Derramamento de petróleo na costa Nordestina - CRIME E TRAGÉDIA AMBIENTAL

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Derramamento de petróleo na costa Nordestina

CRIME E TRAGÉDIA AMBIENTAL INSTITUTO TERRAMAR

Foto: Diego Nigro WWW.TERRAMAR.ORG.BR | @INSTITUTO.TERRAMAR.CE | NOVEMBRO, 2019


DERRAMAR PETRÓLEO CRU NA COSTA NORDESTINA É UMA VIOLÊNCIA SOCIOAMBIENTAL O derramamento de petróleo cru altamente contaminante, no litoral do Nordeste, é uma violência brutal contra a vida marinha e as comunidades pesqueiras, acumulando danos socioambientais num ambiente fundamental para a vida na Zona Costeira, seus ecossistemas e biodiversidade.

Foto: Bruno Campos

Atualmente, os 9 (nove) estados nordestinos estão atingidos pelo óleo, totalizando 385 localidades, de acordo com dados atualizados em 6 de novembro de 2019, pelo IBAMA (http://www.ibama.gov.br/manchasdeoleolocalidades-atingidas).

Não precisa ir longe para entender a importância socioambiental dos ambientes marinhos costeiros. É de lá que vêm diversos tipos de alimentos como os peixes, o caranguejo, o guanhamum, o aratu, o sururu, a lagosta e muitas outras espécies. Para que peixes e frutos do mar cheguem à mesa de quem os consomem, muito trabalho é realizado pelos povos do mar - milhares de pescadores/as, marisqueiras e catadores/as. Para suprir a sociedade, esse trabalho abastece famílias e comunidades, mercados locais, estaduais, nacionais e internacionais de pescado. A pesca artesanal também é fundamental para o suprimento gastronômico da cadeia do turismo. Além disso, as comunidades tradicionais pesqueiras cumprem papel fundamental na preservação dos ambientes e biodiversidade os quais são utilizados como os principais atrativos para o turismo na região Nordeste.


DERRAMAR PETRÓLEO CRU NA COSTA NORDESTINA É UMA VIOLÊNCIA SOCIOAMBIENTAL A pesca artesanal é uma atividade central na organização socioeconômica, nas identidades e nos modos de vida de comunidades tradicionais pesqueiras que, como tais, se incluem nos termos do Decreto 6040/07 que institui a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais; e da Convenção 169 da OIT (Organização Internacional do Trabalho) sobre Povos Indígenas e Tribais, da qual o Brasil é signatário desde 2002. Nos ambientes marinhos costeiros estão os campos de dunas, os bancos de algas, os recifes de corais, os manguezais e foz dos rios (no encontro das águas doces dos rios com as águas salgadas do mar). Essas paisagens, “vendidas” pelo turismo de massa como produto, são ambientes sagrados e sensíveis para a reprodução da vida marinha e existência sociocultural das comunidades e povos que habitam ancestralmente os territórios costeiros. Povos do Mar, Povos das Águas, Povos dos Mangues, Povos da Lama são algumas das identidades autoafirmadas por essas populações que, de origens negras, indígenas e sertanejas, moram, trabalham, convivem, celebram e cuidam da qualidade ambiental na Zona Costeira. Ressaltase ainda que, os ecossistemas marinhos costeiros também são relevantes para a segurança da costa em caso de catástrofes e para enfrentar os efeitos das mudanças climáticas que afetam a toda a sociedade.


Por tudo dito, os impactos e os danos reais e potenciais do derramamento de petróleo cru na costa do Nordeste reflete, no mínimo, irresponsabilidade, crueldade e indiferença dos responsáveis, por ação ou omissão, em relação aos delicados ciclos de vida que envolvem a água, a fauna e a flora marinha e, comunidades tradicionais e sociedade em interrelações existenciais. Episódios dessa natureza devem ser entendidos como crimes e seus agentes precisam ser responsabilizados. Além disso, exigem medidas públicas ágeis e qualitativas que evitem a expansão dos danos e que permitam à sociedade e órgãos públicos monitorar e mitigar, proteger, recuperar e reparar os danos ecológicos e socioambientais, prevenir-se e precaver-se de novos danos. A lei 9.966/00 estabelece as ações a serem tomadas quanto a prevenção, controle e fiscalização de poluição causada por derramamento de óleo e outras substâncias em águas brasileiras. A lei abrange princípios básicos para todos os tipos de embarcações, portos, plataformas e instalações, nacionais ou estrangeiras. Essa lei descreve, também, quais as decisões e os encaminhamentos a serem tomados a partir dos primeiros registros de aparecimento de óleo, informando como classificar, prevenir e transportar o óleo recolhido. Ainda, nesta lei, contam as Cartas SAO - Cartas de Sensibilidade Ambiental a Derramamento de Óleo e, protocolos que, ao que tudo indica, não foram seguidos à risca pelas autoridades. Foto: Diego Nigro


TRAGÉDIA E CRIME NO MAR O vazamento criminoso de óleo que vem sendo verificado desde agosto de 2019, alcançou a corrente sul equatorial, a qual se bifurca pela costa do nordeste brasileiro. A parte que desce para o leste nordestino (sentido norte-sul) tem menor força. No entanto, contraditoriamente, essa é a primeira região atingida e de Fonte: Blog Jovem Explorador/Danielle Mota

forma mais grave, por uma

maior quantidade de óleo (Pernambuco, Sergipe...). Na costa norte do nordeste brasileiro, a corrente flui sentido leste – oeste e continua trazendo óleo nesse momento (Ceará, Maranhão...). Carregado pelas correntes que banham toda costa nordestina e movidos superficialmente pelos ventos que sopram fortemente, o petróleo derramado pode gerar danos de proporções trágicas. Impactos físico-químicos nas águas, devido aos componentes tóxicos do óleo; impactos geofísicos, pelos locais em que o óleo se deposita; além dos impactos biológicos na vida marinha.

Foto: Clemente Coelho Júnior

Foto: Júlio Deranzani Bicudo

Foto: Clemente Coelho Júnior


TRAGÉDIA E CRIME NO MAR

São atingidos desde os pequenos seres, como os planctônicos (fito e zoo - microorganismos que compõem a base da vida marinha) aos organismos bentônicos (algas, estrelas do mar, caranguejos...). Assim, os impactos vão da superfície ao substrato marinho, podendo atingir todos os ecossistemas que se interrelacionam. Tartarugas, aves marinhas, peixes e mamíferos marinhos (peixes-boi, golfinhos...) estão sendo sufocados e contaminados pelo óleo. A contaminação provoca também a morte dos recifes de corais e, ao afetar as áreas estuarinas, como manguezais e foz de rios, comprometem de forma aguda a reprodução de grande parte da vida marinha que, segundo pesquisadoras e pesquisadores, podem necessitar de décadas para se recuperar, pois a retirada do óleo presente nesses ambientes é ainda mais desafiadora. Os danos à Saúde Pública que podem ser causados pela contaminação, foram fartamente descritos em nota pela Universidade Federal da Bahia (http://www.fameb.ufba.br/content/ppgsat-pede-estado-deemergencia-em-saude-publica-pela-contaminacao-depetroleo-na-costa), na qual a Universidade propõe que seja declarado Estado de Emergência em Saúde Pública para o controle dos riscos decorrentes do que identificam como maior tragédia de contaminação por petróleo na costa brasileira.


Os riscos toxicológicos à saúde humana devem-se às substâncias químicas presentes no petróleo, como benzeno, tolueno e xileno que, se absolvidos, podem atingir os sistemas nervoso, imunológico e respiratório. Tais substâncias são cancerígenas e podem causar má formação fetal e doenças de pele.

Portanto, uma preocupação emergencial dos movimentos de pescadores/as e organizações da sociedade civil, é com a saúde das comunidades pesqueiras, afetadas continuamente em seu cotidiano. Outra emergência diz respeito à garantia da saúde aos voluntários e voluntárias que, além de trabalharem arduamente e em condições precárias e insalubres, contribuem de forma essencial na visibilidade do problema e suas diversas dimensões.

Assim, é necessária uma maior atenção do SUS - Sistema Único de Saúde - não só pelos elementos de potencial toxicidade, mas também pelo risco de impactos psicossociais, resultantes das perdas e interrupção do trabalho (pesca, mariscagem, comércio, turismo etc).

Foto: Léo Domingos


Segundo informações veiculadas no dia 1º de novembro de 2019, no jornal Folha de São Paulo, pescadores/as de comunidades atingidas pelo óleo relatam queda de 80% na venda de pescados. São casos como esse que podem levar as pessoas afetadas a um nível de empobrecimento, adoecimento e sofrimento psíquico, stress, ansiedade e depressão. Ou seja, há uma interrelação entre os impactos econômicos, ambientais e psicossociais. Esse desastre/crime pode, pois, gerar crises socioeconômicas nos locais afetados, como o aumento da pobreza, dependência monetária e necessidade de políticas sociais, afetando de forma grave a segurança e a soberania alimentar nos territórios pesqueiros. Desse modo, a criação de fundos especiais de emergência, pelos diferentes níveis de governo, é uma pauta urgente para enfrentar imediatamente e de forma direcionada esses danos e riscos.

Foto: Léo Domingos


ÓDIO, RACISMO E IDEOLOGIAS, OMISSÃO E INCOMPETÊNCIA DO GOVERNO FEDERAL Infelizmente, não se pode perder de vista que vivemos sob um Governo Federal que manifesta ódio ao Nordeste e desdenha da consciência política de seus povos. Expressa, ainda, evidente desrespeito à democracia e ao pacto federativo, ao dirigir-se de forma soberba aos governantes dos Estados do Nordeste. Ao mesmo tempo apela junto à população, através de um populismo autoritário e moralista. O Governo também não esconde seu racismo contra populações negras e povos indígenas, dos quais se originam as comunidades tradicionais em sua maioria, incluindo as comunidades pesqueiras.

Foto: Léo Domingos


ÓDIO, RACISMO E IDEOLOGIAS, OMISSÃO E INCOMPETÊNCIA DO GOVERNO FEDERAL Os posicionamentos e posturas do Presidente da República demonstraram seu desprezo pelos povos originários, comunidades tradicionais e pelos bens ambientais, quando frente aos terríveis danos do rompimento de uma barragem de rejeitos da mineração da empresa Vale em Brumadinho (MG, janeiro de 2019), não mudou a postura oficial de liberação da mineração em terras indígenas, nem tampouco revisitou o plano de desmontar as políticas e os órgãos ambientais, fundamentais para o exercício do Ministério do Meio Ambiente. Ao contrário, esvaziou as funções desse Ministério, destituiu Conselhos, Comitês, Grupos de Trabalhos; interditou a participação e o controle social; contingenciou os orçamentos públicos para políticas ambientais, inviabilizou e perseguiu a tarefa de fiscalização ambiental e aplicação de sanções; e manteve um discurso explícito de defesa de empresas, fazendeiros e proprietários de terras.

Foto: Simone Santos


ÓDIO, RACISMO E IDEOLOGIAS, OMISSÃO E INCOMPETÊNCIA DO GOVERNO FEDERAL Nesse pacote, também deve-se considerar as inúmeras denúncias de silenciamento, perseguição e vigilância aos quadros e órgãos técnicos e aos institutos de pesquisa, sobre os quais o governo almeja impor viés ideológico negacionista, antiambientalista, violento e entreguista americanista. Essa postura vem prejudicando não só ao ambiente e às comunidades, mas à economia e às relações internacionais. O presidente da República não esconde seu terrorismo contra os movimentos sociais e organizações ambientalistas da sociedade civil, assim como seus objetivos de interditar os direitos dos povos indígenas, das comunidades quilombolas e dos trabalhadores e trabalhadoras rurais sem terra. Esse mesmo presidente não reconhece, nem legitima as comunidades tradicionais em suas múltiplas identidades e não demonstra nenhum espírito de empatia às suas causas. No que se refere aos conflitos socioambientais e fundiários, o presidente e seus apoiadores expressam abertamente sua perspectiva de autorizar e promover a violência armada dos fazendeiros e proprietários contra a população que luta por seus direitos. Isso é demonstrado na ação criminosa de fazendeiros que, potencializada pelo presidente, planejou e organizou o “Dia do Fogo” deixando a Amazônia e o Cerrado em chamas em Agosto de 2019, mesmo período em que começou o derramamento de óleo na costa Nordestina.


AGENTES DIRETOS DOS AGRAVOS À SITUAÇÃO

No incêndio que devastou a Floresta Amazônica, afetando a biodiversidade e os povos que vivem na floresta e no derramamento de petróleo no Nordeste, o Governo minimizou a gravidade dos danos ecológicos e socioambientais. Nesses casos, o desmonte das políticas ambientais se expressa numa grave crise institucional, com precarização dos órgãos públicos, protelação na tomada de atitude e falta de transparência da informação. No caso do Nordeste, a disseminação de ideologias antinordestinos nas atitudes e políticas do Governo Federal, assim como a aparente falta de conhecimento do ministro do Meio Ambiente sobre a própria função do Ministério, suas estruturas e sentidos de existência, resultam efetivamente em negligência e omissão. O Governo que deveria tomar as devidas medidas para evitar, prevenir e mitigar danos, e de bem informar, orientar e apoiar a população local e à sociedade, esvazia o debate em querelas contra os Governadores de Pernambuco e da Bahia; se expõe ao ridículo de perseguir o Greenpeace; e, baseado em suas próprias ideologias, insufla o contraproducente ódio à Venezuela, uma das supostas origens do óleo, tendo em vista o crescente fluxo clandestino de “navio fantasmas”, para burlar os embargos dos Estados Unidos ao país.


AGENTES DIRETOS DOS AGRAVOS À SITUAÇÃO

O Ministério do Meio Ambiente só passa a reconhecer publicamente o problema, mais de 40 dias após as primeiras verificações do derramamento nos Estados da Paraíba e Pernambuco, depois de Ação do Ministério Público Federal que obrigou o governo a implementar o Plano Nacional de Contingência Incidentes de Poluição por Óleo em Águas sob Jurisdição Nacional. Ainda assim, até hoje, o MPF aponta que o Governo não tem aplicado devidamente as medidas previstas no Plano, deixando lacunas nos procedimentos e cometendo irregularidades. Por descaso ou desconhecimento de suas próprias estruturas internas, o que é tão grave quanto, o MMA sequer acionou mecanismos internos especializados que seriam relevantes para a eficiência e eficácia das medidas. Por exemplo, não acionou os servidores públicos, programas e projetos ambientais especializados e treinados para os casos de derramamento de petróleo. Em meio ao visível caos, o Governo Federal, através do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) propôs, no dia 29 de outubro, suspender a pesca de lagosta e camarão e adiantar o pagamento do seguro defeso aos pescadores dessas espécies afetados pelo desastre/crime e cadastrados no seguro defeso.


AGENTES DIRETOS DOS AGRAVOS À SITUAÇÃO

Apesar da situação de emergência, essa medida já se mostrava insuficiente e ineficaz, e demonstrava mais uma vez a misoginia nas políticas de pesca. Além de não responder efetivamente aos impactos e riscos já citados, a medida excluiria uma parte significativa de homens e mulheres que não têm Registros de Pesca - devido às restrições que a cada dia vem recaindo sobre a categoria - ou que não estão contemplados na legislação. Boa parte da pesca estuarina e costeira é realizada por pescadores e pescadoras que vivem da mariscagem, da cata do caranguejo, da pesca de peixes na costa. Nessas atividades estão fortemente as mulheres, que sequer são reconhecidas, mas seu trabalho é absolutamente central para o suprimento doméstico e garantia das condições materiais para o exercício da pesca, realizando toda a cadeia de suas próprias pescarias e participando ativamente de quase todas as etapas da cadeia da pesca realizada pelos homens. Ainda mais preocupante e irresponsável foi a atitude do Governo um dia após o anúncio da medida citada, o qual a desfez, argumentando que não havia contaminação e nada com que se preocupar, pois as praias estavam limpas e próprias para as pescarias.


Nesse mesmo dia, o Secretário da SEAP também afirmou que os peixes eram inteligentes o suficiente para fugir do óleo. A partir dessas premissas vagas e inconsistentes, o Governo resolveu liberar a pesca e a comercialização de pescados, na contramão das inúmeras ponderações e da realidade vista e vivida por pesquisadores e cientistas e pelas comunidades.

Aqui, parece-nos ser apropriado exigir das autoridades públicas, inclusive os governos estaduais e municipais que não reduzam suas preocupações apenas às necessidades dos turismo de massa e da pesca industrial. Tamanha irresponsabilidade pode gerar danos socioeconômicos ainda mais graves para as localidades, uma vez que os impactos e riscos socioambientais dessa tragédia se concretizam independente da vontade e da necessidade dos poderes públicos e empresariais privados.

Foto: Governo de Sergipe


Por fim, vale destacar que é preocupante a permanência e os investimentos dos governos na cadeia de um combustível fóssil cuja exploração é altamente degradadora no mundo inteiro. É urgente que a sociedade brasileira compreenda os riscos socioambientais e à soberania do país frente à política do Governo Federal de entregar o pré-sal às corporações internacionais e, colaborar decisivamente com a manutenção de uma sociedade altamente dependente do petróleo e submetida aos interesses das grandes corporações e a riscos, como esse terrível episódio que afeta dolorosamente a nossa costa nordestina.

Foto: @pesemlixos WWW.TERRAMAR.ORG.BR | @INSTITUTO.TERRAMAR.CE | NOVEMBRO, 2019


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