Estação em Movimento A história da Praça da Estação em Belo Horizonte
FLÁVIO DE LEMOS CARSALADE | 2015
Estação em Movimento A história da Praça da Estação em Belo Horizonte
FLÁVIO DE LEMOS CARSALADE | 2015
CRÉDITOS Coordenação Geral Elos Produção Criativa Instituto João Ayres Coordenação Editorial Theo Roberti Mendonça Instituto João Ayres Produção Executiva Theo Roberti Mendonça Direção de Arte Priscila Viana Theo Roberti Mendonça Textos Flavio Carsalade Pesquisa Histórica Flávio Carsalade Bernardo Andrade Projeto Gráfico e Diagramação Priscila Viana - Luna Design Digitalização e Tratamento de Imagens Priscila Viana Roberto Staino Revisão Celia Arruda Equipe de Produção Mário Ulysses Eduardo Eustáquio Tânia de Filippo Luiz de Filippo Karen Resende Belchior Marco Roberti Mendonça Fotografia Roberto Staino Mario Ulyses Priscila Viana
FICHA CATALOGRAFICA
A hora do encontro É também, despedida A plataforma dessa estação É a vida desse meu lugar É a vida desse meu lugar É a vida... (Fernando Brant, in memorian)
Apresentação
Se você abriu este livro em busca da História da Praça da Estação de Belo Horizonte apenas com fatos, fotos e dados elencados em ordem cronológica feche-o. Abra-o novamente com a disposição de viver esta história, pois neste livro ela não é contatada e sim vivida. Com muita maestria o autor Flavio Carsalade personificou prédios, viadutos, monumentos e esculturas que compõem o conjunto arquitetônico da Praça da Estação transformando-os em personagens ilustres, que narram a suas histórias de forma biográfica desde os primórdios da construção da nova capital aos dias atuais. Esta forma de escrever tão peculiar eleva o livro a o patamar de obra literária única, de relevante importância histórica, social e cultural. O registro histórico aqui feito é preciso, os fatos são descritos com detalhes que já beiravam o esquecimento e ilustrados com fotos antigas e surpreendentes imagens atuais. O resultado é um texto leve e intimista que transcende o comum e se mistura ao fantástico para expor a realidade vivida ao longo dos anos no centro da capital. Não se conta a história de um lugar, mas sim de um povo, suas formas de convivência, as mazelas, os erros e os acertos, sua capacidade de superação diante de desafios ou sua simples incapacidade de supera-los momentaneamente. A Estação está viva, os trens ainda circulam em seus trilhos e a história continua em movimento... Boa leitura!
THEO MENDONÇA Belo Horizonte, 2015
Prefácio - “A alma da cidade”
Não se iluda ao abrir este livro e começar a leitura. Não é uma publicação técnica e, por isso mesmo, você não vai querer parar de ler. Portanto,
Tive vontade de adentrar a estação e ficar ali aguardando o trem que me leva de volta ao passado, o trem da Central, como era chamado carinhosamente.
acomode-se numa boa poltrona, estenda os pés sobre uma banqueta, na mesinha ao lado coloque um bule com café ou chá e se dê o direito e o
Ou ir esperar as pessoas que vinham no Vera Cruz da Cidade Maravilhosa para conhecer o horizonte da Cidade de Minas. E é certo que o roteiro
prazer de mergulhar numa viagem fantástica pela alma das coisas que nunca antes havíamos percebido nesta Cidade de Minas, hoje, Belo Horizonte.
traçado pelo autor vai fazer com que o leitor atento salte de sua poltrona e o percorra a pé e lentamente, atento às formas arquitetônicas de hoje
O título desta obra propositalmente nos engana. Não é a “História da Praça da Estação”, mas as estórias de seres aparentemente inanimados que
e imaginando como eram há um século atrás.
ganham vida, voz e emoção no estilo da melhor escrita literária latino-americana: o realismo fantástico.
Numa cidade em que o concreto e o asfalto se apoderaram de tudo e a vida pacata de seus cidadãos se transformou num frenético formigueiro de
Com uma cadência que se alterna entre a descrição formal e minuciosa das edificações, ruas, praças e avenidas e a ficção utilizada pelo autor para
gente e carros, Flávio de Lemos Carsalade consegue, com sua escrita afetiva, poética e apaixonada, nos fazer refletir sobre a alma da urbe, entidade
mostrar as entranhas, artérias e vísceras da cidade, onde habitam os rios, regatos e ribeirões, o leitor é conduzido a um passeio táctil e visual pela
invisível que se esconde no fundo da lagoa da Pampulha para não ver o que se passa.
pele da cidade e a uma imersão nas águas que serpenteiam subterrâneas, traçando formas e curvas, o que nos leva a confirmar a tese de que Belo Horizonte é uma cidade-mulher, tão feminina e marota em seu jeito de ser que por ela nos apaixonamos todos.
Confesso que vivi um tempo em que a cidade cantava seu hino com orgulho: “belo horizonte, sorri pra mim, belo horizonte, cidade jardim”.
O inusitado permeia toda a obra e nos deixa em estado de atenção da primeira à ultima fala, sim, porque este é um livro onde tudo fala e se move. Flávio Carsalade usa e abusa com maestria de recursos da melhor carpintaria dramática na sua escrita. As personagens que ele faz viver ganham voz
Memória e história, preservação e modernismo, progresso e nostalgia, humanismo e intolerância, está tudo ai nas páginas de Estação em Movimento,
em pensamentos, reflexões, diálogos, monólogos, pausas, silêncios, reticências. Conversam com o leitor de forma coloquial e intimista. Desnudam-
menos o trem que ligava Bahia a Minas.
se diante de nós, fazendo-nos ver que do tijolo e do barro salta para a vida uma alma inquieta que deseja chamar a atenção dos habitantes do Curral del Rey. E, no grande e centenário palco emoldurado pela cenografia da Serra do Curral, ou do que restou dela, relatam em forma de tragicomédia
Senhoras e Senhores leitores, embarque imediato pela plataforma do sonho para uma viagem no tempo! Tomem seus assentos e Boa Viagem!
a inquietude de uma vida inteira. São estórias de emoções várias, narradas pela escrita magistral do autor. Cenas que podemos sentir como se estivéssemos na platéia de um teatro ou vendo um filme de trás pra frente, rebobinando a nossa vida e a história da cidade em sua construção e desconstrução, contaminada pelo
PEDRO PAULO CAVA
compromisso de ser eternamente jovem e moderna, pois foi assim que nasceu a capital das Geraes.
Belo Horizonte, 2015
Leitura de um só fôlego foi a que fiz dessa obra. Não conseguia parar porque a cada página virada o inusitado da narrativa me esperava. Num mundo de coisas previsíveis e tecnológicas, repetitivas e sem conteúdo, Flavinho Carsalade nos surpreende, contando no melhor estilo dos causos mineiros a trajetória da Praça da Estação e de seu entorno, que de resto é toda a cidade como a conhecíamos na metade do século passado e da maneira como os mais jovens enxergam hoje a BH que habitamos. Mas não é com tristeza e saudosismo que essa história veio parar nas páginas deste livro. Lúcido registro histórico e fundamental, se um dia quisermos entender as nossas raízes e os motivos de sermos tão autofágicos com os seres animados e inanimados que povoam a terra de Silva Ortiz e Aarão Reis. E apesar do tom afetivo da escrita, Carsalade registra sem rodeios a degradação praticada em nome da contemporaneidade e do “progresso”.
Sumário APRESENTAÇÃO // 08 PREFÁCIO // 10
Casa do Conde de Santa Marinha // 14
Edifício Chagas Dória // 110
104 tecidos // 28
Edifício sede RFFSA // 116
Estátuas da Praça // 44
Hotel Itatiaia // 128
Escola de Engenharia da UFMG // 52
Serraria Souza Pinto // 136
Estação Central // 60
Edifício Central // 144
Sul America Hotel // 84
Peixes Urbanos // 152
Monumento á Civilização Mineira // 94
Viaduto Santa Tereza e Viaduto da Floresta // 154 POSFÁCIO // 166 GLOSSÁRIO // 168 REFERÊNCIAS GERAIS // 172
14 | Casa do Conde de Santa Marinha (1896)
Casa do Conde de Santa Marinha (1896)
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O
mundo da gente é aquilo que a gente vê. Sabemos, de ouvir falar, que existem extensões ou outros mundos, mas de verdade mesmo, o mundo é o espaço que nos envolve diretamente, onde estamos imersos, aquele que vemos da janela de
nossos olhos. Falam-nos de outras águas, Acaba Mundo, Cercadinho, Serra, Leitão, mas as minhas águas, as que banham de verdade o meu sangue e que carregam os meus sonhos para que se tornem realidade em forma de praças e ruas, em Liberdade, Brasil e República, são Arrudas, águas corajosas que os mesquinhos chamam de ribeirão, desconhecendo que se trata na verdade de um verdadeiro rio, o meu rio. Das minhas janelas vejo a Praça que é o meu mundo, para mim, o único que existe. Aquele outro que se construiu em direção à montanha é apenas um satélite que tem a solidez da imaginação, a carga da vontade e a consistência dos sonhos. Como acreditar em um mundo assim? Mesmo que ele exista, ele só me afeta porque precisa da minha solidez. É daqui que partiram as cargas das pedras sem as quais não há realidade possível, é daqui que partem e chegam os trilhos sem os quais não há caminho para o futuro. Mas seja o que for que acontece nesse outro mundo, se é que ele vai mesmo existir ou se já existe, não me diz respeito, meu mundo é a Praça da Estação. Acredito, no entanto, em outros mundos sólidos, Carapuça, Calcário Corado, Prado Lopes, Morro das Pedras, mas fico a cismar qual é o propósito de se desmontar um mundo para criar outro, se aqueles vão continuar a existir após tanta substância retirada ou se simplesmente mudam de órbita, se em seu lugar, antes matéria, passa a boiar o vazio, a ausência se deslocando no nada. Sei que eu mesmo sou resultado de outros mundos que se desfizeram e se deslocaram pelos trilhos e talvez este seja o propósito do desmonte, a transmutação alquímica da matéria pedra de se pegar em matéria ouro de se ver e viver. Vim pelas margens do Arrudas, através da Garganta do João Alves. Estando plantado neste mundo, não sei muito dos outros, mas também não me importo com eles, pois, diferentemente dos humanos que supostamente voltam para onde vieram, dificilmente, caso morra, eu voltaria para a minha fonte. Helás! Não sei se é destino de todos os mundos inanimados e disformes se transformarem em vidas movimentadas e formas mais delicadas, se é destino das coisas naturais inexoravelmente se transformarem em outra beleza, obra rústica em obra de mão, como, aliás, aconteceu
Antônio Teixeira Rodrigues, Conde de Santa Marinha. Acervo MHAB/ Fundação Municipal de Cultura
comigo que já fui terra e pedra, cal e barro, que não tive forma definida, mas que hoje me ergo elegante e altaneiro, assobradado e presente. Apesar de tanto labor de transformação, não me lembro nem mesmo de quem me concebeu, deus morto e desconhecido. Diferentemente de outros modos de criação, em casos como o meu, o dos edifícios e
Planta Topográfica da Cidade de Minas elaborada pela Comissão Construtora da Nova Capital. Mar. 1985. Acervo MHAB/Fundação Municipal de Cultura
16 | Casa do Conde de Santa Marinha (1896)
| 17 Vista das Oficinas do Empório Industrial do Conde de Santa Marinha a partir da Av. do Contorno onde hoje existe o Viaduto da Floresta. Fundado em 1895, o Empório foi o primeiro empreendimento industrial de Belo Horizonte, sendo especializado em materiais de construção. S/a, início do séc. XX. Acervo MHAB.
cidades, as criaturas sobrevivem aos criadores, alguns de nós almejando
Se uma das alas é sólida, para resguardar a intimidade de meu interior,
a eternidade, enquanto vemos nossos deuses soçobrarem pela ação do
a outra é vazada em varanda, como que feita para dialogar com o espaço
tempo. Entretanto, sei que quem me criou inspirou-se inicialmente no
urbano, o vazio que me referencia e ao qual eu me reverencio. Varandas
ecletismo francês então em voga, mas depois minhas feições se voltaram
são feitas para deixar o vazio entrar e, por isso, devem ser leves e também
para o momento glorioso da pátria Brasil, o período do auge ouro-pretano,
por isso o ferro batido e as volutas e rendas que ele exala em sensuais
onde se gestaram as ideias do país futuro, republicano e brasileiro. O meu
lambrequins. Como que reafirmando minha extensão, ladra a cachorrada
estilo colonial, no entanto, é mais refinado do que aquele do Século XVIII,
que arremata a cobertura, marcada por amplos beirais que criam generosa
urdido que fui pelas novas ideias edilícias de um momento ímpar, onde,
sombra. Dignidade é o que não me falta porque me ergo em pés direitos
reunindo toda a sabedoria da história em um mesmo caldeirão, misturou-
altos e nobres e sou adornado pela bela pintura de Frederico Antônio
se o que cada época teve de melhor, sob a diligência segura dos novos
Steckel, alemão de berço, belorizontino por opção. Talvez o contraste com
tempos, marcados pela razão e pela ordem. Esta ordenação racional se
o galpão anexo, o Grande Empório Central, construído como depósito,
revela em minha composição, onde, articuladas por uma interseção em
reforce ainda mais minha nobreza. Nobreza dos novos tempos, fruto do
torre, correm duas alas longitudinais de dois pavimentos, paralelas e velozes
trabalho e não de um título herdado, desprovido de conteúdo.
como as linhas de trem, minhas vizinhas e companheiras de sempre. Em
Se não sei quem me concebeu, por outro lado sei quem fez a minha carne
meu corpo, predomina a massa das paredes em contraposição ao vazio das
e com qual destino, o português Antonio Teixeira Rodrigues, Conde de
janelas, mas só para permitir que estas se expressem em toda a sua beleza
Santa Marinha, como eu, nobre por seu ofício. Na mais respeitável tradição
de vãos, marcados por requadros trabalhados à guisa de molduras e com
luso-brasileira, sua casa e seu local de trabalho se irmanavam em claro
frisos que revelam a luz por suas sombras, encimados por motivos florais
aviso de que a vida tem de ter um propósito e esse propósito é a labuta
que sustentam as vergas retas, encerrando sua bela proporção vertical.
que lhe dá sentido e gera seu sustento. O título de nobreza, dado pela
18 | Casa do Conde de Santa Marinha (1896)
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coroa portuguesa, foi o resultado de sua ação em prol da instrução pública
futuro bairro comercial da nova capital, seria o ponto inaugural da Avenida
sobre uma sólida fundação feita de símbolos, parecia necessário que se
e mais conde ainda se tornou em terras brasileiras, especialmente por
do Comércio, de 50 metros de largura, com passeios de quatro metros,
inaugurasse o quanto antes a transposição do Arrudas, notável metáfora
aqui, nos campos do Curral Del Rey, aonde chegou antes de quase todos.
que se lançaria perpendicularmente desde o edifício da Estação, como a
de completo acesso à urbis, de domínio humano sobre a natureza, de
E já chegou ligando antigas pedras a futuros palácios, natureza morta a
indicar o futuro que a partir dali se anunciava. Para tanto, a avenida teria,
superação de desafios, estabilidade sobre águas tempestuosas. Assim,
obras de arte, campos rupestres a ruas de macadame. As linhas férreas
junto aos prédios, uma via dupla para carros e tramways, que circulariam
ainda em 1896, foi construída a primeira ponte da cidade, aquela que fora
que construiu em 1894 tornaram-se o tapete por onde desfilou a gloriosa
em meio a dois renques de árvores frondosas com passeios, contando
prevista no panorama sonhado pelo demiurgo, batizada de Davi Campista,
Mariquinhas, incansável locomotiva trabalhadora que, dizem, hoje descansa
ainda, em seu eixo central, com uma estrada areada de oito metros de
um nome humano se impondo por sobre um nome vegetal, velada e sutil
em Museu da Cidade. Requiescat in pace. Do companheirismo do homem
largura para cavaleiros. Esta avenida iria terminar em uma praça junto ao
atitude impositiva que comungava com o habitual ufanismo positivista.
e da máquina, Antônio e Mariquinhas, nasceu uma cidade inteira, palácio,
ribeirão, onde estaria reservado espaço para o futuro teatro.
Não tardou também para que a porta virtual se consolidasse na matéria
quartel e cemitério.
Mas como nem só de portas se faz uma cidade, para que ela exista de fato
que, a partir de minhas janelas, vi nascer em 1895 e morrer em 1920. O
Deus maior, Aarão Reis, criador primaz de meu universo, viu tudo isso e
precisa de lugares e de ligações. Quanto a isto, sendo a ponte o maior
nascimento do prédio da Estação foi motivo de orgulho. Em maio de
viu que era bom. Sabia que sem estradas de ferro nada poderia ser feito e
símbolo da união entre as partes e como a nova cidade se erigia por
1895, o deus Aarão encaminhou o seu desenho ao presidente do Estado,
sabia que as linhas do Conde completavam a ligação com Sabará e com a
Crispim Jaques Bias Fortes, com palavras proféticas e seguras: “Quanto
Central, viabilizando a sua criação. Aqui a cidade se abria a quem chegasse
à Estação Central (Minas), que terá de ser levantada como pórtico, na
ou partisse, aqui a cidade começava a construir-se a si própria, pelo milagre
nova capital, procurei dar-lhe não suntuosidades descabidas nem luxo
do trem.
artístico dispensável, mas toda a elegância, todo o conforto e todas as
Em 26 de junho de 1894, papéis começaram a virar pedras, abriram-se as
comodidades, cujas faltas seriam imperdoáveis na Estação Central de uma
concorrências públicas para construção de linhas e estações e, talvez por
cidade do Século XX”. A concepção de Aarão, no entanto, se aproximava
coincidência ou destino, a única proposta aberta para a Estação Central
muito mais do prédio que ali futuramente seria construído em 1922 do
foi a do Sr. Júlio Porta & Comp. Pois era isso mesmo a Estação: a grande
que deste primeiro, projetado pelo arquiteto José de Magalhães, com
porta espacial e temporal da nova cidade, por onde entravam pedras de
participação de Edgar Nascentes Coelho e José Verdussem. Os arquitetos
todo tamanho e gente de toda estatura, autoridades, operários, populacho,
parecem ter sofrido a influência dos ingleses, inventores e propagadores
curiosos e funcionários. O deus maior, Aarão Reis, iluminado pela graça
das locomotivas e suas vias férreas, desenhando-a de maneira pragmática,
positivista que transbordava da Cidade Luz, sabia que seria ali o Portão
tijolos bem marcados como alvenaria aparente, com feições atarracadas,
Principal da Cidade de Minas. Seria a partir do ponto aonde nela se
comprimidas e pouco solenes, torre neogótica, com quatro minaretes
chegava que a nova cidade deveria descortinar-se e dizer ao que tinha
nos cantos do beiral superior, que nada convinha a um transporte da
vindo. O grande largo urbano cortado longitudinalmente pelo Rio Arrudas,
modernidade. De pórtico de entrada, em minha opinião, não tinha nada,
águas a adornar o belo cenário concebido pela engenhosidade humana,
mais parecia uma estação de qualquer subúrbio do que a porta principal da
seria transposto por magnífica ponte em meio a taludes verdejantes, ao longo dos quais uma alameda dupla de 20 metros de largura de cada lado
Vista da antiga Avenida do Comércio, atual Avenida Santos Dumont, com a Estação Ferroviária ao fundo em 1935. Acervo MHAB/Fundação Municipal de Cultura
mais nobre capital brasileira, consequência do abandono da exuberância e requinte da arquitetura francesa pelo discreto pragmatismo inglês. Mas
acompanharia todo o percurso da água, desde o Parque até o arrabalde do
fazer o quê? Esta seria a tradição da nova capital que nascia: como il faut,
Pinto. A enorme esplanada da Lagoinha, que se abria em frente à Estação,
as igrejas seriam neogóticas, os prédios civis neoclássicos e por que não
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22 | Casa do Conde de Santa Marinha (1896)
| 23 alto e vistoso arco triunfal. Foi este o momento em que o advogado Dr. Alfredo Guimarães, em nome da Comissão dos festejos populares e do povo de Belo Horizonte, saudou o Presidente Bias Fortes em discurso que fez balançarem as minhas cortinas, por seu tom emocionado. Entre muitas loas, o eminente causídico lembrou a importância do Congresso Mineiro e do Conselheiro Affonso Penna na consecução daquele sonho que ali se realizava. Depois seguiram todos à Liberdade pela Rua dos Caetés. Em 1898, a torre da Estação ganhava o seu complemento mais importante: o relógio. Fico me perguntando como faziam, por aqui e, até então, os trens para chegar e partir, pois, sendo o passar das horas uma entidade só corporificada em instrumentos como as ampulhetas e relógios, não havia como materializar o tempo em deslocamento - o que os homens chamam de “viagens”. Se as coisas abstratas, por natureza, só existem nos artefatos dos homens, o relógio deve ter feito muito falta em seu período de vacância.
Vista parcial da Praça da Estação. Ao centro, o Edifício da Estação da Estrada de Ferro Central do Brasil. Acervo MHAB/Fundação Municipal de Cultura
Talvez a ausência do relógio, afinal, não fosse de grande importância, pois a grande porta, por essa época, se abria para o vazio e para o futuro. A consistência do espaço que ela propunha era a vacuidade do nada e do
seriam as estações ferroviárias baseadas em quem as originou? Parecia isto muito claro, afinal o apogeu das igrejas se dera no estilo gótico e os prédios neoclássicos faziam referência, em seus ornamentos e composição, aos gregos e romanos, onde se afirmaram a democracia e a república, valores caros à cidade que então nascia. A inauguração se deu com a precisão de um horário ferroviário: às duas horas em ponto, ouviu-se o silvo prolongado das duas locomotivas que apontavam na curva da entrada de Belo Horizonte, em meio a girândolas e dinamites que espocavam por todos os pontos da nova cidade. Na grande Praça da Estação de Minas, uma multidão de dez mil pessoas aplaudiu entusiasmada a comitiva governamental, formada pelo Presidente do Estado, seus auxiliares e a Comissão Construtora, ao som emocionante do Hino Nacional. Logo que as autoridades desembarcaram formou-se longo cortejo em direção à Praça da Liberdade, autoridades escoltadas pela guarda de honra do esquadrão da cavalaria, solene e em uniforme de grande gala, sobrepassando a Ponte Davi Campista, também ornada em
ainda por vir, pois a Praça da Estação, embora prevista no projeto de Aarão
Estação Ferroviária de Belo Horizonte em 1898, chegada do Governador Francisco de almeida Brandão.Acervo APM
Reis, só teve sua construção iniciada em 1904, tendo sido inaugurada em 1914. Por essa ocasião ganhou o nome de Praça Cristiano Otoni, um político com passado ferroviário, nada mais justo, portanto. A Praça se
que passou a inventar modernidades em sucessão atabalhoada e a substituir
do Conde, em 1900, passei a ser constantemente modificado para me
tornava matéria em 200 por 100 metros, sempre como um grande largo
sua carne e matéria em ciclos de vida cada vez mais curtos, demolindo-se
adaptar às necessidades de cada novo usuário que, em rápida e vertiginosa
emoldurado por jardins de um lado e outro do Rio Arrudas, piso em
e reconstruindo-se sem se preocupar com a História ou com a economia
sucessão, vieram me ocupar. Em 1906, vieram as moças do Colégio Santa
macadame betuminoso e sarjeta em grés cerâmico ao redor de todos os
de recursos, em alguns lugares se substituindo por cinco vezes em menos
Maria e eu me regozijei com seu frescor, graça e movimento, mas quando
canteiros.
de cem anos e, autofagicamente, ocupando parques e praças, em ritmo
estava me acostumando com isso, ainda em 1909, sob a alegação de que
A nova praça tornou ainda mais bizarra a presença do prédio da Estação,
frenético, na busca de uma modernidade que, a cada vez atingida, ali já
eu precisava de reparos, veio um tal Eugênio Thibau trabalhar em mim, o
e parecia exigir que ali se colocasse algo mais nobre e condizente com a
não mais estava. E tome neoclássico, tome neogótico, tome art-déco, tome
que só serviu para expulsar as moças e me fazer acomodar o intendente
dignidade do local e talvez até tenha sido por isso que para lá se tenha
protomoderno, moderno, pós-moderno e tardomoderno, tome Niemeyer,
da Rede Ferroviária, em 1910, e depois abrigar uma tediosa Seção do Café,
transferido a sede da Prefeitura Municipal, em agosto de 1898. Por esta
tome normando, californiano, neocolonial, racionalismo e tantos que tais,
em 1911. Em 1920, com os novos ares soprando na Praça pela construção
época já se insinuava a sina de eterna transformação da capital que nascera
em pouco mais de cem anos. Parece que, ao contrário daquele poeta que
do novo edifício da Estação, imaginei-me ganhando fôlego novo, mas para
para ser moderna, que surgira para substituir tudo o que fora antigo, a
vi subir nos arcos do Viaduto Santa Teresa, Belo Horizonte não quer ser
cá veio o escritório da Seção de Construção da Central do Brasil, que logo
cidade positivista, científica e higiênica, com novos ares, em tudo oposta
eterno e não se cansa de ser moderno.
fixou residência. Já era hora de eu tomar consciência de que fazia parte
à feia, tortuosa e sombria cidade colonial de Ouro Preto, antiga capital de
O vírus da viração, constante por estas terras, parece ser altamente
de uma nobreza decadente. Não existiam mais condes e os estilos ecléticos
tempos também antigos. Belo Horizonte tomou tanto gosto por essa sina
contagioso e logo me acometeu também. Poucos anos depois da morte
já não tinham nenhum estilo. Fazia parte de um passado, era apenas um
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“Uma estrada de ferro que ligasse Belo Horizonte à Central foi a menina dos olhos do Dr. Aarão Reis e do seu luzido estado-maior de engenheiros: porque, praticamente, nada se poderia fazer de importante e produtivo, em todos os demais ramos de serviço afetos à Comissão Construtora, sem que material variadíssimo e numeroso, que demanda tão complicada obra, viesse trazido pela locomotiva, que inutiliza, de uma vez para sempre, essas eternas boiadas que de Sabará para aqui arrastam, em 48 horas e com uma chiadeira sonolenta, cem ou duzentos quilos de carga à razão de 40 mil réis por carrada!” (Alfredo Camarate, apud BARRETO, 1996, p. 57)
natural que passasse a abrigar um Museu Ferroviário, além de algumas unidades da Superintendência Regional de Belo Horizonte. Também isto não duraria muito, meros 40 anos, um quase nada na duração da vida de um prédio, e, a partir de setembro de 1996, com a desestatização da Rede, voltei a me aprofundar em meu ostracismo. Digo “aprofundar” porque a cidade já não me conhecia mais, nem a Praça, meu mundo, me reconhecia. Atrás de muros, com alguns prédios à frente, apartado da vida urbana por um trânsito agressivo, em meio a terrenos vagos, vazios de vida, enfrentava meu degredo em pleno mesmo sítio, que é a forma que as cidades acham para expulsar os prédios: deixando-os no mesmo lugar, mas degradando seu entorno. Eu era apenas a ponta de um desgaste maior que há muitos anos vinha se abatendo sobre meu mundo, tomado de carros, sem função, sem vida, mero entroncamento de modos diferentes de transporte. Com o abandono veio a violência urbana, a perda da nobreza do espaço público, Fachada do colégio Dominicano.No pátio e na varanda da casa há várias meninas que posam para a foto. Acervo MHAB/Fundação Municipal de Cultura
prédio que, apenas por existir, precisava ser ocupado enquanto esperava a substituição por algo mais novo, mais condizente com a modernidade crônica da sempre Nova Capital. Como a selar esse destino, em agosto de 1953, um dos trens da linha Vera Cruz chocou-se contra mim, em dolorosa dilapidação, o que me fez passar por reformas que penso terem sido feitas por falta de recursos para demolição, apenas como garantia provisória de sobrevida. Em uma cidade nova e tão pulsante, a velhice precoce era como que a consequência do tal vírus. Diferentemente dos humanos, em que a vida passa externa a seus corpos, no espaço e tempo que os envolve os edifícios abrigam e propiciam a vida em seu interior e, quando o propósito das sucessivas novas ocupações passa a ser menor, quando o cuidado na recomposição passa a ser descuidado, compreendemos isto como o arauto do fim. O pior, no entanto, não veio, creio que, paradoxalmente, por causa de outra mudança. Em 1957 a Central do Brasil deixou de existir para a criação da Rede Ferroviária Federal e, como eu já estava irremediavelmente associado às coisas velhas e quase sem utilidade para as novas tarefas, tornou-se muito
de Praça a estacionamento de veículos. Meu mundo deixara de ser habitado por gente para se tornar o habitat de automóveis, outra praga que parecia ter vindo para acabar com os trens e as pessoas, meus dois encantos. Por sua vez, a cidade solenemente me desconhecia, alguns poucos me visitavam, como a reconhecer os valores que sempre tive e dos quais me orgulhava, meu porte, meus ornamentos, minha implantação em grande área aberta. Alguns arquitetos ousaram me incluir em uma ampla proposta de revitalização urbana chamada de Parque Linear do Arrudas, em um concurso público de 1989, chamado de BHCENTRO que, como a ampla maioria dos concursos de arquitetura e urbanismo, não saiu do papel. Por essa época também sediei reuniões do recém-criado Conselho Deliberativo do Patrimônio Cultural do Município de Belo Horizonte e, ainda um pouco antes, em 1981, fui indicado como representante do Conjunto Urbano da Praça, em uma das mais importantes iniciativas para a memória da cidade, o evento “Praça da Estação: origem e destino”, promovido pelo Instituto de Arquitetos do Brasil. Parecia que eu só importava aos arquitetos, meu mundo me desterrara, como fizera também com seus outros habitantes. Eu me tornara absolutamente transparente. Por volta do final de 1999, aconteceu uma virada. Fui adotado pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais, que me
26 | Casa do Conde de Santa Marinha (1896) resgatou do caldo informe da massa falida da Rede Ferroviária Federal em
praga.
processo de liquidação, na forma de convênio. A idéia era me apresentar
Mas não posso me lamentar de todo. Embora tenha perdido encadeamento
novamente à população da cidade em nova roupagem, mais harmônica
urbano, restou uma intensa vida cultural em meu território, fruto dos
com a antiga, o que acabou por acontecer através de um evento voltado
sucessivos eventos culturais que aqui passaram a ocorrer pós 2000. Tornei-
à arquitetura de interiores, a Casa Cor 2000. A cidade me redescobriu,
me a popular “Casa do Conde”, abrigo da FUNARTE e do IPHAN, meu
as pessoas se seduziram com meu porte e beleza, com a generosidade
atual dono, por força de uma lei que tornou os bens históricos oriundos
de meus amplos espaços abertos em meio a uma cidade tão densa. A
da Rede Ferroviária propriedades da União e geridos por seu Patrimônio
própria Rede descobriu também o potencial de tantos espaços livres e
Histórico. Na vocação cultural que a Praça, meu mundo, veio ganhando
adjacentes, insuspeitada reserva de amplo potencial urbanístico, e trocou
ao longo da História, hoje me integro com a força das artes e da presença
sua estratégia de venda lote-a-lote pela possibilidade de uma operação
humana.
urbana que aproveitasse o potencial de tanta área junta em situação tão
Nada sei sobre meu futuro e só conheço meu passado porque ele está
privilegiada da cidade. A cessão
impregnado em minha alvenaria como uma massa que amalgama meus
provisória de espaços e instalações
tijolos e porque ele veio penetrando em minhas amplas janelas, como
para a Polícia Militar – que acabou se
um vento que minhas varandas souberam receber e guardar por entre
mostrando não tão provisória assim
as volutas dos lambrequins, que nelas permanece como teias de aranha,
– e embaraços jurídicos frustraram
última e permanente forma de vida dos prédios vetustos.
Ficha Técnica Endereço: Rua Januária, 130 Área: 37 mil metros quadrados, ao todo, contando com cinco galpões, oito salas e estacionamento com 600 vagas.
| 27 Proposta do Parque Linear do Arrudas (Menção Honrosa, Concurso BHCENTRO, 1990, coordenação geral: José Eduardo Ferolla, coordenação da proposta do parque: Flavio Carsalade e Eduardo Mascarenhas Santos) O aproveitamento de amplas faixas de terreno disponíveis, em sua maioria de propriedade da RFFSA, permite a ligação urbana (sem vias de automóveis) entre Rodoviária/Estação Lagoinha e a Serraria Souza Pinto (sentido Leste-Oeste) e entre a “cidade baixa” (Centro) e “cidade alta” (Floresta/Colégio Batista) através de ampla laje sobre o metrô, transformada em parque urbano.
Data da Construção: 1896 Arquiteto: Não identificado Tombamentos: Estadual (1988) e municipal (1998) Proposta apresentada no Concurso BH Centro para a área: perspectiva mostrando cenário futuro (Desenho: Flavio Carsalade)
os planos de maior alcance, a cidade voltou a fechar os olhos para a região (como os tempos modernos
Proposta apresentada no Concurso BH Centro para a área: corte esquemático (Desenho: Flavio Carsalade)
se esquecem rápido!) e o cúmulo da falta de visão de conjunto acabou se concretizando na construção de um prédio entre mim e o Prédio da Estação, em amplo vazio urbano de enorme potencial de encadeamento de áreas públicas, o chamado Centro de Referência da Juventude o qual,
Capa da Revista Casa Cor 2000 Minas Gerais
espero, não sirva de referência para a juventude, porque é exatamente o que não deve ser, um grande erro urbano e arquitetônico. Ele me divorciou irreparavelmente de meu fundo e minhas janelas pareceram se fechar, como olhos obnubilados por um véu opaco, sob a terrível maldição agorafóbica desta cidade que não pode ver um espaço livre querendo ocupá-lo imediatamente, parecendo nunca valorizar seus espaços públicos sem cercá-los ou ocupá-los, como se a apropriação pública fosse uma
Grande área estratégica de renovação urbana na região da Casa do Conde e possibilidades de requalificação. A área da PBH indicada hoje está ocupada com o Centro de Referência da Juventude. (Foto: tratamento sobre imagem do Google)
28 | Companhia Industrial Belo Horizonte 104
Companhia Industrial Belo Horizonte
104
determinadas no citado título de venda; 2ª.) dentro d’esse mesmo prazo
MEMORANDUM No. 004/1902
De: Gerência de vendas
fará o passeio na rua e cercará todo o terreno com muros de gradil.”
De: Commissão de implantação da unidade fabril
A: Directoria
Por minhas estimativas, o preço dos lotes deverá variar entre 100
A: Directoria
Refferência: Análize sobre a compra de lote para indústria
réis a 8$000 cada metro quadrado e devemos necessitar de cerca de
Refferência: Perspectivas para a installação de
(faz)
15.000 m2 para as nossas installações.
empreendimento (faz)
MEMORANDUM No. 005/1895
Data: 10 de maio de 1895
| 29
Data: 12 de abril de 1902
Att. Não tem outro mérito esse escripto senão o de chamar para um
Graças à vossa superior sabedoria, fizemos muito bem em aguardar
assumpto da maxima importancia a attenção da illustrada diretoria
um pouco antes de adcquirir a gleba destinada a nossas futuras
de nossa digna empreza. É preciso observar os dados especiaes da
installações. Finalmente o Prefeito Bernardo Monteiro baixou o
questão e não despresar as circumpstâncias de locallidade e de
Decreto n.º 1.516, “regullando a concessão de terrenos a indústrias,
tempo que surgem com a creação da Cidade de Minas, a nova capital
associações e a venda a particulares”. Na appresentação do Decreto
do Estado, e o que ella vem a offerecer de excellência aos nossos
ao Conselho Consultivo, as palavras do Prefeito reconhecem ”A
negócios. A planta submettida à approvação do Governo demonstra
necessidade de desinvolver indústrias incippientes e de criar
appuro technico e a nova cidade deve se tornar um campo mui fértil
novas, impõe-se ao espírito dos que desejam o engrandecimento da
para novas emprezas, pois nos arredores já se encontram industrias
Capital, e assim obedecem ao pensamento do lejislador, que decretou
importantes como a Saint John del Rei Mining Co. em Villa Nova de
a sua edificação, desejoso de abrir um novo centro de trabalho,
Lima, installada em 1834 e a Cia. Mineira de Fiação e Tecidos, esta
onde o commercio e a indústria encontrassem campo vasto para
em Marzaggão, Districto de Sabará, existente desde dezasseis annos
se auxiliarem n’uma reciprocidade de favores, que offerecesse
atraz, além de um estabellecimento de fiação e tecelagem de maior
garantias efficazes de futuro certo e seguro. Além do concurso
vulto que, desde 1838, se encontra no Districto de Neves, Venda Nova.
permannente que nella mora - o funcionallismo publico - para
Appezar da existência d’estas duas tecelagens, é de minha análize
o seu afformoseammento e valorização, entendi de meu dever
que há ainda bastante espaço para outra fabrica se considerarmos o
atrair o capital estrangeiro, para isso fazendo concessões que,
promissor mercado formado pelas centenas de funccionarios publicos
surtindo o desejado effeito, me permmitem annunciar o próximo
e suas familias, com alto nível de rendimentos, garanthidos pelo
estabellecimento de uma importante fábrica, o inicio portanto de
erário.
um novo período de esfforços e engrandecimento da cidade que, com
No dia 9 de julho próximo passado, foi publicado o regulamento que
verdadeiro prazer, verifico todos os dias.
se reffere à commercialização de lotes e às respectivas tabellas
Embora não seja a Capital um nucleo bastante populoso, a sua
de preços. Cumpre dar especial attenção ao Art. 2º. do refferido
situação em relação a diversas zonas do Estado, já consideráveis
regulamento que reza que “o adcquirente dos lotes, nos termos do
mercados de consummo, legitima a possibilidade de ser ella um
artigo anttecedente, alem de sujeitar-se às regras de construcção,
centro industrial.”
hygiene e segurança, que a respeito foram estabellecidas, se
É de meu parecer que devemos aguardar ainda um pouco, face à
sujeitará, por declaração expressa no respectivo título de venda, às
imminente possibilidade de sermos agraciados com essa benesse
seguintes cláusulas: 1ª.) dentro do prazo improrrogável de um anno
governamental.
terá montado os estabellecimentos industriais nas condições
Att.
30 | MEMORANDUM No. 004/1902
Data: 12 de abril de 1902
MEMORANDUM No. 054/1905
Data: 12 de dezembro de 1905
De: Commissão de implantação da unidade fabril
De: Commissão de implantação da unidade fabril
A: Directoria
A: Directoria
Refferência: Perspectivas para a installação de
Refferência: Considerações sobre a implantação da fábrica
empreendimento (faz)
(faz)
Graças à vossa superior sabedoria, fizemos muito bem em aguardar
Em face de recente contracto de doação de terreno, isempção de
um pouco antes de adcquirir a gleba destinada a nossas futuras
impostos e taxas e fornecimento gratuito de energia electrica
installações. Finalmente o Prefeito Bernardo Monteiro baixou o
recentemente firmado por nossa empreza com o governo municipal,
Decreto n.º 1.516, “regullando a concessão de terrenos a indústrias,
venho por meio deste memorandum tecer algummas considerações,
associações e a venda a particulares”. Na appresentação do Decreto
inclusive para fornecer subsídios quanto a algumas preoccupações
ao Conselho Consultivo, as palavras do Prefeito reconhecem ”A
manifestadas por V. Sas.:
| 31
necessidade de desinvolver indústrias incippientes e de criar novas, impõe-se ao espírito dos que desejam o engrandecimento da
1. Trata-se de importante acto da Prefeitura destinado a
Capital, e assim obedecem ao pensamento do lejislador, que decretou
incentivar as mais importantes industrias da cidade que, além
a sua edificação, desejoso de abrir um novo centro de trabalho,
da nossa, a Companhia Industrial Bello Horizonte –tenho sempre
onde o commercio e a indústria encontrassem campo vasto para
grande orgulho de mencionar o nome! - attinge tambem a Fábrica
se auxiliarem n’uma reciprocidade de favores, que offerecesse
de Punhos e Collarinhos, a Tavares & Cia, a Carlos Fornaciari
garantias efficazes de futuro certo e seguro. Além do concurso
& Filhos, a Cia. Minas Fabril, a Jayme Salse, Estabellecimento
permannente que nella mora - o funcionallismo publico - para
Industrial Mineiro, a Lunardi & Machado, dentre outras.
o seu afformoseammento e valorização, entendi de meu dever
Reforça a rellevância da medida o facto de ella chegar a
atrair o capital estrangeiro, para isso fazendo concessões que,
representar 20% da arrecadação do município;
surtindo o desejado effeito, me permmitem annunciar o próximo
2. Teremos bastante tempo para recuperar as inversões financeiras
estabellecimento de uma importante fábrica, o inicio portanto de
que alli reallizarmos, pois os contractos teem duração máxima
um novo período de esfforços e engrandecimento da cidade que, com
de dez annos e nosso capital innicial é de 9:000$000 (nove contos
verdadeiro prazer, verifico todos os dias.
de réis). Não penso que o facto de termos o Ribeirão do Arrudas
Embora não seja a Capital um nucleo bastante populoso, a sua
separando as duas plantas seja factor negativo, pois tambem
situação em relação a diversas zonas do Estado, já consideráveis
essa área deverá receber investimentos governamentaes e se, por
mercados de consummo, legitima a possibilidade de ser ella um
um lado, teremos uma parte mais próxima à Estação de modo a
centro industrial.”
favorecer a lojística, por outro teremos uma porção nossa mais
É de meu parecer que devemos aguardar ainda um pouco, face à
connectada à cidade e ao Mercado Municipal;
imminente possibilidade de sermos agraciados com essa benesse
3. É de nosso conhecimento que vos preoccupa o fornecimento da
governamental.
energia necessária, posto que a construcção da Usina Hidrelétrica
Att.
de Freitas pelo Engenheiro Chefe da Commissão Constructora
Vista parcial de Belo Horizonte. Ao fundo edifícios que abrigaram a Companhia Industrial de Belo Horizonte, popularmente conhecida como 104 tecidos. Acervo MHAB/Fundação Municipal de Cultura
32 | Francisco Dias Bicalho, approveitando uma queda d`água do
de Minas.
Ribeirão do Arrudas, pode não ser sufficiente para toda a nova
MEMORANDUM No. 012/1906
Data: 25 de julho de 1906
nos appresentada pela natureza. Mas se, por um lado, temmos a
| 33
De: Commissão de implantação da unidade fabril
immagem da natureza conphigurada pelo Arrudas, por outro temmos
demanda da cidade que surge. No entanto, é de nosso parecer que
Approveito esta missiva para saudar os illustrissimos senhores
A: Directoria
a bella cidade, umma especie de Paris dos trópicos, com umma viva
esta questão se encontra bem encaminhada não só pelo subsídio
Américo Teixeira Guimarães, Ignacio Magalhães e Manoel Gonçalves
Refferência: Construcção da Fabrica de Tecidos.
visinhança que atesta nosso grau de civillização representado
previsto no refferido contracto, mas também pelos recentes
de Souza Moreira, por sua grande vizão ao fundar nossa illibada
investimentos do Governo na construcção de uma nova Usina, a do
companhia.
Ficou muito bom o trabalho do Architecto Edgar Nascentes Coelho
O presente memorandum é, portanto, para trazer congratullações e
Rio das Pedras, locallizada no Municipio de Itabirito, às margens
Att.
para as nossas novas installações. Ao ver os dois grandes prédios
augurar os melhores votos de um futuro prospero.
do Rio das Velhas, atravez do Decreto n.º 1.833, d’este anno em curso;
finalmente edificados com toda a sua ellegância e sobriedade,
Saude e progresso.
4.
cada um com approximadamente 90 metros de comprimento por 30
Temos accompanhado a vida das fabricas recem implantadas
por hoteis, fabricas, caffés e bares.
na Capital e temos visto que não são appenas as productoras de
de largura, a occupar os dois lados da Avenida dos Andradas,
materiaes de construcção que appresentam successo. Em face da
perfeitamente adecquados a uma installação fabril, percebemmos
capacidade crescente do mercado representado pelos funccionarios
que não eram infundadas as nossas expectativas, affinal trata-se
publicos e a grande affluência de immigrantes, as manufacturas
de reconhecido profissional, inclusive na área industrial, por ter
tambem appresentam prognosticos de successo desde que não se
trabalhado na Commissão de Melhoramentos do Material do Exército
reallisem grandes investimentos em mecanização, utilisem materias
e no prolongamento da Estrada de Ferro Central do Brazil.
primas provenientes do setor primário e que sejam voltadas para o
Funccionalmente me parece bastante correta a opção de se separar
mercado local, embora haja perspectivas de conquistas de mercados
em duas plantas a secção de fiação e tecelagem em um edificio e
algures na medida em que melhor se estructurem a linha ferrea e
no outro a de tinturaria e estamparia. A experiência anterior de
outros meios auxiliares de transporte. A nossa posição estrategica
trabalho do architecto com o fabulloso José de Magalhães só o fez
ao lado da Estação Central em muito nos auxilia quanto a esse
addiccionar à excelência tecnica o appuro estético que faz com
intento, conforme nos mostra o bom exemplo de nosso visinho, o
que a nossa sede se appresente com toda a dignidade que merece,
Empório Industrial, installado pelo Sr. Antônio Teixeira Rodrigues,
em um bellíssimo ritmo de telhados e lanternins em sua porção
vulgo Conde de Santa Marinha;
superior, ritmo esse que se sustenta, na base, pela presença das
5.
amplas janelas verticais com vergas em arco e pela adesão dos
A concorrência em nosso ramo effectivamente existe, mas,
pelo menos em nosso entorno e dentro do perímetro da Avenida
pequenos corpos à fachada, parecendo contraffortes, mas que,
Dezassete de Dezembro, temmos uma gama variada de productos
ao contrário desses que só appresentam funcção estructural, os
differentes dos nossos, representada por pequenas fabricas de
de sua lavra também teem uma funcção utillitária. Alem disso,
carroças, artigos de vestuário, padarias, cerâmicas, fábricas
a presença da enorme chaminé faz com que nossa refferência se
de arreios, curtumes, thypographias, caldeirarias, funilarias,
espalhe a toda a urbis, revellando a nossa pujança industrial, tão
cervejarias, mas tudo isso só atesta a pujança da nova capital, não
característica e importante para os novos tempos progressistas
se constituindo em uma ammeaça aos nossos negócios;
d’este nascente século, marcado por desinvolvimento sem
6.
precedentes. Quando vemos as portentozas novas installações em
Parece-me fortemente ser intenção dos Governos o
estabellecimento de uma base fabril para fortalecer a economia
contraste ao Ribeirão do Arrudas, curso d’água correndo bem abaixo
local e garantir a Nova Capital como centro polarizador do Estado
da escarpada margem, rejubillamo-nos com a preponderância da racionallidade humana sobre a innóspita condição originalmente
Fotografia de um dos edifícios da Fábrica de Tecidos Companhia Industrial de Belo Horizonte demolido provavelmente nos anos 60/70. Na imagem o Ribeirão arrudas aparece em primeiro plano antes da canalização, e separava os dois edíficios da fábrica. Acervo MHAB/Fundação Municipal de Cultura
34 | MEMORANDUM No. 01/1909
Data: 23 de janeiro de 1909
MEMORANDUM No. 015/1910
Data: 22 de junho de 1910
MEMORANDUM No. 035/1916
Data: 01 de março de 1916
MEMORANDUM No. 047/1929
De: Gerência de producção
De: Gerência de producção
De: Gerência de producção
De: Gerência da fazenda
A: Directoria
A: Directoria
A: Directoria
A: Directoria
Refferência: Nova cisterna
Refferência: Considerações sobre o problema da energia
Refferência: Suspensão de subsidios e construcção de edícula
Referência: Novas possibillidades econômicas
electrica (faz.)
administrativa
Informamos o início da construcção da nova cisterna junto à
| 35
Data: 16 de outubro de 1929
Ressaltamos que os bons resultados financeiros obtidos nos
chaminé, segundo projeto do Architecto Luis Olivieri, a appenas um
É realmente preoccupante a situação de supprimento da energia
Conforme já havíamos addiantado à V. Sas., finalmente o governo
ultimos annos teem nos apresentado excellentes oportunidades de
anno do início de nossas operações. Reaffirmamos ser esta medida
elétrica em nossa capital. Tememos que a produção fique
municipal acena com a suspensão dos subsídios. Para tanto não
negócios, especialmente se considerarmos o acerto da aquisição
absolutamente necessaria para a continnuidade da operação de
comprommethida se a questão não for resolvida em prazo curto. A
concorrem appenas os itens annuídos em contracto, mas a atual
da Companhia Fabril Cachoeira Grande, em Pedro Leopoldo, o que
nossos cem teares e de nossa producção annual de 400.000 metros
Empresa de Electricidade e Viação Urbana de Minas Gerais tem nos
situação mundial que, em funcção da Guerra que assola a Europa,
tem nos garantido a producção de 5.200.000 metros de tecido cru,
de tecido, garantindo nossa liderança no ramo, em relação às
imposto frequentes interrupções de fornecimento de energia. Está
vem assistindo a um crescente declinio das exportações de
dos quaes quasi 3.000.000 resultantes de nossa planta em Bello
outras quatro empresas na capital, que já emprega cerca de
prevista para o proximo anno a construcção de umma usina a gás
productos agrícolas, base de nossa economia nacional, forçando,
Horizonte. Por tanto, parece-nos que as ampliações reallizadas
quatrocentos trabalhadores e um total de 270 teares. Conforme
pobre, a cargo da Companhia Brasileira de Electricidade Siemens
também, em nosso solo patrio, ao reccrudescimento de nossas
em 1925 e, especialmente, o salão recem-construido à esquina de Av.
havíammos sugerido anteriormente, embora se trate de construcção
Schuckertwerke, do Rio e fillial da Casa Siemens, de Berlim, a ser
actividades econômicas. Outrossim, o escoamento de nossa produção
Dezassete de Dezembro com Avenida dos Andradas (assim denominada
meramente utillitaria, derivada de necessidades funccionais,
montada em frente ao ediffício da actual Distribuidora, à Avenida
de 3.600.000 metros de tecidos acabados, resultado do trabalho
desde ontem!) se apresentaram como obras estratégicas. Sabemos
entendemos ser mistér à quadra de tempo em que vivemos, garantir
Affonso Pena, junto ao Parque Municipal, em frente ao Departamento
de nossos 220 empregados, parece não appresentar problemas,
que isto se deve à nossa competência empresarial, mas lembramos
a inseparabilidade entre gosto e funcção, de modo a garantir a
de Electricidade.
graças ao mercado cativo da nossa capital federal, o que nos faz
que a expansão do setor siderúrgico (Companhia Siderúrgica
competente formosura mesmo das edículas subsidiárias.
Att.
entender que não nos causa impacto financeiro significativo
Belgo-Mineira e outras) e de varias empresas do setor metalúrgico
a construcção de um novo escriptório à esquina da Avenida do
sediadas em nossa vizinhança, alliada à duplicação da Uzina
Canal e Rua dos Guaycurus, segundo bello projecto do Architecto
do Rio das Pedras (Uzina Mello Vianna), com a montagem do novo
Octaviano Lapertosa e que se appresenta mui necessário face
gerador de 2.200 kwatts, além da construção da estrada de rodagem
à exigüidade de nossos espaços administrativos (nossa área é
Bello Horizonte-Capital Federal facilitaram sobremaneira tal
inteiramente occupada e voltada para a producção) e à necessidade
conjunção. Espera-se que a nova ampliação em curso da referida
de appresentarmos um bello cartão de vizitas.
Uzina venha ainda a mui favorecer nosso successo emprezarial,
Att.
ainda mais com as alvissareiras expectativas com a execução dos
Att.
serviços pela Bond & Share, de indiscutivel idoneidade técnica e financeira, responsável pela operação desde o dia cinco próximo passado. Contudo tudo isso nos fornece umma lição importante, a de permanecermos atentos aos factores externos aos quais somos extremamente susceptíveis. Referimo-nos especialmente à famigerada Coluna Prestes e aos desdobramentos políticos que podem resultar da actual conjuntura politica do paiz. Att.
36 |
MEMORANDUM No. 038/1931
Data: 30 de maio de 1931
MEMORANDUM No. 058/1938
| 37
Data: 18 de novembro de 1938
De: Gerência administrativa
De: Gerência institucional
A: Diretoria
A: Directoria
Referência: Expansão necessária
Referência: Estratégia locacional
Segundo nossa avaliação financeira, consideramos excellente
Já não nos é mais possível manter nossa unidade fabril no
negócio a nova expansão de nossa Companhia, com a aquisição
centro da Capital, em virtude de seu crescimento. É de nossa
da Companhia Mineira de Fiação e Tecelagem, situada no Bairro
comprehensão que, tendo a nossa planta em Cachoeirinha, onde pode
Cachoeirinha, visto que esta dispõe de geração própria de energia
se concentrar nossa unidade fabril, com seus 22.528 fusos e 589
elétrica. Com esta aquisição, accreditamos superar nossa meta de
teares, não se justifica a nossa mudança para a Zona Industrial
produção anual total de 10.000.000 de metros de tecidos, com um
de Belo Horizonte, no Barro Preto, até mesmo porque a lei estadual
maquinário de 689 teares, considerando nossas três unidades. Neste
que criou a referida Zona ainda é muito recente, tendo apenas
momento, nossa indústria têxtil possui uma grande importância na
dois anos. É facto que a faixa de 150 metros compreendida entre
economia mineira, contando com 78 fábricas de fiação e tecelagem,
o Ribeirão Arrudas e as linhas da E.F. Central do Brasil e da
número que coloca a região de Minas Gerais em segundo lugar
Oeste de Minas é bastante estratégica e tem atraído para lá
dentre as regiões manufatureiras do Brasil (São Paulo conta com
muitas indústrias, mas entendemos que temos vida longa em
114 estabellecimentos desse tipo).
nossa capacidade já instalada, sendo dispensada uma vizinhança
Att
industrial, mesmo porque indústrias veem sendo estabelecidas em todo o território municipal, como atesta a recém inaugurada Companhia Renascença Industrial, com cerca de mil empregados, no bairro de mesmo nome. Da mesma maneira, entendemos que as recentes ampliações se mostraram amplamente justificadas, especialmente se as consideramos como conseqüências naturais e necessárias de adaptação de nossa planta na região central da cidade para as atividades administrativas e de distribuição. Apesar de já termos passado pela ampliação de 1932, junto à Avenida dos Andradas, aquela então necessária a suprir a nossa crônica falta de espaços de produção, entendemos serem necessárias as obras do segundo piso junto à Rua dos Guaycurus, no presente anno, em função da reorientação de nossas atividades alí.
38 |
| 39
Informamos ainda que nos associamos à recém criada Federação
MEMORANDUM No. 023/1943
das Indústrias de Minas Gerais, FIEMG. A nossa presença
De: Gerência institucional
De: Gerência de produção
De: Gerência de vendas
nessa Federação se faz muito importante, pois entendemos que
A: Diretoria
A: Diretoria
A: Diretoria
representamos o setor têxtil na Capital o qual precisa se
Referência: Revisão de estratégia locacional (faz.)
Referência: restabelecimento da produção
Referência: Inauguração de loja
Embora recentemente tenhamos realizado investimentos com a
Finalmente as limitações no fornecimento de energia elétrica, que
Cumprimentamos a decisão da Diretoria quanto à adoção do nome
instalação de um elevador em nossa porção leste, segundo risco do
se apresentavam como um gargalo para nossa crescente produção,
fantasia “104 Tecidos” para o nosso braço comercial e, por isto,
Arquitecto Romeo de Paoli, sugerimos a essa Diretoria considerar
parecem ter sido solucionadas graças à construção da Usina
sugerimos reavaliarmos as peças publicitárias produzidas com
firmemente a possibilidade de transferência de parte de nossa
Hidrelétrica Coronel Américo Teixeira, em Santana do Riacho. Essa
o nome de União Distribuidora de Tecidos que, embora reflitam o
unidade fabril para a localidade de Ferrugem, Município de Betim,
usina vem atender tanto a unidade de Belo Horizonte quanto a de
nosso novo potencial resultante da aquisição de várias outras
na Cidade Industrial criada pelo Governo do Estado há exatos
Pedro Leopoldo, permitindo a ampliação e a modernização de nossas
empresas, só deve ser utilizado em campanhas publicitárias de
dois annos. Embora a “Cidade” ainda não tenha se consolidado, os
fábricas. Os métodos de produção serão aprimorados, assim como a
maior alcance. Na oportunidade, informamos o início da operação
investimentos realizados foram de vulto, representados não só
nossa capacidade, gerando produtos melhores e mais bem acabados.
das atividades de varejo na parte da fábrica voltada para a
pela desapropriação dos 770 hectares, pelas obras urbanísticas
Att.
Avenida do Contorno. Embora o nome 104 esteja relacionado ao
Data: 20 de março de 1943
MEMORANDUM No. 045/1952
Data: 20 de dezembro de 1952
MEMORANDUM No. 015/1958
Data: 12 de março de 1958
reforçar por aqui para equilibrar-se aos interesses da indústria metalúrgica.
no loteamento e pela facilitação de seu acesso através do desvio
nosso endereço à Rua da Bahia e à Praça, isto não vem perturbar
das linhas férreas, mas também pela implantação da Usina de
a decisão sobre a nova localização, posto que a cidade já conhece
Gafanhoto, no Rio Pará. Como medida de incentivo, o Governo acena
todo o nosso prédio como uma única empresa. A obra necessária a
com um arrendamento dos lotes industriais, condicionando sua
tal funcionamento está em fase final e, embora criticada por não
posse definitiva à conclusão das obras edilícias em acordo
seguir o apuro estético das construções anteriores, é o que se
de prazos. Lembramos que não é descabida essa oportunidade,
pode realizar no curto prazo que dispomos, enquanto aguardamos
especialmente se considerarmos que, apesar das expectativas
definições sobre possível transferência da unidade fabril.
de redução econômica em função da guerra na Europa, o que se
Lembramos que o país passa por transformações profundas e que
verificou na prática foi a ampliação da exportação de tecidos e do
o binômio “energia e transporte” do Presidente Juscelino, que já
consumo interno, o que também se refletiu na melhoria dos preços
gerou por aqui a CEMIG, em 1952, e possibilitou a instalação da
dos produtos acabados.
Companhia Siderúrgica Mannesmann no Barreiro, foi exportado
Att.
para o nível nacional e se consubstancia na construção de nova capital federal. Urgente se torna, portanto, uma avaliação com relação ao nosso futuro.
40 |
MEMORANDUM No. 005/1968
Data: 12 de abril de 1968
MEMORANDUM No. 044/1983
Data: 09 de maio de 1983
MEMORANDUM No. 013/1995
Data: 10 de maio de 1995
MEMORANDUM No. 002/1997
| 41
Data: 10 de fevereiro de 1997
De: Gerência de produção
De: Gerência de vendas
De: Gerência administrativa
De: Grupo de assessoria estratégica
A: Diretoria
A: Diretoria
A: Diretoria
A: Diretoria
Referência: Transferência
Referência: Grande Loja
Referência: Concordata
Referência: alternativa
A permanência de nossa administração no Centro da Capital já
Passado o nosso pique produtivo de 36.500.000 metros de tecidos
Acreditamos não ser mais possível o adiamento de nosso pedido de
Estamos encaminhando à Gerência de Patrimônio Histórico da
não faz mais sentido, especialmente se considerarmos que ela,
em 1976 e, nesse mesmo ano, a aquisição da Fiação Brasileira
falência. Informamos que devemos encaminhá-lo, no mais tardar, no
Prefeitura de Belo Horizonte o estudo arquitetônico preparado
na prática, produz um divórcio com a gerência de produção. A
de Algodão-FIBRAL, em Pará de Minas, com vistas à exportação
próximo mês de junho.
pelo Arquiteto Lizandro Melo Franco que prevê a reutilização do
demolição de nossa edificação mais perto da Estação já há muito
e, mesmo ostentando em letras garrafais na nossa fachada da
Com pesar,
espaço interno do edifício situado à Praça Rui Barbosa, 104, para
se fazia razoável, não havendo sentido sua permanência na
Rua Guaicurus o nosso nome “União Brasileira de Tecidos S/A”
Att.
a instalação de lojas comerciais, transformando-o em um pequeno
perspectiva de avanço de nosso conglomerado de unidades.
como estratégia de sustentação do comércio de atacado e varejo
centro comercial. Entendemos que esta é a única alternativa
que aqui se realiza, temos indícios que se aproxima um momento
econômica viável para a edificação, posto que, sendo tombada
de crise. Apesar de nosso lastro histórico, a atual estagnação
pelo Patrimônio Histórico Estadual e Federal, não nos resta
econômica do país nos afeta sensivelmente. A nossa imponente
possibilidade de sua demolição. Mesmo que esta possibilidade
chaminé, outrora símbolo do progresso, é agora condenada como
existisse, a limitação em doze metros de qualquer edificação no
símbolo de poluição, em um local decadente como é a Praça da
conjunto da Praça imposta pelo IEPHA justificaria a permanência
Estação.
do volume arquitetônico que temos.
Não sabemos como as alterações de operação de transportes
O Processo pode ser acompanhado na GePH através da Pasta 00436.
previstas para nossa vizinhança nos afetarão. Ao mesmo tempo,
Trata-se de intervenção considerada a princípio respeitosa
há rumores de que a sociedade civil está se organizando em
por manter a volumetria das partes que compõem o edifício, por
defesa da praça, mas parece não haver recursos públicos para
recuperar vãos e ornatos e por considerar todas as intervenções
reverter, em curto prazo, a situação de abandono e confusão em
não descaracterizantes realizadas anteriormente. Parece-nos
torno de nós.
especialmente importante para o Patrimônio o fato de que a proposta preserva a imagem do grande edifício da praça, com características industriais, reforçando a leitura do lugar, onde, pela proximidade com a estação, se instalaram, ao longo da história, vários edifícios industriais na cidade. Visita à obras na Praça Rui Barbosa, Prefeito de Belo Horizonte Oswaldo Pieruccetti. Ao fundo o prédio da União Brasileira Distribuidora de Tecidos, 1965. Acervo MHAB/Fundação Municipal de Cultura
Temos boas expectativas quanto à aprovação do projeto pelo Patrimônio e esta pode ser uma alternativa viável para nosso patrimônio, agora sob a égide de nossa nova organização, o Instituto Libertas de Educação e Cultura.
42 | Companhia Industrial Belo Horizonte 104 Projeto de Restauro do prédio que abriga o CentoeQuatro, sede do Instituto Antônio Mourão Guimarães - IAMG, visa a revalorização do edifício de grande importância no contexto histórico e arquitetônico de Belo Horizonte,
Outros galpões industriais ao longo do Arrudas ainda existentes:
Ficha Técnica Endereço: Praça Rui Barbosa, 104 Data da Construção: 1906 Arquiteto: Edgard Nascentes Coelho Tombamentos: Estadual (1988) e municipal (1998)
| 43
• Avenida dos Andradas, 555 (década de 20) • Avenida dos Andradas, 737 (1938) • Avenida dos Andradas, 767 • Avenida dos Andradas, 875 • Avenida dos Andradas, 887/881 • Avenida dos Andradas, 917/1005 • Avenida dos Andradas, 1145 • Avenida dos Andradas, 841 •Avenida Assis Chateaubriand, 713/719/729 O CentoeQuatro surge com as portas abertas à ocupação artística, ao debate e à formação. No espaço, entram em foco a geração de conteúdo interdisciplinar, a difusão da arte e a democratização do acesso ao conhecimento e aos bens culturais. Mutável e multiuso, o CentoeQuatro é, ao mesmo tempo, café, cinema e galeria. Assume uma programação de duas vias, com projetos próprios e intervenções propostas por organizações, coletivos e indivíduos comprometidos com a cultura e com a produção artístico-intelectual. Sede do Instituto Antônio Mourão Guimarães – IAMG, o CentoeQuatro defende a arte e a educação como ferramentas para o desenvolvimento social. O espaço está instalado num prédio tombado que integra o Conjunto Arquitetônico da Praça da Estação, área priorizada pelo projeto de revitalização do centro da cidade. Por sua localização privilegiada, se apresenta como ponto de convergência cultural no hipercentro – terreno livre para a criação e acesso à cultura. Ponto de confluência na área por onde hoje circulam cerca de 150 mil pessoas por dia, o CentoeQuatro é inaugurado no prédio centenário em 2009. Foco de ocupação e produção artística, o edifício sinaliza uma retomada da função simbólica da Praça da Estação – conectar Belo Horizonte com o resto do mundo.
Vista da entrada do CentoeQuatro. Eixo Central - Multiuso. Foto:
44 | Estátuas da Praça (1900 - 1924)
Estátuas da Praça (1900 - 1924)
| 45 H E R M A D O L A G O 1 (a de jarro no busto, intervindo de dentro do Museu de Artes e Ofícios)
(um dia de outono qualquer, em um ano incerto, talvez 2010. O dia está amanhecendo e se vê um horizonte com alguns raios de sol vencendo a barreira das nuvens e atingindo as estátuas, uma após a outra, lentamente. Todas são réplicas, as originais foram substituídas
homens tenham a ilusão de que possamos alcançar a eternidade. São tolos o bastante para não perceber que não é bem assim, e continuam insistindo nessa bobagem de preservação. Uma réplica é preservação? Mudar de
durante as obras de 1963. Funcionam como médiuns dos originais, cada um em outro lugar,
Imaginem então o meu caso, presa em nicho, dentro de uma sala, eu que fui
lugar é preservar? Não sei mais onde está meu espírito, se ele aqui está
mas cujo espírito também habita a praça, através de suas réplicas)
concebida para ficar junto à água, que só tenho propósito de existir se vejo
ou se ele habita a cópia. Não sei como ficaram os espíritos de tantos que
meu reflexo no espelho que ela gentilmente cria para eu me mirar. Embora
mudaram de lugar, os bustos dos fundadores que já estiveram na Praça
a água exista para celebrar o fluxo, é só quando a minha imagem se faz nela
Sete e agora estão no Parque Municipal, o Pirulito que já passeou pela
VERÃO (falando dos jardins do Palácio da Liberdade, para onde foi transferido)
silente e estática que ela ganha vida e se constitui em inusitado movimento,
Savassi, ou mesmo a Anita Garibaldi que, apesar de nada ter a ver conosco
aquele que acontece em nossa interação. Ela, em espelho contido pelas
nesta Praça, foi também para o Parque. E o tolo do homem ainda acredita
Hoje sinto saudades do tempo em que habitava a Estação. Há alguns anos atrás não sentia
bordas, e eu, sobre pétreo pedestal, ambas nos apresentamos serenas.
que nós somos seres fixos e inanimados, que as obras de arte permanecem
tanto, pois me aprazia ficar perto do poder. Pensava ser esta uma posição mais nobre, em
Mas a vida que flui entre nós, eu afeita à sua umidade que me revigora e
e se conservam, que a vida pode ser imutável: nem nós, condenados a
ponto alto da cidade, todos os dias vendo os governadores em sucessão e os burocratas
ela vendo-me em si própria, leva-nos a outro nível de existência, ao qual só
permanecer imóveis, somos, portanto, imutáveis.
cruzando a praça com ares preocupados ou em completa desatenção. Lá, eu estava nos
se tem acesso pelo completo silêncio e pela ausência de movimento. Mas,
baixios da cidade, inundação após inundação, gente de todo o tipo percorrendo a praça.
por favor, não tomem isto, de forma alguma, como introspecção, coisa que
Aqui, ou são os funcionários públicos ou gente mais tranquila, simplesmente a passear ou a
ocorre com os humanos quando pensam alcançar este estado.
HERMAS DO JARDIM (Coro)
fazer seus exercícios físicos. O frio em minh’alma, tão constante, e que parecia ter deixado O U T O N O (à espera de ser relocada, guardada no IEPHA-MG)
de existir - afinal celebro o calor - volta a me incomodar.
I N V E R N O (respondendo de dentro do Museu de Artes e Ofícios, para onde foi transferido) Melhor sua sina que a minha, ó Verão. Daqui onde estou vejo muita gente, mas não estou ao ar livre, no meio da praça, solto às viragens do tempo, como é de meu gosto. Aprecio sentir o vento e o orvalho, e deles só tenho notícias e contatos indiretos através de minha réplica que por lá está e que, por sua condição, não tem tanta sensibilidade nem canais para perceber os fluidos da vida com tanta intensidade. Réplicas são a imitação da arte que, por sua vez, são a imitação das pessoas e coisas que, por sua vez, são a imitação do belo mundo ideal e perfeito. Se a cada descida na escala da vida perdemos um pouco de nossa capacidade de percepção e de nos emocionar, avaliem só o que posso obter através de meu avatar no meio das ruas, quase um mocho, mutilado que é por sua fatura de cópia.
Ó, irmãos que ousam desafiar o tempo, existindo mais que as vidas dos homens, triste é vossa sina, porque nem sendo de pedra conseguem sobreviver sempre no mesmo estado!
Silêncio... O U T O N O (à espera de ser relocada, guardada no IEPHA-MG)
L E Ã O 1 (respondendo de dentro do Zoológico Municipal, para onde foi transferido em 1963)
Silêncio... Meu rugido ficou ainda mais rouco daqui onde estou. Já não assusto mais as pessoas, apesar de minha aparência bravia e ameaçadora. Não consigo, daqui e aqui, manter meu frescor de fera, contradição só explicada pela
L E Ã O 2 (argumentando de dentro do Zoológico Municipal, para onde foi transferido em 1963)
possibilidade aberta por insípida réplica. É que os homens não nos veem como imitação, como disse o Inverno, mas L E Ã O 2 (replicando de dentro do Zoológico Municipal, para onde foi transferido em 1963)
como se houvéssemos, por milagre, brotado do chão. Eles têm uma ideia anímica da arte, acreditam em seus poderes metafísicos e não que sejamos apenas o que somos, seres que existem de outra maneira. Pensam que
Calma, amigo, estou por aqui também, mas tento seguir minha vida da forma
os deuses querem falar por nosso intermédio, como se, por brincadeira,
que der. Não somos eternos nem em matéria, nem em espaço, embora os
tivessem transmutado nosso mármore em matéria viva. Nem o escultor
46 | Estátuas da Praça (1900 - 1924) Folini, que nos moldou, que nos libertou do bloco inerte de pedra que foi
| 47 De novo esta bobagem de eternidade!
nossa fonte, conseguiu compreender nossa autonomia não metafísica, a
para onde foi transferido)
H E R M A D O L A G O 2 (a de jarro na cabeça, completando de dentro do Museu de Artes e Ofícios)
nossa voz que é própria e não de supostos deuses. Talvez o momento de nossa gênese, o mágico momento em que surgimos do cinzel, seja aquele que traz esta ilusão do divino ao artista... ou talvez seja a nossa perfeição que a perpetue aos que nos olham.
V E R Ã O (completando dos jardins do Palácio da Liberdade,
...de que os homens precisam ser sempre lembrados. O U T O N O (à espera de ser relocada, guardada no IEPHA-MG)
HERMAS DO JARDIM (Coro)
o jardim da praça Rui Barbosa, está sendo feito este jardim vagarosamente, com jardineiros medíocres e, assim mesmo, tirados de outros jardins, pois não há jardineiros na cidade. Pensa esta seção em fazer vir de fora um
Sim! O Coreto construído nessa época trazia muita alegria à cidade, quando
jardineiro hábil, que será contratado pelo tempo necessário à conclusão
ali se apresentava a banda do IIº Batalhão em suas retretas. O povo gostava
deste jardim. Os outros jardins da cidade têm sido zelosamente tratados,
tanto delas que, um ano depois de sua construção, logo foram instaladas
causando a todos boa impressão”.
novas lâmpadas junto a ele.
I N V E R N O (falando de dentro do Museu de Artes e Ofícios,
para onde foi transferido) Ó, irmãos que ousam desafiar o espaço, existindo em mais de um lugar, triste é vossa sina, porque nem sob a ilusão de serem vários conseguem
V E R Ã O (respondendo dos jardins do Palácio da Liberdade,
sobreviver às idiossincrasias do tempo! I N V E R N O (respondendo de dentro do Museu de Artes e
Ofícios, para onde foi transferido)
Eu que fui o único varão humano desta praça, penso que posso dar um depoimento mais racional, desprovido de tanta emotividade. Somos o que somos, pronto. Viemos com uma única função e nisto se resume nossa existência. Se não houvesse a grande reforma da Praça em 1924, não
para onde foi transferido)
Tempo servil, esta é uma boa conjunção de ideias. Nossos jardins, embora contratados pela Prefeitura em 1900, foram criados em 1904 como uma réplica da natureza, e desde então servem para embelezar a vida. Se decaem, como é natural entre os seres vergeis, logo há um jardineiro hábil para fazê-los renascer, nem que seja sob outras formas, como aconteceu em 1924.
existiríamos, e se existimos desde então é só por nossa função de adorno,
I N V E R N O (contrapondo de dentro do Museu de Artes e
secundária, portanto. H E R M A D O L A G O 2 (a de jarro na cabeça, contestando de dentro do Museu de Artes e Ofícios) Meu porte altivo não pode concordar com isso. Sou a síntese de que servir é atitude maior. Se trago o jarro sobre minha cabeça é para lembrar a todos como é nobre servir. Não vejo isto como uma função menor, mas um eterno sinal...
T I G R E 1 (respondendo da loggia do Museu de Artes e Ofícios)
Silêncio...
Ofícios, para onde foi transferido)
Com a devida vênia, meu caro e otimista Verão, o que decai são os gostos e não os jardins. Permita-me temperar seu ufanismo com a visão desiludida de quem se encontra no momento onde as coisas declinam. Eram belos os jardins dos dois lados do rio Arrudas, como era bela a fonte no canteiro entre a Rua Caetés e a Avenida do Comércio ou o coreto do canteiro entre esta avenida e a Rua Guaicurus. Por esta época, eram assim - tão naturais! - os jardins do Parque Municipal e da Praça da Liberdade. Tanto que foram inaugurados com muito orgulho pelo Prefeito Antônio Carlos Ribeiro de
T I G R E 1 (replicando da loggia do Museu de Artes e Ofícios)
Andrada em 4 de setembro de 1906, quando eu já contava seis anos de idade.
De fato, por essa época, Belo Horizonte se considerava nobilíssima, talvez
Belo Horizonte, a Tediópolis, tinha que ter alguma diversão! Mas o que o
pelo excesso de tanta influência francesa, de tanto positivismo. Aarão
povo gostava mesmo era de ver a chegada e partida dos trens e dos que
Reis, o pai da cidade, estudara na França o neoclássico e trouxera de lá
neles iam e vinham!
o gosto civilizado do qual nossos palácios são filhos, apesar de por aqui serem apenas miniaturas e arremedos daqueles da Cidade Luz. Mesmo o
P R I M A V E R A (falando dos jardins do Palácio da Liberdade,
para onde foi transferida)
déco, também de mesma origem e que já começava a despontar por aqui, fazia coro com a literatura de vanguarda - novamente os franceses – e reafirmava sua chegada no mesmo ano e, no mesmo trem que trouxe os
Deixemos de sons e luzes e voltemos à questão da beleza dos jardins.
Andrade paulistas Mário e Oswald. O coro se fazia ainda mais forte através
De plantas e cores entendo eu. Permitam-me dizer que as flores ficam
da gastronomia à moda francesa - Et bien! Je vous demande un toutou! - e
mais belas quando emolduradas pela mão do homem e foi exatamente isso
até mesmo com o concreto armado que viria substituir nossa Versalhes de
o que ocorreu em 1924, até mesmo porque nos anos que antecederam
estuque e que também era francês!
essa grande reforma, os jardins estavam abandonados; o gramado havia desaparecido e os canteiros se achavam cobertos de capim. Fez muito bem o prefeito Flávio dos Santos, seguindo a onda das mudanças na velha “Nova
T I G R E 2 (confirmando, da loggia do Museu de Artes e Ofícios)
Capital”, em fazer a reforma. Só não sei se concordo muito com a derrubada das velhas árvores, mas afinal diziam que elas enfeavam o local...
Voilá! C’est si bon!
H E R M A D O L A G O 2 (a de jarro na cabeça, concordando de dentro do Museu de Artes e Ofícios)
T I G R E 1 (respondendo da loggia do Museu de Artes e Ofícios)
É... tudo isso deve estar certo, pois me lembro bem das palavras do
Em 1924, Belo Horizonte ainda vivia a euforia da chegada dos reis belgas,
Prefeito, dizendo que “apesar da falta de um jardineiro competente e
quatro anos antes e que viria reafirmar nossa filiação européia.
capaz, portanto, de executar rigorosa e inteligentemente um projeto como
48 | Estátuas da Praça (1900 - 1924)
| 49
H E R M A D O L A G O 1 (a de jarro no busto, completando de
P R I M A V E R A (falando dos jardins do Palácio da Liberdade,
Lembro-me dos reis belgas chegando na Estação em vagão especialmente
É verdade, eu e meus companheiros (só andamos em grupo de quatro)
Mas o melhor veio em 1936! Graças ao governador Benedito Valadares,
reservado para a nobreza, tudo tão cuidado, tão lindo!
vivemos juntamente com vocês os mesmos ares inaugurais da nova praça!
surgiu a gloriosa fonte luminosa Independência, projetada por Antônio
Os jardins apresentavam magníficos contornos valorizados pelas roseiras e
Corrêa Beraldo e que funcionava regularmente aos domingos. O poeta
hortênsias em todo o seu esplendor! Esplendor de cores e formas! Beleza
Drummond a cantou muito bem: (...) a música dos bares se espalha pela
por todo lado!
avenida Amazonas, desce a rua dos Caetés e vai morrer na praça Rui
dentro do Museu de Artes e Ofícios)
HERMAS DO JARDIM (Coro) Vaidade! Tudo é vaidade!
V E R Ã O (respondendo dos jardins do Palácio da Liberdade, para onde foi transferido)
Belo Horizonte tinha o impulso e a impetuosidade da juventude, 27 anos apenas, um quase nada para uma cidade, e se mirava aonde a novidade era mais intensa. Acabáramos de reformar a Praça da Liberdade, substituindo o seu tosco desenho saudosista e canhestramente “natural” por um belo projeto onde a natureza fora domesticada, fontes e canteiros se fizeram caprichosamente geométricos, eixos longos a propor perspectivas solenes... Por que não faríamos o mesmo com a nossa primeira praça, ainda mais que, como grande largo que passou a ser, já não se constituía propriamente em uma praça? T I G R E 2 (respondendo da loggia do Museu de Artes e Ofícios)
Chegamos juntos em 1924, mas nossa origem é Carrara, Itália!
H E R M A D O L A G O 2 (a de jarro na cabeça, falando de dentro do Museu de Artes e Ofícios)
Pois eu e minha irmã já estávamos por aqui em 1920!
T I G R E 2 (respondendo da loggia do Museu de Artes e
para onde foi transferida)
V E R Ã O (falando dos jardins do Palácio da Liberdade, para onde foi transferido)
P R I M A V E R A (falando dos jardins do Palácio da Liberdade,
Ofícios)
para onde foi transferida)
E eu fui daqui expulsa em 1969...
T I G R E 1 (respondendo da loggia do Museu de Artes e Ofícios)
Barbosa, onde uma última vitrola congrega todas as noites o mesmo
Qual é o problema de ser removida? Aposto que a Anita Garibaldi, que
público de costas para o jardim. Jardim em que um murmúrio vago de água
veio para cá em 1912 e se mudou para o Parque em 1926, está muito
pulando dos repuxos se parte em bolhas minúsculas sobre os peixinhos
satisfeita por lá. Talvez só o Dr. Fausto Ferraz e seu grupo de patriotas que
vermelhos.
a trouxeram para cá é que não tenham gostado muito disso.
Foi mesmo em 1924 que os jardins foram remodelados, segundo projeto
T I G R E 1 (respondendo da loggia do Museu de Artes e Ofícios)
paisagístico do arquiteto e desenhista Magno de Carvalho. Foi esta a ocasião em que foram instalados os jardins em estilo francês, com seus
H E R M A S D O J A R D I M ( C o r o ) (falando dos
jardins do Palácio da Liberdade, para onde foi transferido)
característicos canteiros geométricos e sua vegetação baixa aparada em cuidadosa topiaria circundando dois espelhos d’água, as duas pérgolas,
Mas nos anos 1990 ela virou uma espécie de jardim suspenso decadente,
além do coreto para retretas e da bela balaustrada da Avenida do Canal.
ornamentada pelo capim “tiririca” e ervas daninhas, circundada por passeios
O calçamento dos passeios externos foi feito em mosaico português,
cheios de poças d’água, bancos e coreto estragados, nem sei como os
que estreava por aqui, e o da área interna, de macadame betuminoso,
lambe-lambes sobreviveram, sem o cenário de fundo de suas fotos.
Não importam os homens. Sic transit gloria mundi!
T I G R E 2 (falando da loggia do Museu de Artes e Ofícios)
conservando-se o grande largo junto ao prédio da Estação.
I N V E R N O (contrapondo, de dentro do Museu de Artes e
P R I M A V E R A (completando, dos jardins do Palácio da
Ofícios, para onde foi transferido)
Liberdade, para onde foi transferida)
Tanto fizeram pela Praça de um lado do Arrudas, mas do outro, nada! Restou o grande vazio do largo em frente à Estação. À espera de quê, meu Deus?!
É que nas obras de duplicação da Avenida do Canal, digo Andradas, em Graças aos bons espíritos, as flores só foram prosperando. Nos anos
1963, só se preocuparam com os carros e lançaram os jardins no limbo do
1930, nos nossos sete mil metros de extensão, nos nossos dois canteiros,
tempo. Foi quando fui exilado daqui, junto com os leões e o Outono. Este,
contávamos com 250 roseiras, lírios, margaridas, gerânios, azaléias e árvores
coitado, de tão desconsolado, vagou errante pela cidade.
HERMAS DO JARDIM (Coro)
A existência é um grande vazio! Um imenso vazio!
desabrochando em explosão de cores, ao lado de árvores imponentes como
O U T O N O (à espera de ser relocada, guardada no IEPHA-MG)
palmeiras imperiais e escumilhas, tudo sempre cuidado com muito esmero pelas autoridades. Tanto que, no começo dessa década, o prefeito Luiz
I N V E R N O (respondendo de dentro do Museu de Artes e Ofícios, para onde foi transferido)
Barbosa Gonçalves Pena empreendeu mais uma remodelação por aqui. Silêncio...
À espera, talvez, de um momento de ainda maior grandeza. De um momento
50 | Estátuas da Praça (1900 - 1924)
CRONOLOGIA DAS REFORMAS DA PRAÇA sublime onde, finalmente, a nova capital estivesse pronta em todo o seu
1904 - Criação dos primeiros jardins.
esplendor, o qual já se prenunciava e se anunciava naquela pequena porção
1924 - Implantação do novo ajardinamento, de autoria de Magno de Carvalho.
da Praça.
1930 - Implantação da estátua Monumento á Civilização Mineira.
T I G R E 1 (argumentando, da loggia do Museu de Artes e
Ofícios)
As cidades nunca ficam prontas... A duplicação da Avenida dos Andradas em 1963, que nos removeu a todos, nos mostra isso.
T I G R E 2 (respondendo da loggia do Museu de Artes e Ofícios)
E a nova duplicação de 2007 também, sepultando o Arrudas...
O U T O N O (à espera de ser relocada, guardada no IEPHA-MG)
Silêncio...
Vista da Praça da Estação, que foi denominada Praça Cristiano Otoni e implantada em 1895. A partir de 1923 passou a ser denominada Praça Ruy Barbosa. Em primeiro plano vemos os jardins da praça e as estátuas que ali ficavam. 1940/1943. Acervo MHAB/Fundação Municipal de Cultura
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1936 - Inauguração da fonte luminosa Independência. 1963 - Redução do perímetro da Praça para duplicação do canal do Arrudas. 2004 - Requalificação da Praça da Estação com implantação da nova pavimentação, das torres de iluminação e dos repuxos na porção da praça mais próxima ao prédio da Estação. 2007 - Implantação do Boulevard Arrudas e restauração da praça.
52 | Escola de Engenharia UFMG (1906, 1921, 1959)
Escola de Engenharia
UFMG
(1906, 1921, 1959)
| 53
P
ela História nosss tornamosss um. A História tem esse poder, o de amalgamar seres
subúrbios, quiçá cidades novamente, tudo isso em pouco mais de 60 anos,
que, embora nascidos em diferentes datas, acabam fixados como personagem único.
vírus louco esse!
Para a História, somosss a Escola de Engenharia da UFMG e, embora hoje a Escola
nem esteja mais aqui, parece que continuamosss a sê-la até que o futuro esmaeça a nossa personalidade – e ainda dizem que é o passado, através de sua distância sempre crescente, que faz os seres desbotarem... Nascemosss em 1906, respectivamente como Grande Hotel, depois Escola Livre de Engenharia, em 1921, como Instituto de Química e, em 1959, como Escola de Engenharia, mas nosss unimosss desde 1911 na forma de Escola de Engenharia da UFMG até que nosss desagregássemosss novamente em Centro Cultural da UFMG (1989), Museu da Engenharia (1993) e em futuro Tribunal de Justiça, mas continuamosss sendo um, até que a vida nosss separe.
1906
Sala de Aula do primeiro prédio da Escola de Engenharia. Belo Horizonte, s/d. Acervo Escola de Engenharia/UFMG Foto da atual Estação do BRT
Em 1906, no entanto, enquanto o Mercado ainda existia, Caetés, Santos Dumont e Guaicurus partiam da Estação em direção a ele, espalhando cargas, comércio e serviços pelos caminhos. Tudo como previra Aarão Reis,
1921
embora de início alguns quiosques na Praça tivessem que ser autorizados, como o primeiro, de Manoel Rodrigues Cabral e o segundo, de Antônio Souza Dias, autorizado pela Prefeitura em 1898. Em Caetés espalharam tão bem o comércio popular que até hoje lá estão uma diversidade de lojas
Somosss a porta dos três caminhos que, partindo da Estação, levavam Belo Horizonte ao
e trocas que nosss encanta por sua variedade e preço. É a rua adornada
Mercado Municipal e hoje une os trens aos ônibus, por estas estranhas mutações urbanas
pelas mercadorias, única e fugaz fronteira entre quem passa e quem
que transformam mercados em rodoviárias, mas que não conseguem separá-los: não há
vende, adorno vivo em cores e transmutações. Em Santos Dumont, nome
estação sem comércio e, se o mercado não se aninha nas estações, ele transborda pelas
inadequado que esconde o verdadeiro, Avenida do Commercio (não nosss
ruas ao longo de seus percursos, oferecendo comércio e serviços de toda ordem. Mas não
consta que Santos Dumont tenha comercializado qualquer coisa, nem o
deixa de serem muito curiosas as rápidas mutações causadas pelo vírus homem que fez
avião), espalhou-se, também, a atividade de compra e venda e instalou-se,
com que os trens que ligavam cidades passassem a ligar subúrbios e depois a ligar bairros,
como não podia deixar de ser, a gloriosa Junta Comercial. Hoje a rua virou
transferindo para a Rodoviária a tarefa de ligar cidades, a qual agora vai deixar de ligar
estação de ônibus urbanos, virótica consequência, pleonasmo urbano.
cidades para ligar bairros, enquanto se discute a possibilidade de trens voltarem a ligar
Em Guaicurus, logo instalaram-se os atacadistas, próximos das cargas que
1959
54 | Escola de Engenharia UFMG (1906, 1921, 1959)
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chegavam, e as putas, serviço indispensável para quem chega à cidade
apenas da então Escola Livre de Engenharia de Belo Horizonte, filha da
ainda sem saber direito das coisas, para quem parte sem saber direito
Sociedade Mineira de Agricultura, mas também pela presença da Junta
sobre o futuro, para quem espera, porque há que se preencher o tempo de
Comercial e do Registro Militar do Ministério da Guerra, instituições que
alguma forma ou para quem simplesmente mora e sabe das fundamentais
também abrigávamosss. Só em 1913 nosss tornamosss inteiramente Escola
referências urbanas. Em Guaicurus, viveu e trabalhou a gloriosa Hilda
de Engenharia e, em 1927, com a Fundação da Universidade Federal de
Furacão, que víamosss passar com a indisfarçável inveja de não sermosss
Minas Gerais, cumprimosss nosso destino acadêmico até depois de 1989,
humanos, mas apenas imóveis contumazes frequentadores da rua. Os
quando nosss tornamosss o Centro Cultural da Universidade.
cabarés desde sempre viriam a se constituir como alternativa de lazer na
Em 1906 fomosss inauguradosss junto com os novos jardins da Praça, e
região desde a demolição do Teatro Provisório Variedades, de propriedade
foi um momento mágico, pois, além das 250 espécies de roseiras que a
de Paulino da Fonseca, que se localizava na Avenida do Comércio e que lá
embelezavam e de seu coreto com suas retretas, começaram a surgir – e dar
funcionou entre 1899 e 1900.
certo – novos hotéis e pensões na vizinhança. Apesar de, no mesmo ano,
Antes de 1906 ainda éramosss, em feições mais modestas, o fracassado
ter ocorrido a inauguração do duvidoso prédio da Companhia Industrial
Hotel Antunes, depois, nesse ano, com bela roupagem, passamosss a sediar
de Belo Horizonte, destinado a uma fábrica de tecidos, as melhorias
o Quartel do 2º Batalhão da Brigada Policial, mas nada disso mudava
vieram atenuar a paisagem marcada pelos galpões e armazéns que, como
nosso congelado destino ou nosso ardente desejo. Em 1911, com o choque
uma praga, proliferavam ao lado da Estação, como seria natural, mas não
causado pela instalação do Instituto de Eletrotécnica e, com a idade, nosss
desejável, para o então cartão postal da nova capital.
tornamos vetustos, assentadosss com firmeza na esquina de Avenida do
Na década seguinte, ainda havia vários lotes vagos por aqui. A Escola Livre
Comércio e rua da Bahia. Por essa época, nossa respeitabilidade não vinha
de Engenharia já vinha se tornando uma realidade cada vez mais intensa. Lembramo-nosss bem da persistência do Baeta Neves e do Demóstenes Rache que tanto fizeram para que ela se tornasse uma realidade em 1911, com os nobres propósitos de servir à Pátria pela técnica, como rezava o artigo primeiro de seu regulamento: “Visa a Escola Livre de Engenharia de Belo Horizonte a propagar, no Estado de Minas Gerais, uma completa educação técnica profissional, formando cidadãos que, no mais alto grau, se tornem úteis à Pátria e à sociedade”. Daí para frente, ela cresceu com muita força e não tardou a adquirir, em 1920, os terrenos localizados na esquina da Rua da Bahia com a Rua Guaicurus, pertencentes ao Cel. Francisco de Assis Duarte, e que abrigavam duas lenharias, propriedade de Joaquim de Souza Xavier e Leopoldo Rodrigues, respectivamente. Contando com recursos do Governo do Estado, foi rapidamente erguido nosso complemento, o Instituto de Química, já em 1921, e, logo, o grande complexo de oficinas instalado nos galpões vizinhos, denominado Oficinas Christiano Otonni. Se as instituições têm vida breve, solenemente
Quadro alusivo à reunião que fundou a Escola Livre de Engenharia em Belo Horizonte em 21/05/1911. Acervo Escola de Engenharia /UFMG
sobrevivemosss a este fado e, apesar de presenciarmosss o fechamento
56 | Escola de Engenharia UFMG (1906, 1921, 1959)
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do Instituto em 1931, nósss o vimosss ser reaberto em 1935, sob a tutela da
A irreversível onda construtiva começava também a alterar nosso padrão
maiúsculo e nem era mais livre: o Brasil mergulhava nos anos de chumbo,
vigorosa escola de Engenharia da Universidade Federal de Minas Gerais.
de movimento, só muito mais tarde alcunhado de “mobilidade urbana”
a ditadura militar pós Revolução de 1964, que passou a silenciar muitos
Mas, mesmo estas fortes instituições têm lá suas transformações internas
(ah! nada como a técnica e a precisão!). Os anos 1940 e 1950 assistiam à
dos alunos que, em nósss, vigiavam e circulavam. Mas o silêncio era só
e, já em 1980, não nosss utilizavam em plenitude e passamosss a sediar o
lenta agonia do transporte ferroviário, progressivamente substituído pelos
aparente, em nossosss corredores e salas recônditas, em salas de aula e
Museu da Engenharia em 1993, sob a tutela da Associação dos Ex-Alunos
modos rodoviários e, mais tarde, pelo aeroviário. A acelerada expansão
auditórios, os estudantes resistiam com encontros, seminários, sessões de
da Escola de Engenharia.
dimensional da cidade, para o largo e para o alto, fazia cada vez mais
cinema, debates ou simplesmente conspirando, muitos deles deixando
Na roda da Shiva belorizontina, na rápida sucessão de criação e destruição
restrito o uso do trem e, já nestes mesmos anos 1950, diminuíam-se as
nossosss umbrais para se integrar a organizações clandestinas de luta
como convinha aos tempos modernos, quando o complemento da Química
ligações ferroviárias entre Estados, privilegiando-se, na Estação Central, o
radical.
veio ao mundo já não mais existia a antiga Estação, demolida em 1920, e
transporte suburbano de passageiros e o transporte de cargas. Mudanças
Mas a Praça era cada vez menos do povo, expulso que fora pelos militares
já surgia, nesse mesmo ano, a então moderna Estação da Oeste de Minas,
no tecido urbano começam a se fazer necessárias para compatibilizar os
e pelas máquinas. Ordem e Progresso?
rapidamente inaugurada para melhor receber os reis belgas. O projeto
modos ferroviário e rodoviário, este já contando com o aumento de ônibus
de Caetano Lopes fora construído pelo engenheiro Antonio Gonçalves
coletivos e carros particulares. As mudanças foram tão graves que a outrora
Gravatá, que parecia ter herdado do Conde de Santa Marinha não o título,
gloriosa Serraria Souza Pinto dos anos 1920, começa a ser desativada em
mas a disposição de erigir a cidade.
decorrência da interrupção do fornecimento de madeira até, finalmente,
Orgulhososss, víamosss a Engenharia, nossa patrona, transformar a
se tornar estacionamento de automóveis nos anos 1960.
paisagem em torno. Já em 1922, inaugurava-se o novo - e belíssimo - prédio
Tudo isso só preparava o definitivo corte da Praça que se daria em 1963,
da nova Estação, entre 1924 e 1926, novamente se aformoseavam os jardins
quando foi duplicada a Avenida dos Andradas, entre as ruas Caetés
da Praça, neste último ano é lançada a pedra fundamental do Viaduto
e Guaicurus, com abertura de nova pista junto ao Ribeirão Arrudas,
Santa Tereza – uma verdadeira obra de arte da engenharia, finalmente
acarretando grande perda da área ajardinada da praça e a retirada de
inaugurado em 1935 (viva Emílio Baungart, o pai do concreto armado
velhos companheiros encarnados em estátuas entre roseiras, as quais,
no Brasil!), em 1936 se constrói o Viaduto dos Viajantes, hoje Viaduto da
por sinal, também se foram. Era a definitiva vitória da máquina sobre os
Floresta, sob a batuta do arquiteto e engenheiro Otávio Goulart Pena, e
humanos. Neste momento, pensamosss que nem os velhos positivistas nem
daí para frente a cidade explode em obras, uma explosão às avessas, que
os novos engenheiros poderiam exultar, embora estivessem coniventes e,
só fez construir e brotar obras, pontes, prédios, viadutos, arrimos, trilhos,
até certo ponto, orgulhosos de sua obra. Os 15 metros roubados da Praça
arranha-céus, reafirmando o poder da gloriosa engenharia. Para nósss que
em favor das pistas não fora o único golpe brutal à sua carne. Ela também
amamosss estatística, é significativo apontar que em 1945 foram concluídos
fora ferida em seu espírito, esquartejada em duas partes estanques pelo
419 prédios na cidade e em 1948 este número saltou para 1.260, segundo
contínuo movimento de veículos, pela expulsão dos pedestres. Ainda bem
nossosss registros. É em meio a essa onda gigantesca que nossa tríade,
que já não mais existia a Ponte Davi Campista, ela não aguentaria tanta
merecidamente, se complementaria: nascia, por decisão do Governador
dor.
Kubitscheck, em conluio com o nosso diretor Mário Werneck, nosso mais
Não tardaria o golpe final: em 1966, o Prédio da Estação Central é
novo irmão, o grande edifício que abrigaria o também crescente número de
completamente desativado.
nossosss alunos que a esta altura já se contavam às centenas, tão diferente
Ingressáramosss em uma era negra travestida de progresso, uma reversão
dos primórdios, onde se os contavam por dezenas. Era a segunda metade
de nossa nobre missão, um mau uso daquele propósito dos fundadores
dos anos 1950, que chegava em 1959 com a inauguração de nosso caçula.
da Escola Livre de Engenharia. Não era mais uma engenharia com “E”
Vista do antigo prédio da Escola de Engenharia; ao fundo veem-se as obras do Edifício Arthur da Costa Guimarães. Belo Horizonte, 1957. Acervo Escola de Engenharia/UFMG/DPFO
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Escola de Engenharia UFMG
Ficha Técnica EDIFÍCIO ALCINDO DA SILVA VIEIRA (CENTRO CULTURAL DA UFMG)
O lugar onde hoje se encontra a Rodoviária de Belo Horizonte (futura estação| 59 de transbordo de ônibus metropolitanos) foi inicialmente, pelos planos de Aarão Reis, o Mercado Municipal, sendo substituído pela Feira Permanente de Amostras em 1931 (autoria do arquiteto Raffaello Berti), depois demolido para a construção do Terminal Rodoviário Municipal, em 1967 (Arquitetos Fernando Graça, Suzy de Melo, Mario Berti e Joany Machado).
Endereço: Avenida Santos Dumont, 174 Data da Construção: 1906 Arquiteto: Comissão Construtora Tombamentos: Municipal (1994)
Mercado Municipal construído em 1900 onde, atualmente, está a praça da Rodoviária. Foi demolido para a construção da Feira de Amostras na década de 30. Acervo MHAB/Fundação Municipal de Cultura
INSTITUO DE QUÍMICA
Endereço: Rua da Bahia, 52 Data da Construção: 1921 Arquiteto: Não identificado Tombamentos: Municipal (1993)
Fachada da Feira Permamente de amostras, na Praça Barão do Rio Branco, também conhecida como Praça da Rodiviária. Acervo MHAB/Fundação Municipal de Cultura
EDIFÍCIO ARTHUR GUIMARÃES (ESCOLA DE ENGENHARIA) Endereço: Avenida do Contorno, 842
Data da Construção: 1959 Arquiteto: Não identificado Tombamentos: Estadual (1988) e municipal (1998) Vista noturna da Estação Rodoviária. Acervo MHAB/Fundação Municipal de Cultura
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Estação Central (1920/22)
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abeis vós que já nasci para celebrar a nobreza. Vim para substituir o tosco prédio antiquado da Estação que, com suas formas abrutalhadas e suas proporções fora de compasso, não condizia com a dignidade da florescente capital e seria capaz
de envergonhar qualquer nobreza. Sua demolição, em 1920, poupou-nos da vergonha de receber meus colegas da realeza belga em estruturas pouco condizentes com suas altezas. É certo que, como eu não conseguiria estar pronto com todo o esplendor de minhas vestes para sua chegada, o edifício da Rede Mineira de Viação teve que se aprontar às pressas, mas não causou decepção alguma, recebeu o Rei Alberto e a Rainha Elizabeth com a pompa necessária. Fui projetado e construído com toda técnica e esmero apropriados a um dos principais edifícios da Nova Capital. Estejais certos de que a mim só se compara o Palácio da Liberdade, este destinado a receber os mais altos dignitários do Estado. Não poderia ser de outra forma, pois, afinal, eu sou a Porta de Chegada na cidade dos novos tempos, a cidade que celebra desde sempre a então recém-chegada República Brasileira, uma república que, se medirmos pelos adornos de minha roupagem, espelha-se nos mais altos ideais franceses, e que reconheceu, no fausto neoclássico, a mais legítima representação de seu grau civilizatório. Afinal, deveis compreender que uma civilização não se mede pelo homem comum, mas pelas máximas expressões culturais e pelos requintes que ela consegue criar, elevando as possibilidades humanas às mais altas esferas. Foi com esta clara intenção de suntuosidade que o Dr. Caetano Lopes Jr. orientou o arquiteto Luiz Olivieri, diplomado em Florença, que me concebesse, e ao empreiteiro Antônio Gonçalves Gravatá, que me edificasse. Em agosto de 1920, ao ser lançada minha pedra fundamental, todos já sabiam que ali se ergueria, finalmente, a Estação das Minas Gerais, sepultando definitivamente a rude Curral Del Rey – que de rei nada possuía - e sua acanhada memória. Fora também em outubro deste mesmo ano que viera à luz o meu arauto, a Estação da Estrada de Ferro Oeste de Minas, futura Rede Mineira de Viação, também orquestrada e materializada pelos senhores Lopes Jr. e Gravatá. Era assim que deveria ser para, como me referi anteriormente, dignamente receber os reis da Bélgica, porque uma república nada pode dever à realeza, afinal poder é poder, não importa o rótulo com
Placa de Inauguração da Nova Estação em 1922.
que se apresente. Muito provavelmente tendes ciência que a inauguração desta Estação da EFOM foi celebrada com muito júbilo em grandes festejos populares. É mister que noteis, no entanto, que as maiores festas estavam reservadas para a visita dos monarcas belgas, esta sim, uma verdadeira apothéose. À minha maravilhosa cidade acorreu gente de todo o interior do Estado, a Praça defronte a mim, repleta, a imprensa realizando ampla cobertura
Estação Ferroviária Central de Brasil. O edifício foi projetado por Luiz Olivieri e inaugurado em 1922. Acervo MHAB/Fundação Municipal de Cultura
62 | Estação Central (1920/22)
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jornalística. Ao desembarcar na Estação construída para eles, os reis se
quanto a fazer dialogar o neoclássico com o art nouveau ou até mesmo
estilo, condição antropomórfica fundante, a partir da qual toda a ordem
dirigiram a um veículo aberto, escoltado pelo Esquadrão da Cavalaria, em
com o art déco, afinal tudo isso estava disponível no imenso catálogo que
superior é revelada. O corpo central avançava, é verdade, 14 metros praça
direção ao Palácio da Liberdade e foram ovacionados por todo o caminho,
o homem veio pacientemente construindo na face da Terra, na imensa
a dentro, mas a quem isso importava, se toda a praça nada mais era que
acompanhados pelo Presidente da República Epitácio Pessoa. Toda a
e colaborativa tarefa de antropomorfizar a natureza e provar aos deuses
minha entourage? Ela que refizesse o perfil de seus futuros jardins e
nobreza estava presente e, para se mostrar condigna, a cidade ataviara seu
que, neste plano, nesta dimensão, quem manda mesmo é o ser humano, o
canteiros.
povo e seus espaços. Os professores da rede oficial de ensino ganharam
único que tem a consciência de ser. Kant tinha razão, “o intelecto não cria
ajuda financeira para comprar roupas novas, e seus alunos, sapatos também
suas leis a partir da natureza, mas as prescreve a ela”, afinal o homem é o
Desde a praça, no eixo de simetria do prédio, eu me abro em porte-
novos. A Praça da Liberdade ganhara novas formas, jardins afrancesados,
verdadeiro deus em evolução do qual nos falava Nietzsche.
cochère, guarnecido, na porção que corresponde ao patamar central de
longos eixos ornados por palmeiras imperiais e uma natureza domesticada
Foi, portanto, sob a inspiração desse arranjo superior, desse novo decoro
chegada, por correntes atadas em peanhas alongadas à guisa de pilaretes
pela razão humana, agora se afirmando como legítima dona do mundo.
positivista, de toda essa disciplina, que fui desenhado. Minha planta é
para suporte de postes de iluminação forjados em ferro com colunas com
Pena que eu não estivesse presente, como bem o sabeis. Penso que muito
retangular e longilínea, como convém a uma edificação que corre paralela
fustes canelados que fixam, ao alto, as esferas luminárias de vidroluz,
bem complementaria a ocasião e seu cenário.
aos trilhos e visa abrigar os que esperam a fila dos comboios. Tal parti-pris
enquanto suas extremidades livres traçam suaves curvas arrematadas em
Passada a efeméride da festa, voltemos à permanência das formas. Falemos
retangular é interrompido, em elegante contraste, por um corpo central
quartilhas de pedra, indicando, em sutil concavidade, o acolhimento aos
de minha aparência e de minha perfeita élégance. Fui concebido em
avançado em dois pavimentos, o qual, ao mesmo tempo em que sinaliza a
que chegam do amplo espaço aberto à minha frente. Em sua outra face, o
estilo neoclássico de inspiração francesa, que não apenas remonta ao
entrada principal e distribui as funções, acolhendo e comandando, reforça
porte-cochère propõe a ampla entrada para o átrio em requintada portada.
apogeu da civilização daquela nação luminar, mas que se constitui na
o caráter simétrico da minha composição. Sim, porque para ostentar todo
Como alternativa a quem quer alcançar esse átrio, mas opta por não
mais perfeita expressão da ordem, da razão e da disciplina, onde cada
esse equilíbrio impõe-se a simetria, solenidade necessária e inerente ao
acessá-lo frontalmente, ele também se abre, por dois lados, a acolhedores
parte tem significado e que, em conjunto, se organizam em relação a uma
patamares de recepção, ao cimo de um lance de três degraus, que, por
disposição superior das coisas. O neoclássico reinterpretado pelo ecletismo
uma quebra de 90 graus, se prolongam pelas duas loggias laterais, também
lhe agregou expressividade, luxo, emoção e exuberância em perfeito
simetricamente dispostas em relação ao eixo central do edifício, criando
equilíbrio, fazendo emergir desse encontro uma razão que emociona, um
uma base escalar contínua, em amistosa relação com o espaço exterior.
luxo que não cria distância, uma nobreza ao alcance de todos. Soma-se à minha receita o ecletismo que, como uma oportunidade revisionista da
O átrio é disposto em cruz grega e em dois pavimentos visualmente
maravilhosa herança do conhecimento humano, fez dialogar a arte e a
interligados. Abre-se em claridade derramada de vitral superior e, como
ciência. Sua época foi um tempo em que a arte galgava píncaros nunca
se fora pátio interno, defendido das intempéries do mundo natural e,
antes alcançados e a ciência se afirmava como condição da sobrevivência
apresentando outro, banha-se no jorro de luz que cria pontes ao pavimento
humana, imiscuída, em seu cotidiano, nas coisas mais prosaicas. Com
superior. De cima, o hall se liga ao vão central pela transparência
todo o cabedal da evolução humana a seu dispor, um novo vade mecum
proporcionada por varandas conformadas por quase paredes, vazadas
de como refazer as coisas, o ecletismo amaneirava as formas, tipologias e
que são por elementos arquitetônicos clássicos em background,
elementos construtivos, dando novos contornos a abóbadas, combinando
antecipadas, em primeiro plano e a lhe conferir ainda mais leveza, por
ornamentos, fundindo ordens, não tornando tão rígidos os seus limites,
balcões em balanço, protegidos por grade rendilhada. As quase paredes
não mais a pureza do dórico ou do coríntio, os compósitos assumindo composições
variegadas, redesenhando
dentículos, baldaquinos
e
arquitraves. Pela mesma razão – ah, a razão! - não havia imposições rígidas
do andar superior são graciosamente ornadas por pórticos em arcadas Comício da Aliança Liberal na Praça da Estação e que contou com a presença do Sr. João Pessoa que falava ao público companhado do ex-Presidente Antônio Carlos. Acervo MHAB/Fundação Municipal de Cultura
sustentadas por colunas duplicadas e se distinguem umas das outras em pares situados em posições opostas. Comungam-se os dois pares apenas
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Situação existente na 1ª década do século XX
Situação existente na 2ª década do século XX
Situação existente a partir da década de 60
Situação existente a partir da década de 80
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| 71 quanto aos pilares, todos apoiados em base de expressão maciça, bocais
passam a vida a observar a praça. Como um jogo de referências cruzadas
individualizados sobre plinto reto em comum, fustes monocilíndricos,
entre iluminação natural e artificial e em contraste com o vitral do meio,
capitéis compósitos encimados por ábacos trabalhados em pirâmide
a composição dos forros dos braços laterais coloca a fonte de luz artificial
invertida multifacetada que criam a base para os arcos plenos, encimados
em seu centro e os emoldura por elipse florida que nasce de cercadura
por cornijas decoradas por sófitos de pétalas, formando a guarnição do
de estuque, responsável pela combinação entre os planos horizontal e
forro em abóbada de barrete de clérigo, que, por sua vez, emoldura o vitral,
vertical. A dar base a toda essa dinâmica da varanda superior, apresentam-
fonte de tanta vida. Os dois pares opostos das quase paredes intensificam
se as sisudas e simplificadas colunas de granito, servas do requinte de
o requinte compositivo da varanda superior. O primeiro par, presente nas
ordem maior, tão destacadas do delicado trato dos elementos acima que
arcadas à frente de quem adentra a estação e também sobre essa entrada,
deles se distingue, em vigoroso contraste, pelo sófito que forma a face
mostra-se sob a forma de dois conjuntos de três pilares, dois deles na
inferior do balanço do mezanino, parecendo, não apenas um anteparo de
forma de duplicados e o terceiro, isolado, mas em composição dinâmica
forro, mas, surpreendentemente, a moldura da fachada horizontal de rico
de apoio às empenas entre os arcos, estas apoiadas nos entablamentos que
volume suspenso em direção à claridade.
unem os capitéis, criando, a um só tempo, autonomia de cada conjunto e
O piso, que dá continuidade ao movimento
uma sensação de continuidade proporcionada pela própria arcada. Neste
de quem chega, no nível térreo é todo
primeiro par, os medalhões superiores que ornam o espaço entre os arcos
composto
por
superiores apresentam, de frente para quem entra, em um deles, o caduceu
prensados
que
mercurial alado sobre a roda dentada da indústria e, no outro, o compasso
em gregas a definir o espaço interior em
de navegação aberto sobre o limpa-trilhos, enquanto, por sobre a entrada,
delicada estamparia floral geometrizada.
uma graciosa imagem de locomotiva é ladeada por conjunto de navegação
Parapeitos e portões em ferro batido,
náutica. Nos pares laterais, onde os medalhões exibem monograma com
contorcido em motivos ao gosto art-
as letras E.F.C.B., a quase parede é ainda mais vazada, porque os pilares
nouveau, emoldurando monogramas, criam diáfanos limites entre espaços
vêm em duplas e não em grupos de três, o que faz com que não exista
que devem se comunicar.
ladrilhos
policrômicos
apresentam
molduras
sobreverga a se decorar sobre as arcadas. Aqui melodiam apenas os arcos plenos rematados em aduelas centralizadas, a ligar as duas duplas de
Todo o conjunto é extremamente adequado
pilares soltos ao feixe de pilares dos cantos.
a suas funções, parecendo não ser possível outra forma que não a cruz latina para
No pavimento térreo, as quatro pernas da cruz grega são livres de qualquer
indicá-las: em uma perna, a entrada, e, em
divisão, criando um espaço contínuo referenciado nas quatro direções,
direção oposta, a gare; à direita, o restaurant
enquanto no mezanino elas ensejam quatro salas, ricamente ornadas pelas
e a recepção e, à esquerda, os escritórios e
paredes de contorno frisadas por molduras que fazem alternar panos e
a escada que leva ao segundo pavimento.
arcos cegos e vazadas em lúdico jogo de percepções com o observador,
Muitos desses escritórios se abrem para a
como também o faz o forro adornado em motivos florais. Desde duas
gare para lhe dar o suporte necessário e se estendem também por todo o
dessas salas, em sua continuidade, por sobre os braços longitudinais,
segundo pavimento. Durante muitos anos, em sua ala esquerda, abrigaram
apresentam-se dois salões mais recatados e dois terraços laterais que
um museu com curiosa maquete de ferromodelismo, além de pista gigante
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| 73 de “autorama” que fazia a delícia de crianças e seus pais. Os guichês encontram-se distribuídos na parte fronteira da edificação. Meu alçado, por sua imponência e indiscutível elegância, dominava a praça sem abafá-la e, embora o sistema construtivo não apresentasse novidades, tendo sido utilizados os tradicionais pedra e tijolo, minha concepção plástica e modenatura surpreendiam por suas características inusitadas, com inesperada leveza não encontrada em outras estações brasileiras como as Estações da Luz ou Sorocabana, em São Paulo. Apesar de toda essa novidade quanto ao peso visual e esguio perfil de minha fachada, minha composição respeitava rigorosamente os cânones clássicos. Prova disso não é apenas a simetria, meu principal marco compositivo, mas também sua divisão, por linha fortemente marcada, na parte inferior tratada como opera rústica e na parte superior trabalhada minuciosamente em rica opera de mano, herança florentina trazida por Olivieri. A proporção áurea define meu corpo avançado e comanda as relações entre a rusticada massa inferior e a sofisticada parte superior. A completar a ordenação canônica, a proporção total da fachada se divide em ritmo de três setores de iguais dimensões, dois recuados para reforçar o avanço do corpo central da entrada, e o terceiro na forma de torreões de arremate a guarnecer as extremidades, os quais, embora de clara proporção vertical, têm altura exata para não disputar a primazia com a torre principal, esta o grande marco do eixo de simetria. Para que o corpo central não se apresente com todo o peso visual que poderia ter, ele se decompõe em três planos. O primeiro deles, mais próximo da praça, é a torre, e depois, em sequência, o plano que define a primeira parede do átrio (primeira perna da cruz grega) e o terceiro, o plano mais ao fundo, que forma a parte superior da loggia, este também o dos torreões de arremate. A loggia surpreende o vocabulário tradicional da arquitetura por se apresentar tanto como galeria quanto como peristilo, reforçando simultaneamente as características de percurso e interioridade, espaço público e ponto de partida, rua e centro, praça externa e praça interna. A opera rústica da base se faz em pedras de granito aparelhadas em tom
74 | Estação Central (1920/22) cinza, claramente demarcadas em suas dimensões individuais de peças por frisos severos que revelam, ademais, a sua natureza de elementos extraídos da rocha. Quando dispostas em arcos, elas se apresentam, como não poderia deixar de ser, em aduelas que conformam e seguram o arco pleno e ensejam o olhal, hoje habitado pelos leões que povoavam os jardins da praça. Quando dispostas em trechos retilíneos, as pedras descarregam sua massa em arquitraves suportadas por colunas coroadas por capitéis de moldura apoiadas no estilóbato formado pelos degraus de acesso ao peristilo. A variedade dos elementos verticais portantes, criando planos, pórticos e vãos, ou os diferentes tratamentos dos ábacos dos suportes verticais, mostra que mesmo a ópera rústica pode ser requintada e rica. Por sobre o pavimento de base ergue-se o refinamento dos volumes superiores. Dominando o primeiro plano, sobranceira por sua posição sobre o eixo de simetria, está a torre do relógio, este um importantíssimo e apropriado aparelho que define os fluxos da vida, o movimento dos trens, a determinar os ritmos do ir e vir. A torre se ergue entre dois terraços que lhe reforçam a verticalidade, com sua virilidade abrandada pelos ornamentos que lhe são aplicados. Como pano de fundo a esses dois terraços e à própria torre, a sequência dos planos de fachadas em recuo progressivo oferece janelas em motivos variados, em diálogo com aquela do primeiro plano. Sobre elas, em constante afirmação contra o horror vacui das paredes nuas que domina toda a minha trama, estão guirlandas de festão em massa a preencher a faixa entre elas e a cornija superior. Esses tímpanos são ora em frisos emolduradores da guirlanda, ora em frontões triangulares clássicos, mas sempre encimados por cornijas ornadas por dentículos a lhe marcar o ritmo, as quais, por sua vez, são coroadas por empenas cegas decoradas, estas mais juntas à torre, e por balaustres arrematados por cunhais, estes no plano de fundo. Na porção inferior da torre, correspondendo ao andar superior do restante do prédio, a janela central se apresenta gloriosa em arco pleno, à guisa de janela de púlpito, parecendo sempre esperar algum pronunciamento crucial para o futuro da capital, e que, por ostentar dois mainéis a modular sua abertura, torna-se mais comportada e solene. Trabalho em estuque semelhante às outras janelas preenche a faixa entre
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ela e a cornija superior, demarcatória do segundo pavimento, onde também
Encimando a composição e protegendo as açotéias de cada torreão, guarda-
principal por não apresentar o mesmo jogo de recuo volumétrico que a
a belíssima Estação Ferroviária do Oeste de Minas, a grande vassalagem
se apresenta friso tríglifo a oferecer o fundo necessário para que se ressalte,
corpos mais fechados, guarnecidos pelos pilaretes de seus quatro cantos.
caracteriza. Na ausência da profundidade criada pelos volumes, o ritmo e
representada pelos galpões à minha esquerda e pelas modestas residências
a forma dos vazados, o tratamento dos cheios, a sombra criada pelos frisos
dos ferroviários, à minha direita.
em epígrafe, a inscrição “Anno. MCMXXII”, marco temporal de quando vim ao mundo. A partir daí, liberta, solta no espaço, a torre se completa
Embora não tão evidente e exposta, a fachada posterior é também
e relevos passam a ter função primordial. O centro é ainda marcado por
no quadro do relógio guarnecido em suas fímbrias por cariátides em alto
importante por dialogar com a outra Estação - aquela construída para
ter sua responsabilidade com a demarcação do átrio em cruz grega e por
Como também já é de vosso conhecimento, o prédio da EFOM pré-
relevo que, a partir dos poiais em que se firmam, intervalados pela faixa
receber os reis belgas - e com o grande terraço superior urbano da Rua
isso é levemente alteado em relação ao restante do alçado posterior, sendo
existia em relação a mim. Fora criado para suprir as necessidades daquela
onde se lêem as iniciais EFCB, sustentam o frontão triangular, pujante de
Sapucaí. Sua base, em granito, segue o tratamento da fachada frontal e
marcado por frontão em frontispício decorado, encimado por elemento
linha férrea do Oeste de Minas que até 1920 possuía grande movimento
tão clássico, acrotério das alegorias do comércio e da indústria, símbolos
abre sua arcada para a plataforma em ritmo que faz coro com os vagões.
escalonado em direção ao eixo de simetria. É, no entanto, a cornija que faz a
e nenhuma instalação adequada a seus passageiros, sempre funcionando
da civilização republicana tão caros à nova capital, portando cornucópia e
O andar superior, em contraste, apresenta tratamento diverso da fachada
separação entre a aba corrida da cobertura - esta também tratada em ritmo
em situações precárias e provisórias, em abrigos de veículos ou em partes
caduceu, este se apresentando também como sutil referência ao Hermes
alternado de balaustres e empenas cegas – e o corpo do segundo pavimento,
do prédio que me antecedeu. Com a iminente chegada dos reis belgas,
grego ou ao Mercúrio romano, o deus que percorre distâncias, sempre
logo abaixo, que faz a marcação mais severa e mais pujante. Enquanto sua
o Presidente Epitácio Pessoa tomou uma atitude para resolver ambas as
a levar e trazer humanidades. Completando a torre e conferindo-lhe o
linha, bem definida por vigorosos cimalha, lacrimal e sófito, se desenrola
demandas, recepcionar os monarcas e finalmente dar condições dignas à
necessário arremate, surge o brilho da abóbada de espelho, ligeiramente
em triângulos por sobre algumas janelas. Quando cruza a porção do átrio,
importante linha férrea. Trata-se de uma edificação em dois pavimentos,
abaulada em sua parte superior pelo maneirismo eclético, zimbório em
alteia-se em acentuada curva que emoldura o vitral verticalizado, como se
com partido em “T”, com a perna curta, apenas o suficiente para ligá-lo à
zinco, que se completa em afilada agulha sobre o zingamocho, a reforçar
cedendo a seu empuxo ascendente. Entre triângulos e curva, os demais
Rua Sapucaí, e com os dois braços alongados se estendendo paralelamente
sua esbeltez e sua certeira direção rumo ao firmamento.
vãos se sucedem em forte e grave sequência de luz e sombra proporcionada
à via férrea, como convém a uma estação de trens. O primeiro pavimento,
pela decoração e pelos elementos em relevo. Nas extremidades, os mesmos
no nível térreo, adjacente à linha, abriga a sala de espera, sanitários,
A restante fachada superior se desenvolve em cada um dos lados da torre
torreões da fachada principal fecham a composição e fazem a transição
serviços e bilhetagem. O segundo pavimento, superior àquele, mas ainda
no ritmo de seis janelas alongadas e uma porta gêmea, por elas se abrindo
para as fachadas laterais, estas também de rica proporção e zelo com
em nível pouco mais abaixo em relação à Sapucaí, é mais requintado, com
para amplo e ensolarado terraço protegido por balaustrada em aba corrida.
suas janelas frontais em arco com tímpano profusamente decorado em
seu grande salão de alto pé-direito ocupando todo o corpo central, seus
Entre as janelas e conjuntamente com elas, as pilastras, também inspiradas
volutas de massa e, por sua posição no conjunto, com uma proporção mais
amplos vitrais, colunas com capitéis trabalhados e forros emoldurados por
na ordem toscana, reduzem sobremaneira o peso visual da vedação vertical,
verticalizada a se oferecer como fechamento à perspectiva das duas bandas
cimalhas. Ladeiam o salão outras grandes salas destinadas a instalação de
como se se abrissem de par em par, enquanto os tímpanos das sobrevergas
da Rua Aarão Reis.
escritórios.
saliência em fita alinhada aos capitéis em baixo relevo. Também aqui as
Algum tempo depois, acrescentou-se a meu corpo, ao longo da plataforma
Como não poderia deixar de ser, sua concepção tem a inspiração neoclássica
guirlandas se apresentam para enobrecer a fachada e pontuar o ritmo. A
de embarque aos trens, em grande extensão, uma cobertura de telhas
tão celebrada pelo ecletismo então em voga na novíssima capital. Desde
cornija superior se estende por todo o muro de ático que oculta o telhado,
de cimento amianto sobre tesouras metálicas, com a aparência clara de
a Rua Sapucaí é que a estação se mostra mais impressionante, com uma
este também ornado de festões por entre os pilaretes arrematados em
instalação industrial, apoiadas também em colunas metálicas, estas um
massa física vigorosa que parece ainda mais robusta pela forte decoração
ábacos em forma de pirâmides abatidas.
pouco mais ornadas com caneluras e capitéis. Embora a cobertura não
nela aplicada e pelos frisos marcados em seu reboco e que remetem a
Nas extremidades os torreões finalizam o corpo do prédio e, por isso, em seu
tivesse o requinte do restante de meu corpo, ela guardava certa coerência
grandes blocos construtivos. Também aqui a simetria se faz necessária e
segundo pavimento apresentam cunhais que são, a um só tempo, remates
com o pragmatismo da operação ferroviária.
distinguem-se, claramente, em seu alçado, três grandes partes constituintes.
recuperam a austeridade do conjunto, também com a massa atenuada por
A central, requintadamente ornada em seu tímpano, onde imponente
laterais e molduras das suas janelas em três faces, também marcadas por mainéis, mas aqui com verga reta, porque, afinal, na cuidadosa hierarquia
Sabeis vós muito bem que a nobreza normalmente vem acompanhada de
sobreverga curva se apõe à portada ricamente trabalhada e protegida
da fachada, elas se subordinam à expressão da grande janela central.
uma corte e comigo não foi diferente. Faz-me companhia desde sempre
por felino em seu ápice, apresenta, em sua platibanda, a dominar toda
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| 79 a composição, detalhes florais, fitas e mui rica composição de rodas e
o mais belo edifício ferroviário da América do Sul. Tinha 15 linhas e três
engrenagens férreas com motivos alados. Nos volumes laterais, mais baixos
plataformas e me situava em frente à belíssima praça.
e encimados por beiral que sobre eles projeta severa sombra, dominam
Imaginava para mim um destino de glórias e passei a servir ao povo
a composição esbeltas janelas alteadas com sobreverga em decoração
mineiro que, desde então, aos bocados passava por meu átrio, sempre.
profusa de motivos florais. Também aqui se observam, entre o leão e o
Raul Soares, por exemplo, chegou e partiu várias vezes. Olegário Maciel
painel de rodas aladas, as palavras “Rede Mineira de Viação”, necessária
chegou e partiu. Fernando de Melo Vianna chegou e partiu. Antonio
epígrafe em massa como a atestar a nobreza de sua procedência. Do outro
Carlos Ribeiro de Andrada chegou e partiu. Milton Campos chegou e
lado, em face para mim, pela inexistência de um corpo central projetado, a
partiu. Juscelino Kubitscheck chegou e partiu, mas depois conspirou
fachada é menos movimentada, mas nem por isso mais pobre, com o ritmo
contra mim. Clóvis Salgado chegou e partiu. Bias Fortes chegou e partiu.
e o trabalho ornamental das janelas ajaezando as vistas que se possibilitam
Magalhães Pinto chegou e partiu, mas aí os governadores começaram a
a partir de minha gare.
me abandonar. Pedro Nava chegou e partiu. Carlos Drummond chegou e partiu. Anita Malfatti chegou e partiu. José Wanderley chegou e partiu.
Com este edifício-irmão eu possuía grandes ligações e que não eram
Hernani Moraes chegou e partiu. Amélia chegou e partiu. Heleno de Freitas
apenas aquelas ligadas à forma. Tínhamos ligações operacionais, sempre
chegou e partiu. Noel Rosa chegou e partiu. Jorge de Castro chegou e
trabalhando em conjunto, e físicas, através de dois túneis que, passando
partiu. Clea e Sergio chegaram, partiram e voltaram, sempre. Maria das
por sob as linhas férreas, permitiam que os passageiros e cargas se
Tranças chegou e partiu. Dario, Denis, Elias, Claudio chegaram e partiram.
movimentassem de um lado a outro. A decoração do túnel de passageiros,
Honório chegou e partiu. Bino, Zeca, Lilian, Dora chegaram e partiram.
em azulejos bisotados azuis, com barra estampada a meia altura, dividindo
José Eduardo chegou e partiu. Rogério chegou e partiu. Paulo César
os dois tipos de cerâmica, até hoje delicia as pessoas que o percorrem.
chegou e partiu. Fernando e Milton chegaram e partiram. Gustavo, Veveco, Mariza, Tina chegaram e partiram. Pádua e Paulo Henrique chegaram
Enquanto as casas ferroviárias, de fatura modesta, duas águas, se
e partiram. Maria Elisa chegou e partiu. Silas chegou e partiu. Cuno e
apresentam bem ao gosto inglês de justeza a adequação à função, os
Cybelis, acompanhados de José Oswaldo, chegaram e partiram. Por falar
armazéns e dormitórios até que apresentam certo apuro compositivo se
em Oswaldos, Angelo e Mário também chegaram e partiram. Francisco
os cotejarmos às suas funções de mero apoio. Embora sem a decoração
Campos, Arthur Bernardes, Gustavo Capanema, acompanhados entre si
efusiva que caracteriza os edifícios principais, o prédio dos dormitórios,
ou desacompanhados, chegaram e partiram. José Abílio chegou e partiu.
em dois pavimentos, se destaca pelo ritmo de suas janelas e pela presença
Afonso, Murilo, José Maria, Beatriz, Rodrigo chegaram e partiram. Almeida
de cornija superior que lhe confere proporção e evita que a platibanda
e Pedro chegaram e partiram. Eduardo chegou e partiu. Valério chegou
se misture com o corpo edificado, garantindo seu coroamento. Apenas o
e partiu. Ibsen chegou e partiu. Vitor chegou e partiu. Glycon chegou e
bloco destinado aos armazéns é mais modesto, com a cobertura cerâmica
partiu. Josefina chegou e partiu. Euro chegou e partiu. Sandoval chegou e
aparente em balanço por sobre a plataforma de carga e descarga.
partiu. Robertina chegou e partiu. Querubina chegou e partiu. Maria Clara chegou e partiu. Silvinha chegou e partiu. Claudia chegou e partiu. Regina
Fui inaugurado em meio a grande festa, no dia 11 de novembro de 1922,
chegou e partiu. Eugênia chegou e partiu. Zuleika chegou e partiu. Nísia
durante as comemorações do Centenário da Independência, com a
chegou e partiu. Rubem chegou e partiu. Wilson chegou e partiu. Altino
presença do presidente do Estado, Raul Soares. Fui considerado, então,
chegou e partiu. Simone chegou e partiu. Armando chegou e partiu. Maria
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82 | Estação Central (1920/22) de Lourdes chegou e partiu. Heloísa chegou e partiu. Normanda chegou
projeto de um museu de arte e tradições populares em minhas instalações,
e partiu. Maria Lúcia chegou e partiu. Luiz chegou e partiu. José Pedro
o que começaria a se concretizar em 2002, com meu restauro e adaptação
chegou e partiu. Marília chegou e partiu. Irene chegou e partiu. Heleno
para o Museu de Artes e Ofícios, finalmente inaugurado em 14 de dezembro
chegou e partiu. João chegou e partiu. Pedro chegou e partiu. Roberto
de 2005 - um presente à cidade que aniversariara dois dias antes - e aberto
chegou e partiu. Cyro chegou e partiu. Djalma chegou e partiu. Carla
ao público em 10 de janeiro de 2006. A presença do Museu funcionou
chegou e partiu. Gilberto chegou e partiu. Hugo chegou e partiu. Ou
como uma âncora de revalorização de toda a minha vizinhança, já não se
partiram e chegaram todos, todos a povoar a cidade e o tempo encerrado
admitia a ela os maus tratos que viera recebendo nas décadas anteriores. O
aqui dentro e aberto a partir de mim. Até que um dia começou a diminuir
próprio largo à minha frente fora recuperado, ainda em 2004 e, em seguida,
o número de pessoas que frequentavam o meu átrio para viajar. Eu, que
assistiríamos ao restauro dos jardins da Praça. Fazia sentido que um museu
já fora a antessala dos sonhos, começava a me deparar com meus próprios
colocado em minhas entranhas celebrasse o trabalho popular, pois eu,
pesadelos.
apesar de minha suntuosidade, sempre servira a todos, sem discriminação.
Ficha Técnica ESTAÇÃO CENTRAL
Endereço: Praça Rui Barbosa, s/n Data da Construção: 1920/22
INFORMAÇÕES SOBRE O MAO
O museu é uma iniciativa do Instituto Cultural Flávio Gutierrez – ICFG e foi desenvolvido a partir da doação ao patrimônio público de uma coleção de 2.147 peças, dos séculos XVIII ao XX, pela empreendedora cultural Ângela Gutierrez. A coleção mostra a riqueza da produção popular na era pré-industrial: os fazeres, artes e ofícios que deram origem às profissões contemporâneas. Ao percorrê-la, como suporte de recursos museográficos e de ações educativas, o visitante poderá ver um amplo painel da história e das relações sociais do trabalho no Brasil, nos últimos três séculos.
Arquiteto: Luiz Olivieri Tombamentos: Estadual (1988) e municipal (1998)
Para adaptar-me às novas funções, fora preservado e restaurado todo o O grande desenvolvimento urbano da Belo Horizonte a partir dos anos
meu corpo, destinando-se ao espaço de exibição as plataformas adjacentes,
1940 paradoxalmente resultou em minha regressão. O trem não mais se
o edifício da EFOM e o túnel que a ela me ligava. Das janelas dos trens que
apresentava como o meio de transporte do progresso, papel que até ali
por ali passavam, os passageiros poderiam ver o acervo do Museu.
desempenhara tão bem. Começava a passar essa primazia para o modo rodoviário, que não mais desaceleraria sua presença nos anos subsequentes
A meu lado foi criada a Estação do Metrô de Superfície da Superintendência
e até hoje. Foi assim que o automóvel, o ônibus e os aviões começaram
de Trens Urbanos de Belo Horizonte – CBTU - STU-BH e um ramal
a empurrar o trem contra a parede da Sapucaí e vi meu uso ficar mais
ferroviário da Estrada de Ferro Vitória-Minas – EFVM, além da operação
restrito, apenas ao transporte de cargas e a alguns trens suburbanos,
de cargas. Descortinava-se um novo futuro com a consolidação da região
intermunicipais e interestaduais. Ainda não seria o meu fim, mas ele já
como centro de mobilidade urbana e com novas possibilidades culturais,
se anunciava com tal clareza que, mesmo não querendo aceitá-lo, não
vocação que se apresentava vigorosa e irreversível, afinal o espaço urbano
havia como negá-lo. Quando, em 1975, surgiu a Empresa Brasileira de
é o local por excelência do exercício da cultura.
Transportes Urbanos, com toda arrogância foi logo apresentando suas credenciais, dizendo que tudo havia de mudar segundo seu desejo. Eu
Recuperado em meu brilho e dignidade, continuo a pontificar na Praça
não estava em sua lista. Até mesmo a Praça, com seu grande largo, não lhe
e a dar a ela sua identidade e referência. Meu relógio não aponta mais as
importava. A Praça, no entanto, conseguira reagir, sediando, nos anos 1980,
horas em vão.
várias manifestações políticas, comícios e passeatas, apesar de maltratada. Mas a mim, nem o ofício de receber passageiros me restava, essa missão fora transferida para novas instalações em minha vizinhança.
ESTAÇÃO FERROVIÁRIA DA REDE MINEIRA DE VIAÇÃO
Endereço: Praça Rui Barbosa, s/n Data da Construção: 1920 Arquiteto: Luiz Olivieri
Tombamentos: Estadual (1988) e municipal (1998) Foto interna do Museu.
ARMAZÉNS DA ESTAÇÃO
Endereço: Praça Rui Barbosa, s/n Data da Construção: Década de 1910 Arquiteto: Não identificado Tombamentos: Estadual (1988) e municipal (1998)
Minha dignidade só viria a ser recuperada muitos anos depois e em uma situação absolutamente inesperada para mim. No ano 2000, início de milênio, começara a ser preparada minha nova vida. Divulgou-se, então, o
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Os armazéns da estação situados na Praça Rui Barbosa.
84 | Sulamerica Hotel
Sul America Hotel
| 85 JOSÉ ANTÔNIO DE ALMEIDA (1928)
ferroviário de peças de granadas de mão desde a Siderúrgica Belgo
Profissão: Estudante de Direito
Mineira, registradas como cargas de tampas de tubos para moirões em
Proveniente de: Cataguases. Próximo destino: Cataguases
estradas de ferro. Hoje, passado o auge do movimento revolucionário,
Entrada dia 25/08/1928. Saída: dia 30/08/1928
ele nos deixou. Muito estranho. Algo a ver com os novos rumos políticos. Não deixa de ser curioso, no entanto, que as coisas mudem tanto e tão
Vinte anos de idade, rapaz de baixa estatura, cabelos escuros, testa ampla e alta, sobrancelhas
rapidamente neste campo da política. Cito um exemplo: a praça aqui ao
cerradas, expressão triste, inteligência vivaz, com manias de poetar a qualquer mote. Em
lado, inicialmente denominada de Cristiano Otoni, na data histórica de 4
sua bagagem, um bilhete de saída da Estação da Leopoldina Railway em Cataguases e
de setembro de 1914, assim chamada pelas relações deste engenheiro com
Nota ao leitor: Os personagens são fictícios, mas
revistas de literatura futurista como “A Revista”, “Jazz-Band” e “Verde”. Espalhadas na
a implantação da ferrovia, teve seu nome alterado para Praça Rui Barbosa,
as situações em que eles estão envolvidos são fatos
cama, quando esteve fora do quarto, várias notas esparsas, ideias de poemas e uma lista de
em 27 de setembro de 1923. Não sei por que, talvez pelo impacto da morte
históricos, exceto a de Aurora Lacarmélia, extraída de
locais de hospedagem: Grande Hotel (Rua da Bahia), Guilherme Leite (Rua da Bahia), Hotel
do famoso brasileiro em março do mesmo ano. Mas qual seria a outra
uma História em Quadrinhos de Celton, o super-herói.
Lima (Rua dos Tamoios), Romanelli (Rua São Paulo com Carijós), Monte Verde (perto da
ligação entre este insigne baiano e a nossa praça? Temo que em breve ela
Qualquer semelhança com pessoas reais é mera
Estação), Pensão D. Senhorinha (Rua Alagoas). Não sei por que exatamente me escolheu.
passe a se chamar Getúlio Vargas...
coincidência.
Talvez porque acabei de ser inaugurado, talvez pela minha imponência, excelente fruto que sou da prancheta de Luiz Signorelli. Permitam-me aqui fazer um parêntesis para me
Comitiva de Getúlio Vargas a caminho do Rio de Janeiro após a vitoriosa Revolução de 1930. Foto: Claro Jansson
Profissão: Comerciante
apresentar: sou um belo edifício com marcação de esquina em torreão encimado por cúpula, contínuo ao corpo do prédio. Minhas feições são clássicas, em estreita correspondência com os cânones da boa arquitetura, apresento base (comercial), corpo (quartos marcados pelo ritmo de janelas e marcações verticais à guisa de pilaretes) e coroamento (andar superior e telhado decorados com cornijas). Por minha descrição vê-se que nada tenho a ver com um rapaz com interesses modernistas, movimento este que temo já estar chegando a nossa capital também na arquitetura, através do horrendo art-déco. Mas estou tergiversando... o principal são os hóspedes. Voltando, então ao Sr. Almeida, encontrei estes versos, entre suas notas, de autoria de um tal Ascânio Lopes Quatorzevoltas, não sei se é outra pessoa ou um pseudônimo seu: Nas tuas ruas brinca a inconsciência das cidades Que nunca foram, que não cuidam de ser
DANIEL CHAGAS
MARK WITTENSTEIN (1930) Profissão: Engenheiro militar aposentado Proveniente de: São Paulo Próximo destino: Rio de Janeiro Entrada dia 12/09/1930. Saída: dia 09/10/1930 Cidadão alemão, apresentando-se como ex-oficial do exército daquele país, alto, magro, louro, com cabelos sempre em desalinho, o que contrasta com sua origem militar, um olhar de esgar e uma pressa sempre incontida, passando uma sensação de que está aqui muito provisoriamente, mais provisoriamente do que qualquer outro hóspede do hotel, se é que me fiz entender. Não sei se ele tem qualquer relação com o momento político pelo qual estamos passando, mas há algo escuso em seu proceder, especialmente quando ele se encontra com outros senhores também de aparência estrangeira, com nomes provenientes do leste europeu (na função de hospedagem que me caracteriza, vamos nos familiarizando facilmente com nomes, línguas, costumes, geografias e histórias...). Pelo pouco que os ouvidos das minhas paredes puderam perceber, parece que há algo relativo a uma fábrica clandestina de armas, ao transporte
Proveniente de: Caeté Próximo destino: Caeté Entrada dia 20/04/1931. Saída: dia 22/04/1931 Vindo de tão perto e com tão pouca bagagem, eu já desconfiava que o rapaz não ficaria por muito tempo. Aliás, na convulsionada cena da capital mineira neste último ano, nada parecia durar muito tempo. Logo que ele abriu a mala e dela sacou um uniforme de camisa cáqui, entendi tudo. Daniel viera para o desfile dos milicianos da Legião Revolucionária Mineira, organizada por Francisco Campos, com apoio do Gustavo Capanema, visando finalmente desestabilizar o Bernardes. De fato, o evento do dia 21 foi uma manifestação grandiosa, contando com 15.000 milicianos legionários, com direito a missa campal, aqui a minha frente, na Praça da Estação. A multidão estendia-se da praça até ao longo da Avenida do Comércio. Eram centenas de milicianos de diversos municípios do Estado, que prestaram continência à passagem dos fundadores da Legião de Outubro. Quando chegou o Sr. Dr. Francisco Campos, ministro da Educação e da Saúde Pública, por si e como representante do Sr. Presidente da República, os milhares de pessoas que compareceram à gare da Central receberam-no
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Imagem do Sul Americano Hotel, construído em 1928, na esquina da Rua Caetés com a Av. Amazonas. S/a, anos 1930. Acervo APM.
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88 | Sulamerica Hotel
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com estrepitosas palmas, e, sob aclamações do povo, seguiu até o carro
não o pegou por lá. Desde que chegou, já engordou uns dez quilos. Não
JOTA MACIEL e esposa (1944)
oficial. A missa foi rezada às 8 horas por D. Antônio dos Santos Cabral,
sei se foi a boemia que o curou ou se foi mesmo o Congresso Eucarístico.
Profissão: Delegado Proveniente de: Patos de Minas. Próximo destino: Patos de Minas
arcebispo de Belo Horizonte, em intenção do vigor e êxito que se deveria esperar da nobre cruzada. Após a missa campal, o Sr. bispo de Uberaba,
MICHELANGELO PIERUTTI (1937)
D. Sant’Ana, fez uma saudação aos legionários e milicianos do Estado.
Profissão: Arquiteto
Assistiram ao ato os membros do governo, arcebispos e bispos, além de
Proveniente de: Padova (Itália) Próximo destino: Deve permanecer na
todos os milicianos e legionários. Assim na terra como no céu. Espero que
cidade assim que se firmar profissionalmente.
não troquem as cores da minha fachada por cáqui, não me cairia bem.
Entrada dia 16/10/1937. Saída: dia 13/02/1938
HELENO ROSA (1936)
Gostei deste rapaz que se veste com elegância, traje bem cortado de exímia
Profissão: Músico
fatura, grandes olhos claros sob um cenho de seriedade e firme esperança,
Proveniente de: Rio de Janeiro Próximo destino: Buenos Aires
passada larga e decidida, mãos com dedos longos e finos de pianista e um
Entrada dia 12/01/1936. Saída: dia 09/12/1936
jeito de pegar no lápis que já nos fazia antever os seus dons de exímio desenhista. Registrava Belo Horizonte e a praça que via de sua janela em
Não estou suportando mais receber tantos tísicos. Desde que a cidade
esboços rápidos, mas de grande beleza, que deixava espalhados por sobre
ganhou fama por suas qualidades climáticas adequadas à recuperação de
a cama e pelo chão e não sei se afinal os guardava ou se os deitava fora, o
doentes de pulmão, é um tal de aportarem por aqui cantores, jogadores de
que seria uma pena. Belo Horizonte é pródiga em receber artistas italianos,
futebol, gente da noite, poetas (porque tantos poetas são tísicos, meu Deus?)
se é que dizer “artista italiano” não é em si um pleonasmo, já que todos
e de várias outras profissões, vindos de diversos cantos de Minas e do Brasil.
os daquele país que recebo por aqui revelam talento artístico em uma
Dirão vocês que eu deveria estar satisfeito, pois, com a crise dos hotéis ao
ou outra área. Ele se autodefine
meu redor, pelo menos eu tenho movimento, não sei como andam o Hotel
como um arquiteto de tendências
Avenida, o Brasil Palace Hotel, o Normandy ou mesmo o Hotel Boa Noite,
neoplasticistas, seja lá o que for isto,
vulgarmente conhecido como “Buraco Quente”. Mas é que essa gente é
não bastasse o tal déco. Parece ter
muito ambígua. O Sr. Heleno mesmo, com sua aparência almofadinha,
sido convidado ou bem recebido
amplo topete, um olhar de superioridade, queixo miúdo e lábio recortado
por seus colegas italianos como o
em constante riso cínico, no momento em que aqui se registrou disse
próprio Signorelli, meu criador, e
estar vindo para o II Congresso Eucarístico. Claro que duvidei de tanta
um discípulo seu, o Raffaello Berti,
antecedência, em minha condição a gente aprende a conhecer as pessoas
este da província de Pisa. Soube
só pelo seu jeito, seus hábitos e suas conversas (e, é claro, pelas espiadelas
que ambos estão trabalhando em
em seus aposentos), mas também imaginava que um assíduo frequentador
um edifício em construção bem
do Montanhez Dancing Club, já célebre, embora inaugurado há dois anos,
aqui perto, na Rua Espírito Santo
não poderia ter tanta devoção assim – ou talvez tivesse muito pecado a ser
com Carijós, destinado a um
perdoado. Parece que, em suas perambulações pela cidade, andou fazendo
Banco. Pelos esboços que vi em
uns sambas debaixo do Viaduto Arthur Bernardes, não sei como a polícia
seu quarto, o tal do neoplasticismo
Entrada dia 01/07/1944. Saída: dia 05/07/1944
Modulor de Le Corbusier regulador de medidas da escala humana universalmente aplicável desenhado por Le Corbusier para a arquitetura.
nada mais é do que uma evolução do déco. Em tudo, no entanto, seu modernismo parece bem diferente do francês, trazido aqui por um tal Le Corbusier, arquiteto que há dois anos andou de visitas pela segunda vez ao Rio de Janeiro, e cujas ideias conheci através de uns magazines esquecidos aqui por um estudante também francês. Parece-me que os arquitetos não estão se entendendo bem em meio a tantas tendências arquitetônicas, mas o menino sabe o que quer, também me parece. Oportunidades não vão lhe faltar, afinal é conterrâneo dos Lunardi que tão bem trabalham em mármore e ladrilhos policrômicos prensados, artefatos de cimento, gesso e areia, os mesmos que, em sua oficina, criaram, bem aqui ao lado, o magnífico piso do grande hall da Estação Central. Uma dessas manhãs, o rapaz revelou pretensões acadêmicas e já começa a cotejar a Escola de Arquitetura, fundada há seis anos e que há dois já é considerada de utilidade pública. O Signorelli esteve envolvido com a fundação da Escola, o que deve facilitar a aceitação do rapaz. O que o motiva especialmente é o fato de constituir-se na primeira escola brasileira fundada como Escola especificamente de Arquitetura e não como fruto das Belas-Artes ou da Politécnica, como é usual em todo o mundo.
Embarque dos pracinhas da FEB no dia 29 de junho de 1944 no navio de transporte de tropas USS General W. A. Mann.
O semblante dos dois membros do casal era muito parecido, um misto de dor e de orgulho, uma saudade antecipada, uma antevisão do véu da morte e de perspectivas de glória, como se estas fossem as únicas duas opções da vida, de qualquer vida, de qualquer destino humano. Dava-me pena ver os dois, ambos de baixa estatura, ainda moços, na expectativa do aceno de um adeus ou um até breve a seu filho, desde já um bravo soldado, mas com a certeza de que esse gesto também serviria para suas próprias vidas que, nos próximos anos, ficaria suspensa à espera de notícias. O registro mostra que voltariam a Patos de Minas, para seu cotidiano, delegacia, criação rural, afazeres domésticos, talvez só a rotina mesmo para iludi-los de que nada mudaria. O Brasil relutara em entrar em combate, “seria mais fácil uma cobra fumar do que o Brasil aderir à guerra na Europa”, diziam, mas agora não havia mesmo jeito de não fazê-lo. “Pracinha” era um epíteto carinhoso, mas meio estranho para se chamar um guerreiro. Coisas da cultura brasileira, muito “boa praça”. E por falar em praça, a minha praça, nunca a vi tão cheia de gente como naquela manhã de embarque dos soldados da Força Expedicionária Brasileira que iam integrar-se ao V Exército dos Estados
90 | Sulamerica Hotel
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Unidos da América, nosso bom vizinho, para a campanha da Itália. Nossos
organização sindical, o descanso semanal remunerado, a participação no
ausência generalizada de gordura que caracterizava todo o seu corpo, aliás
homens iam lutar contra a nação que ajudara a construir Belo Horizonte,
lucro das empresas, dentre outras. O Brasil realmente mudara muito nos
como também em todo espanhol (só conheci um com um pouco mais de
que nos dera feições artísticas, que nos trouxera civilidade e sofisticação,
últimos 15 anos. Não se teria visto antes tanto operário junto na Praça da
carne, este louco por pão-de-queijo). Alto, esguio, já com alguma calvície,
que forjara nossa personalidade impregnada em um sem número de belos
Estação, ocupando todos os seus espaços, não para embarcar, mas para
sobrancelhas sempre arqueadas e um sorriso meramente insinuado, como
edifícios e obras de arte. No entanto - grande ingratidão! – quando, há
exigir direitos trabalhistas, como uma decorrência natural do tanto que eles
se desbragá-lo fosse revelar a estratégia da revolução, mania de sempre
dois anos, a Perfumaria Italiana, bem aqui ao lado, foi destruída pelo ódio
já haviam ganhado no período de Getúlio. José era um inquieto. A sua voz
tomar uma cachacinha meio que de soslaio, às ocultas, ainda quando não
advindo da guerra, quando os odores das essências finas espalhadas pelos
rouca não se sabia se era dom de Deus ou resultado de seus gritos de ordem.
era necessário esconder, homem de falar contido e de muito saber, coisa
meus arredores passaram subitamente de Eros para Thanatos, eu já sabia
Entrava e saía a todo o momento, fizera questão de ficar no epicentro da
que seus olhos não conseguiam deixar de revelar, apesar da sobriedade com
que cedo ou tarde isso aconteceria. Os italianos homenagearam nossos
manifestação para acompanhar de perto cada passo, cada movimento, cada
que se apresentava. Sua experiência profissional se forjara em excelente
mortos em belíssimas esculturas espalhadas por todo o Cemitério do
lance. Ao ver o burburinho lá fora, pensei que fazia sentido que, na nova
escola, o Cassino Atlântico, no Rio de Janeiro, onde a diversão era a
Bonfim e agora iríamos matá-los sem pompa ou circunstância, “não chore,
estética dos edifícios, não houvesse mais lugar para o requinte ornamental
vertigem e nem o futuro ou o passado importavam aos clientes, apenas
meu filho, não chore, (...) no arco que entesa tem certa uma presa, quer
que me fora agraciado em minhas formas. Não havia mais como pagar
o momento vivido, tão fugaz, por inconsequente, quanto duradouro, por
seja tapuia, condor ou tapir”, ou um italiano... Não chore, não chore. Ser
tanto dispêndio do tempo de um operário, talvez por isso a plástica dos
consequência. Não tinha ambições, como seus colegas italianos, de ter
amigo ou inimigo é só uma questão de ocasião. Dramas não faltam entre as
novos tempos fosse tão nua, despida das vestes delicadas que faziam a
seu próprio estabelecimento, sua própria trattoria ou cantina, de produzir
várias quatro paredes de meus andares, mas eles não deixam de me trazer
dignidade de qualquer prédio, até os mais modestos. A simplificação déco
pizzas – nesse momento um prato novo no Brasil que as pessoas pareciam
certa emoção, de se impregnarem de alguma forma no reboco de minhas
já me era estranha, mas apenas prenunciava a nudez total, a substituição
adorar. O espanhol preferia servi-las a prepará-las, como também preferia
alvenarias, coisa que nem as várias demãos da tinta do tempo conseguem
da mão do homem pela frieza da máquina. As construções que começavam
estar em contato direto com as pessoas da noite, vendo-as discutir teatro
esconder.
a surgir ao meu redor não tinham pudor em se mostrar na transparência
ou cinema, literatura ou jornalismo, gozar da liberdade de ir e vir, ver cine
Não são poucos os que entram furtivos em minhas dependências. Jessé
de vidros cada vez maiores e roupas de menos, como escandalosamente
grátis na Praça da Estação ou loucuras como aquelas trazidas por Klauss
Ferreira Filho foi um deles. Muito discreto em seu trajar, seus modos e
JOSÉ DA SILVA (1947)
o vinha fazendo o Banco da Lavoura, na Praça Sete ou o fizera o Edifício
Vianna, de gente mexendo o corpo só com barulhos. Ao contrário dos
suas anotações. Difícil bisbilhotar seus aposentos, difícil perscrutar seus
Profissão: Operário
Ibaté, há mais de dez anos atrás, também visto da Avenida Afonso Pena.
habitantes noturnos que faziam a ronda dos bares a lazer, ele a fizera a
movimentos, difícil antecipar suas ações. Pelas minhas deduções pertencia
trabalho, em roda da Praça da Estação. Começara servindo feijão tropeiro
ao Movimento Revolucionário Marxista ou ao Movimento Revolucionário
Proveniente de: Juiz de Fora.
Passeata dos 100 mil - junho de 1968. Em meio a ditadura militar, 100 mil pessoas foram às ruas para pedir o fim do regime. Foto: Divulgação.
Proveniente de: Diamantina. Próximo destino: sem registro Entrada dia 02/04/1968 Saída: dia 04/04/1968
Próximo destino: Juiz de Fora
OLYMPIO IBAÑEZ (1955)
no Tran-Chan à noite e cachaça no Fincas durante o dia (já que à noite este
Tiradentes, mas tenho quase certeza que participava de ações armadas
Entrada dia 01/12/1947
Profissão: Garçom
virava pensão). Depois passou a servir joelho de porco e hi-fi no Alpino, um
em um movimento conhecido como “Frente”. Talvez pelo excesso de
Saída: dia 15/12/1947
Proveniente de: Madrid/ Espanha e Rio de Janeiro. Próximo destino:
pouco mais para cima, já na Avenida Amazonas. Senti saudades quando
discrição é que passei a suspeitar dele. Nada de novo naqueles dias, todo
Belo Horizonte, quando se estabelecer
ele se mudou para sua residência definitiva na cidade. Recomponho-me
mundo suspeitava de todo mundo. Toda vez que via sua figura, cabelos
Entrada dia 01/03/1955 Saída: dia 23/02/1956
rápido: se há um sentimento que um hotel não pode ter é saudosismo, o
despenteados, um blazer surrado sobre uma camisa amassada, olhos
mundo é um ir e vir, eu é que o sei, talvez até mais que as estações de trem,
fundos e um bigodinho ralo, imaginava, logo abaixo de seu rosto, o registro
Naquele
dezembro
de
1947,
comecei a receber um movimento inusitado. O José era apenas um
Por que todo espanhol é anarquista? Nunca recebi um que não o fosse. Ou
porque, diferentemente destas, convivo um pouco mais de tempo com as
de uma data, quase como uma foto oficial em um reclame de procura-se.
de tantos que afluíam a nossa
comunista. O “seu” Olympio não era diferente, parece que o sangue lhe
pessoas e compartilho de suas intimidades. Boa sorte, “seu” Olympio, onde
Às vezes alguém entrava em meu saguão, procurando por um “professor”,
cidade para o III Congresso dos
fervia nas veias quando se falava em algum caudilho ou ditador. Embora
quer que esteja.
mas, ou havia muitos com essa qualificação entre meus hóspedes de então
Trabalhadores de Minas Gerais.
sua fisionomia tentasse esconder quando esse tipo de assunto vinha à
Na pauta de reivindicações, a
baila, seu ódio era facilmente perceptível pelo ligeiro rubor que coloria sua
JESSÉ FERREIRA FILHO (1968)
o “estudante” do quarto 201, ou seria? Nesses anos de chumbo, minhas
regulamentação do direito de livre
pele muito fina e muito branca, sua face muito magra, condizente com a
Profissão: Estudante
janelas pareciam como que vendadas e a Praça, deserta como a nação,
ou não tinha nenhum que assim se registrara. Não seria, de qualquer forma,
92 | Sulamerica Hotel
| 93
deteriorava-se dia-a-dia. Sabia que algo estava ocorrendo na Escola de
manifestações de rua. Os jornais também disseram “en passant” sobre um
segundo soube depois, a perseguia, querendo matá-la. Graças ao mesmo
Engenharia, a poucos passos de onde eu me localizava, mas nesse quatro
tal Luiz Inácio da Silva, que teria trabalhado como intermediário entre
Deus que ela invocara junto à Estátua, eu acho, o super-herói Celton
de abril ela permaneceu fechada, uma cautela quanto às manifestações
patrões e empregados e negociado o atendimento parcial de algumas
salvou-a e a trouxe sã e salva de volta a seus aposentos. Espero que ela
pelo assassinato de Edson Luis de Lima Souto pelas forças de repressão
reivindicações e a substituição da presidência do Sindicato, até então
retorne o ano que vem.
no restaurante estudantil Calabouço, no Rio de Janeiro. A polícia se postou
ocupada por um nome indicado pelos militares. Como não cheguei a
em frente à Escola e também reprimiu algumas manifestações estudantis
ver o retrato desse intermediador nos jornais, nunca vou saber se o Luiz
na Praça da Estação. Jessé nunca mais voltou. Nem para pegar suas coisas.
Inácio da Silva era o “meu” Inácio da Silva. Pode ser. A história ou os frequentadores do Boteco do Zé Beleza o dirão.
INÁCIO SILVA (1979) Profissão: Operário Proveniente de: Ipatinga. Próximo destino: Ipatinga
AURORA LACARMÉLIA: 2003
Entrada dia 29/07/1979. Saída: dia 04/08/1979
Profissão: Aposentada Proveniente de: Ouro Preto. Próximo destino: Ouro Preto Entrada dia 14/07/2003 Saída: dia 16/07/2003 Aurora devia ter uns 90 anos, mas não demonstrava nem 50. Fora exvereadora em Ouro Preto, mas sua história foi marcada por um fato, em Belo Horizonte, que a impressionara a vida inteira. Tendo assistido à inauguração da estátua do Monumento à Civilização Mineira na Praça da “Celton” é uma publicação independente de Lacarmélio Alfêo de Araújo, segundo ele, sem vínculo com qualquer partido ou movimento político. Não conta com nenhum patrocinador, sendo totalmente bancada pelo autor que a vende, ele próprio, nas ruas de BH.
Estação, em 15 de julho de 1930, criou com ela uma espécie de vínculo Passeata dos trabalhadores da construção civil na rua dos tupis durante a greve dos pedreiros. Acervo MHAB/Fundação Municipal de Cultura
metafísico e estudou-a bastante ao longo dos anos. Só ela sabia que a
Inácio trazia uma grande mala quando se registrou no balcão. A princípio,
firme e decidida, voz doce e bochechas fartas, cabelos meio lisos, meio
pensei que ele ficaria por longa temporada, apesar de não parecer turista
encaracolados e sem mostrar os sinais do tempo, surpreendentemente por
Ficha Técnica
nem comerciante. Quando escreveu sua profissão, vi que ele não se
não parecerem pintados, com uma franjinha que lhe criava uma estampa
EDIFÍCIO AURÉLIO LOBO, ATUAL SUL AMÉRICA HOTEL
demoraria muito e, no dia seguinte, pude confirmar minhas suposições,
de velha com cara de menina, pois, apesar da jovialidade de suas mechas e
estourara a primeira grande greve dos trabalhadores na construção civil
corte, se viam as rugas da testa, seu queixo duplo, uma suave papada. Parecia
e, aberta sua mala, ali só havia panfletos e papéis diversos. Os primeiros
que irradiava luz, nunca alterava a voz. Via-a em seu quarto rememorando
movimentos da greve começaram na Praça da Estação, com sérios conflitos
as palavras que diria à estátua, em seu aniversário: “oh, Senhor Jesus, eu,
entre os operários e a Polícia Militar, que se viu cercada por eles. No dia
em minha insignificância, rogo-vos aceitar o meu agradecimento sincero
seguinte, os jornais batizaram o movimento de “Rebelião dos peões”,
pela perseverança de acreditar no impossível! Viva a Liberdade!” Veio
que teve também seu mártir, Orocílio Martins Gonçalves, morto em
procurar por ela um tal Armando, também político em Ouro Preto que,
estátua tinha uma vida secreta e uma espantosa mobilidade, deslocando-se de seu pedestal quando em defesa dos necessitados. Apesar da aparente fragilidade decorrente de tantos anos vividos, Aurora era dona de postura
Endereço: Av. Amazonas, 50 Data da Construção: 1928 Arquiteto: Luiz Signorelli
Tombamento: Municipal (1994)
O super-herói Celton tem como cenário de suas aventuras as mesmas ruas por onde anda o seu autor.
94 | Monumento à civilização Mineira (1930)
Monumento à civilização Mineira (1930)
MONTANI SEMPER LIBERI (inscrição sob o monumento)
Sou um ser lançado no mundo, mais propriamente em 15 de julho de 1930. O mundo já existia e acontecia antes de mim. Se vim com a missão de trazer as boas vindas a quem chega à cidade ou de apresentar, pela minha postura e flâmula, as características do povo desta terra, considero hoje essas duas como missões secundárias. Eu nasci para observar. Por isso sou todo olhos. Não são apenas as cavidades orbitais do meu rosto que exercem essa função, pois minhas pupilas são feitas da mesma matéria da minha pele ou da minha carne. Diferentemente das imagens dos santos de madeira que saem em procissão e têm olhos de vidro para poder melhor ver as transparências das almas, enxergar os pecados e condenar os pecadores, eu permaneço fixo e os meus olhos são todo o meu corpo, antena que sou do movimento, do ir e vir, do chegar e partir. Os afetos que perscruto são os dos que passam e não tenho para eles nenhum juízo de reprovação ou absolvição, mas profunda compaixão por já ter presenciado tanto fato e tanta paixão. Todos eles passaram. Eu, que sou imóvel, me movo tanto como aqueles que, a meu lado e em torno de mim, vão e vêm, porque com eles deixo fluir meus sentimentos e com cada um me identifico em sua agonia ou em seu júbilo, imerso que estou na vida, na mais pulsante que há, neste imenso largo urbano onde só há movimento, o movimento de toda a cidade. A dureza do bronze que faz a consistência de meu corpo ou a minha postura viril escondem ao olhar desatento ou sempre apressado dos transeuntes a minha alma sensível. Ninguém pode ser passivo lançado ao território do coração da cidade, onde eu estou. Se minha bandeira e meu braço erguido transmitem a falsa impressão de uma eterna valentia, é que mais do que homens, que, pela cultura não podem chorar, eu, por natureza, não posso extravasar na minha pele meus sentimentos internos. Não bastasse o bronze que me conforma e imobiliza, que me dá existência e me prende nela eternamente, estou ainda fixado em granito, mas profundamente solto no pleno vazio de um espaço preenchido de sons, desejos, direções, intenções, brados, encontros, desencontros, dramas cotidianos, fugacidade, conflitos, gestos de amor ou camaradagem, gestos de dor ou desespero, mãos dadas ou destruidoras, pés cansados ou apressados, lentos ou impulsionados por urgências que logo se dissipam. Convivem comigo, a meus pés, em realidade física incompleta e em frustrado impulso existencial, os quatro personagens que dirigem minha consciência e que tentam moldar o meu jeito de ver o mundo, como,
96 |
| 97 aliás, faz com todos nós aquele deus onipresente a quem damos o nome de “civilização”, tautologicamente completando, assim, o meu propósito de vida: revelar a civilização dita mineira. São eles dois bandeirantes e dois mártires da independência, dois modos de viver pautados pela transformação e pelo rumo ao futuro, pela criação e pelo descobrimento, ironicamente fixados em bronze e em pedra, reduzidos a cenas imaginárias de uma história possível, alegorias do que poderia ter acontecido, com as mãos que transformam o mundo congeladas em uma única cena, ou com os pés que lhes permitem descobrir-se presos a um chão de conjectura histórica. É claro, portanto, que convivo, na modorra dos tempos eternos, com quatro amarguras, com quatro maneiras céticas de ver o mundo e, não fora o burburinho dos humanos que passam, penso que, mesmo em bronze, dificilmente conseguiria manter erguido o meu gesto otimista. De frente para a Estação, Bruzza Spinosa, bandeirante que além de tudo está expurgado dos livros de História escolar, remói sua frustração por ter percorrido Europa, Bahia e Minas, Jequitinhonha e São Francisco, de ter pertencido à corte de Tomé de Souza, de ter sido picado pelas moscas de sertão e matas, e agora estar congelado em um único sítio, antítese de seu impulso de vida, mero penduricalho aos pés de uma figura que ninguém sabe quem é, que alguns pensam que é Tiradentes quando jovem, a percorrer os quatro cantos de Minas com a boa nova da Inconfidência. Para ele são todos idiotas, os que não o conhecem, os que o confundem com algum personagem histórico e até mesmo eu, para ele insolente jovem sem passado ou história. A Bruzza o que importa é viver: dramas são inconsistências da alma. Talvez seja o personagem que primeiro vê quem chega à cidade, porque também chegou primeiro à História, grande coisa, ainda mais que, como se sabe, à História interessa menos quem chega primeiro do que aquele que por mais tempo nela permanece, porque a história é a ciência da assimetria do tempo e dos personagens que assim a tecem. À minha direita está Felipe dos Santos, um dos maiores personagens de esquerda da nação brasileira. Fixado na pedra em cena e expressão dolorosa, de nada adiantam os corcéis a que ele se encontra atado, pois Inauguração do Monumento à Civilização Mineira. S/a, 15/07/1930. Acervo APM.
continua a se contorcer de impaciência e vontade de ser livre, superar
98 | Monumento à civilização Mineira (1930)
| 99
definitivamente o momento doloroso em que o petrificaram. Odeia por
dolorosos, veem as mesmas coisas: um mundo mais livre e estimulante,
isso o nosso criador, o ítalo-paulista Giulio Starace, e só o consola a raiva
quer seja o do cerrado, ondulante e sem fim, quer seja o das serras, que
que este escultor sentiu ao ser obrigado, pelo assessor do Presidente
encerram a paisagem mas propõem horizontes inusitados. O mártir da
Antônio Carlos, o Engenheiro Baeta Neves, a cobrir as minhas partes
independência não se fecha em postura de mártir. Apesar da corda ao
pudendas com o panejamento do meu estandarte. Em minha opinião
pescoço que para sempre se lhe fixou à visagem, o labor do Giulio o coloca
ficou pior a emenda que o soneto: rígido e ereto que é o meu mastro,
em expressão permanentemente atenta. Apesar de envolvido em cena
aqueles que querem ver o falo como dominador do mundo não precisam
trágica, consegue ainda manter observação cordial com os que passam.
procurá-lo por debaixo dos panos. Mas o fato é que Felipe dos Santos
Alguns o reconhecem, algumas crianças o apontam com o dedo, mas isso
tempera seu amargor com o sofrimento eterno, enquanto durou, por
não o envaidece ou o encanta. Seu encanto é o desencanto com a opressão,
suposto, do sensível Giulio. Felipe não consegue compreender por que
que torna uma emoção negra em explosão de cores e possibilidades. Ele
aqueles que sofrem calados ao por ele passar não bradam e se mexem.
sabe que a vida continua em direção ao horizonte e após, que ganha
Como gostaria de fazer isso por eles!
corpo inteiro em Praça Tiradentes e liberdade espiritual à medida que
Na sequência, em giro anti-horário, às costas de Spinoza, mirando o
sobe Afonso Pena até chegar à bandeira nacional, que aponta para o alto.
Arrudas, surge Fernão Dias Paes Leme, de certa maneira o inventor das
Apesar de enforcado e esquartejado, ele é um otimista, pois afinal, foi
Minas Gerais, por ser o desbravador dessas terras inabitadas - porque
recomposto em um sem número de esculturas por Minas afora. De suas
índios não contam, são parte da natureza selvagem. O velho Fernão
várias cabeças, podemos dizer que uma das boas é esta que dialoga comigo,
deveria ficar com os olhos rasos d’água ao ver a profundidade das águas
pela eternidade afora.
do Ribeirão a correr constantemente em direção ao Velhas e daí para
Antes de eu aqui estar, à minha volta nem sempre existiu um largo. Embora
o mundo infinito, mobilidade que lhe foi suprimida pelo bronze que o
pareça ser implícito que em frente a uma estação nada pode se constituir
fixou no espaço e pela História que o fixou no tempo. Ainda bem que
em obstáculo entre chegada e destino, isto só veio a ocorrer quando aqui
seu sofrimento foi suavizado pelo ocultamento das acintosas águas,
cheguei. A sabedoria cósmica finalmente impôs esse direito urbano,
pela canalização do movimento fluido e da liberdade das ondulações
evitando para sempre que algum incauto ousasse fazer jardins onde se
aquáticas, pelo tamponamento de sua flutuação. Ainda bem que Felipe
deve alargar a vista, demarcar canteiros onde deve vigorar a liberdade de
dos Santos e Tiradentes, por mirarem daqui outras plagas, não estão
qualquer direção, colocar bancos onde não se deve parar. É uma lei das
obrigados a conviver com tanta supressão de liberdade, isto aumentaria
cidades. Assim deve ser. É a mesma lei que garante sua ocupação civil
ainda mais sua condenação. Para Fernão Dias, de cuja posição vislumbra
coletiva em momentos de festa ou de comoção, em momentos de celebração
privilegiadamente a cidade, as pessoas são riquezas em circulação e seus
ou de mútua aliança. Isto é o largo de uma estação, seu destino é acomodar
dramas são riqueza urbana, o verdadeiro sal da terra. De seu observatório,
as solidões errantes, o passo variado, no dia-a-dia, e as multidões, nos
vê pessoas e paisagens em transformação, o que lhe confere sensibilidade
momentos em que os passos desconexos queiram se reunir em feixe ou
maior e, também, melhor humor.
que as solidões queiram se encontrar.
Finalmente Tiradentes, que se volta, por assim dizer, para os Gerais, ele
O largo existiu sem mim longos 33 anos, se contarmos desde a inauguração
que veio das Minas. Se aparece como antípoda ao Felipe dos Santos,
da cidade, como existiu sem o prédio nobre, que lhe dá alcunha, 22 deles.
mantém com ele um fraternal e estimulante convívio. Paradoxalmente,
Sei que nossas ausências lhe eram indiferentes, absorvido que sempre
embora mirem em direções opostas e o façam em meio a momentos
esteve em cumprir sua missão urbana. O que não lhe foi indiferente foram
100 |
| 101
Nesta imagem o escultor Giulio Starace posa junto à maquete do primeiro modelo do Monumento à Civilização Mineira. Inicialmente este monumento teria três conjuntos de estátuas de bronze além das placas: nos conjuntos laterais apareceriam Felipe dos Santos arrastado pelos cavalos e a condenação dos inconfidentes. No topo figuraria o espírito montanhista, representado por um camponês com seu cachorro. O projeto final, no entanto, ficou bem mais simples, com apenas uma estátua, representativa do espírito libertário de Minas. Inicialmente um nu, esta figura foi mais tarde modificada para tornar-se mais pudica, com a bandeira tapando suas partes íntimas. S/a, 1930. Acervo APM.
Vista parcial do largo da Praça da Estação. Acervo MHAB/Fundação Municipal de Cultura
os acontecimentos das décadas seguintes, que pouco a pouco foram
mas o abandono. Não mais o gesto amigo do abraçar-se e do dizer “você
lhe drenando a energia vital. Já seria de se desconfiar que algo estaria
por aqui?”, mas a violência; não mais o sorriso simpático da solidariedade
ocorrendo quando o trem, fonte que lhe abastecia de vida, começara pouco
neste barco à deriva que é a vida urbana, mas a violência; não mais o
a pouco a ser substituído pela nova máquina de transporte individual, o
caminho seguro que nasce de se ver que todos caminhamos e que não há
automóvel, que, qual vírus de lenta disseminação, viera pouco a pouco
uma só direção, mas a violência; o medo no lugar que deveria ser o mais
aumentando sua presença até lhe tomar todo o corpo, a desagregar toda
seguro do mundo por dispensar muros e polícia, apenas protegido pelas
a sua consistência de vazio. Talvez isto já fosse de se esperar porque a
vidas que se cruzam e que, ao fazerem isso, se amalgamam como consistente
Prefeitura, em 1898, já mandara calçar de paralelepípedos o local, junto à
e generosa alvenaria, a coibir a violência e a propiciar a fraternidade. A
Estação, onde estacionam os carros e, em 1910, por portaria, determina que,
mobilidade é o muro mais poderoso contra o abandono e a violência,
dos 37 carros existentes na cidade, sete deveriam estacionar na Praça da
exatamente por se constituir na antítese da separação, demonstrando que
Estação. Ainda nos anos 1930, em seus arredores foram se construindo os
só o que une efetivamente protege e ampara. Como prova desta verdade,
viadutos de Santa Tereza e Floresta, apresentando-se como vias urbanas
ofereço a constatação de que somente a nova concentração de pontos
para ligar as pessoas separadas por linha férrea e por água, concebidos em
de coletivos e sua conexão com o novo metrô, a partir dos anos 1980,
generosa largura para convidar e abrigar caminhantes, possibilitar olhares
iniciariam a reversão da decadência do largo, apagando a terrível imagem
cruzados e conversas ligeiras de grupos que estacassem para discutir
de meu corpo como única forma humana a sobreviver em um mar de
o governo de Getúlio ou para observar as grandes linhas que riscavam
automóveis estacionados no amplo espaço da praça.
o território urbano levando o futuro e deslocando a pujança. Logo os dois viadutos se infestaram de carros que expulsavam os pedestres para
Tudo isso não seria possível, no entanto, se as próprias pessoas não
suas margens, sem qualquer cerimônia ou bons modos. Já nos anos 1940
reagissem a reivindicar o seu lugar. Em 1980, elas já se organizavam em
e 1950, o clima urbano parecia estar propício a tal proliferação virótica
manifestações políticas, comícios e passeatas, ocupavam mesmo o grande
que se alimenta de torres e de gente, quanto mais, melhor. Um de seus
vazio urbano, reconhecendo-o como adequado ao povo e a seus brados.
sintomas era o ataque aos comboios ferroviários, deles retirando gente e
A sociedade civil parecia reagir ao vírus, reforçada que fora pela injeção,
mantendo só as cargas.
embora em doses lentas, de uma nova democracia que já se vislumbrava
Mas, se o efeito virulento já se prenunciava em quarenta e cinquenta,
no belo horizonte. Um fato, de certa forma normal no desenvolvimento
a partir daí é que se tornou mais terrível. O largo deixou de ser o local
das grandes cidades, funcionara como o estopim de uma reação, em um
dos que chegam ou dos que cruzam a cidade, deixou de ter o marco da
tempo em que a sociedade procurava como louca a presença de gatilhos,
centralidade, marca fundamental de sua personalidade – a letalidade do
a lhe dar razões de revolta. Os órgãos centrais de planejamento de
vírus se revelava especialmente por sua ação de ataque à alma – e passou a
trânsito e transportes GEIPOT, METROBEL e EBTU pareciam ameaçar
ser o local do abandono e da violência. Não mais as solidões que cruzavam,
a integridade da praça com a proposta de instalação de vários terminais
reconhecendo, uma na outra, a réstia da esperança, mas o abandono; não
de ônibus para a integração com o novo trem metropolitano e a possível
mais o encontro fortuito de gente que passa e se solidariza em seu ir e vir,
demolição de parte de seu conjunto arquitetônico. Foi o que bastou para
mas o abandono; não mais a fraternidade dos que se amparam por habitar
grupos de defesa do patrimônio histórico da cidade, entre eles o Instituto
o mesmo lugar e compartilhar o mesmo território, mas o abandono; não
de Arquitetos do Brasil, se mobilizarem na defesa do berço da capital.
mais o risco aleatório marcado por nós de encontro ao chão rabiscado,
102 | Monumento à civilização Mineira (1930)
| 103
Em 1981 se realizaria o I Encontro pela Revitalização da Praça Rui
alguns pactos urbanos, consolidados no documento final do Encontro,
Conjunto Arquitetônico e Urbanístico da Praça da Estação foi tombado
Barbosa, envolvendo técnicos, entidades civis, poderes públicos
coerentes com sua proposição inicial de debater e traçar uma política que
pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas
constituídos, universidades, que debateram sobre a “Praça da Estação,
definiria diretrizes para a conservação da área da Praça da Estação e a
Gerais (IEPHA), ao mesmo tempo em que se criava a CBTU (Companhia
origem e destino”, como se batizou o evento. Discutiam-se coisas como a
compatibilização dos projetos ali executados – citem-se o alargamento do
Brasileira de Trens Urbanos), responsável pelo planejamento e operação
distância entre os tecnocratas responsáveis pelas decisões, sediados em
canal do Rio Arrudas, o projeto PACE (Projeto de reorganização da área
dos trens urbanos nas principais capitais brasileiras. No âmbito municipal,
Brasília, e a cidade real e de fato, destino final dessas decisões, debates
central de BH) e o Trem Metropolitano - para que tudo isso fosse implantado
na ausência de uma “lei de tombamento”, e como medida alternativa,
que resultaram em ações concretas como a criação, nesse mesmo ano,
em harmonia com o patrimônio histórico aqui existente. Propostas
incorporava-se à nova Lei de Uso e Ocupação do Solo de Belo Horizonte,
da Divisão Especial do Metropolitano de Belo Horizonte, denominada
nobres não faltaram: criação de uma comissão mista sociedade/governo
promulgada em 1985, um perímetro de proteção da Praça, como sucedâneo
DEMETRÔ. Paralelamente a essas ações concretas, firmaram-se
para acompanhamento de projetos e obras, transformação dos prédios
à lei de 1983 que já a havia consagrado como área de urbanização restrita.
históricos em centros culturais, recuperação do depauperado paisagismo
O perímetro definido pela Lei, de fato apenas incorporava os limites
da praça com espécimes nativos, dentre outras. Até mesmo uma proposta
e diretrizes já estabelecidos pelo IEPHA, reconhecendo os edifícios
que extrapolava os limites da Praça fora feita, a criação de uma Comissão
tombados individualmente e a diretriz de 12 metros como limite máximo
Municipal de Tombamento, sob a presidência do Secretário Municipal de
do que viesse a ser construído na área.
Cultura, Turismo e Esportes, além da criação da Fundação Municipal de
Enquanto o processo de proteção se intensificava, o metrô se solidificava,
Cultura, proposta esta extremamente necessária para a cidade que ainda
se é que esta é uma expressão correta para algo que se propõe a mover-
não possuía um órgão municipal de seu patrimônio, o qual vinha sendo
se. Em 1986, o DEMETRÔ iniciava sua operação em superfície, no largo
dilapidado em um vórtice autofágico nunca visto anteriormente. Mas,
trajeto que unia a Estação da Lagoinha ao Eldorado, e, em 1987, inaugurava-
como diz o ditado, de boas intenções o inferno está cheio (e me parece
se o braço Lagoinha-Estação Central. Com a nova mobilidade, a praça
também de automóveis), pouco ou quase nada foi efetivamente feito, além
parecia ganhar vida e, já no final da década, era ocupada pelo Forró de
do impulso preservacionista ali gerado. Na administração do prefeito Júlio
Belô, por comícios e festas populares, enquanto se aguardavam ações
Laender, sob a Coordenação do Departamento de Cultura, da Secretaria
mais consistentes para sua revalorização. É certo que foram realizadas
Municipal de Turismo, Esporte e Cultura, formou-se uma comissão, com
algumas restaurações nos edifícios do complexo da Rede. Ainda nesses
participação de instituições como IAB, PLAMBEL, IEPHA, Museu Abílio
anos 1980, foi criado o Núcleo Histórico da Rede Ferroviária Federal na
Barreto, UFMG e as Secretarias Municipais de Serviços Urbanos e de
Casa do Conde de Santa Marinha e instituído o Concurso Nacional de
Obras, entre outras. O então diretor do Departamento de Cultura, o
Anteprojetos para o Museu de Arte de Belo Horizonte, antiga e ainda
artista plástico José Alberto Nemer, entendeu ser a principal tarefa dessa
não realizada aspiração da cidade, no terreno vago ao lado do largo, em
Comissão a apresentação de um projeto de lei à Câmara Municipal, para
posição simétrica ao Edifício Central. O projeto vencedor nunca foi
criação da Lei Municipal de Tombamento, sem a qual o município não
construído e, de certa forma, felizmente, porque até
disporia de nenhum mecanismo para proteger as edificações de interesse
sua desastrosa ocupação recente, o grande lote se
histórico da cidade, medida que só viria a ocorrer muitos anos mais tarde.
constituía em reserva estratégica de encadeamento
Por tudo isso é possível que vocês entendam que, na minha condição de
urbano, juntamente com os vários terrenos e
imutabilidade e de duração, a paciência vem a ser virtude indispensável.
prédios públicos da região da Casa do Conde.
Entretanto, enquanto o município não se mexia para se proteger,
As coisas pareciam estar caminhando para
utilizaram-se os mecanismos que estavam á disposição e, em 1984, o
um resultado positivo. A cidade reconhecera o
Documento final do “I Encontro pela revitalização da Praça da Estação” promovido pelo grupo de defesa do patrimônio natural e cultural do Instituto de Arquitetos do Brasil, departamento de Minas Gerais (IAB/MG).
Projeto Flávio Carsalade e equipe
Projeto Alda oliveira e equipe
Projeto Joel Campolina e equipe
Projeto vencedor.
104 | Monumento à civilização Mineira (1930)
| 105
lamentável estado de seu berço, reagira e pressionara para a requalificação
como se os bordos abraçassem as multidões e os transeuntes, mas ao
Apenas em 1998 se deu o tombamento definitivo do Conjunto da Praça
de seu mais amplo e histórico largo. Assim, em 1995, na administração
mesmo tempo lhes franqueasse livremente a passagem, oferecendo-lhes,
Rui Barbosa e adjacências pelo Conselho Deliberativo do Patrimônio
Patrus Ananias, a Prefeitura realizou licitação para o projeto de
através do tênue véu criado pela irmandade dos grandes pilones, a visão
Cultural de Belo Horizonte. Os planos que se seguiram ficaram no papel ou
recuperação da área da Praça Rui Barbosa, vencida pela BGL Arquitetura
da urbe e, por sua inconsútil transparência e pelo desobstáculo gerado, a
na intenção. A Operação Urbana do Parque Linear do Arrudas, proposta
(arquitetos Eduardo Beggiato, Edwirges Leal e Flávio Grilo) que, para
possibilidade de ir-se ao seu encontro.
pelo IEPHA e pelo IAB, visando implantar um parque em todo o território
tanto, foi contratada. Cumpre ressaltar que mesmo este projeto resultou
A Rua dos Caetés, por sua vez, também passou por medidas requalificadoras.
de propriedade da Rede Ferroviária Federal, ensejado por sua liquidação
de uma preocupação requalificadora de toda a área central, por parte da
Parece que os arquitetos da cidade haviam aprendido as lições de com
em 1999, não passou de projeto de lei aprovado pela Câmara Municipal,
administração municipal, revelada pela edição de outro concurso, “Ruas
ela dialogar e respeitar seus ritmos e ritos, depois de uma época de tanta
sem consecução. A realidade colocou em seu lugar a ocupação privatista
da Cidade”, destinado a selecionar equipes para elaboração de projetos
destruição e desrespeito ao passado. A rua do comércio popular, que
da Polícia Militar, a construção de um templo evangélico e a construção
urbanísticos. Mas, mesmo com toda essa convergência de interesses, a
desde os primórdios mantinha essa tradição, teve seus prédios antigos
de um Centro de Referência da Juventude, em meio à ilha cultural da
obra da praça apenas seria inaugurada em 2004, e os investimentos no
recuperados, as descaracterizações revertidas e, principalmente, a celebrar
Casa do Conde e dos galpões da FUNARTE. A sina de surrupio de espaço
Centro, notadamente na Rua dos Caetés, também só se fariam no mandato
e propiciar o caminhar de quem vai às compras, suas calçadas ampliadas
de vocação pública ao cidadão comum voltava a mostrar sua terrível
do Prefeito Fernando Pimentel, a partir de 2003, dentro do programa
e o contato com a parte térrea dos edifícios desobstruída de lojas de todo
face e a subtrair do centro da cidade a sua última reserva estratégica.
denominado “Centro Vivo”.
o tipo, que derramam sobre quem passa, em
Não vingou também, em sua amplitude, o projeto da municipalidade
Quando inaugurada, a nova feição da praça
gesto de oferta, suas mercadorias variegadas,
denominado “Projeto Quatro Estações”, de 2001, liderado pelo arquiteto
se mostrou em perfeito diálogo com sua
as quais, tão diferentemente do que ocorre
José Abílio Belo Pereira, o qual procurava criar alternativas urbanísticas
espacialidade e tradição histórica. Conservou-
nos shopping centers, prevalecem sobre a
para todo o trecho entre as estações Santa Efigênia, Central, Lagoinha
se o grande largo, aberto, amplo, receptivo,
decoração dos recintos. Um viva à rua, um
e o Terminal Rodoviário. Foi como se se deixasse ao sabor do destino o
mantendo-se todo o grande universo que à
brinde aos espaços públicos!
futuro dos decadentes prédios dos atacadistas da Rua dos Guaicurus, o
não tardaram a aparecer os conflitos: privatização de espaço público para
minha volta girava estático e que propiciava
A iniciativa da empresária Angela Gutierrez,
enorme contingente de imóveis desocupados e subutilizados, os galpões à
shows de grupos, grandes mas excludentes; presença de grades a coibir
todas as direções. A instalação de repuxos
em 2000, de implantação de um museu
minha volta ou a ocupação dos terrenos da extinta RFFSA. Horror vacui,
passagens em eventos “particulares”; depredação de patrimônio público
de água, no solo, a funcionarem quando
dedicado ao trabalho, no prédio da Estação,
a cidade, que não sabe conviver com o vazio, mostrava novamente suas
e do patrimônio cultural, pichação - como expressão legítima de grupos
o largo estivesse vazio, como alternativa
também sinalizava como importante âncora
garras.
ou do crime? -, vendedores de droga e insegurança urbana contrastando
cênica, inaugurava outro tipo de movimento
de recuperação da dignidade da praça.
Mas a grande qualificação de meu largo, da praça e dos arredores viria
com a afluência cada vez maior de pessoas, lugar de livre expressão e de
e, poeticamente, fazia dialogar o vazio com o
A inauguração do museu, em 2002, viria
através da presença cidadã, minha razão de ser. À minha volta, a vida urbana,
presença popular (em contraste com a ascética Praça da Liberdade e seu
movimento, como a revelar a condição sempre
confirmar a importância da iniciativa para o
em todas as suas faces, acontecia em um carrossel de tipos, diferentes
circuito cultural gerido por grandes empresas), comerciantes a reclamar
presente neste espaço. A água temperava
reviver de meus arredores.
classes sociais, manifestações culturais de toda ordem, artistas, skatistas,
de mendigos e uma opção bastante clara de preferência pelo lugar por moradores em situação de rua; manter ou retirar pontos de ônibus,
Praça da Estação tomada por foliões durante o carnaval de 2015. Foto: Alexandre Mota
a aridez que se abatia sobre o solo, quando o sol castigava e expulsava
Por outro lado, a Secretaria Municipal de Cultura que, desde sua criação,
moradores de rua, boêmios, notívagos, muambeiros, toreros, passageiros de
as pessoas, reintegrando-as por sua amenidade. Espalhada em vários
revelara opção e compromisso com a Praça, deixava suas instalações no
ônibus, comerciantes, vagabundos e ocupados, frequentadores de templos,
demolir ou consolidar os usos do edifício Central; moradores a reclamar
repuxos, parecia ser a afirmação de que, para sempre, estava aqui garantido
Edifício Central para outras atividades da administração municipal, e
esportistas de rua, gente, muita gente, movimento, muito movimento.
dos encontros de bandas e duelos de MC’s sob o viaduto; duplicar ou não
o burburinho, a multiplicidade, o ir e vir, o bailar e o interagir. Os grandes
migrava, em 2001, para o edifício Chagas Dória, de modo a espalhar os
Isto no varejo da apropriação individual, porque no atacado dos grupos
o viaduto da Floresta; o 104 abrindo e fechando, funcionamento 24 horas
suportes verticais de iluminação, deslocados para os bordos do grande
benefícios da presença qualificada a toda a região.
vieram as festas, os comícios, as reuniões de igreja, os shows, o carnaval.
dos sete dias das 52 semanas do ano e, se mais houvesse, mais movimento
espaço central, liberavam definitivamente o seu miolo e definiam os seus
No entanto, como visto, não foi fácil chegar até aí, e apenas uma pequena
A cidade se realizava em plenitude no seu berço, parecia ser o lugar de
teria. Tudo o que me alimenta, devo confessar. Gosto muito disso, até
contornos, de modo a evitar que o vazio vazasse para outras plagas. Era
parte do amplo potencial de meu universo fora efetivamente realizado.
todos, sem distinção. Mas, como lugar de contradições que também é,
mesmo porque permaneço inabalável em face de tantos conflitos da raça
106 | Monumento à civilização Mineira (1930)
“Amigos, quando esse moço subiu no bloco de sustentação da estátua e reconstruiu com seu corpo o “Monumento à Terra Mineira”, meu coração vazou por entre os dedos da mão. O bronze enfrentado pela carne viva, em cores, a bandeira esvoaçante, a forma humana; é um marco que efetiva a Praça da Estação como Espaço Público da cidade. A despeito das tentativas de transformá-la em um espaço de controle excessivo do poder privado municipal. O monumento originalmente feito para receber a população que chegava a Estação e honrar a conquista da coroa portuguesa juntamente com sua oposição, a Conjuração Mineira; agora recebe a população que vem se banhar e constituir um dos espaços cívicos mais importantes de BH, também em oposição a coroa, mas desta vez à Municipal. A inscrição em latim gravada no bronze logo abaixo dos seus pés diz: A Montanha Sempre Está Livre (Montani Semper Liberti ). À terra mineira dizemos, com muito protetor solar e guarda sol laranja: A Praça é Livre!”. Priscila Musa
| 107 humana, esta tão inconstante e tão cheia de embates.
manifestantes. Eu, acostumado a tantas formas de luta popular, comícios
rua viravam crentes e depois desviravam, membros da igreja convertiam
Por volta de 2009, a tensão chegara a um ponto em que o governo
e multidões, confesso nunca ter experimentado maneira tão alternativa
almas desgarradas e eram bem recebidos, ou nem tanto, atores de teatro
municipal entendeu ser necessário intervir e “disciplinar” o espaço. O
de expressão. Celebrei, nesses dias, o grande vazio que me envolve, eterno
encenavam com as pessoas e às vezes tinham que impor limites aos
Prefeito Márcio Lacerda, pressionado pelo uso “indiscriminado, excessivo
contenedor e propiciador do frescor de cada geração que traz a novidade
atores espontâneos mais entusiasmados em seus papéis, maconheiros
e predador” da praça, houve por bem promulgar um decreto proibindo ali
do tempo, cores sempre novas, movimentos inaugurais.
e pichadores às vezes toleravam a bronca dos policiais, e às vezes não,
qualquer manifestação pública. A reação não tardou. Ainda em dezembro
A “Praia” não foi o único movimento de reivindicação de uso livre do
apresentavam-se pessoas que vendiam drogas ou bugigangas apenas
desse ano, respondendo a convocações variadas organizadas através da
espaço urbano. Ainda em 2010 aqui se realizou, em duas edições, o
para sustentar suas famílias ou planejadores urbanos e autoridades que
Internet (vadebranco@gmail.com), diferentes grupos e indivíduos, de
“Eventão de qualquer natureza” com shows e outras atividades culturais
queriam retirar o morador de rua e, de repente, mudavam de idéia, a
diversos extratos sociais, começaram a se mobilizar e iniciou-se o episódio
em franca desobediência ao édito administrativo, sempre com uma
considerar que eles fazem parte da cidade, havia gente que só queria fazer
que ficou conhecido como “Praia da Estação”. O “vá-de-branco”, embrião
organização espontânea, auto-financiada e cooperativa. A terceira edição,
ali um xixizinho - que ninguém aguenta segurar além da conta – e havia
da “Praia”, convocava os cidadãos a trajar o branco e se manifestar contra
em 2011, reuniu mais de 600 desobedientes, com a presença constante
gente que se agregava aos outros para se manifestar e depois se rebelava
a proibição. Em janeiro, pleno calor de verão, o branco foi desvestido em
da Guarda Municipal e da Polícia Militar, inicialmente a sugerir que
por achar que estava tudo muito organizado e com lideranças intoleráveis.
sungas e biquínis, na convocação para se ocupar o grande largo como se fora
se retirassem e, no fracasso da admoestação, a observá-los, aliás, como
Eram todos uma grande família de rua, tolerante e intolerante, fraterna
uma praia, “de maneira divertida, lúdica e aparentemente despretensiosa”,
ocorrera desde a primeira vez. Quando não se conseguia realizar os shows
e briguenta, com gente de bem e ovelha negra, como toda a família
afinal estavam ali todos os ingredientes de uma boa praia: sol, água e
na própria praça, utilizavam-se os baixios do Viaduto Santa Tereza como
compartilhando o mesmo lar.
muito espaço livre, além, é claro, de gente se relacionando, rodas de violão
espaço alternativo, porque, por não ter muros, uma praça que se preze
A vida das ruas fez renascerem os prédios, ou foi o contrário? Daqui onde
e batuque, peteca e um bom debate sobre a proibição do prefeito. Era o
sempre vaza para as ruas da cidade.
estou fica difícil enxergar os bastidores, mas penso que a definição de
dia 16 de janeiro de 2010 e, junto com a praia, inaugurava-se oficialmente
Os movimentos acabaram por gerar desdobramentos oficiais. Após apenas
quem veio primeiro efetivamente não importa, pelo fato de que rua e bares,
um jeito contemporâneo de posicionamento político, acéfalo, horizontal,
duas semanas da primeira “Praia”, em 29 de janeiro de 2010, a Prefeitura
rua e lojas, rua e espaços culturais se complementam mutuamente. Isto é
anônimo, acolhedor de todo tipo de causas, multi-intencionado e, parece,
criou uma comissão especial para revisão do decreto que, em maio, foi
cidade, isto é praça. Em 2010, na esteira da praia e embalado pelos duelos,
bastante eficiente, tanto que, no ano seguinte, marcaria profundamente
“aperfeiçoado” com novos critérios e regras para a utilização da Praça, tais
nascia o cabaré Nelson Bordello, que viria a ser o legítimo sucessor do bar
a vida nacional com as grandes manifestações populares durante a Copa
como seu cercamento, limitação do número de eventos e participantes e
que existira há poucos anos no prédio da Estação, ampliando ainda mais
das Confederações, batizadas por alguns historiadores como as “jornadas
cobrança de um valor caução, para o caso de danos ao patrimônio público.
o público frequentador a várias tribos urbanas, com shows de diversos
de junho”. O endereço não era particular, mas de todos: “pracalivrebh@
Era a privatização instituída e, por isto, com a chegada do verão de 2010,
gêneros e preços “generosos”, cuja varanda era a própria rua, os pontos
gmail.com” e os que eram individuais, de e-mails personalizados, eram
em dezembro, as praias foram retomadas. Não era novidade para mim, já
cobertos do transporte coletivo, apresentando a vantagem adicional de
compartilhados pelo perfil @pracalivrebh no Twitter e publicados em
que desde sempre me apresentei em traje de banho, como a propugnar,
abrigar o samba mesmo quando o bar estava fechado. No mesmo ano,
diversos blogs da cidade. Como a “praia” passou a se repetir todos os
ad aeternum, o uso público do lugar.
ao lado do Bordello, entrou em cena o Teatro Espanca que, na prática,
sábados, até maio, a água dos repuxos foi cortada, mas os “banhistas”, que
Enquanto se realizavam as tratativas oficiais, as diferentes tribos e gentes
se apresentou como um grande centro cultural alternativo, com shows,
já iam ao local com boias, máscaras de mergulho, toalhas de piquenique,
que frequentavam aqui em volta construíam seus pactos. Vendedores de
feiras, cinema, pocket-shows, recitais ou qualquer nome que se queira dar
esteiras, guarda-sol e outros apetrechos apropriados, não se abalaram,
droga respeitavam os que com eles nada queriam, assaltantes só roubavam
a essas manifestações da cultura.
contrataram caminhão-pipa para o necessário componente de uma boa
quem desse muita bobeira, policiais faziam vista grossa para muita coisa
A dinâmica da cidade fecha e abre bares, oferece lojas e as troca segundo
praia: água para se refrescar. Esta parecia ser uma das vantagens da
e só agiam sob demanda específica ou, vez ou outra, para manter a
conveniências do destino, mas os movimentos se sucediam, pois o show
praia artificial, se falta mar, qualquer água é possível e bem-vinda, o sal,
moral, moradores de imóveis reclamavam e toleravam, alternadamente,
deve continuar e o preço da liberdade é a eterna vigilância, conforme ouvi
indispensável a qualquer boa água marinha, ficava a cargo do labor dos
gostavam e não gostavam sem uma frequência definida, moradores de
em diferentes tempos, dito por diferentes grupos. A Ocupação sucedeu
108 | Monumento à civilização Mineira (1930) a Praia e o Eventão. Com o cuidado de se chamar encontro e não evento
que articulam esses eixos urbanos, onde estariam os espaços a serem
retratadas em meu pedestal. As lutas são outras, os processos são diversos,
para não ferir susceptibilidades oficiais, a Ocupação continuou com a
recuperados e onde os índices construtivos seriam majorados como
continua a haver injustiça de ordens variadas. Sigo sendo quase o mesmo
dinâmica de shows, com a mobilização via Internet e a promoção de
forma de pagamento do investimento privado. Pelos debates iniciais
monumento à civilização mineira, com a diferença que, a cada geração,
comunhão da Família de Rua. Enquanto os meios oficiais, via Fundação
que ensejaram sua formação, a comissão deveria ser representativa da
agrego outras camadas a meu bronze.
Municipal de Cultura, procuravam integrar a Família e as instituições
multiplicidade dos agentes que atuavam na região, de forma a garantir seu
constituídas em um projeto batizado de “Corredor Cultural Estação
caráter e sua diversidade, evitando-se a exclusão social. Assim, a comissão
das Artes”, a Ocupação corria por fora, sem apoio oficial, atenta aos
apresentava, em sua composição, além dos tradicionais membros ligados à
desdobramentos da pista e, como mobilização constante, pronta para
administração municipal, também representantes de movimentos sociais,
agir quando necessário, como nas discussões e obras de restauração do
de comerciantes, de moradores do entorno, da população em situação
Viaduto Santa Tereza, em fevereiro de 2014, com a atualização de nome
de rua, dos esportes urbanos, da mobilidade e acessibilidade, além da
para “Viaduto Ocupado”, ao suspeitar que as reformas não atenderiam as
tradicional representação dos arquitetos. A comissão se reuniu durante
reivindicações da Família.
vários meses e buscou fornecer subsídios para uma equipe de arquitetura,
O “Corredor Cultural Estação das Artes” surgiu frente à notícia de
apresentada pela Prefeitura e que se responsabilizaria pelo projeto de
que o Governo Federal, através da intermediação do IPHAN, liberaria
reabilitação urbana do trecho, dentro das diretrizes por ela propostas.
recursos para ali serem aplicados, dentro do chamado PAC (Programa
Convém notar que as diretrizes não se restringiam apenas a intervenções
de Aceleração do Crescimento) dos Centros Históricos. A proposta
físicas, mas a toda uma gama de iniciativas e novidades para o “Corredor”,
da Fundação nascera a partir desta motivação, mas também buscava
tais como implantação de política pública para o atendimento à População
reconhecer os movimentos populares que aqui se realizavam, além de
de Rua, desburocratização de uso do espaço público, realização de Plano
integrar os mais de 20 equipamentos e instituições ligadas à área e que se
Diretor Participativo para o conjunto, destinação do estacionamento da
instalavam desde a Avenida dos Andradas, na altura da Rua Varginha, no
Rua Aarão Reis para mercado de uso popular e, é claro, reformulação do
Bairro Floresta, até o Parque Municipal e a Rua Sapucaí, e que tinha como
decreto que regulamentava o uso da Praça da Estação. Apesar de tudo isso,
objetivo “mudar o visual e fortalecer a vocação artística da área central da
nem o projeto arquitetônico se mostrou coerente com as proposições e
cidade”, além de implantar, nos antigos galpões da Rede Ferroviária, a
nem as ações propostas de gestão do espaço urbano se efetivaram, o que
“Escola Livre de Artes”. Tudo isso deveria ficar pronto para a Copa de
acabou não tendo muita importância, porque os recursos também não
2014.
chegaram, pois a instrução superior era que eles não seriam liberados para intervenções em vias públicas, mas se restringiriam aos imóveis da
Os trabalhos se iniciaram a partir da criação de uma comissão cujo
União ali existentes.
objetivo era estabelecer diretrizes para o projeto de requalificação urbana que aqui se faria como primeira medida para obtenção dos prometidos
O recurso não chegou, as obras não se realizaram e a região da praça
recursos. A instalação desta comissão se deu em um cenário de fortes
continua em processo, aberta à apropriação que se faz à revelia deles e aos
suspeitas, já que a região inteira estava incluída em outra iniciativa de
inúmeros planos que para ela ainda hão de ser feitos. Eu, por minha vez,
planejamento municipal, a operação urbana de recuperação de espaços
continuo aqui, impassível, a observar tempo e gente, testemunha muda
públicos municipais, denominada “Nova BH”, e que se estendia pelos
da história dos homens a constituir seu processo civilizatório em meio a
eixos norte-sul e leste-oeste da cidade, nas áreas lindeiras às avenidas
embates e descobertas, a construir continuamente cenas dignas de serem
| 109 * O Conjunto Paisagístico e Arquitetônico da Praça Rui Barbosa (Praça da Estação) é constituído pela Praça, seus jardins e esculturas e o perímetro descrito no processo de tombamento. Inclui os prédios da Estação Central, da antiga Estação Ferroviária Oeste de Minas, os Dormitórios e Armazéns da Estação, a Casa do Conde de Santa Marinha, o Edifício Chagas Dória, a antiga Serraria Souza Pinto e os prédios da UFMG (antigo Instituto de Química, antigo Instituto de Eletrotécnica e antigo Pavilhão Mário Werneck), além dos viadutos da Floresta e Santa Tereza. Definiu-se para o conjunto uma altura máxima para novas edificações em 12 metros. O tombamento estadual do conjunto foi homologado pelo Decreto nº 27.927, de 15 de março de 1988, e está inscrito no Livro I, do Tombo Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico, número de inscrição XXIII, página 04v; e no livro do Tombo das Belas Artes, número de inscrição XLIV, página 08.
* O serviço municipal de proteção ao patrimônio cultural de Belo Horizonte foi instituído em 1984, com a criação do Conselho Deliberativo do Patrimônio Cultural do Município, pela lei municipal nº 3802. O CDPCM-BH é o órgão responsável pela proteção do patrimônio cultural de Belo Horizonte. Composto por representantes da sociedade civil organizada e de órgãos e instituições públicas, reúne-se uma vez por mês, quando são analisados e deliberados os processos de inventário, tombamento, registro imaterial, registro documental e as propostas de intervenção nos conjuntos urbanos protegidos. Todo o aparato de proteção ao patrimônio tem fulcro na competência jurídica estabelecida pela Constituição Federal de 1988: art. 23, incisos III e IV, art. 30, inciso IX, combinados com o art. 216, inciso V e §1º, e pela Lei Orgânica do Município de Belo Horizonte de 1990: art. 167 e art. 168, caput; encontrando-se em plena consonância com as normas contidas no Decreto-Lei nº 25, de 30 de novembro de 1937; no Decreto-Lei nº 84, de 21 de dezembro de 1940: art. 133; no Decreto nº 80.978, de 12 de dezembro de 1977; na Lei Municipal nº 3.802, de 06 de julho de 1984; no Decreto Municipal nº 5.531, de 17 de dezembro de 1986: art. 8º, incisos I, II, III, IV, XI, XIII, XIV, XXI, XXII, XXIII, XXV; e na Lei Municipal nº 7.165, de 27 de agosto de 1996: art. 11, inciso III, art. 12, inciso IV, art. 13, inciso II, art. 14, art. 15, caput e parágrafo único, e art. 16; Lei Municipal 7.166, de 27 de agosto de 1996: art. 60 a 64, e art. 66, inciso V; no Decreto Municipal nº 9.470, de 23 de dezembro de 1997: art. 2º, inciso I, letra m.
110 | Edifício Chagas Dória (1934)
Edifício Chagas Dória (1934)
| 111
N
o desenvolvimento arquitetônico de nossa belíssima capital moderna, encontrávamonos, quando fui criado, em nova fase, quando se verificava cada vez mais a substituição das casas velhas, de inspiração passadista, de final de século, hors de la mode, por
um estilo finalmente adequado aos novos tempos, baseado na Exposition internationale des Arts décoratifs et industriels modernes realizada em Paris, em 1925. Orgulho-me de ser um arauto desse esprit nouveau que, finalmente, fez jus à pujança de uma cidade moderna e em franca expansão cultural e
desenvolvimentista.
Em uma cidade com um plano à primeira vista pouco convidativo, onde o acentuado paralelismo de
ruas
criava
uma
monoformidade monótona e monocórdica, tornou-se muito importante que se pontuassem por toda essa urbe novíssima edifícios como eu, dotados da mais viva vitalidade, como se concebido nas mais altas esferas da verdadeira arte. Fui parte de um seletíssimo e pequeno grupo de arranha-céus que, ao longo dos quarteirões ab origine do centro da capital, se ergueram, entre as décadas de 1930 e 1940, com uma “volonté d’imposer sa griffe en evidence au-dessus de la cité, au-dessus des autres marques commerciales” , gigantes que, juntos, encomendaram nada menos de 70 contos em elevadores! Nasci da mesma estrada de ferro que trouxe o progresso, fruto das companhias de trem, tendo sido batizado com este nome em homenagem ao Sr. Chagas Dória, fundador da Caixa de Socorros dos Empregados da Estrada de Ferro Oeste de Minas, cujo busto em metal se encontra em meu hall nobre. Chamam-me de futurista e me veem comprometido com “a beleza da velocidade” de Marinetti, porque meus adornos lembram conjuntos de “pontes que parecem acrobatas gigantes que transpõem rios, cintilantes ao sol com um lampejo de facas” ou são como um “voo suave de aviões, cujas hélices esvoaçam ao vento como uma bandeira”. Sou sim, isso tudo, meu pó de pedra efetivamente brilha ao sol como uma faca cortando o horizonte da cidade vergel, e meus planos verticais, em ondulações rítmicas, apontam para o céu, aviões e bandeiras soltos no ar. Tenho potência, vitalidade,
Edifício Chagas visto do final do Viaduto Santa Tereza, observando-se na rua sapucaí e alguns automóveis na avenida Assis Chateaubriand. Acervo MHAB/Fundação Municipal de Cultura
112 |
| 113 sou uma máquina feita para abrigar o trabalho do homem ou, como diria
cerca é o passado, ainda mais naquela quadra de tempo em que surgi,
o eminente arquiteto franco-suiço Charles-Edouard Jeanneret-Gris,
para espanto de todos. Naquele momento já apontava a Belo Horizonte
alcunhado Le Corbusier, ou como se expressaram Prampolini, Pannaggi e
futura, cumprindo seu destino de ser sempre moderna e vanguardista.
Paladini, jovens protagonistas do Segundo Futurismo, em maio de 1923: “a
Superei frágeis e tímidos arranha-céus como o pioneiro Ibaté e prenunciei
Máquina se torna a fonte inspiradora para a evolução e o desenvolvimento
o grandioso Acaiaca e o enorme Sulacap, alertando a cidade sobre o
das artes plásticas (...) a Máquina hoje imprime o ritmo da grande alma
cumprimento de sua missão de se tornar uma skyscraper-city. Construímos,
coletiva e dos vários indivíduos criadores. A Máquina marca o cadenciar
em conjunto, de fato, o tempo futuro, marcado pela produção industrial,
do canto do Gênio. A Máquina é a nova divindade
pela altura e pela velocidade. O santuário do
que ilumina, domina, distribui as suas dádivas e
deus Aarão, a partir de nós, foi marcado pelo
pune, nesse nosso novo tempo futurista”.
reino de Mercúrio, tornando profanos todos
Alfredo Carneiro, o engenheiro que me projetou
os edifícios que nos cercavam e substituindo
no início da década de 30, não foi de fato meu
as funções menores pela presença do capital
autor. Foi, antes, um portador dessas novas idéias,
e sua força, pela presença da indústria e do
um médium, porque essas idéias não pertencem
comércio, sirenas substituindo sinos, dinamismo
a um homem, mas a toda uma civilização e se
substituindo a passada lenta passadista. Sinal
materializam porque elas têm força própria para
de um novo tempo, indício de uma nova era,
existir e têm de existir, no grande plano divino do
adoradora da rapidez, lisonjeadora do máximo,
Deus racional que projetou a escala do tempo. O
Plinio Codognato - Aquarela sobre papel Fiat 806 corrida (1927)
urbanisme en hauteur foi a grande solução para as
veneradora da quantidade e da opulência. Surgi, portanto, no momento em que a cidade
cidades, anunciada no momento em que nasci e que até hoje vem se
cumpria finalmente seu destino e em que a presença ferroviária era
mostrando eficiente e característica desse modo de vida que o homem
celebradíssima e altamente respeitável. Junto comigo, que nasci sobre
escolheu para seu futuro. Dizem que somos egocentrados e que temos
os auspícios e por causa da Rede Ferroviária, em 1936, nasceu também
tendências totalitárias, ou que é impossível sermos belos individualmente,
uma grande valorização da Praça da Estação, quando causou furor
mas só quando vistos em conjunto com outros de mesma estirpe, criando
a inauguração da Fonte Luminosa “Independência”, projetada por
uma espécie de “urbanismo artístico”. Quanta tolice! Se somos belos em
Antônio Corrêa Beraldo e instalada em um de seus cantos. Funcionava
conjunto, tanto mais belos somos individualmente, ou alguém, ao me ver,
regularmente aos domingos, mas era quotidianamente simbólica do
ao me fruir, não reconhece a grandeza de meus gestos, a pujança de meus
momento pelo qual passava a cidade e de sua relação com o trem.
ritmos, a imponência da minha presença entre Sapucaí e Paraopeba? Visto em minha vizinhança, sou como um comandante de regimento que
Da minha posição, à cavalera na cidade, sempre observei a vida e as
se destaca em sua tropa, que, por meu porte e forma, me imponho e
transformações que se processaram na Praça e no resto da paisagem
mereço o respeito e a admiração de meu povo.
urbana, seu pano de fundo. Vi-a ser pontuada cada vez mais por outros
Não me distingo apenas pelo porte, é bom que se reforce, mas porque,
arranha-céus, no vertiginoso progresso belorizontino. Mas via também o
enquanto minha vizinhança se queda estática, eu tenho movimento e
footing da Praça da Estação, esta uma espécie de síntese da cidade com
existo em constante tensão com quem me cerca. Sim, porque quem me
seus diversos estabelecimentos comerciais e industriais convivendo com
114 |
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Ficha Técnica Endereço:Rua Sapucaí, 571 Data da Construção: 19234 Arquiteto: Alfredo Carneiro Santiago (presumido) Tombamentos: Estadual (1988) e municipal (1996)
O Edifício Ibaté (arquiteto Ângelo Murgel, 1933), situado à Rua São Paulo, 498, quase esquina com Avenida Afonso Pena, é considerado o primeiro “arranhacéu” de Belo Horizonte, apesar de ter apenas dez andares. Já o Edifício Acaiaca (arquiteto Luiz Pinto Coelho, 1943), que se posta magnanimamente na esquina da mesma avenida com as ruas Espírito Santo e Tupis, com mais do dobro da altura deste primeiro, se apresenta como nosso principal arranha-céu déco. Já o conjunto Sulacap/Sulamérica (arquiteto Roberto Capello, 1941), que ocupa toda a quadra formada pela Avenida Afonso Pena, Rua da Bahia e Rua Tupis, é uma das principais obras protomodernas da cidade, cuja implantação, criando uma bela praça urbana e uma especial visada do eixo do Viaduto Santa Tereza, se constituiu em marco de integração edifício-cidade, até que esta situação foi obstaculizada pela construção de um anexo em toda a extensão da Avenida Afonso Pena, nos anos 1970.
Vista a partir do Edifício Chagas Dória para a Praça da Estação.
zonas do baixo meretrício. São outra coisa as cidades que não o lugar de
esqueço – e a da Sapucaí, se prestaram a várias atividades, e quando,
convívio das diferenças? São outra coisa as cidades senão o lugar onde as
na virada do século XX passei a ser considerado cult (merecidamente,
pessoas se juntam para produzir e trocar, ou para gozar da fonte de seus
penso eu), abriguei funções burocráticas ligadas à cultura, a Fundação
lucros em diversões coletivas e solidárias? São outra coisa as cidades do
Municipal de Cultura, que orgulhosa e solenemente recebia as pessoas
que o contraste entre as massas informes e as celebridades, tão necessárias
na minha esquina aberta e acolhedora, encaminhava-as aos meus belos
entre si, uma a contraparte da outra? Em algum outro lugar se exerce
elevadores que, por sua posição central, os conduzia às minhas alas.
tanto o anonimato e a vigilância? A nova cidade desse tempo celebrava a
Sempre funcionei e sempre fui belo: passaram-se os anos, mudaram-se
conquista da civilização, se afirmava como o locus por excelência da vida
os gostos, mas permaneço admirado por todos. Sou um ícone da cidade,
humana e a Praça explicitava isso com suas diferenças e sua frenética
o velho Flash Gordon ou um ninja samurai ou um foguete, prédio em
atividade. Cotidiano mecanizado, novas tipologias edilícias, diversão para
chamas, brilho diamantado, sempre arauto do futuro.
as massas, novos serviços para novas necessidades, finalmente saíamos
Trecho da avenida Afonso Pena, na altura em que faz esquina com rua dos Carijós e São Paulo. À direita, o Edifício Ibaté em construção. Acervo MHAB/Fundação Municipal de Cultura
Edifício Acaiaca
Edifício Sulacap/Sulamérica
das cavernas. As populações cresciam, a Floresta, meu bairro, deixava de ser uma velha periferia para absorver cada vez mais gente que morava de maneira moderna, em constante sintonia com a cidade, ao invés de usar a casa como abrigo e esconderijo. Durante minha vida fui muitas coisas, o que só vem provar a utilidade das plantas modernas, abertas, funcionais, flexíveis. Minhas duas alas, a da Paraopeba – desculpem-me, hoje é Assis Chateaubriand, sempre me
* Roberto Franck foi um excepcional crítico de arte e arquitetura que escreveu na Revista “Perspectiva (litteris et artibus)”, editada por J. W. Carsalade, em meados da década de 1940. Muito da forma literária aqui utilizada e mesmo várias expressões vêm dos seus escritos, de onde selecionamos este trecho: “Mas – “tempora mutantur”. E, quando, no próximo ano, em dias de festa de já ativíssima preparação, Belo Horizonte celebrar o primeiro cinquentenário da sua construção num terreno, há meio século, quase deserto, a cidade se apresentará num vestido mais suntuoso ainda.” (“Urbanismo, Arte e Arranha-céus”. In: Seção Ronda Artística, Revista Perspectiva, julho de 1946, p. 50)
116 | Edifício Sede da RFFSA (Década de 1910)
Edifício Sede da RFFSA
(Década de 1910)
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N
este momento miro o pôr do sol desde a grande varanda da Rua Sapucaí. Tenho muitas e diferentes janelas para observar a cidade e o sol e por isso o faço também de várias maneiras. São janelas com sobrevergas dotadas de cimalhas em gola
reversa e frisos com aba, em cimalha reta ou com arquitraves em ferradura, com ou sem frisos, com detalhes ornamentais figurativos ou simplesmente geometrizados, em arcos plenos com ou sem cimalhas, às vezes com aduelas, às vezes com medalhões, todas entre marcações dos pilares dotados de capitel ornamentado e caneluras e detalhes geométricos em seu fuste, com ou sem parapeitos marcados e, neste caso, em falsa balaustrada, ou também geometrizados, finalizados ou não por cornijas, ressaltadas na volumetria, que às vezes se sustenta em duas falsas mísulas. Mais perto da esquina, ergue-se minha torre, cuja base é guarnecida por pavimento térreo, volume de contorno oitavado, quase uma bay-window. No alto dela, tenho minhas ventanas mais discretas, as menores em tamanho e as mais singelas em forma, espremidas mesmo entre cornija e entablamento em sequência horizontal que, abaixo do telhado, sob o beiral, estende-se em linha ininterrupta a reafirmar o limite superior, integrando os capitéis das pilastras que, em pirâmide invertida de ornamentação tripartida, dissimulam-se nesta cimalha, como se a sustentassem. Tal expressão recatada das aberturas é como uma expiação quanto a essa posição superior, evitando retirar a força das verdadeiras estrelas, as grandes aberturas que, sob mim, explodem em exuberância de formas e geometria, clássicas como devem ser, estruturadas em um grande vão ladeado por outros, menores em tamanho e largura, cuja única função é realçar a pujança da esquadria central que se ergue no eixo simétrico, encimada por verga em arco pleno guarnecido por frisos em diferentes planos de relevo e com aduela central em curvas e contracurvas. Se, abaixo do andar superior, no segundo pavimento da torre, são assim os meus olhos, no restante desse nível eu me abro de forma mais simplificada, porém não menos bela, em meio a requadros verticais em massa, também em espaço horizontal definido por fortes cornijas. Por esses olhos, logo abaixo do topo, vejo um céu em fim de tarde, abóbada que descende em azul apenas manchado de amarelo, duas cores que, neste primeiro momento do anoitecer, nunca se misturam em verde, amarelo-gualdo a criar um véu por sobre o azul entre o azul-celeste e o azul-pombinho, em franca busca de outros azuis mais escuros, entre marinhos e azulóios. Um pouco mais abaixo, no primeiro pavimento - e na sequência do percurso descendente do astro-rei - minhas janelas se desfraldam sob os medalhões ornados em motivos florais e marítimos que compõem as minhas vergas em gola invertida, alegremente fazendo brincar as flores, cordoalhas e nós com o amarelo quase champanhe com que nos brinda o sol em
118 | Edifício Sede da RFFSA (Década de 1910) direção a seu nadir. São flores e conchas, a princípio inertes, que recebem seu colorido diretamente dele, em seu movimento de descida e mergulho, completamente oposto ao meu, de torre que se dirige ao céu mais alto, mas que, no encontro de nossos movimentos, se animam, ganham vida, fazendo pétalas se soltarem da parede e cordas a balançar como se soltas ao mar. É pelo movimento do sol que meus ornatos se animam, é por seus raios que eles ganham cores, é em nosso diálogo que mutuamente existimos. Das janelas do térreo, arquitraves severas porque retas, mas adoçadas por iconografias de igual fatura às das minhas irmãs de cima, miro, a seguir, os dourados que não estão no horizonte, mas que, a partir dele, tingem todos os objetos da cidade e fazem com que nada mais seja cinza, verde, rosa, pó-de-pedra, ladrilho ou massa, tudo passando a ser áureo, como se toda a rua fosse esculpida de uma mesma rocha aurífera. O Eldorado, finalmente e a cada dia, se revelando por aqui, no lugar que fica entre as Minas e os Gerais. Como a transição da tarde, é assim a vida. Ela não se resolve nem nas partidas nem nas chegadas, nunca nos começos, onde é maior o temor e a perplexidade, nem nos finais, onde nada há mais a fazer, mas nos interstícios, nos meios, também no miolo da pedra, onde o traço do metal precioso brilha, protegido, ou que aparece na bateia, quando o fluxo na metade do rio da vida deixa suas marcas. O dourado no meio das Minas Gerais, no meio da vida, em minha existência média, antes do ocaso. De minha base, em pedra basáltica de corte irregular e rejunte em massa ressaltada, janelas em arco abatido, verga curva marcada por aduelas também em pedra - mas aqui com corte regular - vejo a cena seguinte a partir do rés-do-chão. Trata-se de uma visão privilegiada, onde o sol parece mais vermelho, no precioso momento em que atinge o limite entre a clara existência da manhã e o nada da noite que chega, lembrando-nos que a morte pode ser salpicada de estrelas e que a vida tem a fugacidade de um único dia. É com essa cor base que é tingido o verde que se espalha desde o meu encontro com o chão, onde eu suporto a massa
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vertical de tom claro que se ergue, ataviada e altaneira e que, apesar de
públicos de baixo escalão, imigrantes e, estendendo-se em direção a Santa
que levaram o imperador ferroviarista, D. Pedro II, a promulgar uma lei,
toda a sua virtuose neobarroca, necessita de meu peso e força para existir.
Efigênia, os militares de baixa patente e a comunidade negra, tudo isso
em 1835, que incentivava as empresas privadas a investir nas ferrovias,
O vermelho se apresenta, então, em profusão de tons, todos em festa
mesclado a casarões e chácaras de famílias
iniciativa de que bem se aproveitou o
de plena transmutação, como a celebrar o momento do dia em que esta
mais ricas em pontos mais privilegiados. Todo
Barão e Visconde Mauá em sua concessão
qualidade do viver se apresenta com mais vigor. Cereja, amaranto, coral,
este deslocamento habitacional abriu espaço
para construção e exploração da primeira
alizarina, persa, castanho, cardeal, carmesim, bordô, laranja, magenta,
para que a Rua Sapucaí se tornasse o grande
ferrovia brasileira ligando o Rio de Janeiro
rubi, terracota, vermelhão, scarlet, veneziano, cornalina, sangria, carmim,
terraço que é hoje e de onde acompanhei
a Petrópolis através da locomotiva Baronesa,
falu e borgonha, cor de rosa vermelha, de bico de tucano, de pedra rubi
a expansão da linha férrea, desde seus
de certa forma parente próxima de nossa
rubra preciosa, cor de sangue que se derrama, em passo lento e em minha
primórdios, em todas as suas transformações
Mariquinha e prima daquela que exibo em
direção, primeiro sobre a cidade, depois sobre a Sapucaí, sobre meu
de trem a metrô, e os diferentes veículos de
meu jardim frontal. No entanto, como a E.F.
gramado e, finalmente, sobre mim.
transporte coletivo, desde o ancestral bonde,
Mauá não se manteve financeiramente, mais
Mais tarde, precisamente em 1946, ganhei janelas ainda mais altas, quando
que partia da Praça da Estação até a Praça Rio
tarde se tornou a E.F. D. Pedro II e, em 1855, a
Raffaello Berti criou outra torre de nove andares, déco, bem ao lado da
Branco, inaugurado em sete de setembro de
E.F. Central do Brasil.
minha, fazendo dialogar duas eras no compasso da ascensão. Depois, no
1924 pela Companhia de Eletricidade e Viação,
Nessa história, Minas quase perde o trem:
último quartel do Século XX, no mesmo impulso existencial de se criar
desaparecido em 1963, até ao BRT Move,
foi só a sexta província a inaugurar a estrada
passando pelo inovador trólebus, nascido em
de ferro, já na década de 1860, quando
1953 e falecido em 1969, e passando ainda
a E.F. D. Pedro II alcançou os limites de
Mas, voltando ao meu corpo quase inicial e aos meus olhos de criança, a
pelo metrô de superfície, inaugurado em 1982,
seu território e se inaugurou a primeira
minha visão original finalmente se alargava nas amplas varandas que se
até aos banais ônibus urbanos convencionais
estação em nossas terras, a Paraibuna, em
instalaram em meu centro, rasgadas em paralelas ao horizonte, no fundo
movidos a combustível fóssil. Essa visão foi
1874, graças aos esforços continuados de
de meu recôncavo, meta de quem me adentra pela fraternal e acolhedora
facilitada especialmente porque, além de
dois grandes mineiros, Mariano Procópio e
escada que para os bem-vindos se abre. São tiras guarnecidas por
ser o portal de entrada de Belo Horizonte, a
Honório Bicalho, os quais, depois de mortos,
balaustradas e por pilares seccionados através de elementos geométricos
Praça sempre foi o abrigo de pontos finais de
reencarnaram em estações de subúrbio. Este
que, aplicados em seu fuste, quase os transformam em papiros nascidos
bondes e trólebus, ao mesmo tempo em que
pouco honroso sexto lugar se deve ao fato
em chão de calçada portuguesa. Por elas esqueço o movimento do sol
viu crescer o tráfego de automóveis e ônibus,
de que o primeiro objetivo das ferrovias era
para me concentrar na mobilidade da vida, afinal nasci sob o signo de
a despeito de já existir na cidade, desde 1941,
abrir uma saída para o litoral, razão pela qual
Mercúrio, no vazio causado pela velocidade do trem, no terraço primaz do
uma rodoviária com 105 linhas de ônibus
ficamos
belo horizonte, de onde se observa a cidade em todas as suas direções e
regulares de transporte intermunicipal.
província do Rio de Janeiro, depois da de São
olhos para melhor se ver, a torre modernista propunha outro jeito de observar, por janelas em fita entre vigas horizontais de concreto aparente.
Vista das fachadas lateral e frontal do edifício que abrigou o Escritório Central da Ferrovia Oeste de Minas. Acervo MHAB/Fundação Municipal de Cultura
os trilhos que lhes conferem sentido. Dessa posição vi a cidade se mover.
dependentes, primeiramente, da
Paulo, e por fim do Espírito Santo e da Bahia.
O Bairro Floresta era ainda o lugar daqueles que não tiveram lugar no mais
Sou filho do trem. Ferroviário de sangue. Foi
Superada essa primeira dependência, restava-
interior da nova capital. Já em 1895, antes portanto da sua inauguração, a
um longo caminho histórico ascendente até
nos achar nosso próprio caminho que, como
Rua Sapucaí abrigava a Favela Alto da Estação que, em breve tempo, cedeu
mim e, depois, em breve período, uma longa descida. Meus ancestrais
se sabe, por ser a linha de trem sempre amiga do rio, é junto a ele que
são fáceis de identificar, estão temporalmente bem perto, desde 1828,
encontra seu leito natural e mais fácil. Não seria diferente por aqui, onde
quando começaram os primeiros empreendimentos férreos no Brasil e
o caminho mais evidente seria o Rio das Velhas, passando, portanto, longe
lugar aos novos - e também excluídos - moradores do bairro, trabalhadores da construção civil, comerciantes, caixeiros viajantes, funcionários
Vista da fachada da Praça da Estação, ao fundo vê-se o Edifício Sede da RFFSA. Acervo MHAB/Fundação Municipal de Cultura
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de Ouro Preto e ameaçando ainda mais sua hegemonia como capital
em frente a mim, em 1920, inaugurada às pressas para receber a realeza
estadual, já meio combalida. A linha acabou chegando por lá, mas só com
belga, cuja vocação siderúrgica era a base do ferroviarismo. Consolidava-
algum esforço político, posto que, de início, buscou a garganta divisora de
se por aqui a centralização administrativa necessária a uma coordenação
águas do Rio Paraopeba com o Rio das Velhas, descendo para Itabirito e
mais racionalizada e que justificava a necessidade da construção de uma
Sabará. Assim, embora perto da nova capital, ainda em 1894, e já sendo
sede, razão pela qual vim ter a este mundo.
necessária para as obras da Nova Capital, a ferrovia encontrava dificuldades para aqui chegar. O entroncamento com a Estrada de Ferro Central do
Com o passar dos anos, algumas fusões se tornaram forçosas, até mesmo
Brasil acabou acontecendo no lugar denominado Arrudas, na bacia do
porque a hegemonia do transporte sobre trilhos começava a se perder.
ribeirão de mesmo nome, tributário do Velhas, na estação que passou a se
A Estrada de Ferro Oeste de Minas e a Rede Sul-Mineira e Paracatu se
chamar “General Carneiro”. Como a margem direita do Arrudas era mais
uniram para constituir, em 1931, a Rede Mineira de Viação. Alguns anos
acidentada devido aos contra-fortes da Serra do Curral e do Marzagão,
mais tarde, ao final dessa década, o governo Vargas iria fundir 37.019 km
e dos profundos vales onde correm Acaba-Mundo, Serra, Taquaril,
de ferrovias brasileiras, o que facilitaria ao Governador de Minas Gerais,
Tombadouro, Freitas, Manoel Luiz e Marianno Alves, assentou-se a linha
Juscelino Kubitscheck, na primeira metade dos anos 1950, devolver à
na margem esquerda, que não exigiria grandes obras, segundo estudos
União algumas ferrovias então ainda sob a responsabilidade do governo
do engenheiro José Carvalho de Almeida, da Comissão Construtora da
mineiro, entre elas a Rede Mineira de Viação que, em 1953, passaria ao
Cidade de Minas. Foi assim que, com bitola de um metro entre os trilhos,
regime de Autarquia Federal, tornando-se a mais extensa do sistema
vencendo uma diferença de nível de 142 metros e desenvolvendo-se na
viário brasileiro, com seus 3.882 km, dos quais 729 em bitola de 0,76 m e
extensão de 14.852 metros, finalmente inaugurou-se, em sete de dezembro
o restante em bitola métrica.
de 1895, a Linha do Centro, ramal que incluía a Estação Central da Cidade
O auge das fusões aconteceu na data de 16 de março de 1957, com a criação
de Minas, a de entroncamento (General Carneiro), com o material rodante
da Rede Ferroviária Federal S.A., através da coalizão de 18 ferrovias. Em
calculado para permitir o tráfego até Conselheiro Lafaiete.
1965, a R.M.V., juntamente com a E.F. Goiás e com a E.F. Bahia e Minas
O período entre 1908 e 1914, quando fui construído, muito a propósito,
transformaram-se na Viação Férrea Centro-Oeste e, em 1969, na Quinta
marcou o auge das construções ferroviárias em Minas e no Brasil, com a
Divisão Centro-Oeste da RFFSA. Em 1976, passou a ser chamada de
presença das estradas de ferro Leopoldina, com sede em Londres, Rio e
Superintendência Regional 2, com sede em Belo Horizonte. Manteve-se
Minas, a Rede Mineira de Viação, (mais extensa que a Central, abrangendo,
assim até o ano de 1996, quando, dentro do programa de desestatização
além de nosso Estado, também Rio de Janeiro, São Paulo e Goiás), a de
da RFFSA, foi incorporada pela Ferrovia Centro-Atlântica (FCA), que faz
Morro Velho, que ligava Nova Lima à E.F.C.B., criada para atender a St.
parte do grupo Vale. Este foi um dos resultados da política de privatizações
John d’El Rey Mining Co Ltd, a E.F. Mogiana, a E.F. Goiás e a E.F. São Paulo
do Governo Brasileiro iniciado em 1990 e que teve a RFFSA incluída em
e Minas Gerais. A linha da Estação Ferroviária Oeste de Minas, ligando
1992, culminando com sua transferência para o setor privado entre os
Belo Horizonte a Carmo do Cajuru, foi aberta em 1911, e depois prolongada
anos de 1996 e 1998. Lembro-me até hoje da melancólica data de 31 de
até Garças, em 1916. Em 1917, embora com pouco tempo de vida, vi nossas
agosto de 1996, último dia de funcionamento da SR-2, quando pararam
linhas se expandirem à região Oeste de Belo Horizonte, com a criação
de circular, nos dois sentidos entre Ribeirão Vermelho e Barra Mansa, os
das estações do Jatobá, do Barreiro, da Gameleira e do Calafate. Foi esta
trens diários de passageiros com carros de primeira classe para até 58
pujança que ensejou a construção da belíssima Estação da EFOM, bem
lugares e de segunda classe para 76 passageiros, além do restaurante para
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30 pessoas e o carro bagagem. Finalmente, em 7 de dezembro de 1999,
do Ministério das Cidades ou, através de convênios com prefeituras
é tão dinâmico? Por ser popular? Por ter perdido freguesia atacadista
a RFFSA seria dissolvida pelo Decreto 3.277 e extinta em 22 de janeiro
municipais, transformando-se grande número de edifícios em centros
para o CEASA ou para o Barro Preto, por ter perdido suas indústrias
de 2007. Desde então nos tornamos uma nação praticamente sem trens
culturais. Quero ver o que vai ocorrer no dia em que as estações voltarem
para Contagem? Pelo aumento da criminalidade ou pela falta de vagas
a nos unir, um absurdo para um país de dimensões continentais, uma
a ser necessárias para uma nova rede de trens. Sim, porque algum dia,
para estacionar? Pelas enchentes do Arrudas? Do que estamos falando,
rendição forçada ao poder do rodoviarismo. Por consolo nos foi dado
certamente, o trem voltará e, como na inauguração da nossa Estação
afinal, se por aqui há tanta vitalidade? Esquece-se que nos baixios há um
o PRESERVE, Programa de Preservação do Patrimônio Histórico do
Central, em alguma curva do tempo, ele voltará a apitar e aquilo que fora
forte movimento de pessoas e, mesmo aqui, nos altos da Sapucaí, vi se
Ministério dos Transportes, de curta duração, entre 1980 e 1988, e que
considerado artigo do passado retomará sua dimensão de futuro.
instalarem pelo menos três faculdades particulares, Estácio de Sá, UMA
apresentava como uma de suas metas a preservação dos bens imóveis e
Por minha vez, fui destinado a sediar o Centro de Memória Ferroviária
e FEAMIG. O belorizontino me reconhece como lugar onde começou a
da memória ferroviária e portuária no Brasil, e o PRESERFE (Programa
e, para tanto, estou sendo recuperado. É melhor do que o destino
cidade e ainda como uma de suas portas de entrada, como grande espaço
de Preservação do Patrimônio Histórico e Memorial Ferroviário), ligado
errante de quem, em pouquíssimo tempo, já foi sede da Ferrovia Centro-
de integração de seus cidadãos, de qualquer classe social, mas também
à Superintendência de Patrimônio da União - SPU. Paralelamente, a
Atlântica, escritórios da Companhia Vale do Rio Doce, Unidade Regional
como área de passagem, nó de ligação leste-oeste e sul-norte, sempre a
sociedade civil e os ex-ferroviários - se é que se consegue ser “ex” em meio a
de inventariança da antiga RRFSA, sede mineira da Minas da Serra
exigir investimentos, sempre a superar sua herança decadente recente,
tanta paixão - lutavam arduamente para soerguer o transporte ferroviário,
Geral Grupo Vale, da Aliança Geração de Energia S.A., URBEL e até
sabendo que, se há gente pobre ou moradores de rua, isto não significa
sob a liderança e apoio do Movimento de Preservação Ferroviária, fundado
Consulado-Honorário da República da Indonésia. Mas, ao final, parece
decadência, mas uma forma mais generosa de se conceber a cidade que
em 1997, e que teve Victor Ferreira como seu principal líder.
que, de patrimônio material ativo e operante, passei à dimensão diáfana
deve ser de todos.
A ferrovia é um dos principais personagens da História Brasileira
da memória. Do ferro ao papel. Eu que vendia passagens para o futuro,
tornaram centros de cultura ou templos, trilhos que levavam longe e
e sua brutal extinção foi traumática para a nação e seu povo. Ela fora
ofereço agora bilhetes para o passado.
agora levam perto, ponto de troca de modos de transporte de passageiros.
responsável por disseminar povoados e criar cidades, por aglutinar
Mas meus trilhos continuavam, obstinadamente, a perseguir o futuro.
Desde sempre grandes investimentos viários foram por aqui realizados.
comunidades e unir pessoas distantes, por aqui fora fundadora, junto
Com a criação da Região Metropolitana de Belo Horizonte em 1972,
Inicialmente com respeito à transposição das linhas férreas, que o digam
com a mineração, de um dos pilares da identidade mineira. A rapidez
tornava-se necessário integrá-la e, para tanto, o Governo Federal criaria,
os viadutos da Floresta e Santa Tereza, depois, na minha vizinhança
com que tudo ocorrera nos deixara atônitos e sem reação inicial. O
em 1975, a Empresa Brasileira de Transportes Urbanos (EBTU), que viria
imediata, visando atender também os veículos rodoviários, com o
governo, em 2007, tentou minimizar seus atos com algumas providências
a ser sucedida pela Companhia Brasileira de Transportes Urbanos, CBTU.
Complexo da Lagoinha. Parecia-me que eu assistia mais a transformações
relacionadas ao patrimônio ferroviário, tais como: a transferência dos
Começava a nascer o Trem Metropolitano, hoje em franca operação e em
no espaço público do que nos imóveis particulares. Enquanto a cidade
ativos operacionais arrendados para o Departamento Nacional de Infra-
lenta expansão, responsável por pouco mais de 5% do total de passageiros
se autodestruía, na demolição de seus antigos edifícios, a região da
Estrutura de Transportes – DNIT, a transferência dos bens móveis e
que utiliza diariamente o sistema de transporte coletivo na RMBH. Faço
Praça se mantinha impassível, enquanto a metrópole se verticalizava,
imóveis de caráter histórico e artístico ao Instituto do Patrimônio Histórico
eco com pichação que vi alhures: “cadê nosso metrô?”.
o horizonte da Praça permanecia em mesmo nível. Quais as razões?
e Artístico Nacional – IPHAN, e, também a este último, foi repassada a
A nova possibilidade criada pelo aproveitamento dos trilhos como metrô
Prédios mantidos por serem propriedade de famílias tradicionais ou
responsabilidade de realização de inventário desses bens, que passaram a
de superfície se associou ao vasto patrimônio material criado pela ferrovia
com pouca atratividade comercial da área? Pouca gente morando? Por
gozar de proteção especial pelo órgão. São cerca de 14.785 itens, em estado
e suas consequências urbanas, indústria, comércio e atração de pessoas,
volta do ano 2000 eram apenas dez por cento do centro da cidade, nem
de conservação os mais diversos, sendo muitos deles abandonados ou em
passando a mostrar com clareza a vocação do grande largo urbano abaixo
um milésimo da população de Belo Horizonte. Hotéis decadentes pela
condições precárias de preservação. As áreas não operacionais passaram a
de mim, chamado de Praça da Estação – ou Rui Barbosa, se preferirem
extinção de viajantes, que nos primeiros tempos chegavam pela única
se destinar a programas de regularização fundiária, habitação de interesse
– lugar de encontro entre mobilidade urbana e cultura, esta de caráter
porta da cidade? Eles se reduziram a apenas 14 pontos de hospedagem
social, com o aproveitamento para realização e implantação de projetos
popular e espontâneo, motivada por aquela e pelas amplas possibilidades
na virada do milênio e os outros tantos tornaram-se 38 motéis e seis
de regularização fundiária e revitalização de centros urbanos, através
que a substituição de usos causara: grandes indústrias vazias que se
cinemas exibindo filmes pornográficos. Comércio decadente por que, se
“Integrar” passou a ser o lema da Praça desde que o trem assumiu sua vocação metropolitana e desde que os primeiros brados em defesa da praça se fizeram ouvir, no começo dos anos 1980. Integrar gente e seus modos de origem e destino. Gente em seus mais diversos movimentos seja de ir e vir – ou de ficar – seja em suas formas de exercer seu direito à cidade. Desde a reforma da Praça ao final dos anos 1990, a Rua Aarão Reis passou a abrigar, além do Trem Metropolitano (de gestão de órgão federal, a CBTU), linha circular municipal de integração (a cargo da BHTRANS, desde 1991, quando foi criada, gestão municipal), parte dos BRT’s metropolitanos e linhas de ônibus metropolitana (a cargo do estado, da Secretaria de Transportes e Obras Públicas), sempre com o objetivo de ligar estes instrumentos de circulação, o que vem se efetivando com a criação do saguão B do trem Metropolitano em subsolo articulado à estação de passageiros, em frente ao Edifício Central, em 2006 e 2007 e, mais recentemente, em 2014, com as estações do MOVE na Avenida Santos Dumont. É certo que a mobilidade urbana ainda tem muito a avançar. Em vários aspectos. Seja na criação de rotas alternativas ao tráfego de passagem na área central – 40% do movimento de veículos que trafegam por aqui não
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se destina à região, mas à interligação de outras zonas urbanas - seja na
e depois ao centro, com o gradil acompanhando seus passos. Fui eclético
gestão integrada dos modos de transporte. Novamente somos o epicentro
neobarroco, déco e moderno. Fui sede de vários organismos. Presenciei
dessas questões, a rota alternativa de ligação entre bairros - a Rota Leste
uma transformação sem par na história dos transportes, minhas inquietas
envolve os viadutos da Francisco Sá e da Floresta, este apontado para
janelas nunca configuraram um ritmo único e observam uma cidade
duplicação nos diversos planos diretores urbanos - e as ações de gestão
mutante em disciplina instável.
integrada combinam o trem e o ônibus que aqui se unem. Mesmo o
Não vou ficar parado, portanto. A bordo do trem metropolitano vou a
transporte sobre trilhos, minha última esperança de futuro, ainda tem
oeste, Lagoinha, Carlos Prates, Calafate, Gameleira, Vila Oeste, Cidade
muito a avançar, afinal, pela reduzida capacidade de suas composições
Industrial, até Eldorado, e adiante, por onde a linha me levar; vou a norte,
e seu traçado viário, ele ainda não atende direito a Área Central,
Santa Efigênia, Santa Tereza, Horto Florestal, Santa Inês, José Cândido,
principal destino das viagens no período do pico da manhã. Somente
Minas Shopping, São Gabriel, Primeiro de Maio, Waldomiro Lobo,
quando ele se assumir efetivamente como eficiente corredor troncal, de
Floramar, Vilarinho e depois ao Centro Administrativo e cerrado adentro;
elevada capacidade, através da ampliação da oferta do sistema de trem
mas vou ainda mais longe, hoje, pelo Trem da Vale, Dois Irmãos, Rio
metropolitano e com linhas alimentadoras distribuídas ao longo das
Piracicaba, João Monlevade, Desembargador Drumond, Antônio Dias,
estações do sistema, especialmente em minha vizinhança, ele se exercerá
Mário Carvalho, Intendente Câmara, Frederico Sellow, Periquito, Pedra
em plenitude. Mesmo assim ainda depende de nossa sociedade priorizar
Corrida, Governador Valadares, Tumiritinga, São Tomé do Rio Doce, Barra
o transporte coletivo em relação ao individual e a outros modos de
do Cuieté, Conselheiro Pena, Resplendor, Itueta, Aimorés, Baixo Guandu,
deslocamento que não apenas o automóvel. Quero bicicletas e pedestres
Mascarenhas, Colatina, Piraqueaçu, Aricanga, Fundão, Pedro Nolasco,
também. Quero a cidade se movimentando de várias formas.
depois sempre mais longe, em busca de novos lugares e de novos tempos.
É pura ilusão quem me vê como um imóvel. Por natureza sou ligado ao movimento. Desde quando fui construído permaneço em mutação. Comecei conformado em “L” na esquina das ruas Sapucaí e Tapuias, depois ganhei outra perna e me conformei em “U”, poucos anos depois ganhei outro grande bloco, mais alto, na Rua Tapuias. Mais tarde, outro volume ainda mais vertical me foi agregado, totalmente em contraste com a concepção de massa que caracterizava as duas composições anteriores, por possuir panos de vidro, brise, jardineiras curvilíneas, uma leveza inusitada se comparada ao peso visual de minhas formas anteriores. Minha forma original, que se resumia a dois pavimentos, ganhou um terceiro. Tive espaços laterais vazios progressivamente ocupados. A princípio, amplieime junto à divisa lateral em direção à Estação da EFOM, agregando-me em mais dois volumes, o primeiro recuado em relação à minha fachada da Sapucaí, o segundo mantendo esse alinhamento e espelhando-a, prolongando-se para os fundos. Minha entrada era na esquina, passou a ser no centro do “U”, depois se fez pelos outros prédios, voltou à esquina
Ficha Técnica Endereço: Rua Sapucaí, 383 Data da Construção: Década de 1910
“Mas há luzes no fim dos túneis. Vozes se levantam contra o sucateamento de nossa malha ferroviária. Movimentos e entidades surgem e atuam, nas diversas regiões, protestando contra o abandono do trem, o descaso com o patrimônio público ferroviário, os descaminhos de um transporte sem rumo. Com um detalhe alvissareiro: a causa já não é mais uma luta exclusiva dos de ferroviários de profissão ou de preservacionistas apaixonados. Outros segmentos de nossa sociedade, como a comunidade acadêmica, estão agora na luta, protestando contra os descalabros e propondo ações concretas para recolocar o Brasil na linha.” (Victor Ferreira, 1943-2012, em 2010)
Arquiteto: Não identificado Tombamento: Municipal (1996)
PROJETO QUATRO ESTAÇÕES/ 2002 (Prefeitura de Belo Horizonte) OBJETIVOS: - Sintonizar os interesses de preservação do patrimônio com usos para atividades culturais e de lazer e a vocação da área para integração de sistemas de transporte; - Consolidar a praça como local de atração de moradores e trabalhadores da região, mas também do morador da metrópole; - Tornar a região referência ambiental com vitalidade de usos; - Abarcar os usuários atuais e receber novos, de várias classes sociais e com vários interesses, de forma que a diversidade e a multiplicidade de usos sejam a principal garantia de convivência segura e harmoniosa.
PlanMob-BH – Plano de Mobilidade de Belo Horizonte/ 2008-2013 (BHTRANS) OBJETIVOS: 1. Tornar o transporte coletivo mais atrativo que o transporte individual, tendo como meta ampliar o percentual de viagens em modos de transporte coletivos em relação ao total de viagens em modos motorizados; 2. Promover a melhoria contínua dos serviços, equipamentos e instalações relacionados à mobilidade; 3. Promover a segurança no trânsito; 4. Assegurar que as intervenções no sistema de mobilidade urbana contribuam para a melhoria da qualidade ambiental e estimulem o uso de modos não motorizados; 5. Tornar a mobilidade urbana um fator positivo para o ambiente de negócios da cidade; 6. Tornar a mobilidade urbana um fator de inclusão social. A rede estruturante multimodal de transporte coletivo, proposta no PlanMob-BH, compreende os sistemas de média e alta capacidade, operados por diferentes tecnologias (BRT, Metrô, VLT etc.), alimentada pelo sistema de ônibus convencional e pela rede cicloviária.
128 | Hotel Itatiaia (1950)
Hotel Itatiaia (1950)
| 129 Quando cheguei por aqui, em 1950, a Praça já era outra, pelo menos foi o que me relataram.
mais carros, maior a riqueza da população! Nada mais abjeto do que rios
um pequeno conjunto de estabelecimentos comerciais e de serviços: a
Fui uma aposta no boom imobiliário, em um lugar que mudava sua vocação. Ocupava a
correndo a céu aberto, águas só servem para transportar esgotos e, no
Empresa Progresso (serviços de mensageiros, transportes e despachos),
frente majestosa de um dos principais cartões postais de uma cidade em franca expansão,
período de chuvas, provocar o transtorno das inundações!
a Confeitaria Americana, a Farmácia e Drogaria Comércio, a Empresa
próximo aos pontos finais dos bondes e, logo, de seus sucessores, os trólebus, que já
Hoje me pergunto como em breve tempo parecemos ter perdido o
Minerva (papelaria e tipografia), duas firmas de bilhar, uma loja de loterias,
começavam a chegar ao final da década. Esse tipo de veículo, que funcionava a eletricidade,
rumo, embriagados que ficamos pelo progresso científico positivista
bar, barbearia, e a redação de um vespertino, o Jornal de Minas. Minha
tinha uma vantagem em relação aos bondes: transportava muito mais gente, necessidade
preconizado no final do Século XIX e que se estendeu inexoravelmente
capacidade de residência permanente ou temporária, prestação de serviços
imperiosa de uma cidade que não parava de crescer, apresentando, entre 1950 e 1970, a
em BH até os anos 1980. Foram menos de cem anos, mas o suficiente para
e comércio seria muito maior com meus 12 andares e 48 apartamentos,
maior taxa de crescimento do país, saindo de 352 mil almas em 1950 para 1,25 milhão em
desequilibrar o planeta. Também hoje me pergunto se afinal superamos
além dos andares reservados a hotelaria, lojas e escritórios. Assim me
1970. Não deixa de ser irônico, hoje, que tenhamos substituído a propulsão elétrica pelo
essa mentalidade urbanizadora, sobretudo porque de minhas janelas
configurei ao longo dos anos: meus dois primeiros pavimentos destinados
combustível fóssil e agora estejamos fazendo esforços para voltar à eletricidade. Disseram-
ainda vejo obras muito parecidas com aquelas do século passado, como o
ao comércio, do terceiro ao sexto ao funcionamento de escritórios de
me que o mundo dá muitas voltas, mas não esperava que essas voltas acontecessem tão
recente Boulevard Arrudas, em pleno segundo milênio.
empresas de planos de saúde, além de alguns apartamentos compactos
rapidamente, como também não esperava um crescimento populacional tão grande em tão
que, nos anos 1950 e 1960 - tão americanizados! - eram chamados de
pouco tempo. Imagino que tampouco meus criadores tinham essa consciência.
quitinetes. Do sétimo ao último andar, os apartamentos residenciais. Entre os anos 1950 e 1980, no pequeno mercado receptivo belorizontino, reinei como um de seus mais luxuosos hotéis.
Claro que a cidade não estava preparada para tal vertigem e por isso faltava tudo o que era básico: tínhamos crises constantes de abastecimento de água, coleta de lixo insuficiente,
Família posando na Praça da Estação em frente ao referido prédio na década de 1960. Foto bhnostalgia.blogspot.com
esgotos correndo pelas ruas, inundações abundantes, enquanto, por outro lado, sobrava
Sempre tive, portanto, muitas janelas para ver e muita gente por mim
gastrenterite, esquistossomose, hepatite, loteamentos clandestinos, aglomerados de sub-
circulando. Muita observação e muita informação. Por essas janelas
habitações, desemprego e construção/destruição. A solução para tantas mazelas: urbanização
que um dia certamente virão abaixo, eu, que não mais acredito em
total, apesar da falta de recursos.
permanências e continuidades, vi o mundo mudar, a sociedade mudar,
Nasci grande, o país pensava grande,
um rio desaparecer, trens de ferro se evaporarem, carros se juntarem e
as soluções deveriam ser grandiosas,
escafederem-se, estátuas caminharem e irem morar em outros lugares,
urbanização total! Por esses anos,
muita gente e pouco carro, muito carro e pouca gente, ônibus chegarem
urbanizar
pavimentar,
e partirem, árvores em terreno natural e árvores em asfalto, prédios se
canalizar, criar autopistas, exportar
autodestruírem e depois se recuperarem, viadutos que parecem mudar
significava
a moradia de gente pobre para as
Quando me incluo no grupo que parece ter perdido o rumo, não o
de lugar, gente chic, gente pobre, muito movimento, muita solidão, várias
periferias, cortar árvores em busca
faço retoricamente, mas de fato. Nasci majestoso, como atesta meu
moedas, todo tipo de comércio, gente de todo tipo, tamanho, raça e
do progresso, domesticar ainda mais
primeiro nome, Hotel Internacional, para mudar mesmo a realidade de
credo, gente sóbria e gente bêbada, alguns perto de Deus e outros dele
a natureza. Nada mais belo do que o
minha quadra que vinha se arrastando humilde desde 1912, pelo menos.
completamente afastados – ou que pelo menos assim se acreditavam -,
asfalto, terra suja muito! Nada mais
Paradoxalmente, poderia até mesmo adotar o anúncio do primeiro hotel
muito dinheiro ou muita pobreza, voltas, voltas, voltas, muitas voltas em
pujante do que a industrialização,
instalado na Nova Capital, o Hotel Monte Verde: “Em frente e próximo da
pouco tempo, vertigem, tontura. Muita mobilidade para um imóvel!
chaminés são sinais de progresso!
Estação de Minas”. Mas, em pouco tempo me vi vazio e decadente, desse
Nada mais rico do que automóveis
modo, como não repensar a existência? Da prancheta dos arquitetos
Como disse, logo que vim a este mundo a cidade passava por um grande
particulares por largas ruas, quanto
Raffaello Berti e Shakespeare Gomes passei a existir concretamente em
processo de urbanização. A meu ver, era uma urbanização que lhe roubava
130 | Hotel Itatiaia (1950)
| 131
Fachada principal e lateral esquerda do Hotel Itatiaia, localizado entre os quarteirões da avenida Santos Dumont e rua dos Caetés. Acervo MHAB/Fundação Municipal de Cultura
132 | Hotel Itatiaia (1950)
| 133 revelava, em ato falho, menos a homenagem aos três irmãos que tanto
a contribuição de tanta gente, com tanta área impermeabilizada às suas
tornou ainda mais definitivo, enquanto dure, esperamos (hoje, de novo
lutaram pela Independência e mais a ânsia de esconder o ribeirão, como
margens, com tanta destruição de matas ciliares e ocupação desordenada,
a poesia nos socorre, grato, Vinicius). Em 2005, foi iniciada nova obra
se fosse possível que o véu de um nome pudesse ocultar a realidade,
logo sua calha precisou ser rebaixada, não suportava mais o volume de
viária, dentro de um sistema de mobilidade urbana mais abrangente
embora esta seja, até hoje, atitude que se constitui em firme crença dos
água que lhe acorria. Recebia o despejo de tantas construções a suas
denominado “Linha Verde” e que busca realizar a ligação leste-sul, ao
humanos. Já em 1895, realizavam-se as primeiras canalizações em Belo
margens e, por sua vez, as destruía.
norte da Região Metropolitana, com mais agilidade, abastecendo o novo Centro Administrativo do Governo do Estado e o Aeroporto de
Horizonte, no córrego do Acaba Mundo e no Ribeirão Arrudas e, três anos
Panorama da Praça da Estação em 1946. Em primeiro plano vemos o Ribeirão Arrudas e a Ponte Davi Campista, primeira construída na nova capital (1896). Em segundo plano aparecem o Hotel Avenida, demolido nos anos 1970, e a construção do Hotel Itatiaia. Acervo MHAB/Fundação Municipal de Cultura
a urbanidade, mas quem sou eu, beneficiário direto dessa urbanização e mero edifício entre tantos (embora nos primeiros anos me considerasse um portento), para contestar tanto esforço dos seres humanos? Não cabe à criatura contestar seus criadores, penso eu, ou pelo menos, pensava. Primeiro foi o rio. A cidade parecia nunca ter gostado dele. Mas não se enganem, não era só o meu rio, o Arrudas, mas todos os outros da cidade que, via de regra, deveriam ser enterrados. Talvez fosse uma tradição nacional, pois nas cidades brasileiras os rios sempre correm nas suas partes dos fundos, afinal só servem para carrear para alhures os restos que elas produzem. O Arrudas era exposto demais, participava demais da vida urbana, uma festa para a qual não fora convidado. Erro de Aarão Reis ou da natureza (esta tão inconveniente, às vezes...)? Talvez dos dois, da natureza que insistia em fazê-lo correr e de Aarão por ter previsto, em seu plano, a Avenida do Canal, cuja mudança de nome para Andradas
mais tarde, implantava-se o canal entre a Avenida Tocantins e a Estação
Se ao longo do caminho se desmantelavam
Confins, revalorizado com a proibição de voos
Arrudas, abrindo-se, em 1929, o primeiro trecho da Avenida dos Andradas,
favelas e construções mais singelas, a Praça
regionais a partir do Aeroporto da Pampulha.
a partir da canalização de seu ribeirão, iniciada em 1914. Sem dúvida era
da Estação e adjacências também sofriam
A obra, inaugurada em 2007, no trecho
uma cidade que prezava a hygiene, conceito caro ao seu criador, mas,
com as enchentes. Depois da primeira
entre a Alameda Ezequiel Dias e a Escola
apesar da construção, logo de início, de um sistema de abastecimento de
grande inundação de 1923, desde 1928 foram
de Engenharia da UFMG, minha vizinha,
água, a solução de esgotamento sanitário era mesmo o Rio Arrudas, onde
mais de duzentas. No dia do aniversário da
aproveitara as vigas para receber uma laje que,
foram colocados coletores sanitários. O prosseguimento da canalização se
cidade, em 1977, um presente às avessas: nove
por sua vez, recebia novas pistas de rolamento
daria, em 1935, nos trechos entre as Ruas Rio de Janeiro e Tupis e Avenida
mortos, 17 feridos graves, 23 desaparecidos
e um grande alargamento de calçadas, com
Tiradentes e Rua Tupinambás. Assim, a avenida que nascera apenas
e isolamento urbano. Dois anos depois, o
novo paisagismo. A cidade trocara um rio
para ligar a Estação à Avenida Tocantins, hoje Assis Chateaubriand –
Parque Municipal ficou alagado, carros foram
por pistas e passeios. A leste, a via buscava
novamente trocando um rio por um nome humano - ganhava dimensão,
arrastados e as lojas da Avenida dos Andradas
reintegrar a Câmara dos Vereadores, exilada
prolongando-se entre a Avenida do Contorno e o Parque Municipal, já
foram invadidas pelas águas. Parece que só os
preconizando a supressão do verde - pra que tanta natureza, meu Deus? -
lojistas sonegadores acharam pontos positivos
e a drástica redução de sua área, que se daria ininterruptamente nos anos
no episódio: “perderam” todos os seus livros-
vindouros. Afinal, se se suprimia um rio, por que não suprimir árvores,
caixa. Em 1983, dois dias após o início do ano, a favela conhecida como
no antigo campo do América Futebol Clube.
que é muito mais fácil? Além de tudo, o rio ainda apresentava caprichosas
Sovaco de Cobra, às margens do Arrudas, desapareceu. Foram 70 mortes
A cidade fizera clara opção pelo modelo rodoviarista associado ao progresso,
curvas, o que não ficava bem em uma cidade de ruas tão largas e ruas
e muita destruição, inclusive a da nova ponte do Perrela.
abolira os trens e fizera da produção de automóveis um dos carros-chefe
Lama proveniente da enchente do Rio Arrudas na Avenida do Contorno com Rua da Bahia em frente ao prédio da Escola de Engenharia da UFMG. Acervo Escola de Engenharia/UFMG
do Centro há décadas e, por que não, também facilitar o acesso a um novo espaço comercial, o Boulevard Shopping, inaugurado em 2010
de sua economia. Fizera a opção por uma urbanização supressora de
tão retas, aqui não cabia o passo torto do poeta e nem as idiossincrasias das águas. Retifiquem-se os cursos d’água, derrubem-se árvores para
As obras de alargamento e rebaixamento da canalização não poderiam
áreas verdes e cursos d’água para combater a sede dos automóveis por
orientar o trânsito e melhorar os pontos de embarque do trólebus (1958),
esperar mais. Era a “única e definitiva solução”. E tinha que ser drástica:
vias de circulação. Desprezara os pedestres e nem lembrara que existiam
substituam-se as pontes (em 1923, a ponte Davi Campista foi reconstruída,
22 metros de largura e nove metros de profundidade. Para uma obra
bicicletas. Impermeabilizara todo o solo urbano para que não sobrasse
em maiores proporções, pela Cia. Construtora de Cimento Armado, e
de engenharia desse porte, fazia-se necessário um travamento superior
vestígio de nosso passado rural, para que a sombra de nosso atraso não
novamente em 1973), substitua-se graciosa balaustrada por moderna e
do canal com vigas de concreto, já antecipando a possibilidade da sua
nos alcançasse. Se isto se explicava nos anos 1960 e 1970 - vá lá, até o final
insípida amurada de concreto (1983), a partir do Perrela, canalize-se em
cobertura definitiva. Até o Bairro Boa Vista, a obra se completaria em
do Século XX - ainda se justificaria em pleno Século XXI? Talvez fosse
direção ao centro (início, 1980), canalize-se em direção a Sabará (1981-
1987, com a retirada das populações ribeirinhas. Depois, a partir de 1992,
tarde demais para voltar atrás, parecia ser o mote da sociedade. Talvez seja
1997).
ela se estenderia até o Bairro São Geraldo, chegando a Sabará.
tarde demais para voltar atrás, ecoa-se até hoje. Talvez seja tarde demais para voltar atrás?
O problema é que um rio é mensageiro de outras plagas, não se segmenta e não respeita trechos de jurisdições oficiais.Vindo de tanto lugar, recebendo
Como já se anunciara, e apesar da virada do milênio, o definitivo se
Mas de onde parte a voz que origina o eco do “talvez seja tarde”? Até
134 | Hotel Itatiaia (1950) 1988, partia da única fonte que soava, a da Ditadura, burocratizada e tecnocraticamente planificadora, sem que se ouvissem sons discordantes. Lentamente o cenário foi mudando, a participação social se tornou mais efetiva e presente. Opiniões contrárias e resistências começaram a surgir. Para mim, tudo aquilo era muito desconcertante. Quando as primeiras manifestações começaram a ocorrer bem defronte a minha fachada, não entendia direito o que era aquilo. Temia aonde poderíamos chegar com elas. As questões que eu imaginava meramente técnicas, exatas, sem discussão, passaram a não ser bem assim, alternativas poderiam ser aventadas. A solução ortodoxa de canalização de córregos como receptores de esgotamento sanitário passara a ser fortemente suspeita. A preocupação com o meio ambiente e com a sustentabilidade, que viera ganhando força, passara a questionar as canalizações desde os anos 1990 e eu só observando daqui a defasagem entre discurso e prática (como são curiosos esses humanos...). Itatiaia em tupi-guarani significa pedra cheia de pontas. Minha arquitetura
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Ficha Técnica Endereço: Praça Rui Barbosa, 187 Data da Construção: 1950 Arquiteto: Raffaello Berti e Shakespeare Gomes. Tombamentos: Municipal (2004)
A Praça da Estação de Belo Horizonte - 1982 Carlos Drummond de Andrade Duas vezes a conheci: antes e depois das rosas. Era a mesma praça, com a mesma dignidade, O mesmo recado para os forasteiros: esta cidade é uma promessa de conhecimento, talvez de amor. A segunda Estação, inaugurada por Epitácio, O monumento de Starace, encomendado por Antônio Carlos São feios? São belos? São linhas de um rosto, marcas da vida. A praça da entrada de Belo Horizonte, Mesmo esquecida, mesmo abandonada pelos poderes públicos, Conta pra gente uma história pioneira. De homens antigos criando realidades novas. É uma praça – forma de permanência no tempo. E merece respeito. Agora querem levar para lá o metrô de superfície. Querem mascarar a memória urbana, alma da cidade Num de seus pontos sensíveis e visíveis. Esvoaça crocitante sobre a praça da Estação O Metrobel decibel a granel sem quartel Planejadores oficiais insistem em fazer de Belo Horizonte Linda, linda, linda de embalar saudade Mais uma triste anticidade.
não é tão irregular, talvez as pontas sejam a multiplicidade de usos a que me propus ou os espinhos que tive de enfrentar por toda a minha vida e aqueles que ainda vou enfrentar, curiosa correção de rumos em relação a meu primeiro nome. Hoje já não sei mais como prever o futuro, coisa que era banal nos idos dos anos 1950, quando nasci, graças à certeza da ciência. Nem sei ainda direito quanto a meu próprio futuro, embora ações de recuperação já se tenham iniciado e outras se anunciem. Parece que vou durar mais que os carros que vêm e vão da Praça da Estação, pode ser que veja ressuscitarem os córregos. Não tenho certeza de mais nada.
* Segundo o Portal da Transparência da Copa 2014, a implantação do Boulevard Arrudas tinha como objetivo melhorar as condições de mobilidade, priorizar o transporte coletivo e criar espaços de circulação de pedestres. Foram efetuadas a recuperação estrutural da laje de fundo, paredes e estrutura de recobrimento do canal e criadas novas pistas para o transporte coletivo, sendo implantados ainda elementos paisagísticos, ciclovia e viaduto de transposição da linha férrea, em uma extensão total das obras de 3,5 km.
136 | Serraria Souza Pinto (1913)
Serraria Souza Pinto (1913)
| 137
M
inha primeira existência, eu a vivi entre 1913 e 1997. Período em que conheci esplendor e decrepitude, período em que me vi sorrir e morrer, para depois reencarnar ainda em vida, glória que só se reserva aos edifícios e é negada pelos
deuses aos seres humanos.
Vista da fachada principal da Serraria Souza Pinto, construída em 1913. Seu estilo eclético é complementado pelo belo letreiro em ferro com o nome do estabelecimento. S/a, anos 1920 (?). Acervo APM.
Nos idos de 1913 fui o primeiro estabelecimento da nova capital destinado ao beneficiamento da madeira e à comercialização de produtos para a construção civil, ambas missões muito importantes para a cidade que nascia a um ritmo já acelerado de substituição de paisagens. Era tão clara a minha importância que fui o primeiro estabelecimento industrial da capital a ter um desvio ligando-o à via férrea da Central. Fotografias de Antônio Garcia e Paiva (esquerda) e Augusto de Souza Pinto (direita), fundadores da Serraria Souza Pinto, primeiro estabelecimento do tipo na nova capital. Ambas s/a, 1910. Acervo MHAB/Fundação Municipal de Cultura
Comecei como serraria modesta e uma loja denominada “A Industrial”, que já funcionava um pouco antes na Rua da Estação, de propriedade do coronel Antônio Garcia de Paiva. Mas foi com a chegada do construtor português Augusto de Souza Pinto que se constituiu a sociedade Garcia de Paiva & Pinto, responsável pela venda de materiais para construção ou reformas de edifícios da capital e, em indústria de serraria, a Serraria Souza Pinto, nome gravado em minha fachada e que até hoje ostento com muito orgulho e fidelidade às minhas
138 |
| 139 origens.
proporções do corpo, conhecimento que Alberti ratificara na Renascença
Quando a sociedade empresarial se instituiu, meu corpo ganhou um
e que Corbusier, já em pleno Século XX, resgatara com a novidade tão
impulso notável. Passei a ocupar uma área de 3.600 m², minha ossatura
antiga de seu modulor, as medidas humanas como unidade de projeto.
se fez em estrutura de ferro belga e a minha fisionomia em estilo eclético,
Sabe-se também que nossas semelhanças não se restringem apenas
como convinha àquela época. Meu organismo se dividia em seções de
às proporções coincidentes, mas em nossa constituição mais profunda,
serraria, carpintaria, pedreira e construção, tudo isso impulsionado por
em nossa organização e em nossa relação entre as partes, ou, como diria
um coração constituído por um motor a vapor e uma completa instalação
Francesco di Giorgio, no setecentos italiano, em seu Trattati di architettura,
de transformadores, onde grande contingente de seres humanos fazia
ingegneria e arte militare: “A mim parece que a cidade, a fortaleza e o
vascularizar a produção por todo o meu corpo.
castelo devam ser formados de acordo com o corpo humano, e que a cabeça
Toda essa ordenação antropomórfica não é mera metáfora, mas se verifica
tenha uma correspondência proporcional às partes apropriadas; de modo
de fato, edifícios e homens são co-essenciais, compartilham da mesma
que a cabeça possa ser a fortaleza, os braços suas muralhas adjacentes
natureza orgânica, afinal já não é sobejamente conhecido que deuses criam
e confinantes que, circundando-a por todos os lados, irão transformar
suas melhores obras à sua imagem e semelhança? Já se sabe, há muitos
o restante dela em um único corpo, uma imensa cidade”. Não é de se
séculos, que há perfeita correspondência entre corpo humano e edifícios,
estranhar, portanto, que edifícios tenham sensações, alegrias e dores, que
desde os gregos que revelaram a postura humana em suas colunas, a face
se relacionem com o mundo através dos sentidos ou que compartilhem
feminina e masculina no tratamento de suas ordens, ou de Vitruvio que,
das humanidades. Quanto a nossas diferenças, apenas compensamos
no Século I, já identificara a medida correta dos edifícios baseada nas
nossa aparente imobilidade com uma longevidade ampliada, tempo extra que os deuses também negaram aos humanos. Quando divido minha existência em duas vidas, no entanto, falo da exumação da minha carne e da sua recomposição, por se tratar de intervenção radical de alteração de carne e pele, que, conservando meu corpo, aí se processou. Falo também de uma ressistematização completa de meus órgãos internos que, antes ocupados a uma produção fabril, voltaram-se a outro tipo de função, mais sensorial, mais lúdico, tão diferente daquela seriedade dos primeiros tempos, mas que acabou por garantir minha sobrevivência. Isto não significa, no entanto, que em cada uma dessas duas vidas, meu corpo não tenha passado por transformações menores, isto é natural em homens e edifícios, afinal não só envelhecemos, como vamos incorporando em nossas feições as marcas da existência. Foi assim que recebi anexos e puxadinhos, mas também sofri a transformação dos processos de produção, a derrocada das obras em madeira pela exuberância do concreto armado que, nos anos 1940, fez iniciar-se minha lenta agonia. Até 1964, minha continuidade como serraria se deu graças à tenacidade da família Souza
140 | Serraria Souza Pinto (1913) Pinto, mas a partir daí, só consegui sobreviver como estacionamento, por causa da praga que assolou a praça nos anos 1960 e 1970, o automóvel, que tinha fome de corpos e se alastrava de forma epidêmica. Continuei decaindo, fui oficina mecânica e até abrigo de mendigos, quando, em 1978, passei a ser propriedade do Banco de Crédito de Minas Gerais, primeiro passo para minha recriação. Àquela época, no entanto, eu não tinha qualquer consciência ainda sobre isso.
Entre duas vidas há o limbo, todos sabem disso. Entre duas encarnações, há que se vagar pelo bardo, coisa que menos gente sabe. O fato de muitos ou poucos saberem não altera, entretanto, o fato de que há um necessário hiato para que possamos ir nos desapegando de nossa antiga personalidade em busca de uma outra e, se fizemos por merecer, podemos renascer com consciência mais elevada e sentidos mais apurados. Foi assim que, entre 1997 e 1998, passei por um completo processo de restauração e adaptação para uso de feiras, pela ação do Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais. O IEPHA foi o meu anjo reencarnatório, que me fez despir de minhas antigas e surradas vestes e assumir o esplendor de um grande espaço aberto à vida e aos sentidos, especialmente quando,
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142 | Serraria Souza Pinto (1913)
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em dezembro de 1998, minha gestão passou a ser feita pela Fundação
de Grafite, que só veio por aqui em 2008, minha imaginação a voar com
Clóvis Salgado.
outra presença contumaz, a Bienal do Livro. Formas, cores, pontes para diversos mundos, outros. Meu paladar a se regalar com canapés e acepipes,
A vida passou a ser uma eterna festa. Algumas vezes, na acepção da palavra:
brigadeiros e canudinhos, espumantes e cervejas, minha realidade a se
festa de casamento, de
embriagar em quantos festivais de cachaça, aprendi a ter bom gosto
formatura, de debutante
gastronômico em tantos e diversos festivais de boa mesa, com tantos chefs
ou de aniversário. Outras
e cozinheiras, com as sempre presentes barraquinhas de quitutes.
vezes, festa em forma de e
feiras,
encontros
convenções.
Meus ouvidos a escutar tanta música, de todos os gêneros, de todos os tipos,
Meu
em todos os volumes, tanta e tão variada que me reconheci profundamente
quadriculado piso em
eclético e acolhedor, seja de bandas ou de cantores-solo, com eles dancei
preto e branco a receber
e sonhei tanto. Meu olfato se perdeu em tanto cheiro, sejam os que se
todo o tipo de flores e
produziram aqui dentro, sejam os que vieram de alhures, da minha
adornos, em
vizinhança poluída ou viajante, de meu interior controlado e perfumado.
explosão
de cores e de texturas, minha visão a se extasiar com criações de moda,
Meus 5.000 m² abrigaram tanta gente que nem conto, gente que eu abracei
a movimentar-se na graça de belas mulheres, a viajar nos incontáveis
e cujos desígnios e vontades materializei sob minha generosa cobertura,
Festivais Internacionais de Quadrinhos que bienalmente me visitam, amigo
no abraço terno de minhas paredes.
constante, ou com amigos menos frequentes como a Bienal Internacional
Agora permaneço aqui, sob a reta definida do viaduto, entre praça e parque, imerso na bela Belo Horizonte, a viver porções da grande festa que, bela criação da humanidade, recebe o nome de “cidade”.
Ficha Técnica Endereço: Rua Assis Chateubriand, 809 Área: 5.000 m2 Data da Construção: 1913 Alguns eventos realizados na Serraria Souza Pinto.
Arquiteto: Não identificado. Tombamentos: Estadual (1988) e municipal (1998).
144 | Edifício Central (1966)
Edifício Central (1966)
| 145 O que nos dá vitalidade é gente nos percorrendo. Gente transporta energia daqui prá lá enquanto circula e, quando finalmente se fixa nos lugares de ficar, espalha toda essa energia que transporta. Sou muito vital. Tenho muita saúde. Abrigo muita gente e muita coisa em mim acontece. Bares e lanchonetes sou inúmeros. De todos os nomes, Família Mineira, Sabor da Praça, Destak, Xopotó, Pé de Boi, Real, Bolos de Minas, Pastel Frito. Mas se não tiver nome, como vários não têm, também funciona, o importante é vender tira-gosto, pastel, coxinha, empada, carne no molho, caldo de mocotó, torresmo, ovo cozido colorido, tropeiro, kaol, traçado, cachaça, aperitivo, marvada, pinga, água que passarinho não bebe, branquinha, aguardente, cana, caninha. Se restaurante e bar tiverem nome de gente, parece até que dá mais procedência, afinal Ana e D. Helena impõem respeito ao ambiente e garantem a qualidade dos quitutes. Há também que se celebrar o local, e tome estação e trem, seja em mim, Trem de Minas, Estação dos Pastéis, seja na vizinhança, Estação da Empada, Estação disso, trem daquilo, são tantos que dá até para imaginar o porvir, Plataforma da Cachaça, onde se deve tomar cuidado para não cair, Estação do 1,99, onde há muita promoção de pastel + refresco, Trem de comida, onde se paga um prato e se come vários, Trilhos dos Pastéis, onde se come na linha, Comboio, onde se come um excelente combo de boi, Boi no trilho, onde se deve parar para comer. E sou eletrônicos, tanto usados como novos, compro e vendo, recebo e troco, sou sebo de livros, revistas e congêneres, tenho a Playboy da Rose de Primo e de quando Vera Fischer era ainda quase uma ninfeta, conserto TVs, eletrônicas ou de válvulas, rádios de pilha, controle remoto, sou alfaiate para quem quer ficar elegante com terno sob medida ou vestido de baile reformado para festas chiques, vendo máquinas registradoras de todos os tempos, com contas antigas a acertar ou com certeiros ajustes de contos, tenho calçados para todos os pés, acredito que há um sapato velho para cada pé cansado, salto alto, salto baixo, rasteirinha, plataforma, Anabela, sapato que é pra quem quer ficar alto ou para quem quer ficar mais baixo que o namorado, e junto com os sapatos vendo bolsas, para combinar ou descombinar, que nos tempos atuais isso até dá um certo charme, bolsas para usar ou
146 | Edifício Central (1966)
| 147 continuam a imprimir, não muitas páginas que nada é eterno, mas dá pro gasto, consórcios tenho de todo tipo, de carros, casas, eletrodomésticos, TV’s de 80 polegadas, rometeater, só não temos consórcio para a felicidade, que esta não se compra, mas já estamos estudando consórcios para aproximar carentes ou para montar um grande negócio que vai fazer você rico, mas se você quiser abreviar a espera, temos loterias de todas as marcas, mineira, federal ou baú da felicidade, a paratodos ou o bicho que
só pra deixar o ladrão roubar, daquelas que se penduram ou que se leva elegantemente na dobra interna do braço, mochilas de todos os tamanhos e para quaisquer costas, pastas para cavalheiros, bolsinhas, bolsões, sacos e sacolas, vendo máquinas de costuras Singer ou similar para pessoas físicas ou jurídicas, para a vovó que só quer fazer uma roupinha para a neta ou para o sagaz empresário que pensa em abrir uma confecção no Prado, imprimo qualquer coisa, de cordel a alta literatura, propaganda do PT ou do PSDB, qualquer tipo de texto, não importa a procedência ou o teor, tenho papel que aceita qualquer coisa, a cores ou em preto e branco, livros ou reclames, suas memórias ou trago seu amado em uma semana, folheto para distribuir ou pregar no poste, só não dou garantias se alguém vai ler, vendo roupas usadas seminovas em bom estado, vestidas só por gente bem, com manchas não muito graves e que abrigaram só bons comportamentos e que trazem boas recordações e energias positivas de quem as usou, não aceito, por exemplo, roupas vestidas em encontros fortuitos ou casuais, momentos de dor ou separação, mas recebo e vendo roupas que precisam de pequenos consertos porque afinal nós todos sempre precisamos de algumas emendas ao longo da vida, mas também vendo roupas novas para senhoras e senhoritas, daquelas que fazem as mulheres ficarem mais bonitas, sejam gordas, altas, baixas, anoréxicas, magrinhas, de canela fina ou canela grossa, grávidas ou desesperadas, casamenteiras ou prafrentex, descoladas ou carolas, coquetes ou recatadas, tenho lojas de lingerie para a mulher se sentir mais bonita, mais por dentro ou para adentrar o coração do homem, soutiens de renda, meia taça ou taça inteira, com enchimento ou sem espuma, calcinhas negras ou vermelhas ou cor pele, daquelas que entram na bunda ou a cobrem totalmente, vendo cartuchos para impressoras, originais ou piratas, talvez mais piratas que originais, mas que
dá prêmio toda hora e dialoga com seu sonho, além, é claro, de realizá-lo, carimbos temos aos montes, que nada é oficial sem um bom carimbo, é só trazer o modelo que fazemos igual, de qualquer banco ou instituição, serviço discreto sem perguntas de por que ou para quê, lanrause para você se comunicar com o resto do planeta, aqui é a Estação do mundo, para você dar uma olhada no Face ou até mesmo no defunto Orkut, pra você buscar seu par ou se orientar na vida, que isto o Google pode fazer por você, tenho loja que vende tudo, carregador de celular, raquete pra matar pernilongo, conectores de todo tipo, bonecas de plástico de todas as cores e tamanhos, Barbie e Ken, a Barbie com o Ken ou o Ken sem a Barbie, caneta hidrocor que funciona e das que também não funcionam, aí depende da sorte, como tudo na vida, acessórios para celular, capinhas de todo jeito, com rendinhas, motivos florais ou com o escudo de seu time do coração, fones para todo tipo de ouvidos, até para os que nada querem mais ouvir, vendo estampas de todos as qualidades e tamanhos, ideais para decorar cartas e quartos ou para presentear a pessoa amada, autocolantes ou que colam bem em qualquer ocasião, apoiamos qualquer tipo de coleção, de caixinhas de fósforo de várias épocas ou de lembrancinhas de todos os países, só não temos coleção de selos e moedas que isto é de outra repartição, mas até aquelas coleções de insetos mortos presos em alfinetes podemos providenciar ou de autógrafos de gente famosa, desde que você não se importe, é claro, com a dedicatória ser para outra pessoa, de meias e camisas de atletas de todos os times, com o cheiro original ou lavadas, estas são mais em conta, farinhas, farinha de milho, farinha de fubá, farinha de rosca, farinha de mandioca, farinha láctea, farinha de tapioca, farinha de trigo, produtos naturais, ervas e chás, da horta da vovó ou da horta da bruxa, que levantam defunto ou curam espinhela caída, que
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dá pra fazer um bom defumador ou se comunicar com os espíritos, boas
e bonecas, jogos eletrônicos, do Atari ao Wii, vendemos discos de vinil de
para o corpo e para a alma, para cozidos ou poções, que emagrecem ou
todos os cantores nacionais e importados, de Waldick Soriano a Kiss, de
que matam, mas se não quiserem algo tão especializado, temos também o
Nelson Gonçalves a Skank, de Brahms a Fundo de Quintal.
sacolão que vende frutas, hortaliças e verduras, a granel, a quilo ou a fardo,
Também ofereço serviços. Tenho correios para você enviar encomendas,
vindas direto do CEASA ou de outras procedências, caso não lhe importe
que cartas já quase não se envia mais, tenho centro de formação artística
a fonte, bem lavadinhas, super higiênicas, biscoitos e balas, temos de todas
que é oficial, mas nem por isso, economia solidária pra você buscar uma
as marcas, Mineiroca, São Luiz, Zabet, Piraquê, Aritana, Ricco, Carrosel
ocupação que já está na hora ou vender o seu artesanato, alguém há de
Ingrid, Aymoré, Cory, Fogo de Lenha, Flopita, Paçoquita, Frutella, Mega
querer comprar, ofereço conserto de livros, porque sempre há algum
Buzzy, Arcor, Bauducco, Garoto, Bala Chita, Racine, Montevergine, Elma,
que merece, tenho estúdio e produtora de filmes, nenhuma Hollywood, é
Docile, Pachá, Fini, Plutona, Embaré, Santa Rita, carnes temos de todos
claro que sou grande mas nem tanto assim, e BH não é nenhuma Beverly
os cortes para todas as cortes, pé de boi, galopé, quartos, fraldinha ou
Hills, tenho salão de beleza para esticar ou encurtar o cabelo, para tornar
fraldão, picanha maturada ou imatura, argentina, brasileira ou paraguaia,
mais belas as pessoas ou só para fofocar, para raspar barbas e cabelos,
filé minhom ou não, suína, galinácea ou bovina, só de peixe que não,
para recortar símbolos e letras no coro cabeludo, para transformar cabelo
pois o Arrudas foi entubado, os outros rios estão muito longe e o trem
preto em platinado e a nobre missão de transformar todas as mulheres em
não chega mais ao mar, alcatra e o diabo a quatro, bebidas temos todas,
louras de cabelos escorridos, sejam elas brancas, pretas, mulatas ou sarará,
Brahma, Antarctica, Schincariol, Boêmia, cachaças da roça, de marca ou
estamos pensando até em abrir um setor de tatuagens, dentistas tenho aos
de quem quiser trazer prá vender, whisky escocês ou falsificado, para
montes que é pra ninguém ficar com dor de dente ou gengiva inchada,
quem quiser fazer economia, refrigerantes da Coca-Cola e da Antarctica,
particular ou do governo, aí depende do tipo da dor, advogado para todas
mas também guaranás de várias qualidades e frutas, Pepsi-Copla, Inca-
as causas, as justas ou as injustas, para meliantes ou gente honesta, varas
Cola, Mogi-Cola, qualquer cola, Dolly, Del Rey, Pakera, Minha Vida, Xereta,
cíveis, criminais ou da família, para aflitos ou para quem só quer atazanar o
Psiu, Marajá, Frutty, Pureza, Golé, Kuat, Piracaia, Arco-íris, Jah, Indaia,
próximo, temos serviços de pai de santo, caso o advogado não resolva ou o
Sukita, Fanta uva ou laranja, Crush, Grapette e os antigos Mate-couro e
salão não te deixe tão irresistível assim, mas se nada disso der certo, temos
Mineirinho, papelaria que vende até papel, mas que vende também todo o
também serviço funerário, porque afinal algum dia temos que descansar
material escolar de seu filho, caderno das monsterrai, do homem-aranha,
em paz de tanta coisa.
da pepapig, do batman e super-homem não temos mais, ninguém quer comprar, temos grampos, grampeadores e clips, tesouras pequenas, médias e grandes para cortar qualquer tipo de coisa, até mau olhado, lápis de cor com as cores necessárias, sim , porque há cores desnecessárias, borrachas para apagar coisas mal escritas e mesmo as bem que escritas que depois arrependemos, apontadores para afiar pontas de lápis, marcadores de texto para estragar livros, durex, fita crepe e vários tipos de cola para juntar partes de nossas vidas, vendo brinquedos de todos os tipos e para todas as idades, sem peças para engolir ou com muitas peças para sumir, quebracabeças para matar o tempo, carros para papais e filhinhos, soldadinhos
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Ficha Técnica Endereço: Avenida dos Andradas, 367 Área: Térreo: 114 lojas
1º andar: 147 lojas 2º andar: 53 Lojas 3º andar: Serviço Odontológico do IPSEMG
Data da Construção: 1966 Arquiteto: Mardonio Santos Guimarães Tombamentos: Não tem.
Um pouco da história do Edifício Central
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Ponto de referência comercial em Belo Horizonte, o Edifício Central (inicialmente Centro Comercial de Abastecimento) foi projetado em 1962 para ser um centro de armazéns de cereais e alimentos não perecíveis para distribuição e abastecimento da região metropolitana. Teve sua construção iniciada em 1963 e finalizada em 1966, quando ocorreu sua inauguração e a primeira reunião de condôminos, com formulação e aprovação da Convenção e do Regimento Interno. Localizada junto à Estação Central da Rede Ferroviária, facilitava o contato entre os produtores e comerciantes da cidade, mas sua vocação inicial foi modificada com a instalação de órgãos e entidades estaduais. Para cá vieram a EMATER e a COHAB e, com a movimentação crescente de funcionários públicos e, consequentemente, de usuários, o prédio tornou-se propício à vinda de comerciantes varejistas e de prestadores de serviços dos mais variados setores. Outras empresas públicas como a SERPRO e a PRODABEL também ocuparam e funcionaram durante alguns anos em suas dependências, o que fazia crescer em importância todo o conjunto. A passagem dos anos decretou a relevância do Edifício Central e hoje, além de contar com mais de uma centena de empreendedores, espalhados nas mais diversas atividades, nele funcionam também a Fundação Municipal de Cultura e o Serviço Odontológico do IPSEMG (Antonio Eustáquio Pereira dos Santos, síndico).
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Peixes Urbanos
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Pilar de viaduto. Viga de viaduto. Laje inferior de viaduto
Bolas de rua. Platibanda. Igreja
evangélica.
parapeito. Marquise. Portaria. Esquadria. Torre de caixa d’água.
Porta metálica. Poste. Duto de ar condicionado. Exaustor. Edifício Nunes Ferreira. Igreja evangélica. Sacada.
Balaústre. Ponto de ônibus. Abrigo de ônibus. Espera de
ônibus. Pedra
portuguesa. R e v e s t i m e n t o c e r â m i c o . Ladrilho.
Ladrilho hidráulico.
Azulejo. Tinta látex. alvenaria com reboco.
Alvenaria sem reboco. Placa. Placa de trânsito. Placa de informação.
publicidade. Muro alto. Muro
Placa de
baixo. Mureta banco de rua.
Banco de praça. Arame farpado. Cerca. Cercamento. Gradil Tronco de árvore. Galho
de árvore. Base
de prédio.
Galpão. Empena cega. Parede vazada. Brise soleil. toldo.
Lixeira.
Paraciclo. Igreja
evangélica. Guia
de cego. Cimentado.
Encosto de banco. Orelhão. Pilar. Veneziana Teatro. Calçada. Soleira. Degrau. rampa. Traffic calming. Tubo. Cano.
Ponto de luz. L u m i n á r i a .
Barrado em alvenaria.
barrado em concreto Barrado em pedra. Barrado cerâmico.
Barrado no baile. Igreja Evangélica. Santuário. Prostíbulo.
LojaConsultório. Bar. Lanchonete. Gola de árvore. Defensa
de árvore. F r i s o s .
Ornamento. Neoclássico.
Eclético. Art
Art Nouveau. Moderno. Protomoderno. Pós-moderno.
Tardomoderno. Museu.
déco.
centro cultural Estacionamento.
Balcão. Barra. Edifício Felício Rocho. Supermercado. Edifício garagem. Igreja evangélica. Estacionamento. Piso intertravado. Canaleta. Meio-fio. Sarjeta. boca de lobo. Jardineira. Sinal. Semáforo. Sinaleira. Pedestre. Parapeito.
Automóvel. Ônibus. O u t d o o r . Monumento. Estátua.
Banner. Cavalete. cone
Obra. Bandeira.
Escultura. Torre de luz. Banco de madeira. Banco de concreto. Faixa de pedestre. Pórtico. corrente Capacego. T a p u m e . Chaminé. Igreja evangélica. Casa de estação. Tijolo. Muro antigo. Muro novo. Ninfas. Hermas. Buchinho. Fonte. Espelho d’água. Grama.
Arbusto.
Gente dormindo. Gente acordada.
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Viaduto Santa Tereza
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Esse vão da ponte é uma boca aberta falando coisa que ninguém tá querendo ouvir. (...) A tentativa é de calar o viaduto. (Ludmila Zago, representante do movimento Viaduto Ocupado, em audiência pública na Câmara Municipal, 2014) Quem quer ver os viaduto se duelar, faz barulho, aê!!!
VIADUTO SANTA TEREZA Se liga na minha vibae, que sou muito Belô, prá transpor a linha de ferro, nasci decô, foi lá em 28 pelo engenho de seu Baumgart. Tem viaduto que nem sabemos se é mesmo arte que veio depois, de tal engenheiro Otávio Pena mas que nunca ocupou nem metade da minha cena. Duplo de mim, sem direção e sem arco, não convive comigo no mesmo barco, coadjuvante que vem das biquêra da Floresta mas de lá não consegue trazer nenhuma festa
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Viaduto da floresta
VIADUTO DA FLORESTA Estou ao seu lado, mas com você quero bater de frente. Fui mesmo nascido em trinta e sete, gente, sou mais moderno, com muito orgulho, pra ser bonito não preciso penduricalho e bagulho. Se a sua inauguração ninguém sabe ao certo, na minha veio um mulão de gente e nem só de perto, veio prefeito Couto Silva e governador Valadares, Estado Novo também veio, com novos ares. E por falar em Silva, levo até Silva Jardim que como dizia o poeta é rua ou silvo em mim?
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VIADUTO SANTA TEREZA Quem liga prêsses manda-chuva, se sou só o super, o máximo, um portento de
400 metros, igual eu não tem nada
próximo, meu arco salta 56 metros e sobre ele andou até poeta, só de altura tem 14 metros e vê a cidade como meta. Prá suportar carro, gente e bonde, sou feito de concreto armado, mas na selva de pedra sou suave e por isso muito amado. Você só tem 216 metros, míseros, só serve pra trânsito, nunca para os pósteros.
VIADUTO DA FLORESTA Pois hoje por você quase ninguém passa, só um ou outro moleque sarna ou um metralha, à caça. Não tem mais aquele footing, aquela azaração, enquanto eu, de vários bairros faço a ligação. Movimentado que sou, sem na história nenhum acidente, enquanto você, em trinta, fez até bonde ficar pendente até que eles desistiram de você em cinquenta e oito. Eu cada vez com mais movimento, cada vez mais solto. Além de tudo, fui sempre eu, em minha humildade, não como você, sempre em crise de identidade. Já se chamou Tocantins e Arthur Bernardes, até ter nome nenhum, que Santa Tereza é alhures. Arrota mais do que come, teu nome é vaidade, enquanto eu é que transporto gente de verdade, gente expulsa da Contorno, mas que construiu a cidade, o peão que constrói a casa e depois não pode entrar,
todos que trabalham, mas só tem pouco a faturar.
absurdo! Tão querendo acabar com a liberdade das gentes pras pessoas ficar só vendo TV na casa dos parentes,
VIADUTO SANTA TEREZA
fazendo a cabeça pela doutrina de quem domina, tirando das ruas quem só quer passear com suas mina.
Olha quem fala, que Floresta também é nome emprestado,
Só lembro de gente debaixo d’ocê a partir de cinquenta,
nasceste como Viajantes, você é desmiolado e
retirante que chegava, a ficar por aí, como quem só
desmemoriado.
aguenta
Quanto a mim, sou completo, nobre e popular,
mas não vive, em plenitude, a cidade,
tenho primos, em São Paulo o Viaduto do Chá,
sem dela ter certidão, sem dela ter paternidade.
a Ponte recifense Maurício de Nassau, de dezenove.
Você vem agora com essa conversa comunista
E se mesmo toda essa nobreza não te comove,
Mas em oitenta e três quase te perdemos de vista,
lembro que a vida debaixo de mim é o que hoje me move.
quase caindo sobre quem, embaixo, morava ou circulava,
Mas antes de falar em toda essa vida, tome lá mais
morrendo aos poucos sem querer morar sozinho,
nobreza:
talvez triste por já não transpor o férreo caminho,
meus postes são importados, Union Metal, uma beleza
mas ser apenas teto de sem teto, viaduto sem via,
dois focos, globos de vidro estriado e alabastro,
por vagar de estacionamento a depósito de lixo, a
lindos na foto,
esmo,
muita luz, muito ritmo, muito esplendor, bonito de
de feira de abastecimento a delegacia, até isso mesmo!
fato,
sendo de tudo, até posto de gasolina.
tão bonitos são que, em vinte e nove, sua instalação
Não ter destino é ter liberdade, ô menina?
foi o que iluminou minha inauguração.
VIADUTO DA FLORESTA
VIADUTO SANTA TEREZA
Poste por poste, eu também tenho,
Fui recuperado em noventa e nove, seu maledicente!
mas que adianta tanta luz se nada ilumina
Vá me dizer que você nunca esteve doente?
ainda mais se sua vida é por baixo, na sombra, triste
Pois se fui isto tudo embaixo de mim,
sina.
esqueceu que também fui palco, pista de dança e
Mas se isso é virtude, também eu tenho muita vida
barzim?
embaixo,
Já exibi muita arte e me dediquei a muito uso,
mas antes tive muito mais, eu acho,
por favor, respeite a memória, não deixe o leitor
feiras populares, barracas, gente vendendo de tudo,
confuso
pena que isso acabou, expurgados que foram, que
Se fui antessala dos bacana da Serraria,
160 |
| 161 na real, fui também casa e quintal de muita Maria.
cabeça fazendo com que eu mesmo melhor me conheça.
VIADUTO DA FLORESTA Comigo também não foi diferente,
VIADUTO DA FLORESTA
vizinhança por vizinhança, a minha também é quente. Tem rock e dança na Casa do Conde
Se sua ocupação é por baixo, a minha é por cima.
e muita reza não muito longe.
Encadeio as partes da cidade como uma boa rima,
Tem capeta, tem anjo e muito monge
trago quem vem de Floresta, Colégio Batista e Horto,
de tudo quanto é credo, de tudo quanto é seita,
ligo Santa Efigênia ao resto deste mundo torto.
gente que adora Deus e o capeta.
Grande reta no limite da cidade reta,
Agora também vou ser antessala de casa de espetáculo
meu caminho é uma direção sempre direta.
que o Conde quer a rua sem obstáculo
Vou de Contorno a Contorno, emolduro a praça,
e vai abrir teatro e portão a qualquer um,
não paro hora nenhuma, tenho essa graça,
basta chegar, basta viver em algum lugar ou em lugar
que não sei o que é ter pouco movimento,
algum.
que não tenho tempo para ter sentimento. VIADUTO SANTA TEREZA
Quem quer um segundo round, grita aê!!!
Pois vou lhe explicar o que é o verdadeiro movimento e junto com ele o que é o urbano sentimento. Desde 2007 há uma Geração que me ocupa,
VIADUTO SANTA TEREZA
coisa que contigo não ocorre, me desculpa. Chegaram às 9:30, todo domingo, o primeiro do mês,
O que aconteceu comigo nunca ocorreu por aí,
finalmente eu estava tendo a minha vez.
você só tem voz de carro e eu, vozes próprias daqui.
Tinha gente que cantava e declamava,
Desde que em 2000, “outros 500” vieram em show,
tinha gente que revistas e coisas trocava,
alternativa ao descobrimento de um país que não sou.
tinha gente com brenfa se malocando dos coxa,
Desde que me deram voz de punk, rock e rap
tinha churrasco vegano e gente com trouxa,
Sangue no Olho, Realistas MC’s, muita gente com quepe,
tinha artivista e ativista, piquenique comunitário,
escutei vindo de mim mesmo vozes tão diferentes,
feira grátis, gente boa e algum otário,
outros poetas, revolucionários como os de antes
que no mundo tem lugar pra todo mundo.
a ver meu passado como futuro,
Tinha revolução pra todo lado, coisa ocorrendo a cada
o patrimônio urbano com outro apuro,
segundo,
invertendo o arco da história, me pondo de ponta-
pelada molotoviana, um jeito diferente de jogar
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futebol,
pra todos os gostos e pra quem quer que goze,
Se os hômi engole essa, se livra o meliartista,
manda lá, Vinicim, que eu também penso assim:
uma maneira nova de fazer cultura despontando no
tem um chá e um raio e rapinha, na tora,
se não, sobretudo em patrimônio cultural, é cana à
“Que aqui é o meu lar. Então, essa é minha sessão
arrebol,
muita treta, minha tia, que sei que tem quem adora!
vista.
faz-cê-mês, cada discussão profunda e meteórica
Tem podrão maneiro que encara qualquer parada
Mas já teve quem misturasse grafitti e pixo,
“sem muito blá-blá-blá e masturbação teórica”.
e dingão oculto em caverninha de nada.
foi o Goma que disse isso, e viva o grapixo!
Tem cheirão de loló e de pólvora de berro,
O pixo é muito presente e tonitroante,
Mas 51 nenhum impede a vida que quero.
cobre a cidade como um grito constante.
VIADUTO DA FLORESTA
De fato, é muita superfície com detono,
Não acaba o Duelo, muito mais fácil acabar a eleição Acaba com a opção, mas não acaba o viaduto Porque se fala isso que acaba, eu truco”
muito barulho lembra muito abandono. Mano, que coisa loka! Mas também tinha muito careta!
VIADUTO DA FLORESTA
Como pensar diferente se me dão tanto valor?
Vê se pode ser possível um time chamado Chinelada
Com ninguém antes tive tanto calor,
VIADUTO DA FLORESTA
vale o que disseram, em momento de afirmação:
mas haja PE, DPC, CZL, DFC e DAI
Meu barulho é da cidade e dos shows que ao meu lado
“Certo mano, os irmãos se juntou, pôs umas caixas
D9e1/2 jogando ao som de MMPCV, Ü e Discarga,
CDN, GBS, TOG e por aí vai,
acontecem,
de som debaixo da ponte, fez uns grafite, carregou
só assim mesmo para renovar essa vida amarga.
a moçada pira no rolinho e escala o alto do prédio.
pouco sei de tudo que me conta, mas de como as coisas
os equipamento, puxou umas gambiarra de luz e fez o
Não sei se essa é a vida que quero
Pra praga igual não tem remédio!
me parecem.
bagulho que nós ama acontecer aonde eles só coloca a
e nem mesmo se esta é cidade que espero.
Até pixurrasco por aí eles fazem,
Sei de ver daqui e de pegar rebarba, meu flow é menor,
miséria, só coloca droga, só coloca arma, só coloca
não sei que arte eles sinceramente trazem.
menos caveira,
destruição...Nós trouxemo a vida pra esse lugar, nós
A galera se mata por uma preza,
mas sei que a liberdade consiste em não ficar de
tem que celebrar essa vida aqui, certo? Vai djriano!”
enquanto, embaixo, pro céu, muita gente reza
bobeira.
que Deus deles nos guarde, amém,
Que se fica mole, o governo engole,
que para nos livrar do spray não há ninguém!
que se desocupa, o rico ocupa,
Preta,
Mas, além de tudo você vive pixado
Ex-permacultores jogando com Brigadas Populares,
(tá certo que nem eu vivo disso isolado),
Ninguém FC contra Desgraça FC, são mesmo novos ares,
VIADUTO SANTA TEREZA Não quero então me gabar, mas cê num sabe de nada, pois aqui tem também, da vida, um pouco de cada. Tem Dudrin e Kavêra que moravam na rua
que se não se improvisa, o dirigente civiliza.
VIADUTO SANTA TEREZA
e, da UFMG, o Cidade e Alteridade a buscar a cidade
VIADUTO DA FLORESTA
Quem diria que o viaduto aristocrata ia ter vida tão ingrata?
Mas tanta festa só podia dar em crime,
nua.
Tem muita gente que quer negociar grafitti como pixo,
Parece que aí, agora, só tem PPP, pobre, preto e puta,
não é que mataram o Luiz Estrela, em violência de
A Real da Rua é isso, mano,
mas será verdade que um seja arte e outro seja lixo?
e nem assim você me escuta?
filme?
isso é vida em sua pura forma, se não me engano.
Pichador tem nome gravado, Cripta, 4e25, DMS, Jah,
Mas será que é preciso mais polícia para mais
Tem nerd e muita muié, tem rinha de b-boys,
DMS, Dalata, MTS e 4e25, muitos, de fato, há.
segurança?
uma rapaziada acendendo novos e diferentes sóis,
Uns viram artista e vão até pro exterior,
comunidade sem chefe nem mandante algum,
pixar é crime, grafitti é arte superior.
que o melhor governo é não ter governo nenhum.
Quando pego na adrenalina da bombspray,
Será que é ingrato ouvir o duelo das noites de sexta?
como o sol, nasceram para romanos e visigodos,
Tem zine sem neurose e com neurose,
pixador diz que é grafiteiro rei.
Gente que tem a manha, que me enche de treta,
gregos e troianos, mineiros e baianos,
VIADUTO SANTA TEREZA
ou a plenitude da vida é algo que não se alcança? As ruas parecem de ninguém, mas são de todos,
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“Quem queria ir até as lindes do Grande Bar do Ponto podia descer um pouco da |Bahia, 165 renteando o triângulo ocupado pelo Correio antigo. Era justamente o lado onde se abria o portão que dava entrada ao misterioso Colis-Posteaux e logo se batia de cara com a reta do Viaduto Santa Teresa. Essa construção de cimento armado comporta um grande vão e sua estrutura é levantada por enormes arcos de concreto que têm largura de cerca de metro. Sua altura é vertiginosa. Pois era esse o caminho escolhido pelo poeta de minha geração quando ia para sua casa na Floresta. Em vez da pista ponte escolhia suas parábolas de sustentação e passava por cima delas aos ventos vendo rolar embaixo os trens da Central. Um dia foi interpelado, cá de baixo, por um guarda-civil. O senhor não pode usar esse caminho – e esteje preso. Das alturas veio resposta anuente. Aceito a prisão mas o senhor venha me prender cá em cima. O guarda topou o desafio, aliviou-se das botinas, da túnica e começou a subida. Ao fim duns poucos metros deu-se conta da elevação em que se achava e, tomado de vertigem e daquela doçura frouxa do períneo que nos vem na borda dos abismos, ajoelhou, pôs-se de gatinhas, atracou firme no semicírculo de cimento e deixou-se escorregar de marcha à ré. Embaixo recompôs-se e para salvar a face, gritou para as negruras da noite que relaxava a prisão. O poeta tranqüilo iniciou sua descida pela outra vertente” (Pedro Nava, Beira-Mar, p. 6).
mas, como a sombra, só as ocupa quem merece? O que fazer então com quem padece? Sou um imóvel que propicia o automóvel, tenho a estupefação que imobiliza, não fora isso redundante, só resolvendo seus dilemas pode a sociedade seguir adiante.
VIADUTO SANTA TEREZA Desde 2013 assisto a assembléias populares horizontais,
(...)
Viaduto Ocupado para discutir reformas e outras que tais. Aqui sempre veio muita gente de todas as idades, que sejam bem-vindas todas as cidades! Bem-vinda
Duelo de Mc’s embaixo do Viaduto Santa Teresa.
a pena e a tinta do Urubois em zines,
bem-vindos Castilho e Coiote, matéria Prima e banda Zimun, Atitude, Anarquistas, América Latina, qualquer um, Léos Pyratas, Zés Balias e Bozós, com seus grupos e bandas, ou mesmo sós, Dentinho e b-boys, gente do parkour e do skate, Ob-jetivo com seu brado feminino, forte como leite, hardcore, dub, ragga, gospel, metal, duelem Ozleo, PDR, Rappin Hood, Emicida, Marechal Monge, Shawlin, Douglas Din, Vinição. Mano da Floresta, por isso lhe digo, nesta luta: “Só assim você me escuta!” Fechôôô! Viaduto da Floresta ainda com a circulação de bondes em 1940. Acervo MHAB/Fundação Municipal de Cultura
De onde vem, aonde vai, se vai ou vem? Triste, ferroviário apito de máquina da Oeste de Minas manobrando insone, paralelo ao rouco ir e vir arfante de locomotiva da Central, rasgando a seda sem ruga de dormir sem dívidas, cobrando a vigília, o amargo remoer da consciência turva. Não parte, não volta de nenhum destino o trem espectral, roda sem horário, passageiro ou carga, senão nossa carga, interior, pesada, de carvão, minério, queijo de incertezas, milho de perguntas ???????? gado de omissões. Fero, trem noturno a semear angústia na relva celeste da Floresta em flor. (Carlos Drummond de Andrade, Dormir na Floresta, em “Esquecer para Lembrar”, Boitempo III, p. 130)
166 |
Posfácio
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A Praça da Estação é a melhor síntese do que seja um espaço público urbano e, em Belo Horizonte, um livro aberto para a compreensão da História da
Biblioteca da BHTRANS, pelas informações de tráfego e transporte utilizadas no capítulo do “Edifício-sede da RFFSA”; ao Low (Wellington Cançado) pelas
cidade. Em termos espaciais, se apresenta como evidente centralidade urbana reforçada por sua função de principal nó intermodal de transporte e tráfego, o
reflexões sobre a praça, a Antonio Eustáquio Pereira dos Santos, pelas contribuições ao capítulo “Edifício Central”; a João Perdigão, por tanto material
que lhe confere forte caráter popular. Diferentemente, no entanto, de outros lugares de transbordo, onde só as questões da mobilidade e do comércio rápido
e reflexão relativo ao capítulo sobre os viadutos; a André de Souza Miranda e sua importante dissertação de mestrado sobre a Praça; a Rodrigo Ferreira
se apresentam, a Praça da Estação, com seus grandes espaços abertos e a reutilização de prédios antigos, se oferece também como importante espaço cultural,
Andrade, presidente do IEPHA quando do tombamento da Praça; ao Museu Histórico Abílio Barreto, pelas imagens; a meus primeiros leitores Mauricio
de manifestações populares e até mesmo para um grande contingente de pessoas em situações de rua. Em termos temporais, é ela a região mais antiga da
Campomori, Olavo Romano e Patricia Andrade; a Bernardo Andrade, pela pesquisa histórica, a Celia Arruda, pelo paciente e competente trabalho de revisão,
cidade, por onde a Nova Capital começou sua construção e por onde chegaram as pessoas, sede de tanto patrimônio cultural, sendo, ao mesmo tempo, o
a Priscila Viana da Luna Design, pela bela composição gráfica; ao Theo Mendonça, pelo suporte e, especialmente, ao Instituto João Ayres, na pessoa de Airam
arauto de seu futuro, onde se ensaiam movimentos de direito à cidade, novas possibilidades culturais alternativas, reutilização criativa do acervo edificado e
Resende, pela confiança ao me convidar para escrever este livro. Finalmente, gostaria de agradecer e prestar meu reconhecimento ao arquiteto Ricardo
dos vazios urbanos. Nesse sentido, podemos dizer que ela é, espacial e temporalmente, onde Belo Horizonte é mais Belo Horizonte, por ser central, por ser de
Samuel de Lanna, presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil, em 1981, pela luta em prol da preservação da Praça da Estação.
todos e por materializar uma continuidade histórica notável. Minha vida se misturou com a da Praça em diversos momentos. Foi em seus arredores que comecei a trabalhar, aos 13 anos de idade, onde tomava caldo de
FLÁVIO DE LEMOS CARSALADE
mocotó ao sair do escritório, nos fins de tarde, imerso na atmosfera do grande largo urbano. Depois disso, como estudante de arquitetura, como arquiteto-
Belo Horizonte, 22 de junho de 2015.
urbanista, como militante de órgãos de classe e da defesa do patrimônio, como dirigente de órgãos públicos, e, sobretudo, como cidadão, tive a oportunidade de fazer trabalhos técnicos, realizar projetos e utopias, criar ações efetivas de proteção do espaço, participar de conselhos e comissões, enfim, me unir aos destinos desse pedaço de meu Belo Horizonte muito amado. Por tudo isso, escrever este livro sobre a Praça me foi muito grato e saboroso. Mas ele não seria possível sem a colaboração de muitos amigos e colegas que me auxiliaram com contribuições diversas e, quando os relaciono aqui, em reconhecimento e agradecimento, só confirmo o quanto a Praça da Estação consegue mobilizar tantas pessoas, de tão diferentes origens, com uma gama tão grande de atenção, trabalho e carinho. Desculpando-me pelas inevitáveis omissões, gostaria de agradecer primeiramente à minha esposa, Maria Angela, também arquiteta, por ser minha primeira leitora e crítica destas páginas; ao IEPHA/ MG, ao IPHAN e à Diretoria do Patrimônio Cultural do Município de Belo Horizonte, nas pessoas de Michele Abreu Arroyo, Rubem Lima de Sá Fortes, Célia Corsino, Sérgio Fagundes, Monica Elisque do Carmo, Leônidas de Oliveira e Carlos Henrique Bicalho, pelas fontes em geral e especialmente aquelas relativas à Casa do Conde, Edifício-sede da RFFSA e Serraria Souza Pinto; ao arquiteto João Grillo pela revalorização da importância da Casa do Conde e José Eduardo Ferolla e Eduardo Mascarenhas Santos e o resto da equipe, parceiros na proposta do Parque Linear do Arrudas e, por seus desdobramentos, ao Instituto de Arquitetos do Brasil, pelo apoio de Leonardo Castriota e Jurema Ruggani; à generosidade de Edwirges Leal, Flavio Grillo e Eduardo Beggiato, pelo compartilhamento de sua vasta pesquisa sobre a Praça e que tanto me foi útil nos capítulos “Estátuas da Praça” e “Monumento à Civilização Mineira” e também pelo seu belo trabalho ali realizado; a Heloisa Starling, pelas informações sobre a história da Escola de Engenharia da UFMG; ao Instituto Flavio Gutierrez e a Angela Gutierrez pelas informações sobre o Museu de Artes e Ofícios e pelos seus esforços de recuperação do Edifício da Estação Central e da Praça; a Celina Borges Lemos, Rogério Palhares Zschaber de Araújo e José Maria Rabelo, por tanta informação sobre a história da cidade; a José Abílio Pereira, pelo “Quatro Estações”, a Rafael Barros e Priscila Musa pela luta em prol de uma cidade mais inclusiva e pelas informações sobre a “Praia”, utilizadas no capítulo “Monumento à Civilização Mineira”; a José Wanderley Carsalade, meu avô, por sua contribuição cidadã a Belo Horizonte e pela herança material e imaterial que me legou e sua “Perspectiva”, utilizada no capítulo sobre o “Chagas Dória”; à TECTRAN, Silvestre, Rogério Carvalho e Pedro Renault e à
168 |
Glossário
| 169 Cornija (arquitetura): na arquitetura clássica, é a parte superior do entablamento. É composta de cimalha, lacrimal e sófito. Pode ser também moldura ou conjunto de molduras salientes que servem de arremate superior a elementos arquitetônicos de edifícios.
Aba corrida (arquitetura): balcão contínuo ao longo de toda a fachada, situado sobre a cimalha do edifício, constituindo-se usualmente em platibanda ou guarda-corpo de terraço.
Arquitrave (arquitetura): viga mestra ou verga saliente na superfície das paredes, assentada horizontalmente sobre colunas, pilares ou ombreiras de vãos.
Brenfa (gíria): pacote de droga.
Ábaco (arquitetura): parte superior do capitel de uma coluna.
Ático (arquitetura): parte superior de uma fachada, acima do último pavimento do edifício.
Abóbada de barrete de clérigo (arquitetura): abóbada resultante da interseção entre duas abóbadas de berço, onde a aresta resulta em linhas curvas.
Átrio (arquitetura): recinto ou compartimento na entrada do prédio.
BRT (Urbanismo): sigla para Bus Rapid Transit, transporte coletivo sobre rodas (ônibus articulado ou simples) que corre em faixa exclusiva de trânsito.
Azaração (gíria): paquera.
Cachorrada (arquitetura): conjunto das peças de madeira em balanço que serve de apoio para beiral de telhado.
Abóbada de espelho (arquitetura): formada por duas abóbadas de berço interceptadas por uma superfície plana.
Azulejo bisotado (arquitetura): azulejo chanfrado em suas extremidades.
Caduceu: bastão com duas serpentes enroscadas e com duas asas na extremidade superior.
Azulóios: Azul da cor do hábito dos frades lóios.
Capitel (arquitetura): parte superior das colunas. Normalmente refere-se às ordens clássicas arquitetônicas, podendo ser toscano, dórico, jônico, coríntio ou compósito (ver ordem).
Açoteia (arquitetura): termo arcaico, corresponde ao terraço que cobre usualmente torres ou torreões. Acrotério (arquitetura): genericamente, qualquer elemento decorativo que coroa o edifício ou pequeno pedestal colocado nas extremidades ou no vértice do frontão ou espaçado em balaustrada, servindo de suporte a diversos ornamentos como estátuas e vasos. Aduela (arquitetura): Cada uma das peças em pedra talhada ou seccionada de forma a seguir a volta do arco ou abóbada. Agulha (arquitetura): arremate colocado no ponto mais alto das torres para aumentar seu efeito de esbeltez. Amarelo-gualdo: amarelo claríssimo. Arco pleno (arquitetura): arco em forma de semicircunferência.
B-boys (gíria): dançarinos de breakdance, espécie de dança sincopada de rua. Balaustrada (arquitetura): anteparo de proteção, apoio, vedação ou ornamentação, utilizado frequentemente em balcão, terraço, alpendre, coroamento de prédio ou como guarda-corpo de escadas. Bandeira (arquitetura): caixilho situado na parte superior de portas e janelas. Bay-window (arquitetura): balcão fechado por janelas, formando um corpo saliente na edificação, geralmente sextavado ou oitavado. Berro (gíria): arma de fogo. Biquêra (gíria): arredores de um bairro ou localidade. Bocal (arquitetura): base da coluna entre o plinto e o fuste.
Brise: elemento de proteção solar geralmente colocado na face externa das janelas.
Capitel de moldura (arquitetura): capitel destituído de ornamentos. Cariátide e atlante (arquitetura): ornato em figura de mulher/homem a sustentar elemento da construção como coluna, cornija ou pilastra. Caverninha (gíria): esconderijo. CBTU (sigla): Companhia Brasileira de Trens Urbanos (federal). CEASA (sigla): Centrais de Abastecimento S. A. Cimalha (arquitetura): arremate emoldurado formando saliência na parede, geralmente em sua parte superior ou marcando algum elemento arquitetônico horizontal. As cimalhas em gola reversa são elementos cuja parte superior é côncava para baixo, como se fora uma gola de ponta-cabeça.
Contraforte (arquitetura): Maciço de alvenaria colocado contra uma parede para lhe reforçar contra esforços horizontais. Coxa (gíria): policial. Cruz grega: cruz de braços de igual comprimento. Cunhal (arquitetura): faixa saliente nas extremidades de paredes ou muros externos do edifício. Dentículo (arquitetura): ornato ou entalhe constituído de elementos em forma de dentes, separados uns dos outros por um vazio cuja distância corresponde usualmente à metade da largura do dente. Dingão (gíria): policial. EFOM (sigla): Estrada de Ferro Oeste de Minas (extinta). Empena (arquitetura): Parede lateral cega de um edifício ou parede que fecha o espaço triangular entre duas águas ou ainda parede cega entre dois elementos arquitetônicos ou acima de uma janela ou porta. Entablamento (arquitetura): conjunto de molduras que coroam uma parede ou uma colunata. Entourage: entorno, fundo que dá ênfase à figura. Epígrafe (arquitetura): inscrição feita em local de grande visibilidade em edifícios. Estilo art-déco (arquitetura): surgido na Europa, em 1925, como arte decorativa, caracterizado por volumes puros e ornamentação geométrica ou adornos com animais ou figuras humanas. Estilo eclético (arquitetura): nome
genérico para estilo que combina elementos de outros estilos, característico do Século XIX e início do Século XX. Estilo moderno (arquitetura): desenvolvido no século XX, caracterizado pela racionalidade e funcionalidade, formas geométricas e ausência de ornamentação, além da utilização de novas tecnologias. Estilo neoclássico (arquitetura): inspirado nas arquiteturas grega e romana. Estilo neogótico (arquitetura): inspirado na arquitetura gótica. Estilo pós-moderno (arquitetura): estilo da segunda metade do Século XX que reagiu contra a excessiva austeridade formal e o purismo da arquitetura modernista. Estilo protomoderno (arquitetura): transição entre o art déco e o moderno. Estilo tardomoderno (arquitetura): mais próximo da contemporaneidade, como um desenvolvimento da linguagem modernista.
Friso tríglifo (arquitetura): ornato originário da ordem dórica clássica, situado no friso. Frontal (arquitetura): painel ornamental colocado sobre portas e janelas. Frontão (arquitetura): elemento de coroamento de fachada em forma triangular. FUNARTE (sigla): Fundação Nacional de Artes. Fuste (arquitetura): corpo do pilar. Guarda-corpo entalado (arquitetura): guarda-corpo que é engastado entre as ombreiras de janelas rasgadas em grades ou balaústres. Guarnição (arquitetura): moldura em volta de um elemento da construção como portas e janelas, dando-lhes arremate ou ornamentação. GEIPOT (sigla): Empresa Brasileira de Planejamento de Transportes (federal, extinta). Gospel: estilo de música de caráter e origem religiosa.
Estilóbato (arquitetura): pedestal contínuo que serve de suporte a uma colunata.
Grafitti (gíria): arte urbana caracterizada pela pintura em muros e empenas de prédios.
Faixa (arquitetura): moldura chata e larga, disposta no sentido horizontal, usada frequentemente nos edifícios, separando os pavimentos.
Hardcore (gíria): cena musical da segunda onda do punk, caracterizada por confronto e agressão.
Festão (arquitetura): ornato em forma de fita pendente, recortada e vazada, podendo ter feitio de frutos, folhas e flores entrelaçadas. Fillete (arquitetura): pequena moldura chata e lisa, de largura aproximada à sua espessura, usada em geral para separar outras molduras em fachadas, tetos e corrimãos. Fita (arquitetura): ornato em forma de faixa enrolada como espiral, decorando sancas e entablamentos. Flow (gíria): fluxo, onda, movimento.
Hômi (gíria): policial. Horror vacui (filosofia): Literalmente, horror ao vazio. No caso, significa a dificuldade estética de tolerar superfícies sem decoração. IAB (sigla): Instituto de Arquitetos do Brasil (organização não-governamental). IEPHA (sigla): Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado de Minas Gerais (Órgão público estadual). IPHAN (sigla): Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (órgão público estadual).
170 | Janela de púlpito (arquitetura): janela com sacada. Lacrimal (arquitetura): parte inferior das cimalhas e cornijas entre os frisos e as paredes. Lambrequim (arquitetura): ornato de madeira ou folha metálica, recortada e vazada em forma de rendilhado, normalmente utilizado junto aos beirais de telhado. Lanternim (arquitetura): Pequeno telhado sobreposto ao telhado principal para proporcionar iluminação e ventilação complementar. Linha troncal (urbanismo): componente do sistema do transporte coletivo, baseado no conceito de tronco-alimentação, formado por linhas de grande capacidade nos eixos principais, integradas a linhas que permitam o acesso ao interior dos bairros. Loggia (arquitetura): galeria aberta, tendo seus lados abertos voltados para o exterior ou interior da construção em arcadas ou pilares. Loló (gíria): droga entorpecente baseada em clorofórmio e éter. Macadame (urbanismo): Técnica de calçamento de vias, resultante de material comprimido por rolo. Mainel (arquitetura): pilarete ou montante que divide o vão de janelas em duas ou mais partes. Malocar (gíria): esconder. Mariquinhas: locomotiva dos primórdios da cidade de Belo Horizonte. MC’s (gíria): sigla para “mestre de cerimônia” ou cada um dos “repentistas” dueladores no encontro de MC´s. Metal: estilo de música com forte presença eletrônica, originado no rock heavy metal. Métope (arquitetura): nos frisos dóricos, parte quadrada entre dois tríglifos.
| 171 METROBEL (sigla): Companhia de Transportes Urbanos da Região Metropolitana de Belo Horizonte (estadual, extinta). Mina (gíria): menina, namorada.
por diferentes meios como skate, patins etc. Parti-pris (arquitetura): partido, disposição inicial do projeto arquitetônico.
Mísula (arquitetura): apoio de elementos arquitetônicos situado na conjunção entre a parede vertical e elementos horizontais como vigas, cimalhas e cornijas.
Peanha (arquitetura): pequeno pedestal, em geral provido de molduras, usado principalmente nas fachadas como apoio a estatuetas e vasos. Quando se constitui em saliência no paramento da parede, é também chamada consolo ou supedâneo.
Modenatura (arquitetura): tratamento plástico dado ao conjunto dos elementos que compõem o edifício, principalmente referente a sua fachada, como molduras, cunhais e cornijas.
Peristilo (arquitetura): galeria que circunda o edifício ou o pátio, ou que está situada em frente à fachada. É formado de um lado por colunas isoladas e de outro pela parede externa do edifício.
Mulão de gente (gíria): multidão.
PLAMBEL (sigla): Superintendência do Desenvolvimento da Região Metropolitana de Belo Horizonte (estadual, extinta).
Muro de ático (arquitetura): ático constituído por muro liso, disposto sobre a cornija do edifício, escondendo o telhado. Nerd (gíria): estudioso em geral ou especialista em computação. Olhal (arquitetura): cada um dos vãos entre pilares de arcadas ou pontes. Opera rústica e opera de mano (arquitetura): literalmente, obra rústica e obra de mão. Nomes utilizados para designar alvenarias de pedra, geralmente na base de edifícios neoclássicos ou alvenarias em massa, ornamentadas nos mesmos edifícios. Operação urbana (Urbanismo): mecanismo previsto em lei que flexibiliza a legislação urbanística visando parcerias público-privadas de relevante interesse social. Ordem (arquitetura): referente à arquitetura clássica, trata da forma, disposição e proporção dos principais elementos edilícios, tais como colunas, cornijas, cimalhas e entablamentos. Apresentam as formas toscana, dórica, coríntia e compósita que são, respectivamente, mais complexas. Parkour (urbanismo): arte de se mover na cidade
Poial (arquitetura): saliência em parede, muro ou outro elemento de construção, formando assento fixo ou apoio para objetos. Plinto (arquitetura): peça quadrangular lisa que serve de base a um pedestal ou a uma coluna, base compacta, lisa, contínua e de pouca altura, de um elemento de construção, principalmente de gradil de fechamento. Parte superior do ábaco ou do capitel toscano. Podrão (gíria): pouco higiênico, tosco. Porte-cochère (arquitetura): espaço à entrada dos edifícios, destinado a receber veículos que descarregam passageiros. Positivismo (Filosofia): corrente filosófica que nasceu na França no início do Século XIX e que, em linhas gerais, propõe à existência humana valores completamente humanos, afastando radicalmente a metafísica e a religião e que, por isso mesmo, valoriza o progresso científico, a racionalidade e a ordem. Preza (gíria): “assinatura” do pixador. A grafia com a letra “x” foi muitas vezes utilizada no texto em detrimento da correta, com “ch” por ser a preferida dos pixadores.
Ragga (gíria): gênero de música eletrônica surgido através de influências do dancehall, na Jamaica, em meados dos anos 1980. Rap (gíria): sigla para “rythm and poetry”, expressão ritmada em versos. RMBH (sigla, urbanismo): Região Metropolitana de Belo Horizonte.
Trólebus: ônibus elétrico. UFMG (sigla): Universidade Federal de Minas Gerais. Um chá e um raio (gíria): droga e efeito. Vegano (gíria): vegetariano. Vibe (gíria): simplificação de vibração, energia.
Quartilha ou arranque (arquitetura): peça semelhante a uma pequena coluna ou pilarete, colocada no começo da escada para sustentar a parte inicial do corrimão.
Zimbório (arquitetura): superfície que cobre e arremata externamente as cúpulas dos edifícios = domo.
Sobreverga (arquitetura): elemento decorativo que se coloca acima das vergas das janelas.
Zingamocho (arquitetura): remate de zimbório.
Sófito (arquitetura): face inferior de um elemento arquitetônico como cornija e arquitrave, exceto teto. O termo é utilizado quando a face inferior do elemento é decorada.
Zine (gíria): abreviação de fanzine (fanatic magazine), espécie de revista em quadrinhos não convencional.
Silva Jardim: referência ao verso de Drummond: “Rua Silva Jardim ou silvo em mim” no poema “A casa sem raiz” do livro “Esquecer para lembrar, Boitempo III”, página 127, onde o poeta se lembra de sua casa à rua Silva jardim, bairro Floresta. Tímpano (arquitetura): superfície emoldurada de forma triangular ou em arco de círculo, situada em destaque nas fachadas sobre portas ou, mais frequentemente, sobre janelas. Topiaria: técnica de corte de elementos vegetais, dando-lhes determinada forma geométrica ou figurativa. Tora (gíria): na tora - na força, violentamente. Torero (gíria): vendedor ambulante com grande mobilidade. Torreão (arquitetura): torre larga e não muito alta, integrada ao corpo principal do edifício. Treta (gíria): negociação, ação.
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Referências
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