Visões do Rio Negro

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Beto Ricardo/ISA

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A OD 9

A partir da esquerda: Gregory Prang, Augusto Fonseca, Carla de Jesus Dias (ISA) – mediadora, José Alberto Peres, Clarindo Chagas Campos

Clarindo Chagas Campos Tariano Coordenador do Departamento de Projetos da Asiba

Soube que em Barcelos não tinha índios. Então eu fugi para lá. Mas quando cheguei me deparei com muitos parentes.

Minha caminhada até Barcelos foi descendo da Cabeça do Cachorro. Hoje, o local onde eu nasci é chamado de Marabitanas, mas nós temos um local tradicional, com o nome milenar de Buzina. Nesse lugar, nosso criador distribuiu os instrumentos musicais e confeccionou a buzina, instrumento que não foi invenção nossa, veio do princípio dos tempos. Hoje, na época de muita seca, escavando-se, a gente vê uma pedra de marará em forma de buzina, lavando-se bem direitinho a gente pode soprar que ela soa. A maior parte da minha vida foi por lá, em Marabitanas, no rio Uaupés, a aproximadamente 50 km da fronteira Brasil e Colômbia. Mas morei um ano na cidade de São Gabriel da Cachoeira e dois anos no Balaio - próximo à reserva de nióbio, no morro dos Seis Lagos. Finalmente, escolhi como meu lugar a sede de Barcelos, onde resido atualmente. Eu Nasceu na antiga aldeia chamada Buzina, no alto rio Uaupés, viveu em Iauaretê e Balaio, ambos na fronteira Brasil-Colômbia, até descer o rio Negro e se fixar em Barcelos em 1998. Participou da fundação da Associação Indígena de Barcelos (Asiba), da qual foi presidente. É Coordenador do Departamento de Projetos da Asiba e está empenhado em acompanhar o processo de identificação oficial das Terras Indígenas em Barcelos.

queria um lugar onde eu pudesse viver em paz, mais tranqüilo com a minha família. Na época sabíamos que em Barcelos não havia índios e, portanto, nenhum problema com demarcação de Terras Indígenas (TIs). No Uaupés, alto rio Negro, na época da demarcação, a gente sofreu. Eu tinha quinze anos e começei a entender o que é discriminação, preconceito que nossos avôs sofreram por serem considerados selvagens. Para você ser considerado ser humano, tinha que ser civilizado. Aliás, essa palavra até hoje não entra na minha cabeça! O meu pai foi uma das lideranças de Buzina e viveu a vida de forma coletiva, dividindo tudo que tinha na comunidade com seus parentes. Quando a “civilização” chegou em nossa comunidade, a vida coletiva acabou. Em Barcelos, eu tentei fugir do movimento indígena e quando participei da primeira Assembléia da Coiab, em Manaus, soube que no município não tinha índios. Então eu fugi para lá. Mas quando cheguei me deparei com muitos parentes. Hoje, depois de muito tempo de luta, vejo que enfrentei muitos desafios. Os políticos locais tentaram me fazer desistir da iniciativa de lutar pelos parentes. Eles achavam que eu estava inventando índios em Barcelos. Mas eu conheço quem é índio, sei quem são os parentes. Hoje o movimento indígena está mais ou menos consolidado em Barcelos e o povo indígena se orgulha de ser indígena. Em 1999, a gente teve um encontro em Barcelos, onde discutimos problemas sérios que os índios enfrentavam. O povo indígena trazido de regiões diferentes nunca teve

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