celular, capinhas de todo jeito, com rendinhas, motivos florais ou com o escudo de seu time do coração, fones para todo tipo de ouvidos, até para os que nada querem mais ouvir, vendo estampas de todos as qualidades e tamanhos, ideais para decorar cartas e quartos ou para presentear a pessoa amada, autocolantes ou que colam bem em qualquer ocasião, apoiamos qualquer tipo de coleção, de caixinhas de fósforo de várias épocas ou de lembrancinhas de todos os países, só não temos coleção de selos e moedas que isto é de outra repartição, mas até aquelas coleções de insetos mortos presos em alfinetes podemos providenciar ou de autógrafos de gente famosa, desde que você não se importe, é claro, com a dedicatória ser para outra pessoa, de meias e camisas de atletas de todos os times, com o cheiro original ou lavadas, estas são mais em conta, farinhas, farinha de milho, farinha de fubá, farinha de rosca, farinha de mandioca, farinha láctea, farinha de tapioca, farinha de trigo, produtos naturais, ervas e chás, da horta da vovó ou da horta da bruxa, que levantam defunto ou curam espinhela caída, que


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dá pra fazer um bom defumador ou se comunicar com os espíritos, boas

e bonecas, jogos eletrônicos, do Atari ao Wii, vendemos discos de vinil de

para o corpo e para a alma, para cozidos ou poções, que emagrecem ou

todos os cantores nacionais e importados, de Waldick Soriano a Kiss, de

que matam, mas se não quiserem algo tão especializado, temos também o

Nelson Gonçalves a Skank, de Brahms a Fundo de Quintal.

sacolão que vende frutas, hortaliças e verduras, a granel, a quilo ou a fardo,

Também ofereço serviços. Tenho correios para você enviar encomendas,

vindas direto do CEASA ou de outras procedências, caso não lhe importe

que cartas já quase não se envia mais, tenho centro de formação artística

a fonte, bem lavadinhas, super higiênicas, biscoitos e balas, temos de todas

que é oficial, mas nem por isso, economia solidária pra você buscar uma

as marcas, Mineiroca, São Luiz, Zabet, Piraquê, Aritana, Ricco, Carrosel

ocupação que já está na hora ou vender o seu artesanato, alguém há de

Ingrid, Aymoré, Cory, Fogo de Lenha, Flopita, Paçoquita, Frutella, Mega

querer comprar, ofereço conserto de livros, porque sempre há algum

Buzzy, Arcor, Bauducco, Garoto, Bala Chita, Racine, Montevergine, Elma,

que merece, tenho estúdio e produtora de filmes, nenhuma Hollywood, é

Docile, Pachá, Fini, Plutona, Embaré, Santa Rita, carnes temos de todos

claro que sou grande mas nem tanto assim, e BH não é nenhuma Beverly

os cortes para todas as cortes, pé de boi, galopé, quartos, fraldinha ou

Hills, tenho salão de beleza para esticar ou encurtar o cabelo, para tornar

fraldão, picanha maturada ou imatura, argentina, brasileira ou paraguaia,

mais belas as pessoas ou só para fofocar, para raspar barbas e cabelos,

filé minhom ou não, suína, galinácea ou bovina, só de peixe que não,

para recortar símbolos e letras no coro cabeludo, para transformar cabelo

pois o Arrudas foi entubado, os outros rios estão muito longe e o trem

preto em platinado e a nobre missão de transformar todas as mulheres em

não chega mais ao mar, alcatra e o diabo a quatro, bebidas temos todas,

louras de cabelos escorridos, sejam elas brancas, pretas, mulatas ou sarará,

Brahma, Antarctica, Schincariol, Boêmia, cachaças da roça, de marca ou

estamos pensando até em abrir um setor de tatuagens, dentistas tenho aos

de quem quiser trazer prá vender, whisky escocês ou falsificado, para

montes que é pra ninguém ficar com dor de dente ou gengiva inchada,

quem quiser fazer economia, refrigerantes da Coca-Cola e da Antarctica,

particular ou do governo, aí depende do tipo da dor, advogado para todas

mas também guaranás de várias qualidades e frutas, Pepsi-Copla, Inca-

as causas, as justas ou as injustas, para meliantes ou gente honesta, varas

Cola, Mogi-Cola, qualquer cola, Dolly, Del Rey, Pakera, Minha Vida, Xereta,

cíveis, criminais ou da família, para aflitos ou para quem só quer atazanar o

Psiu, Marajá, Frutty, Pureza, Golé, Kuat, Piracaia, Arco-íris, Jah, Indaia,

próximo, temos serviços de pai de santo, caso o advogado não resolva ou o

Sukita, Fanta uva ou laranja, Crush, Grapette e os antigos Mate-couro e

salão não te deixe tão irresistível assim, mas se nada disso der certo, temos

Mineirinho, papelaria que vende até papel, mas que vende também todo o

também serviço funerário, porque afinal algum dia temos que descansar

material escolar de seu filho, caderno das monsterrai, do homem-aranha,

em paz de tanta coisa.

da pepapig, do batman e super-homem não temos mais, ninguém quer comprar, temos grampos, grampeadores e clips, tesouras pequenas, médias e grandes para cortar qualquer tipo de coisa, até mau olhado, lápis de cor com as cores necessárias, sim , porque há cores desnecessárias, borrachas para apagar coisas mal escritas e mesmo as bem que escritas que depois arrependemos, apontadores para afiar pontas de lápis, marcadores de texto para estragar livros, durex, fita crepe e vários tipos de cola para juntar partes de nossas vidas, vendo brinquedos de todos os tipos e para todas as idades, sem peças para engolir ou com muitas peças para sumir, quebracabeças para matar o tempo, carros para papais e filhinhos, soldadinhos


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Ficha Técnica Endereço: Avenida dos Andradas, 367 Área: Térreo: 114 lojas

1º andar: 147 lojas 2º andar: 53 Lojas 3º andar: Serviço Odontológico do IPSEMG

Data da Construção: 1966 Arquiteto: Mardonio Santos Guimarães Tombamentos: Não tem.

Um pouco da história do Edifício Central

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Ponto de referência comercial em Belo Horizonte, o Edifício Central (inicialmente Centro Comercial de Abastecimento) foi projetado em 1962 para ser um centro de armazéns de cereais e alimentos não perecíveis para distribuição e abastecimento da região metropolitana. Teve sua construção iniciada em 1963 e finalizada em 1966, quando ocorreu sua inauguração e a primeira reunião de condôminos, com formulação e aprovação da Convenção e do Regimento Interno. Localizada junto à Estação Central da Rede Ferroviária, facilitava o contato entre os produtores e comerciantes da cidade, mas sua vocação inicial foi modificada com a instalação de órgãos e entidades estaduais. Para cá vieram a EMATER e a COHAB e, com a movimentação crescente de funcionários públicos e, consequentemente, de usuários, o prédio tornou-se propício à vinda de comerciantes varejistas e de prestadores de serviços dos mais variados setores. Outras empresas públicas como a SERPRO e a PRODABEL também ocuparam e funcionaram durante alguns anos em suas dependências, o que fazia crescer em importância todo o conjunto. A passagem dos anos decretou a relevância do Edifício Central e hoje, além de contar com mais de uma centena de empreendedores, espalhados nas mais diversas atividades, nele funcionam também a Fundação Municipal de Cultura e o Serviço Odontológico do IPSEMG (Antonio Eustáquio Pereira dos Santos, síndico).


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Peixes Urbanos

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Pilar de viaduto. Viga de viaduto. Laje inferior de viaduto

Bolas de rua. Platibanda. Igreja

evangélica.

parapeito. Marquise. Portaria. Esquadria. Torre de caixa d’água.

Porta metálica. Poste. Duto de ar condicionado. Exaustor. Edifício Nunes Ferreira. Igreja evangélica. Sacada.

Balaústre. Ponto de ônibus. Abrigo de ônibus. Espera de

ônibus. Pedra

portuguesa. R e v e s t i m e n t o c e r â m i c o . Ladrilho.

Ladrilho hidráulico.

Azulejo. Tinta látex. alvenaria com reboco.

Alvenaria sem reboco. Placa. Placa de trânsito. Placa de informação.

publicidade. Muro alto. Muro

Placa de

baixo. Mureta banco de rua.

Banco de praça. Arame farpado. Cerca. Cercamento. Gradil Tronco de árvore. Galho

de árvore. Base

de prédio.

Galpão. Empena cega. Parede vazada. Brise soleil. toldo.

Lixeira.

Paraciclo. Igreja

evangélica. Guia

de cego. Cimentado.

Encosto de banco. Orelhão. Pilar. Veneziana Teatro. Calçada. Soleira. Degrau. rampa. Traffic calming. Tubo. Cano.

Ponto de luz. L u m i n á r i a .

Barrado em alvenaria.

barrado em concreto Barrado em pedra. Barrado cerâmico.

Barrado no baile. Igreja Evangélica. Santuário. Prostíbulo.

LojaConsultório. Bar. Lanchonete. Gola de árvore. Defensa

de árvore. F r i s o s .

Ornamento. Neoclássico.

Eclético. Art

Art Nouveau. Moderno. Protomoderno. Pós-moderno.

Tardomoderno. Museu.

déco.

centro cultural Estacionamento.

Balcão. Barra. Edifício Felício Rocho. Supermercado. Edifício garagem. Igreja evangélica. Estacionamento. Piso intertravado. Canaleta. Meio-fio. Sarjeta. boca de lobo. Jardineira. Sinal. Semáforo. Sinaleira. Pedestre. Parapeito.

Automóvel. Ônibus. O u t d o o r . Monumento. Estátua.

Banner. Cavalete. cone

Obra. Bandeira.

Escultura. Torre de luz. Banco de madeira. Banco de concreto. Faixa de pedestre. Pórtico. corrente Capacego. T a p u m e . Chaminé. Igreja evangélica. Casa de estação. Tijolo. Muro antigo. Muro novo. Ninfas. Hermas. Buchinho. Fonte. Espelho d’água. Grama.

Arbusto.

Gente dormindo. Gente acordada.


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Viaduto Santa Tereza

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Esse vão da ponte é uma boca aberta falando coisa que ninguém tá querendo ouvir. (...) A tentativa é de calar o viaduto. (Ludmila Zago, representante do movimento Viaduto Ocupado, em audiência pública na Câmara Municipal, 2014) Quem quer ver os viaduto se duelar, faz barulho, aê!!!

VIADUTO SANTA TEREZA Se liga na minha vibae, que sou muito Belô, prá transpor a linha de ferro, nasci decô, foi lá em 28 pelo engenho de seu Baumgart. Tem viaduto que nem sabemos se é mesmo arte que veio depois, de tal engenheiro Otávio Pena mas que nunca ocupou nem metade da minha cena. Duplo de mim, sem direção e sem arco, não convive comigo no mesmo barco, coadjuvante que vem das biquêra da Floresta mas de lá não consegue trazer nenhuma festa


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Viaduto da floresta

VIADUTO DA FLORESTA Estou ao seu lado, mas com você quero bater de frente. Fui mesmo nascido em trinta e sete, gente, sou mais moderno, com muito orgulho, pra ser bonito não preciso penduricalho e bagulho. Se a sua inauguração ninguém sabe ao certo, na minha veio um mulão de gente e nem só de perto, veio prefeito Couto Silva e governador Valadares, Estado Novo também veio, com novos ares. E por falar em Silva, levo até Silva Jardim que como dizia o poeta é rua ou silvo em mim?


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VIADUTO SANTA TEREZA Quem liga prêsses manda-chuva, se sou só o super, o máximo, um portento de

400 metros, igual eu não tem nada

próximo, meu arco salta 56 metros e sobre ele andou até poeta, só de altura tem 14 metros e vê a cidade como meta. Prá suportar carro, gente e bonde, sou feito de concreto armado, mas na selva de pedra sou suave e por isso muito amado. Você só tem 216 metros, míseros, só serve pra trânsito, nunca para os pósteros.

VIADUTO DA FLORESTA Pois hoje por você quase ninguém passa, só um ou outro moleque sarna ou um metralha, à caça. Não tem mais aquele footing, aquela azaração, enquanto eu, de vários bairros faço a ligação. Movimentado que sou, sem na história nenhum acidente, enquanto você, em trinta, fez até bonde ficar pendente até que eles desistiram de você em cinquenta e oito. Eu cada vez com mais movimento, cada vez mais solto. Além de tudo, fui sempre eu, em minha humildade, não como você, sempre em crise de identidade. Já se chamou Tocantins e Arthur Bernardes, até ter nome nenhum, que Santa Tereza é alhures. Arrota mais do que come, teu nome é vaidade, enquanto eu é que transporto gente de verdade, gente expulsa da Contorno, mas que construiu a cidade, o peão que constrói a casa e depois não pode entrar,

todos que trabalham, mas só tem pouco a faturar.

absurdo! Tão querendo acabar com a liberdade das gentes pras pessoas ficar só vendo TV na casa dos parentes,

VIADUTO SANTA TEREZA

fazendo a cabeça pela doutrina de quem domina, tirando das ruas quem só quer passear com suas mina.

Olha quem fala, que Floresta também é nome emprestado,

Só lembro de gente debaixo d’ocê a partir de cinquenta,

nasceste como Viajantes, você é desmiolado e

retirante que chegava, a ficar por aí, como quem só

desmemoriado.

aguenta

Quanto a mim, sou completo, nobre e popular,

mas não vive, em plenitude, a cidade,

tenho primos, em São Paulo o Viaduto do Chá,

sem dela ter certidão, sem dela ter paternidade.

a Ponte recifense Maurício de Nassau, de dezenove.

Você vem agora com essa conversa comunista

E se mesmo toda essa nobreza não te comove,

Mas em oitenta e três quase te perdemos de vista,

lembro que a vida debaixo de mim é o que hoje me move.

quase caindo sobre quem, embaixo, morava ou circulava,

Mas antes de falar em toda essa vida, tome lá mais

morrendo aos poucos sem querer morar sozinho,

nobreza:

talvez triste por já não transpor o férreo caminho,

meus postes são importados, Union Metal, uma beleza

mas ser apenas teto de sem teto, viaduto sem via,

dois focos, globos de vidro estriado e alabastro,

por vagar de estacionamento a depósito de lixo, a

lindos na foto,

esmo,

muita luz, muito ritmo, muito esplendor, bonito de

de feira de abastecimento a delegacia, até isso mesmo!

fato,

sendo de tudo, até posto de gasolina.

tão bonitos são que, em vinte e nove, sua instalação

Não ter destino é ter liberdade, ô menina?

foi o que iluminou minha inauguração.

VIADUTO DA FLORESTA

VIADUTO SANTA TEREZA

Poste por poste, eu também tenho,

Fui recuperado em noventa e nove, seu maledicente!

mas que adianta tanta luz se nada ilumina

Vá me dizer que você nunca esteve doente?

ainda mais se sua vida é por baixo, na sombra, triste

Pois se fui isto tudo embaixo de mim,

sina.

esqueceu que também fui palco, pista de dança e

Mas se isso é virtude, também eu tenho muita vida

barzim?

embaixo,

Já exibi muita arte e me dediquei a muito uso,

mas antes tive muito mais, eu acho,

por favor, respeite a memória, não deixe o leitor

feiras populares, barracas, gente vendendo de tudo,

confuso

pena que isso acabou, expurgados que foram, que

Se fui antessala dos bacana da Serraria,


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| 161 na real, fui também casa e quintal de muita Maria.

cabeça fazendo com que eu mesmo melhor me conheça.

VIADUTO DA FLORESTA Comigo também não foi diferente,

VIADUTO DA FLORESTA

vizinhança por vizinhança, a minha também é quente. Tem rock e dança na Casa do Conde

Se sua ocupação é por baixo, a minha é por cima.

e muita reza não muito longe.

Encadeio as partes da cidade como uma boa rima,

Tem capeta, tem anjo e muito monge

trago quem vem de Floresta, Colégio Batista e Horto,

de tudo quanto é credo, de tudo quanto é seita,

ligo Santa Efigênia ao resto deste mundo torto.

gente que adora Deus e o capeta.

Grande reta no limite da cidade reta,

Agora também vou ser antessala de casa de espetáculo

meu caminho é uma direção sempre direta.

que o Conde quer a rua sem obstáculo

Vou de Contorno a Contorno, emolduro a praça,

e vai abrir teatro e portão a qualquer um,

não paro hora nenhuma, tenho essa graça,

basta chegar, basta viver em algum lugar ou em lugar

que não sei o que é ter pouco movimento,

algum.

que não tenho tempo para ter sentimento. VIADUTO SANTA TEREZA

Quem quer um segundo round, grita aê!!!

Pois vou lhe explicar o que é o verdadeiro movimento e junto com ele o que é o urbano sentimento. Desde 2007 há uma Geração que me ocupa,

VIADUTO SANTA TEREZA

coisa que contigo não ocorre, me desculpa. Chegaram às 9:30, todo domingo, o primeiro do mês,

O que aconteceu comigo nunca ocorreu por aí,

finalmente eu estava tendo a minha vez.

você só tem voz de carro e eu, vozes próprias daqui.

Tinha gente que cantava e declamava,

Desde que em 2000, “outros 500” vieram em show,

tinha gente que revistas e coisas trocava,

alternativa ao descobrimento de um país que não sou.

tinha gente com brenfa se malocando dos coxa,

Desde que me deram voz de punk, rock e rap

tinha churrasco vegano e gente com trouxa,

Sangue no Olho, Realistas MC’s, muita gente com quepe,

tinha artivista e ativista, piquenique comunitário,

escutei vindo de mim mesmo vozes tão diferentes,

feira grátis, gente boa e algum otário,

outros poetas, revolucionários como os de antes

que no mundo tem lugar pra todo mundo.

a ver meu passado como futuro,

Tinha revolução pra todo lado, coisa ocorrendo a cada

o patrimônio urbano com outro apuro,

segundo,

invertendo o arco da história, me pondo de ponta-

pelada molotoviana, um jeito diferente de jogar


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futebol,

pra todos os gostos e pra quem quer que goze,

Se os hômi engole essa, se livra o meliartista,

manda lá, Vinicim, que eu também penso assim:

uma maneira nova de fazer cultura despontando no

tem um chá e um raio e rapinha, na tora,

se não, sobretudo em patrimônio cultural, é cana à

“Que aqui é o meu lar. Então, essa é minha sessão

arrebol,

muita treta, minha tia, que sei que tem quem adora!

vista.

faz-cê-mês, cada discussão profunda e meteórica

Tem podrão maneiro que encara qualquer parada

Mas já teve quem misturasse grafitti e pixo,

“sem muito blá-blá-blá e masturbação teórica”.

e dingão oculto em caverninha de nada.

foi o Goma que disse isso, e viva o grapixo!

Tem cheirão de loló e de pólvora de berro,

O pixo é muito presente e tonitroante,

Mas 51 nenhum impede a vida que quero.

cobre a cidade como um grito constante.

VIADUTO DA FLORESTA

De fato, é muita superfície com detono,

Não acaba o Duelo, muito mais fácil acabar a eleição Acaba com a opção, mas não acaba o viaduto Porque se fala isso que acaba, eu truco”

muito barulho lembra muito abandono. Mano, que coisa loka! Mas também tinha muito careta!

VIADUTO DA FLORESTA

Como pensar diferente se me dão tanto valor?

Vê se pode ser possível um time chamado Chinelada

Com ninguém antes tive tanto calor,

VIADUTO DA FLORESTA

vale o que disseram, em momento de afirmação:

mas haja PE, DPC, CZL, DFC e DAI

Meu barulho é da cidade e dos shows que ao meu lado

“Certo mano, os irmãos se juntou, pôs umas caixas

D9e1/2 jogando ao som de MMPCV, Ü e Discarga,

CDN, GBS, TOG e por aí vai,

acontecem,

de som debaixo da ponte, fez uns grafite, carregou

só assim mesmo para renovar essa vida amarga.

a moçada pira no rolinho e escala o alto do prédio.

pouco sei de tudo que me conta, mas de como as coisas

os equipamento, puxou umas gambiarra de luz e fez o

Não sei se essa é a vida que quero

Pra praga igual não tem remédio!

me parecem.

bagulho que nós ama acontecer aonde eles só coloca a

e nem mesmo se esta é cidade que espero.

Até pixurrasco por aí eles fazem,

Sei de ver daqui e de pegar rebarba, meu flow é menor,

miséria, só coloca droga, só coloca arma, só coloca

não sei que arte eles sinceramente trazem.

menos caveira,

destruição...Nós trouxemo a vida pra esse lugar, nós

A galera se mata por uma preza,

mas sei que a liberdade consiste em não ficar de

tem que celebrar essa vida aqui, certo? Vai djriano!”

enquanto, embaixo, pro céu, muita gente reza

bobeira.

que Deus deles nos guarde, amém,

Que se fica mole, o governo engole,

que para nos livrar do spray não há ninguém!

que se desocupa, o rico ocupa,

Preta,

Mas, além de tudo você vive pixado

Ex-permacultores jogando com Brigadas Populares,

(tá certo que nem eu vivo disso isolado),

Ninguém FC contra Desgraça FC, são mesmo novos ares,

VIADUTO SANTA TEREZA Não quero então me gabar, mas cê num sabe de nada, pois aqui tem também, da vida, um pouco de cada. Tem Dudrin e Kavêra que moravam na rua

que se não se improvisa, o dirigente civiliza.

VIADUTO SANTA TEREZA

e, da UFMG, o Cidade e Alteridade a buscar a cidade

VIADUTO DA FLORESTA

Quem diria que o viaduto aristocrata ia ter vida tão ingrata?

Mas tanta festa só podia dar em crime,

nua.

Tem muita gente que quer negociar grafitti como pixo,

Parece que aí, agora, só tem PPP, pobre, preto e puta,

não é que mataram o Luiz Estrela, em violência de

A Real da Rua é isso, mano,

mas será verdade que um seja arte e outro seja lixo?

e nem assim você me escuta?

filme?

isso é vida em sua pura forma, se não me engano.

Pichador tem nome gravado, Cripta, 4e25, DMS, Jah,

Mas será que é preciso mais polícia para mais

Tem nerd e muita muié, tem rinha de b-boys,

DMS, Dalata, MTS e 4e25, muitos, de fato, há.

segurança?

uma rapaziada acendendo novos e diferentes sóis,

Uns viram artista e vão até pro exterior,

comunidade sem chefe nem mandante algum,

pixar é crime, grafitti é arte superior.

que o melhor governo é não ter governo nenhum.

Quando pego na adrenalina da bombspray,

Será que é ingrato ouvir o duelo das noites de sexta?

como o sol, nasceram para romanos e visigodos,

Tem zine sem neurose e com neurose,

pixador diz que é grafiteiro rei.

Gente que tem a manha, que me enche de treta,

gregos e troianos, mineiros e baianos,

VIADUTO SANTA TEREZA

ou a plenitude da vida é algo que não se alcança? As ruas parecem de ninguém, mas são de todos,


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“Quem queria ir até as lindes do Grande Bar do Ponto podia descer um pouco da |Bahia, 165 renteando o triângulo ocupado pelo Correio antigo. Era justamente o lado onde se abria o portão que dava entrada ao misterioso Colis-Posteaux e logo se batia de cara com a reta do Viaduto Santa Teresa. Essa construção de cimento armado comporta um grande vão e sua estrutura é levantada por enormes arcos de concreto que têm largura de cerca de metro. Sua altura é vertiginosa. Pois era esse o caminho escolhido pelo poeta de minha geração quando ia para sua casa na Floresta. Em vez da pista ponte escolhia suas parábolas de sustentação e passava por cima delas aos ventos vendo rolar embaixo os trens da Central. Um dia foi interpelado, cá de baixo, por um guarda-civil. O senhor não pode usar esse caminho – e esteje preso. Das alturas veio resposta anuente. Aceito a prisão mas o senhor venha me prender cá em cima. O guarda topou o desafio, aliviou-se das botinas, da túnica e começou a subida. Ao fim duns poucos metros deu-se conta da elevação em que se achava e, tomado de vertigem e daquela doçura frouxa do períneo que nos vem na borda dos abismos, ajoelhou, pôs-se de gatinhas, atracou firme no semicírculo de cimento e deixou-se escorregar de marcha à ré. Embaixo recompôs-se e para salvar a face, gritou para as negruras da noite que relaxava a prisão. O poeta tranqüilo iniciou sua descida pela outra vertente” (Pedro Nava, Beira-Mar, p. 6).

mas, como a sombra, só as ocupa quem merece? O que fazer então com quem padece? Sou um imóvel que propicia o automóvel, tenho a estupefação que imobiliza, não fora isso redundante, só resolvendo seus dilemas pode a sociedade seguir adiante.

VIADUTO SANTA TEREZA Desde 2013 assisto a assembléias populares horizontais,

(...)

Viaduto Ocupado para discutir reformas e outras que tais. Aqui sempre veio muita gente de todas as idades, que sejam bem-vindas todas as cidades! Bem-vinda

Duelo de Mc’s embaixo do Viaduto Santa Teresa.

a pena e a tinta do Urubois em zines,

bem-vindos Castilho e Coiote, matéria Prima e banda Zimun, Atitude, Anarquistas, América Latina, qualquer um, Léos Pyratas, Zés Balias e Bozós, com seus grupos e bandas, ou mesmo sós, Dentinho e b-boys, gente do parkour e do skate, Ob-jetivo com seu brado feminino, forte como leite, hardcore, dub, ragga, gospel, metal, duelem Ozleo, PDR, Rappin Hood, Emicida, Marechal Monge, Shawlin, Douglas Din, Vinição. Mano da Floresta, por isso lhe digo, nesta luta: “Só assim você me escuta!” Fechôôô! Viaduto da Floresta ainda com a circulação de bondes em 1940. Acervo MHAB/Fundação Municipal de Cultura

De onde vem, aonde vai, se vai ou vem? Triste, ferroviário apito de máquina da Oeste de Minas manobrando insone, paralelo ao rouco ir e vir arfante de locomotiva da Central, rasgando a seda sem ruga de dormir sem dívidas, cobrando a vigília, o amargo remoer da consciência turva. Não parte, não volta de nenhum destino o trem espectral, roda sem horário, passageiro ou carga, senão nossa carga, interior, pesada, de carvão, minério, queijo de incertezas, milho de perguntas ???????? gado de omissões. Fero, trem noturno a semear angústia na relva celeste da Floresta em flor. (Carlos Drummond de Andrade, Dormir na Floresta, em “Esquecer para Lembrar”, Boitempo III, p. 130)


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Posfácio

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A Praça da Estação é a melhor síntese do que seja um espaço público urbano e, em Belo Horizonte, um livro aberto para a compreensão da História da

Biblioteca da BHTRANS, pelas informações de tráfego e transporte utilizadas no capítulo do “Edifício-sede da RFFSA”; ao Low (Wellington Cançado) pelas

cidade. Em termos espaciais, se apresenta como evidente centralidade urbana reforçada por sua função de principal nó intermodal de transporte e tráfego, o

reflexões sobre a praça, a Antonio Eustáquio Pereira dos Santos, pelas contribuições ao capítulo “Edifício Central”; a João Perdigão, por tanto material

que lhe confere forte caráter popular. Diferentemente, no entanto, de outros lugares de transbordo, onde só as questões da mobilidade e do comércio rápido

e reflexão relativo ao capítulo sobre os viadutos; a André de Souza Miranda e sua importante dissertação de mestrado sobre a Praça; a Rodrigo Ferreira

se apresentam, a Praça da Estação, com seus grandes espaços abertos e a reutilização de prédios antigos, se oferece também como importante espaço cultural,

Andrade, presidente do IEPHA quando do tombamento da Praça; ao Museu Histórico Abílio Barreto, pelas imagens; a meus primeiros leitores Mauricio

de manifestações populares e até mesmo para um grande contingente de pessoas em situações de rua. Em termos temporais, é ela a região mais antiga da

Campomori, Olavo Romano e Patricia Andrade; a Bernardo Andrade, pela pesquisa histórica, a Celia Arruda, pelo paciente e competente trabalho de revisão,

cidade, por onde a Nova Capital começou sua construção e por onde chegaram as pessoas, sede de tanto patrimônio cultural, sendo, ao mesmo tempo, o

a Priscila Viana da Luna Design, pela bela composição gráfica; ao Theo Mendonça, pelo suporte e, especialmente, ao Instituto João Ayres, na pessoa de Airam

arauto de seu futuro, onde se ensaiam movimentos de direito à cidade, novas possibilidades culturais alternativas, reutilização criativa do acervo edificado e

Resende, pela confiança ao me convidar para escrever este livro. Finalmente, gostaria de agradecer e prestar meu reconhecimento ao arquiteto Ricardo

dos vazios urbanos. Nesse sentido, podemos dizer que ela é, espacial e temporalmente, onde Belo Horizonte é mais Belo Horizonte, por ser central, por ser de

Samuel de Lanna, presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil, em 1981, pela luta em prol da preservação da Praça da Estação.

todos e por materializar uma continuidade histórica notável. Minha vida se misturou com a da Praça em diversos momentos. Foi em seus arredores que comecei a trabalhar, aos 13 anos de idade, onde tomava caldo de

FLÁVIO DE LEMOS CARSALADE

mocotó ao sair do escritório, nos fins de tarde, imerso na atmosfera do grande largo urbano. Depois disso, como estudante de arquitetura, como arquiteto-

Belo Horizonte, 22 de junho de 2015.

urbanista, como militante de órgãos de classe e da defesa do patrimônio, como dirigente de órgãos públicos, e, sobretudo, como cidadão, tive a oportunidade de fazer trabalhos técnicos, realizar projetos e utopias, criar ações efetivas de proteção do espaço, participar de conselhos e comissões, enfim, me unir aos destinos desse pedaço de meu Belo Horizonte muito amado. Por tudo isso, escrever este livro sobre a Praça me foi muito grato e saboroso. Mas ele não seria possível sem a colaboração de muitos amigos e colegas que me auxiliaram com contribuições diversas e, quando os relaciono aqui, em reconhecimento e agradecimento, só confirmo o quanto a Praça da Estação consegue mobilizar tantas pessoas, de tão diferentes origens, com uma gama tão grande de atenção, trabalho e carinho. Desculpando-me pelas inevitáveis omissões, gostaria de agradecer primeiramente à minha esposa, Maria Angela, também arquiteta, por ser minha primeira leitora e crítica destas páginas; ao IEPHA/ MG, ao IPHAN e à Diretoria do Patrimônio Cultural do Município de Belo Horizonte, nas pessoas de Michele Abreu Arroyo, Rubem Lima de Sá Fortes, Célia Corsino, Sérgio Fagundes, Monica Elisque do Carmo, Leônidas de Oliveira e Carlos Henrique Bicalho, pelas fontes em geral e especialmente aquelas relativas à Casa do Conde, Edifício-sede da RFFSA e Serraria Souza Pinto; ao arquiteto João Grillo pela revalorização da importância da Casa do Conde e José Eduardo Ferolla e Eduardo Mascarenhas Santos e o resto da equipe, parceiros na proposta do Parque Linear do Arrudas e, por seus desdobramentos, ao Instituto de Arquitetos do Brasil, pelo apoio de Leonardo Castriota e Jurema Ruggani; à generosidade de Edwirges Leal, Flavio Grillo e Eduardo Beggiato, pelo compartilhamento de sua vasta pesquisa sobre a Praça e que tanto me foi útil nos capítulos “Estátuas da Praça” e “Monumento à Civilização Mineira” e também pelo seu belo trabalho ali realizado; a Heloisa Starling, pelas informações sobre a história da Escola de Engenharia da UFMG; ao Instituto Flavio Gutierrez e a Angela Gutierrez pelas informações sobre o Museu de Artes e Ofícios e pelos seus esforços de recuperação do Edifício da Estação Central e da Praça; a Celina Borges Lemos, Rogério Palhares Zschaber de Araújo e José Maria Rabelo, por tanta informação sobre a história da cidade; a José Abílio Pereira, pelo “Quatro Estações”, a Rafael Barros e Priscila Musa pela luta em prol de uma cidade mais inclusiva e pelas informações sobre a “Praia”, utilizadas no capítulo “Monumento à Civilização Mineira”; a José Wanderley Carsalade, meu avô, por sua contribuição cidadã a Belo Horizonte e pela herança material e imaterial que me legou e sua “Perspectiva”, utilizada no capítulo sobre o “Chagas Dória”; à TECTRAN, Silvestre, Rogério Carvalho e Pedro Renault e à


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Glossário

| 169 Cornija (arquitetura): na arquitetura clássica, é a parte superior do entablamento. É composta de cimalha, lacrimal e sófito. Pode ser também moldura ou conjunto de molduras salientes que servem de arremate superior a elementos arquitetônicos de edifícios.

Aba corrida (arquitetura): balcão contínuo ao longo de toda a fachada, situado sobre a cimalha do edifício, constituindo-se usualmente em platibanda ou guarda-corpo de terraço.

Arquitrave (arquitetura): viga mestra ou verga saliente na superfície das paredes, assentada horizontalmente sobre colunas, pilares ou ombreiras de vãos.

Brenfa (gíria): pacote de droga.

Ábaco (arquitetura): parte superior do capitel de uma coluna.

Ático (arquitetura): parte superior de uma fachada, acima do último pavimento do edifício.

Abóbada de barrete de clérigo (arquitetura): abóbada resultante da interseção entre duas abóbadas de berço, onde a aresta resulta em linhas curvas.

Átrio (arquitetura): recinto ou compartimento na entrada do prédio.

BRT (Urbanismo): sigla para Bus Rapid Transit, transporte coletivo sobre rodas (ônibus articulado ou simples) que corre em faixa exclusiva de trânsito.

Azaração (gíria): paquera.

Cachorrada (arquitetura): conjunto das peças de madeira em balanço que serve de apoio para beiral de telhado.

Abóbada de espelho (arquitetura): formada por duas abóbadas de berço interceptadas por uma superfície plana.

Azulejo bisotado (arquitetura): azulejo chanfrado em suas extremidades.

Caduceu: bastão com duas serpentes enroscadas e com duas asas na extremidade superior.

Azulóios: Azul da cor do hábito dos frades lóios.

Capitel (arquitetura): parte superior das colunas. Normalmente refere-se às ordens clássicas arquitetônicas, podendo ser toscano, dórico, jônico, coríntio ou compósito (ver ordem).

Açoteia (arquitetura): termo arcaico, corresponde ao terraço que cobre usualmente torres ou torreões. Acrotério (arquitetura): genericamente, qualquer elemento decorativo que coroa o edifício ou pequeno pedestal colocado nas extremidades ou no vértice do frontão ou espaçado em balaustrada, servindo de suporte a diversos ornamentos como estátuas e vasos. Aduela (arquitetura): Cada uma das peças em pedra talhada ou seccionada de forma a seguir a volta do arco ou abóbada. Agulha (arquitetura): arremate colocado no ponto mais alto das torres para aumentar seu efeito de esbeltez. Amarelo-gualdo: amarelo claríssimo. Arco pleno (arquitetura): arco em forma de semicircunferência.

B-boys (gíria): dançarinos de breakdance, espécie de dança sincopada de rua. Balaustrada (arquitetura): anteparo de proteção, apoio, vedação ou ornamentação, utilizado frequentemente em balcão, terraço, alpendre, coroamento de prédio ou como guarda-corpo de escadas. Bandeira (arquitetura): caixilho situado na parte superior de portas e janelas. Bay-window (arquitetura): balcão fechado por janelas, formando um corpo saliente na edificação, geralmente sextavado ou oitavado. Berro (gíria): arma de fogo. Biquêra (gíria): arredores de um bairro ou localidade. Bocal (arquitetura): base da coluna entre o plinto e o fuste.

Brise: elemento de proteção solar geralmente colocado na face externa das janelas.

Capitel de moldura (arquitetura): capitel destituído de ornamentos. Cariátide e atlante (arquitetura): ornato em figura de mulher/homem a sustentar elemento da construção como coluna, cornija ou pilastra. Caverninha (gíria): esconderijo. CBTU (sigla): Companhia Brasileira de Trens Urbanos (federal). CEASA (sigla): Centrais de Abastecimento S. A. Cimalha (arquitetura): arremate emoldurado formando saliência na parede, geralmente em sua parte superior ou marcando algum elemento arquitetônico horizontal. As cimalhas em gola reversa são elementos cuja parte superior é côncava para baixo, como se fora uma gola de ponta-cabeça.

Contraforte (arquitetura): Maciço de alvenaria colocado contra uma parede para lhe reforçar contra esforços horizontais. Coxa (gíria): policial. Cruz grega: cruz de braços de igual comprimento. Cunhal (arquitetura): faixa saliente nas extremidades de paredes ou muros externos do edifício. Dentículo (arquitetura): ornato ou entalhe constituído de elementos em forma de dentes, separados uns dos outros por um vazio cuja distância corresponde usualmente à metade da largura do dente. Dingão (gíria): policial. EFOM (sigla): Estrada de Ferro Oeste de Minas (extinta). Empena (arquitetura): Parede lateral cega de um edifício ou parede que fecha o espaço triangular entre duas águas ou ainda parede cega entre dois elementos arquitetônicos ou acima de uma janela ou porta. Entablamento (arquitetura): conjunto de molduras que coroam uma parede ou uma colunata. Entourage: entorno, fundo que dá ênfase à figura. Epígrafe (arquitetura): inscrição feita em local de grande visibilidade em edifícios. Estilo art-déco (arquitetura): surgido na Europa, em 1925, como arte decorativa, caracterizado por volumes puros e ornamentação geométrica ou adornos com animais ou figuras humanas. Estilo eclético (arquitetura): nome

genérico para estilo que combina elementos de outros estilos, característico do Século XIX e início do Século XX. Estilo moderno (arquitetura): desenvolvido no século XX, caracterizado pela racionalidade e funcionalidade, formas geométricas e ausência de ornamentação, além da utilização de novas tecnologias. Estilo neoclássico (arquitetura): inspirado nas arquiteturas grega e romana. Estilo neogótico (arquitetura): inspirado na arquitetura gótica. Estilo pós-moderno (arquitetura): estilo da segunda metade do Século XX que reagiu contra a excessiva austeridade formal e o purismo da arquitetura modernista. Estilo protomoderno (arquitetura): transição entre o art déco e o moderno. Estilo tardomoderno (arquitetura): mais próximo da contemporaneidade, como um desenvolvimento da linguagem modernista.

Friso tríglifo (arquitetura): ornato originário da ordem dórica clássica, situado no friso. Frontal (arquitetura): painel ornamental colocado sobre portas e janelas. Frontão (arquitetura): elemento de coroamento de fachada em forma triangular. FUNARTE (sigla): Fundação Nacional de Artes. Fuste (arquitetura): corpo do pilar. Guarda-corpo entalado (arquitetura): guarda-corpo que é engastado entre as ombreiras de janelas rasgadas em grades ou balaústres. Guarnição (arquitetura): moldura em volta de um elemento da construção como portas e janelas, dando-lhes arremate ou ornamentação. GEIPOT (sigla): Empresa Brasileira de Planejamento de Transportes (federal, extinta). Gospel: estilo de música de caráter e origem religiosa.

Estilóbato (arquitetura): pedestal contínuo que serve de suporte a uma colunata.

Grafitti (gíria): arte urbana caracterizada pela pintura em muros e empenas de prédios.

Faixa (arquitetura): moldura chata e larga, disposta no sentido horizontal, usada frequentemente nos edifícios, separando os pavimentos.

Hardcore (gíria): cena musical da segunda onda do punk, caracterizada por confronto e agressão.

Festão (arquitetura): ornato em forma de fita pendente, recortada e vazada, podendo ter feitio de frutos, folhas e flores entrelaçadas. Fillete (arquitetura): pequena moldura chata e lisa, de largura aproximada à sua espessura, usada em geral para separar outras molduras em fachadas, tetos e corrimãos. Fita (arquitetura): ornato em forma de faixa enrolada como espiral, decorando sancas e entablamentos. Flow (gíria): fluxo, onda, movimento.

Hômi (gíria): policial. Horror vacui (filosofia): Literalmente, horror ao vazio. No caso, significa a dificuldade estética de tolerar superfícies sem decoração. IAB (sigla): Instituto de Arquitetos do Brasil (organização não-governamental). IEPHA (sigla): Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado de Minas Gerais (Órgão público estadual). IPHAN (sigla): Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (órgão público estadual).


170 | Janela de púlpito (arquitetura): janela com sacada. Lacrimal (arquitetura): parte inferior das cimalhas e cornijas entre os frisos e as paredes. Lambrequim (arquitetura): ornato de madeira ou folha metálica, recortada e vazada em forma de rendilhado, normalmente utilizado junto aos beirais de telhado. Lanternim (arquitetura): Pequeno telhado sobreposto ao telhado principal para proporcionar iluminação e ventilação complementar. Linha troncal (urbanismo): componente do sistema do transporte coletivo, baseado no conceito de tronco-alimentação, formado por linhas de grande capacidade nos eixos principais, integradas a linhas que permitam o acesso ao interior dos bairros. Loggia (arquitetura): galeria aberta, tendo seus lados abertos voltados para o exterior ou interior da construção em arcadas ou pilares. Loló (gíria): droga entorpecente baseada em clorofórmio e éter. Macadame (urbanismo): Técnica de calçamento de vias, resultante de material comprimido por rolo. Mainel (arquitetura): pilarete ou montante que divide o vão de janelas em duas ou mais partes. Malocar (gíria): esconder. Mariquinhas: locomotiva dos primórdios da cidade de Belo Horizonte. MC’s (gíria): sigla para “mestre de cerimônia” ou cada um dos “repentistas” dueladores no encontro de MC´s. Metal: estilo de música com forte presença eletrônica, originado no rock heavy metal. Métope (arquitetura): nos frisos dóricos, parte quadrada entre dois tríglifos.

| 171 METROBEL (sigla): Companhia de Transportes Urbanos da Região Metropolitana de Belo Horizonte (estadual, extinta). Mina (gíria): menina, namorada.

por diferentes meios como skate, patins etc. Parti-pris (arquitetura): partido, disposição inicial do projeto arquitetônico.

Mísula (arquitetura): apoio de elementos arquitetônicos situado na conjunção entre a parede vertical e elementos horizontais como vigas, cimalhas e cornijas.

Peanha (arquitetura): pequeno pedestal, em geral provido de molduras, usado principalmente nas fachadas como apoio a estatuetas e vasos. Quando se constitui em saliência no paramento da parede, é também chamada consolo ou supedâneo.

Modenatura (arquitetura): tratamento plástico dado ao conjunto dos elementos que compõem o edifício, principalmente referente a sua fachada, como molduras, cunhais e cornijas.

Peristilo (arquitetura): galeria que circunda o edifício ou o pátio, ou que está situada em frente à fachada. É formado de um lado por colunas isoladas e de outro pela parede externa do edifício.

Mulão de gente (gíria): multidão.

PLAMBEL (sigla): Superintendência do Desenvolvimento da Região Metropolitana de Belo Horizonte (estadual, extinta).

Muro de ático (arquitetura): ático constituído por muro liso, disposto sobre a cornija do edifício, escondendo o telhado. Nerd (gíria): estudioso em geral ou especialista em computação. Olhal (arquitetura): cada um dos vãos entre pilares de arcadas ou pontes. Opera rústica e opera de mano (arquitetura): literalmente, obra rústica e obra de mão. Nomes utilizados para designar alvenarias de pedra, geralmente na base de edifícios neoclássicos ou alvenarias em massa, ornamentadas nos mesmos edifícios. Operação urbana (Urbanismo): mecanismo previsto em lei que flexibiliza a legislação urbanística visando parcerias público-privadas de relevante interesse social. Ordem (arquitetura): referente à arquitetura clássica, trata da forma, disposição e proporção dos principais elementos edilícios, tais como colunas, cornijas, cimalhas e entablamentos. Apresentam as formas toscana, dórica, coríntia e compósita que são, respectivamente, mais complexas. Parkour (urbanismo): arte de se mover na cidade

Poial (arquitetura): saliência em parede, muro ou outro elemento de construção, formando assento fixo ou apoio para objetos. Plinto (arquitetura): peça quadrangular lisa que serve de base a um pedestal ou a uma coluna, base compacta, lisa, contínua e de pouca altura, de um elemento de construção, principalmente de gradil de fechamento. Parte superior do ábaco ou do capitel toscano. Podrão (gíria): pouco higiênico, tosco. Porte-cochère (arquitetura): espaço à entrada dos edifícios, destinado a receber veículos que descarregam passageiros. Positivismo (Filosofia): corrente filosófica que nasceu na França no início do Século XIX e que, em linhas gerais, propõe à existência humana valores completamente humanos, afastando radicalmente a metafísica e a religião e que, por isso mesmo, valoriza o progresso científico, a racionalidade e a ordem. Preza (gíria): “assinatura” do pixador. A grafia com a letra “x” foi muitas vezes utilizada no texto em detrimento da correta, com “ch” por ser a preferida dos pixadores.

Ragga (gíria): gênero de música eletrônica surgido através de influências do dancehall, na Jamaica, em meados dos anos 1980. Rap (gíria): sigla para “rythm and poetry”, expressão ritmada em versos. RMBH (sigla, urbanismo): Região Metropolitana de Belo Horizonte.

Trólebus: ônibus elétrico. UFMG (sigla): Universidade Federal de Minas Gerais. Um chá e um raio (gíria): droga e efeito. Vegano (gíria): vegetariano. Vibe (gíria): simplificação de vibração, energia.

Quartilha ou arranque (arquitetura): peça semelhante a uma pequena coluna ou pilarete, colocada no começo da escada para sustentar a parte inicial do corrimão.

Zimbório (arquitetura): superfície que cobre e arremata externamente as cúpulas dos edifícios = domo.

Sobreverga (arquitetura): elemento decorativo que se coloca acima das vergas das janelas.

Zingamocho (arquitetura): remate de zimbório.

Sófito (arquitetura): face inferior de um elemento arquitetônico como cornija e arquitrave, exceto teto. O termo é utilizado quando a face inferior do elemento é decorada.

Zine (gíria): abreviação de fanzine (fanatic magazine), espécie de revista em quadrinhos não convencional.

Silva Jardim: referência ao verso de Drummond: “Rua Silva Jardim ou silvo em mim” no poema “A casa sem raiz” do livro “Esquecer para lembrar, Boitempo III”, página 127, onde o poeta se lembra de sua casa à rua Silva jardim, bairro Floresta. Tímpano (arquitetura): superfície emoldurada de forma triangular ou em arco de círculo, situada em destaque nas fachadas sobre portas ou, mais frequentemente, sobre janelas. Topiaria: técnica de corte de elementos vegetais, dando-lhes determinada forma geométrica ou figurativa. Tora (gíria): na tora - na força, violentamente. Torero (gíria): vendedor ambulante com grande mobilidade. Torreão (arquitetura): torre larga e não muito alta, integrada ao corpo principal do edifício. Treta (gíria): negociação, ação.


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Referências

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