Cinema do IMS Paulista, junho de 2025

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Vilarinho das Furnas, de António Campos

destaques de junho

No mês do orgulho LGBTQIAPN+, o novo road movie lésbico de Albertina Carri apresenta uma diretora de filmes pornográficos em crise com seu trabalho que foge do sul de Buenos Aires para a cidade de São Paulo, em uma jornada por diferentes modos de fazer cinema. Já como parte do Circuito ballroom: o amor é a mensagem, as últimas exibições de programas que dialogam com o universo dos bailes e suas relações com o mainstream. Em 1948, Ida Lupino deixou a Warner Bros., onde trabalhava como atriz, para fundar uma produtora independente. Assim, estreou na direção de filmes, trabalhou com artistas censurados pela indústria e ofereceu uma alternativa estética e temática a Hollywood. Em junho, a mostra Dirigidos por Ida Lupino apresenta os três primeiros filmes da pioneira cineasta.

A Sessão Mutual Films reúne obras singulares que retratam comunidades que são muito distintas, mas partilham de um mesmo sentimento de aniquilamento diante do suposto progresso. A aldeia de Vilarinho das Furnas, em Portugal, é filmada por António Campos. O povoado indígena de Hotevilla, um dos mais longevos dos EUA, é retratado pelo ativista indígena James Danaqyumptewa junto às artistas suíças Anka Schmid e Agnes Barmettler. Nas estreias do mês, Ainda não é amanhã, de Milena Times, aborda com sensibilidade o tema da interrupção voluntária da gravidez; Prédio vazio, de Rodrigo Aragão, faz da pacata cidade de Guarapari um cenário de horror; em Eros, Rachel Daisy Ellis investiga as lógicas do motel a partir do olhar de seus frequentadores; Em rumo a uma terra desconhecida, de Mahdi Fleifel, apresenta dois refugiados palestinos em Atenas que lutam por uma vida melhor; e Levados pelas marés, de Jia Zangke, retoma a personagem de Qiaoqiao, em uma história que perpassa as profundas mudanças sociais na China do século XXI.

[imagem da capa]

Mãe solteira (Not Wanted), de Ida Lupino e Elmer Clifton

as rosas brancas! (¡Caigan las rosas blancas!), de

Em rumo a uma terra desconhecida (Vers un pays inconnu), de Mahdi Fleifel
Caiam
Albertina Carri
The Queen, de Frank Simon

filmes de junho

Em cartaz

Ainda não é amanhã

Milena Times | DCP

Caiam as rosas brancas!

(¡Caigan las rosas blancas!)

Albertina Carri | DCP

Em rumo a uma terra desconhecida

(Vers un pays inconnu)

Mahdi Fleifel | DCP

Eros

Rachel Daisy Ellis | DCP

Levados pelas marés (Feng liu yi dai)

Jia Zhangke | DCP

Manas

Marianna Brennand | DCP

Prédio vazio

Rodrigo Aragão | DCP

Terremoto em Lisboa

(O melhor dos mundos)

Rita Nunes | DCP

Dirigidos por Ida Lupino

Sessão Mutual Films

Circuito ballroom

Mãe solteira (Not Wanted)

Ida Lupino e Elmer Clifton | DCP, restauração 2K

O mundo odeia-me (The Hitch-Hiker)

Ida Lupino | DCP, restauração 4K

[imagem ao lado]

Quem ama não teme (Never Fear)

Ida Lupino | Arquivo digital, restauração 2K

Techqua Ikachi – Terra, minha vida

(Techqua Ikachi, Land – Mein Leben)

James Danaqyumptewa, Agnes

Barmettler e Anka Schmid | DCP, cópia restaurada

A almadraba atuneira

António Campos | DCP, cópia restaurada

Vilarinho das Furnas

António Campos | DCP, cópia restaurada

Feminino

Carolina Queiroz | Arquivo digital

Queens at Heart

Arquivo digital

Salão de baile – This Is Ballroom

Juru e Vitã | DCP

The Queen

Frank Simon | DCP, restauração 4K

É possível assistir a alguns dos filmes em cartaz no Cinema do IMS com recursos de acessibilidade em Libras, legendas descritivas e audiodescrição. Para retirar o equipamento com recursos, consulte a bilheteria do IMS Paulista. Em caso de dúvidas, entrar em contato pelo telefone (11) 2842-9120 ou pelo e-mail imspaulista@ims.com.br.

16:00 Caiam as rosas brancas! (123')

18:30 Terremoto em Lisboa (74')

20:00 Em rumo a uma terra desconhecida (106') 10

14:30 Em rumo a uma terra desconhecida (106')

16:45 Ainda não é amanhã (76')

19:00 sessão mutual films

Techqua Ikachi – Terra, minha vida (103'), seguida de debate com Rita Carelli, Mariana Shellard e Aaron Cutler

14:50 Ainda não é amanhã (76')

16:30 Prédio vazio (80')

18:10 Eros (108')

20:20 dirigidos por ida lupino

Quem ama não teme (81')

16:20 Em rumo a uma terra desconhecida (106')

18:20 Terremoto em Lisboa (74')

19:50 Caiam as rosas brancas! (123')

5

16:00 Em rumo a uma terra desconhecida (106')

18:00 Caiam as rosas brancas! (123')

20:20 Ainda não é amanhã (76')

11

14:00 Ainda não é amanhã (76')

15:45 Manas (101')

17:45 Ainda não é amanhã (76')

19:30 sessão mutual films

A almadraba atuneira + Vilarinho das Furnas (104'), sessão apresentada por João Fernandes, Aaron Cutler e Mariana Shellard

18

16:45 Ainda não é amanhã (76')

18:20 Prédio vazio (80')

20:00 Eros (108')

12

14:20 Caiam as rosas brancas! (123')

16:45 Ainda não é amanhã (76')

18:20 Prédio vazio (80')

20:00 Eros (108')

19

14:15 Ainda não é amanhã (76')

15:50 Eros (108')

18:00 circuito ballroom

The Queen + Queens at Heart (90')

20:00 Levados pelas marés (111')

24

14:30 Prédio vazio (80')

16:10 Eros (108')

18:20 Levados pelas marés (111')

20:30 dirigidos por ida lupino

O mundo odeia-me (71')

25

14:45 Ainda não é amanhã (76')

16:10 Prédio vazio (80')

17:50 Eros (108')

20:00 Levados pelas marés (111')

26

14:00 Ainda não é amanhã (76')

15:40 Eros (108')

17:50 Levados pelas marés (111')

20:00 dirigidos por ida lupino

Mãe solteira (91')

16:00 Caiam as rosas brancas! (123')

18:20 Em rumo a uma terra desconhecida (106')

20:20 Ainda não é amanhã (76')

22:00 Manas (101')

14:00 Manas (101')

16:00 Em rumo a uma terra desconhecida (106')

18:00 Ainda não é amanhã (76')

19:50 Eros (108')

22:00 Prédio vazio (80')

14:00 Em rumo a uma terra desconhecida (106')

16:20 Caiam as rosas brancas! (123')

18:40 dirigidos por ida lupino

Quem ama não teme (81')

20:20 Ainda não é amanhã (76')

22:00 Manas (101')

14

14:00 Caiam as rosas brancas! (123')

16:20 Ainda não é amanhã (76')

18:00 dirigidos por ida lupino

O mundo odeia-me (71')

19:50 Eros (108')

22:00 Prédio vazio (80')

15:20 Eros (108')

17:30 circuito ballroom

Salão de Baile - This is Ballroom + Feminino (120')

19:50 Levados pelas marés (111')

22:00 Prédio vazio (80') 27

14:00 Manas (101')

16:00 Ainda não é amanhã (76')

17:40 Prédio vazio (80')

19:50 Levados pelas marés (111')

22:00 Eros (108')

19:50 Caiam as rosas brancas! (123')

14:00 Caiam as rosas brancas! (123')

16:20 Manas (101')

18:20 Ainda não é amanhã (76')

20:00 Em rumo a uma terra desconhecida (106') 15

14:00 Em rumo a uma terra desconhecida (106')

16:15 Ainda não é amanhã (76')

17:50 Eros (108')

20:00 Prédio vazio (80')

21

14:00 Ainda não é amanhã (76')

15:40 sessão mutual films

A almadraba atuneira + Vilarinho das Furnas (104')

18:00 dirigidos por ida lupino

Mãe solteira (91')

19:50 Levados pelas marés (111')

22:00 Prédio vazio (80') 28

14:00 Ainda não é amanhã (76')

15:40 Eros (108')

17:50 sessão mutual films

Techqua Ikachi – Terra, minha vida (103')

19:50 Levados pelas marés (111')

22:00 Manas (101')

dia o IMS Paulista estará fechado

14:20 Prédio vazio (80')

16:00 Ainda não é amanhã (76')

17:40 Caiam as rosas brancas! (123')

20:00 Levados pelas marés (111')

Dirigidos por Ida Lupino

Ida Lupino: cineasta

Atriz, roteirista, produtora, diretora. Ida Lupino foi uma mulher de muitos talentos, mas por muito tempo foi lembrada principalmente pela primeira função. Abre-se um livro de história do cinema e depara-se com a frase “a atriz Ida Lupino dirigiu…”. Mas quem dirige é o quê? Por muito tempo, o apagamento histórico rondou seu nome: ou foi omitida dos tratados de história do cinema, ou foi abordada como uma curiosidade ou como uma nota de rodapé. Sempre batalhou por papéis melhores e mais significativos, e talvez por isso tenha decidido contar ela mesma suas histórias. Em 1948, fundou com seu então marido, Collier Young, The Filmmakers, uma pequena produtora de filmes de baixo orçamento onde pôde, nos anos seguintes, realizar obras que jamais seriam feitas nos grandes estúdios naquele momento, especialmente em tempos de (auto)censura do Código de Produção.

Em 1949, trabalhou como diretora pela primeira vez, durante as filmagens de Mãe solteira (Not Wanted). Lupino era, junto com Paul Jarrico, uma das roteiristas da obra, além de produtora. Quando o diretor Elmer Clifton sofreu um infarto logo no começo da produção, ela, que já estava tão envolvida, assumiu também essa função. E, embora tenha sido responsável pelo filme em sua

quase integridade, não recebeu os devidos créditos na época. Na trama, a protagonista é Sally, interpretada por Sally Forrest, uma jovem que se apaixona por um pianista que trabalha em casas noturnas, engravida e é rejeitada por ele, como o título em português indica.

Ela dá seu bebê para adoção, mas alimenta um sentimento de culpa, até que tenta tomar para si um bebê que está chorando em um carrinho na rua. Estruturado em flashback, o drama social trata do tema sensível de maneira formalmente sofisticada, revelando a trajetória da protagonista a partir desse momento, justificando seus atos a partir de sua subjetividade abalada pelos acontecimentos. Ao retratar as amarras impostas a uma mulher que engravida fora da instituição matrimonial e elaborar consequências psicológicas para sua heroína, a diretora estabelece a simpatia do público com seu sofrimento, apesar das convenções sociais de então.

Em Quem ama não teme (Never Fear, 1950), Lupino foi devidamente creditada como diretora, e produziu e roteirizou em parceria com Collier Young. Sally Forrest novamente interpreta a protagonista, dessa vez para contar a história de Carol, uma dançarina que tem a carreira e a vida pessoal abaladas pelo diagnóstico de poliomielite.

Na narrativa, a jovem é noiva de seu parceiro de dança. Ao perder os movimentos das pernas, ela se afasta dele, por imaginar ter perdido o vínculo que tinham em comum, e busca uma maneira de recuperar sua mobilidade. O filme parte da experiência da própria cineasta com a doença uma década antes. A personagem principal se aproxima de outras pessoas com quem possa compartilhar suas vivências, destacando, como na obra anterior, os estigmas sociais e as dificuldades enfrentadas pela comunidade que acolheu.

Em 1951, Lupino estrelou e codirigiu um filme noir, Cinzas que queimam (On Dangerous Ground), do cineasta Nicholas Ray. Talvez a experiência tenha inspirado seu projeto seguinte, O mundo odeia-me (The Hitch-Hiker, 1953), que roteirizou em parceria com Collier Young, e que muitas vezes é citado como sendo o primeiro filme noir dirigido por uma mulher. Nele, dois homens que estão viajando dos Estados Unidos para o México aceitam dar carona a um desconhecido, sem saber que ele é foragido por já ter matado outros que lhe deram carona anteriormente. O captor mantém suas duas presas sob controle, enquanto a polícia está no rastro dos três. Ao contrário dos seus dramas com temas sociais, Lupino constrói um mundo quase sem mulheres,

marcado pela violência e com uma atmosfera sinistra que, aliada a uma violência particularmente masculina, resulta em um suspense crescente.

Foram poucos filmes, mas significativos, dirigidos em um curto espaço de tempo. Aos já mencionados se somam O mundo é culpado ( Outrage , 1950), Laços de sangue (Hard, Fast and Beautiful!, 1951) e O bígamo (The Bigamist, 1953).

Com eles, a cineasta elabora temas como estupro, carreira, parentalidade e bigamia.

O conjunto de títulos muitas vezes flerta com o melodrama, colocando em primeiro plano temas espinhosos, sem deixar de lado uma linguagem sofisticada.

A teórica de cinema Claire Johnston (1940-1987) escreveu em 1973 a respeito da forma como Ida Lupino, assim como Dorothy Arzner (a única mulher dirigindo em Hollywood a partir de meados da década de 1930), trabalhou em meio ao que chamou de ideologia sexista dominante. Segundo Johnston, ambas se valeram dos filmes que dirigiram e se apropriaram da iconografia vigente (uma certa representação mítica das mulheres) para provocar duplicações críticas.

Para a autora, o fato de Lupino escolher usar o melodrama como forma de expressão é significativo justamente por se tratar do

gênero que apresenta uma visão mais humana das mulheres (e nesse caso de seus dramas) e que se adapta à exteriorização de sua opressão. Por isso, o cinema de Lupino aponta para a própria subversão da mítica hollywoodiana da criação imagética de mulheres.

Nesse sentido, é interessante observar como seu legado tem sido redescoberto em suas particularidades. O fato de ela estar virtualmente sozinha enquanto mulher diretora em certo momento de sua carreira não é algo que deixe de ter influência na construção do lugar peculiar que está se construindo para ela na história do cinema. Sua breve filmografia, com orçamentos reduzidos, traz majoritariamente dramas e protagonismos femininos, em narrativas que se destacam pela sua elegância, usando de temas vistosos com uma abordagem ambígua, ao mesmo tempo crua e empática. O resultado são filmes memoráveis, que merecidamente estão ganhando espaço, assim como ela mesma, Ida Lupino, enquanto cineasta, redescoberta por novas políticas do olhar.

Techqua Ikachi – Terra, minha vida

(Techqua Ikachi, Land – Mein Leben), de James Danaqyumptewa, Agnes

Barmettler e Anka Schmid

Encontros solitários: Vilarinho

das Furnas +

Techqua Ikachi –

Terra, minha vida

Aaron Cutler e Mariana Shellard

O momento havia chegado, pois já havia muitos Hopis educados, e as profecias previam que um dia as crianças Hopi com cabelos curtos ou cabeças calvas seriam os ouvidos e a boca dos anciãos, e, com o tempo, se tornariam os líderes.

Em 1968, a pedido do ancião e líder comunitário Hopi Dan Kachongwa, um integrante da tribo chamado James Danaqyumptewa começou a registrar com uma câmera super-8 e um gravador de áudio cerimônias e eventos políticos de seu vilarejo de Hotevilla, localizado no estado norte-americano do Arizona e hoje com cerca de 1.000 habitantes. O propósito de Danaqyumptewa e Kachongwa (este com mais de 100 anos de idade na época) era oferecer às futuras gerações do povo Hopi um vislumbre de sua tradição e seu modo de vida, que rapidamente

1. A citação original se encontra em inglês em: tinyurl.com/techquasmf.

se perdiam. Em 1969, no distrito português de Braga, a comunidade pastoril centenária de Vilarinho das Furnas recebeu a visita do cineasta António Campos, natural da cidade de Leiria. A missão de Campos era registrar os últimos momentos de vida da aldeia, com cerca de 300 habitantes, que existia há séculos praticamente isolada do restante do país, antes de Vilarinho ser submersa pelas águas do reservatório de uma barragem hidroelétrica que estava sendo construída na região. Os filmes que resultaram dos trabalhos feitos nos Estados Unidos e na Europa retratam comunidades muito distintas que se assemelharam em sua luta por manter sua autossuficiência diante da ameaça do Estado. Danaqyumptewa (“aura”, na língua Hopi) nasceu em 1916, com o nome de James Kootshongsie, em Hotevilla, que foi fundada em 1906 numa tentativa de estabelecer um santuário para os que queriam seguir uma vida tribal tradicional, sem a interferência do governo norte-americano. Mesmo assim, aos cinco anos de idade, ele foi levado à revelia de sua família, junto com centenas de outras crianças Hopi, para a escola do Gabinete de Assuntos Indígenas, onde viveu e recebeu uma educação de uma cultura que não era sua. Cinco anos depois, ele retornou para Hotevilla, mas deixou novamente seu vilarejo quando foi escalado para

Trecho da newsletter Hopi Techqua Ikachi: Land and Life1

lutar na Segunda Guerra Mundial no Pacífico. Ao retornar, liderou a luta contra a desapropriação de suas terras para a exploração de petróleo e carvão, orquestrada por empresas privadas em conluio com o governo invasor. Manifestou seu ativismo a favor dos direitos humanos e civis dos Hopis de diversas formas. Por exemplo, filmou em super-8 durante mais de 20 anos (inclusive por mais de uma década após a morte de Kachongwa, em 1972) e editou um jornal comunitário para relatar as divergências e os conflitos entre diferentes grupos Hopi com o Estado norte-americano. Essa newsletter, que teve 44 edições publicadas entre 1975 e 1986, se chamava Techqua Ikachi: Land and Life (Techqua Ikachi, terra e vida) e inspirou o nome do filme que Danaqyumptewa depois realizou em parceria com outras duas cineastas.2

Uma delas foi a pintora suíça Agnes Barmettler (nascida em 1945), que teve seu primeiro contato com a cultura Hopi em 1977, em uma exposição em Los Angeles sobre a tribo que a deixou impressionada. Barmettler cresceu no mosteiro de uma pequena vila em Obwalden, no centro da

Suíça, onde seu pai administrava a queijaria local. Ela estudou em um internato de freiras, onde aprendeu a desenhar e pôde posteriormente ingressar na escola de artes.

Após visitar Hotevilla, Barmettler passou a desenhar as paisagens norte-americanas incorporando símbolos Hopi, e, em 1979, foi convidada a viver no vilarejo, período durante o qual ela aprendeu a falar a língua local.

2. Todas as edições do newsletter podem ser encontradas em inglês em: tinyurl.com/techquasmf2.

Em 1986, Barmettler acompanhou Danaqyumptewa em uma viagem para Genebra, onde o indígena foi encarregado de defender a existência legal de seu povo como uma nação em um evento da ONU. Ele trouxe consigo meia hora de material em super-8 e pediu a recomendação de Barmettler de alguém que pudesse ajudar a condensá-lo para 10 minutos. A artista então o apresentou a Anka Schmid (nascida em 1961), uma estudante suíça de cinema baseada em Berlim, cuja mãe era colega de Barmettler como artista, curadora e ativista política. Embora o pedido de reconhecimento internacional da nação Hopi tenha sido negado, Danaqyumptewa teve uma experiência positiva ao trabalhar com Schmid, cujo comportamento neutro e aberto diante do material se diferenciou da atitude de outros cineastas estrangeiros com quem ele havia colaborado e que sempre buscaram impor sua própria visão.

Danaqyumptewa engajou então Barmettler e Schmid na criação de um documentário de longa-metragem sobre a história e a cultura Hopi. Foi estabelecido um acordo entre os três, no qual, segundo Schmid, “os Hopi determinariam o conteúdo de 100% do filme, com Danaqyumptewa conduzindo todas as entrevistas e decidindo quais trechos e em que ordem seriam usados. Eu e Agnes teríamos a mão livre para a implementação criativa. Como cineasta, minha tarefa era escrever um argumento baseado no que ele me contava.”3 Para evitar lidar com produtores que também poderiam criar interferências, Schmid escalou sua própria irmã e alguns colegas europeus para cuidar da produção.

Levou dois anos para Schmid levantar a verba suficiente para a realização do filme Techqua Ikachi – Terra, minha vida (Techqua Ikachi, Land – Mein Leiben, 1989). Ela então se mudou para os Estados Unidos, onde acompanhou e filmou com sua câmera 16 mm durante um ano um modo de vida baseado nas estações do ano e no plantio. Como não havia eletricidade em Hotevilla,

3. O depoimento de Schmid sobre a realização de Techqua Ikachi – Terra, minha vida, dado em 2024, pode ser encontrado em inglês e em alemão no site da distribuidora alemã Arsenal: tinyurl.com/techquasmf3.

ela e Barmettler montaram uma sala de edição e residência temporária na cidade próxima de Flagstaff. E, devido à proibição de filmagens feitas por visitantes não indígenas no vilarejo, a presença da equipe restringia-se a algumas casas e aos campos de plantações, onde filmaram Danaqyumptewa cuidando das suas tarefas cotidianas com a lavoura de milho, feijão e outros alimentos no deserto. O período de entressafra foi usado para a edição do material, e, quando o plantio começou a dar frutos, a equipe retornou a Hotevilla.

Durante seis semanas, a equipe de filmagem também gravou os depoimentos dos anciãos de Hotevilla que escolheram participar na produção (principalmente homens, embora a sociedade fosse matriarcal). Eles falaram por horas na língua Hopi sobre a fundação da aldeia e a importância de gerações mais jovens valorizarem suas tradições. Barmettler não apenas traduziu as falas junto a Danaqyumptewa mas também foi encarregada de pintar as representações das histórias que não tinham registros visuais (como imagens do presente ou fotos e filmes de acervos, como os da Smithsonian Institution e da Universidade do Norte do Arizona). Schmid voltou a Berlim para concluir o filme após apresentar um corte aos anciãos e receber sua aprovação.

Techqua Ikachi teve sua estreia mundial em 1989 em Berlim, na presença dos cineastas. Isso foi sete anos após o sucesso estrondoso do longa-metragem experimental Koyaanisqatsi (1982, dirigido pelo norte-americano Godfrey Reggio) – cujo título veio das palavras Hopi para “uma vida fora de balanço” – e cinco anos após o primeiro longa-metragem falado integralmente na língua Hopi, o documentário

Itam Hakim, Hopiit [Nós, os Hopi] (realizado em vídeo em 1984 pelo nativo de Hotevilla Victor Masayesva, Jr.) ter sido produzido com o apoio da emissora alemã ZDF. O filme também passou em festivais europeus, como Cinéma du Réel e Visions du Réel, porém teve sua estreia norte-americana apenas em 1992, na competição do Festival Sundance de Cinema.

Danaqyumptewa morreu em 1996, com um único título na sua filmografia como diretor. (Barmettler dirigiu apenas mais um curta, e, embora Schmid tenha realizado diversas produções para cinema e televisão, Techqua Ikachi permaneceu sua única colaboração com os Hopi.) As filmagens em super-8 de Danaqyumptewa aparecem em Techqua Ikachi principalmente em duas longas sequências. Na primeira, um grupo Hopi enfrenta firmemente os esforços ilegais do Bahanna [homem branco] de

levar eletricidade para suas terras. E, na segunda, uma série de danças Hopi tradicionais (algumas já não mais realizadas) são apresentadas com suas respectivas músicas e sem comentários adicionais. As imagens de destruição e violação cedem lugar para a criação e a preservação.

Vilarinho das Furnas deu seu último respiro em 1971, dois anos após António Campos ter começado sua crônica do ciclo de vida e morte da aldeia. Campos iniciou suas filmagens a partir de uma sugestão do cineasta português Paulo Rocha, que disse para ele visitar o vilarejo destinado à extinção devido à construção de uma barragem hidroelétrica pela empresa Hica (Hidroelétrica do Cavado). Campos então dirigiu até o distrito de Braga, onde a aldeia comunitária e medieval se localizava, encrustada em um vale entre a serra Amarela e a serra do Gerês. Ao ouvir sobre o cotidiano em Vilarinho, resolveu ficar e filmar, com sua câmera 16 mm, do jeito que vinha fazendo há mais de uma década: no mesmo nível das pessoas cujas histórias ele queria documentar.

António Maria Pereira Campos nasceu em 1922 em Leiria, no centro de Portugal, e, embora tenha passado uma boa parte dos seus anos formativos com parentes na cidade de Aveiro, voltou para sua cidade nativa aos 22 anos. Quando jovem, gostava

de matar aula para observar os operários de uma fábrica, no interesse de desenvolver o que chamou mais tarde de “a atração que sentia pelo sortilégio daquele mundo do trabalho e da criação”.4 Foi pego pelo mundo da representação artística ao ver uma reprodução de um quadro de São Francisco de Assis feito a lápis na parede de uma sapataria.

Cursou brevemente artes plásticas, mas abandonou os estudos e assumiu uma posição administrativa em um liceu em Leiria. Adentrou o cinema como curioso e passou os anos seguintes estudando as técnicas e histórias do meio em livros, segundo ele, sem a inspiração de nenhum filme ou cineasta específico. Isso foi numa época em que o cinema português circulava pouco dentro de Portugal – em parte pelo baixo número de produções locais realizadas anualmente, em parte por causa da censura do Estado Novo governado pelo ditador António Salazar desde 1933 (sete anos após o começo da ditadura portuguesa, em 1926).

4. A fala de Campos se encontra em uma longa entrevista que ele deu a Manuel Costa e Silva e António Loja Neves em 1997, perto do fim de sua vida: tinyurl.com/antoniosmf. Mais entrevistas com Campos e depoimentos dele podem ser encontrados no livro O paradigmo do documentário: António Campos, cineasta (2009), de Manuela Penafria: tinyurl.com/campossmf.

Campos – que também se aliou a um grupo amador de teatro em Leiria – sonhava em fazer filmes de ficção, e seu primeiro foi o curta-metragem Um tesoiro (1958), feito com uma câmera 8 mm recém-comprada. O elenco do filme silencioso foi composto por uma comunidade de pescadores em Vieira de Leiria, e, apesar da obra ser baseada em um conto do escritor português Loureiro Botas, o que domina na tela, acima de qualquer narrativa, são as imagens documentais das pessoas –como as mulheres correndo com bacias na cabeça para colher areia na praia, os vendedores na feira de rua ou um grupo de meninos brincando. Isso também vale para o curta de Campos em 8 mm O senhor (1959), no qual a história do conto original do escritor português Miguel Torga cede lugar para imagens imponentes e sombrias de um parto que ocorre dentro de um moinho de pedra e da comunidade rural esperando ao redor. Campos sabia que mesmo as suas ficções seriam regadas pela realidade concreta de seu tempo. Tanto os filmes de ficção quanto seus documentários faziam parte de uma ambição de imortalizar um tempo que rapidamente esvaía-se. Em 1961, Campos foi empregado para registrar em película as exposições de arte e as atividades realizadas na Fundação Caloueste Gulbenkian, um importante centro cultural que abriu em

1956 em Lisboa. No mesmo ano, ele filmou a última campanha de pesca ao atum em uma pequena aldeia no Algarve, ao longo de uma temporada (de março a setembro).

Campos fez sua primeira obra em 16 mm, o curta-metragem A almadraba atuneira (1961/1974), em homenagem ao trabalho artesanal dos homens envolvidos na pesca. Montou o material como se todo o processo, que se iniciava com a preparação das redes e embarcações e era concluído com a venda dos peixes no mercado, ocorresse ao longo de um dia. E finalizou com uma cartela observando que, no ano seguinte, o mar tomou conta da aldeia, e a pesca local cessou. O autodenominado “etnocinema” de Campos fez sucesso primeiro em um festival de cinema amador em Carcassone, na França, e depois passou principalmente em universidades e cineclubes em Portugal, inclusive no Cine Clube do Porto, onde foi celebrado por frequentadores como o cineasta Manoel de Oliveira (então diretor de apenas um longa-metragem e alguns curtas e médias). Apesar de Campos nunca ter se interessado por política, seus filmes foram vistos como políticos, especialmente em relação à ditadura. O governo de Salazar – ele mesmo nascido em uma aldeia com menos de 1.000 habitantes – exaltava de forma propagandística o trabalhador rural como o

nobre coração de Portugal, porém artistas como Campos revelaram com franqueza uma vida dura e sob ameaça de extinção.

O curta-metragem de ficção de Campos

A invenção do amor (1965), inspirado em um poema do escritor de Cabo Verde Daniel Filipe, critica o regime ao contar a história de um homem e uma mulher que são perseguidos e mortos pela polícia por inventarem o amor. Enquanto correm, as paisagens de fundo ganham destaque, e um país inteiro parece se envolver na fuga do casal. Esse e outros filmes de Campos ganharam um forte apoiador na figura de Paulo Rocha, que descobriu o cinema de Campos enquanto aluno universitário em Paris e continuou a brigar a favor dele após ele próprio se tornar um importante cineasta nacional. Rocha reconheceu que as qualidades em Campos de ousadia e independência de qualquer corrente cinematográfica causaram estranhamento em muitos no meio. “Nunca foi uma relação simples, porque as pessoas ficavam desarmadas, ele cheirava a campo”, disse Rocha sobre Campos mais tarde. “Nunca soube adotar a linguagem, a roupa, o bigode, ao que estava na moda”.5

Fez sentido então para Campos embarcar nas filmagens do seu primeiro longa-metragem documental, Vilarinho das Furnas (1971), de forma mais uma vez solitária e essencialmente autofinanciada (dessa vez, contando também com um pequeno apoio da Gulbenkian). E foi com uma certa ironia que ele foi recebido por muitos dos habitantes como um intruso, e até mesmo um espião da hidroelétrica que os deixaria despossuídos. Encontrou um aliado em um camponês de meia-idade que se chamava Aníbal Pereira Gonçalves, que se tornou o narrador do filme. Aníbal se apresenta para a câmera no início de Vilarinho das Furnas para contar um pouco da história da aldeia, o olhar de Campos retorna periodicamente à figura do camponês, enquanto sua voz guia o espectador de uma parte de Vilarinho para outra.

pelas pedras se torna uma imagem final da água presa por detrás da barragem.

5. O depoimento de Rocha pode ser encontrado no amplo presskit preparado em 2022 pela Cinemateca Portuguesa dos filmes digitalizados de António Campos: tinyurl.com/cinematecaptac.

A fala de Aníbal sobre as reuniões regulares dos membros da aldeia (que Campos foi proibido de filmar) é acompanhada por cenas de um ano na vida em Vilarinho, inclusive dos períodos da colheita do milho e da Festa de Nossa Senhora de Conceição. A rigorosa montagem do filme evoca vez após vez os ciclos de vida e morte que o vilarejo experiencia de forma natural ou imposta. Uma imagem de um homem construindo uma roda se torna uma roda descartada com o abandono da aldeia, e uma cena das águas correndo livremente

Vilarinho das Furnas inicialmente teve uma circulação tímida em Portugal, mas, mesmo assim, participou do Festival de Cannes em 1972, entre outros festivais, melhorando as oportunidades do cineasta para produção. Enquanto seus filmes autorais até Vilarinho foram realizados em preto e branco e com ele mesmo como cinegrafista, os filmes subsequentes foram realizados em cores e com o trabalho de câmera feito por Acácio de Almeida, que já tinha começado sua trajetória como o mais importante diretor de fotografia do cinema português. Eles incluíram o documentário de longa-metragem Falamos de Rio de Onor (1974), que trata da dissolução dos modos de vida na pequena aldeia do título com uma grande beleza visual e uma abordagem lírica e poética. E, também, o documentário Gente da Praia da Vieira (1975), um retrato de uma aldeia de pescadores, filmado logo após o fim da ditadura de Portugal, em 1974, que mistura diversos registros (inclusive cenas de teatro e trechos de filmes anteriores de Campos) para sugerir uma diversidade de possibilidades para a vida no “novo” Portugal. Em 1974, Campos conseguiu uma verba da Gulbenkian para sonorizar A almadraba atuneira (que costumava passar sem trilha), em uma mistura de discretos sons locais com

A sagração da primavera (Le Sacre du printemps, 1913), de Stravinsky, que enfatizou a natureza hercúlea dos esforços dos pescadores. Saiu do seu trabalho na fundação alguns anos depois para fazer, com apoio estatal, seu primeiro longa-metragem de ficção, Histórias selvagens (1978), adaptado de dois contos de António Passos e ambientado na aldeia histórica de Montemor-o-Velho.

Fez mais um longa de ficção, Terra fria (1992), a partir de um romance de Ferreira de Castro. O impulso de fazer as adaptações literárias de obras de autores portugueses foi mais um aspecto da cultura local que Campos buscou retratar ao longo de sua vida.

O cineasta morreu em 1999, após receber sua primeira grande retrospectiva em La Rochelle (em 1994) e deixar todo seu espólio para a Cinemateca Portuguesa. Em seu último filme, o curta-metragem de ficção A tremonha de cristal (1993), Campos retornou para a cidade onde cresceu, Aveiro, e flertou com o fim por meio da história de um velho que convence seu neto a visitá-lo ao enviar um telegrama dizendo estar morrendo, sem antecipar que a morte, de fato, lhe aguardava.

Quando começou a filmar sua própria vila, James Danaqyumptewa era um importante escultor de kachinas – bonecas que representam os espíritos de mesmo nome

que são corporificados durante os rituais Hopi. Junto com outros artistas de kachinas locais, ele ajudou a reviver essa tradição das bonecas, que costumavam ser presenteadas às crianças e jovens mulheres da aldeia para que fossem usadas como objetos de estudo das entidades que seriam materializadas durante os rituais. De certa forma, era um gesto similar ao da criação de Techqua Ikachi – Terra, minha vida. Nos 35 anos após a realização dessa produção suíço-alemã, surgiram novas gerações de cineastas Hopi e de outros povos indígenas que utilizaram o audiovisual para expor, refletir e preservar sua própria cultura.

Com as pedras de uma das casas de Vilarinho das Furnas, a comunidade criou um museu sobre o vilarejo, onde todo ano seus membros se reencontram para relembrar da época em que viveram juntos. O legado de António Campos hoje reside não apenas em seus filmes-retratos, como Vilarinho das Furnas, mas também na influência que o cineasta marginal teve sobre gerações de artistas do cinema português moderno. A lista de diretores portugueses que fizeram crônicas docuficcionais sobre a preservação de tradições frente à passagem do tempo nos anos após Campos começar a filmar vão de Manoel de Oliveira e Paulo Rocha a Fernando Lopes e João César Monteiro, até os projetos

de António Reis e Margarida Cordeiro em Trásos-Montes e Pedro Costa em Fontainhas. A cineasta Rita Azevedo Gomes trabalhava na Cinemateca Portuguesa em diversas funções na época em que Campos doou seu acervo para a instituição e, em um e-mail de março de 2025, ela lembrou:

“Eu conheci vagamente o António Campos – sempre muito vagaroso e silencioso; tinha umas mãos finas. No seu espólio, havia caixas e caixas cheias de documentação, muitos pequenos utensílios e acessórios por ele fabricados e que usava na fotografia dos seus filmes – filtros, máscaras, tudo meticulosamente e religiosamente catalogado e identificado com a sua letra, por vezes a lápis. Sente-se essa finura e delicadeza nos seus filmes e no tempo que dá a cada plano. Homem do tempo, cineasta de contemplação amorosa.”

A Sessão Mutual Films de junho de 2025 é dedicada às memórias do crítico e programador cultural português Augusto M. Seabra (1955-2024), da artista visual e curadora indígena norte-americana Jaune Quick-to-See Smith (1940-2025) e de Rosmarie Schmid (1935-2025) –uma artista e ativista suíça, mãe de Anka Schmid, que criou em 1991 a organização Labyrinth International, tomando com Agnes Barmettler a referência da ideia Hopi do labirinto como um local para estimular o autoconhecimento.

Eros, de Rachel
Daisy Ellis

A porosidade de Eros

O longa-metragem de Rachel Daisy começa com imagens da paisagem urbana do Recife captadas de dentro de um carro. O brilho de uma luz neon mostra o letreiro que nomeia um motel chamado Eros. Qualquer associação mais direta ao caráter divino ou erudito evocado por essa palavra de origem grega, também escolhida para nomear o longa, cai por terra. A palavra “Eros”, aqui, é um fato concreto, está posta na avenida para simbolizar uma instituição comercial e, se brilha, é para atrair clientes. Com uma câmera subjetiva, vemos o registro de alguém que entra no motel e passa por um painel eletrônico, revelando diferentes suítes para serem escolhidas mediante poucos cliques. Em seguida, pelos reflexos dos espelhos nas paredes laterais e no teto, tão característicos desse ambiente, vemos uma mulher que se filma com o celular. Há algo de ambíguo nos seus gestos. Sua postura hesitante contraria o que se espera de um motel – quem nunca se sentiu ligeiramente inseguro ao entrar nesse ambiente associado a performances espetaculares? A incerteza de seus movimentos contraria, ainda, as imagens que costumam representar esses espaços, dominadas pelo registro pornográfico. Essa mulher – que observamos meio desconcertados – é a própria diretora do filme, Rachel. Em off, ela

relata ter ido ao motel para se filmar com um parceiro, em um “exercício de intimidade de um novo casal”. Fato é que o parceiro faltou e, no tempo de espera, a diretora se deixou levar pela escuta das vozes e dos gemidos provenientes dos outros quartos. Movida pelo desejo de saber mais sobre as pessoas que estavam além das paredes opacas, decidiu realizar o filme.

Não é desprezível que essa ideia cinematográfica tenha surgido de um tempo de espera. No capitalismo das largas avenidas e do consumo 24/7, o ato de espera irrompe como uma ruptura radical dos fluxos costumeiros. Outro fator relevante é o ato de escuta diante de algo que não se vê. A avalanche de imagens a que somos submetidos pelas tantas telas presentes no cotidiano produz uma tirania do visível que tende a refratar qualquer resquício de curiosidade e imaginação do invisível. São, contudo, esses dois elementos – a espera e a abertura ao invisível – que perturbam em absoluto uma possível banalidade das imagens que viriam a compor o filme.

Após realizar uma pesquisa bibliográfica sobre motéis no Brasil, a diretora reuniu um grupo de pesquisadores. Encontraram diferentes perfis de frequentadores. Àquelas pessoas que mostravam alguma

receptividade, era feito um convite quase paradoxal. Rachel solicitava que registrassem em vídeo momentos de sua “intimidade”, com o objetivo de compor um documentário. A arquitetura dos motéis permitiu encontrarmos um elo entre figuras muito distintas, que raramente frequentariam os mesmos contextos sociais: um casal formado por uma mulher recém-chegada à terceira idade, que afirma manter uma vida sexual mais libertária do que a de muitas jovens; um casal homoafetivo evangélico, que se grava em cenas de sexo explícito entremeadas por discussões religiosas; adeptos do swing; duas mulheres acompanhadas por um homem fantasiado de padre, que fetichizam os interditos cristãos; uma sexóloga evangélica junto ao seu marido em busca de um espaço que permita descansar dos filhos; jovens tatuados adeptos das práticas de BDSM; uma mulher trans que se prostituía para custear seus estudos e está se despedindo de um companheiro amoroso, entre outros.

Apesar da rica e intrigante diversidade desses perfis, uma inquietação nos arrebata de início. Será que depois das redes sociais e de toda a pornografia amadora disponível na internet, ainda somos capazes de nos sensibilizar com imagens realizadas por pessoas – apesar de todas as diferenças – comuns?

O filme não pretende esgotar os possíveis perfis de frequentadores de motéis, nem mesmo almeja extrair, de modo objetivo, informações precisas ou discursos dos mesmos.

O que se espera, então, dessas imagens de “intimidade” capturadas em motéis?

Assisti a Eros na ocasião de sua estreia brasileira, em janeiro de 2024, na Mostra de Tiradentes. O público, entre gargalhadas e comentários em voz alta, reagia com tanta intensidade que os instantes de silêncio é que se destacavam. Se o riso era movido por genuína empatia, deboche ou constrangimento, não há como averiguar. Fato é que algo de efetivamente íntimo e singular estava sendo exposto aos espectadores. A noção de intimidade no filme, entretanto, extrapola a representação – já banalizada – do ato sexual. O que chama atenção, por um lado, são os diferentes modos de filmar e encenar criados pelos distintos frequentadores de motel. Por outro lado, é uma certa quebra de controle dos modos de composição dos planos ou de como se portar diante da câmera o que nos toca. A montagem de Eros não privilegia a ação, mas as hesitações e os tempos mortos. Há, na duração do filme, o tempo para a espera, o tempo para se perder nas conversas e imaginar aquilo que não é mostrado.

Vemos, em diversos momentos, rastros de busca, mais do que de representação: uma câmera que se move, procurando um enquadramento ideal, alguém que pergunta “já está filmando?”, enquanto reproduz sua melhor pose. Em suma, há tempo para visualizar a errância humana que precede e abala o espetáculo. A montagem preserva traços de um processo vivo.

Segundo certas versões da mitologia grega, Eros, ícone do desejo, nasce de um encontro forçado e um tanto clandestino entre Penia e Poros. Enquanto Penia era uma figura associada à pobreza, Poros, além de astúcia, representava a riqueza. O desejo erótico, além de ser luminoso – como propõe a publicidade, as peles cintilantes dos atores pornográficos e as arquiteturas dos motéis –, guarda em sua genética certo grau de precariedade e porosidade. Parece que certa instabilidade do filme de Rachel, expressa nas esperas e nos gestos errantes dos personagens-realizadores, remete a essa faceta um tanto oculta, ou íntima – embora desejante e definidora –, de Eros.

Ainda não é amanhã

Milena Times | Brasil | 2024, 76’, DCP (Embaúba Filmes)

Janaína é uma jovem de 18 anos que mora com a mãe e a avó em um conjunto habitacional na periferia do Recife. Ela é a primeira pessoa da família que pode obter um diploma universitário, mas uma gravidez indesejada ameaça os planos que havia traçado para sua vida.

“Acho que o meu interesse é de olhar para essas famílias compostas por mulheres. Não é exatamente o meu caso, mas, na minha observação, eram arranjos muito frequentes e sempre me chamaram a atenção”, disse a diretora Milena Times em entrevista a Isabela Ferro para a revista O Grito!. “Essa temática de como esse arranjo familiar lida com a maternidade e a divisão dos cuidados, com a casa e umas com as outras, foi um desejo muito forte de abordar. Queria mostrar a maternidade não como algo imperativo, mas como uma escolha. [...] O fato de ser mãe cedo

não significa necessariamente que foi uma gravidez indesejada, mas, na maior parte das vezes, não planejada.”

“A interrupção voluntária da gravidez aqui no Brasil é proibida, e isso gera um dilema. O aborto é uma realidade corriqueira na vida de inúmeras pessoas, mas ainda é um tema muito tabu e proibido. [...] Quando comecei a escrever [o roteiro], eu olhava para esse debate de forma um pouco mais otimista do que consigo olhar hoje em dia. Em 2015, 2016, havia uma certa primavera feminista, mas, a partir de 2018, assistimos a uma onda conservadora que ameaçou direitos adquiridos há mais de 80 anos. As mudanças que o roteiro sofreu foram muito atravessadas por essa conjuntura.”

Em 2024, Mayara Santos, que interpreta a protagonista Janaína, recebeu o prêmio de Melhor Atriz no Festival do Rio, e Milena Times foi premiada com Melhor Direção no Panorama Internacional Coisa de Cinema.

[Íntegra da entrevista: tinyurl.com/aindanaomt/]

Ingressos: terça, quarta e quinta: R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia); sexta, sábado, domingo e feriados: R$ 30 (inteira) e R$ 15 (meia).

Caiam as rosas brancas!

¡Caigan las rosas blancas!

Albertina Carri | Argentina, Brasil, Espanha | 2025, 123’, DCP (Vitrine Filmes)

Violeta é uma jovem diretora de cinema que já fez, junto com um grupo de amigas, um filme pornô lésbico amador. Devido a esse sucesso, ela agora é contratada para fazer pornografia mainstream. Mas suas ideias sobre os sistemas de gênero − cinematográficos e sexuais − não permitem que ela prossiga com as filmagens. Por isso, ela foge. Do sul de Buenos Aires, ela parte com suas atrizes para a calorosa cidade de São Paulo, encontrando novas formas de contar histórias ao longo do caminho.

Em Caiam as rosas brancas!, Albertina Carri retoma o trabalho com parte das personagens, atrizes e equipe de seu filme As filhas do fogo (2018). Em entrevista ao canal de YouTube Otros Cines, a diretora conta: ”No começo, parte da equipe e das atrizes me propuseram, como num jogo, a fazer As filhas do fogo 2. Eu me neguei completamente. Continuações sempre são ruins, um fracasso. E, além disso, já estava feito, não vou voltar a fazer um pornô. Essa investigação se encerrou naquele filme. Mas havia uma insistência também no sentido de que muitas das atrizes do filme eu conheci enquanto filmávamos. Fizemos um casting em determinados lugares e, a partir disso, se formou um grupo que eu poderia chamar de grupo de reflexões. Porque fazer As filhas do fogo foi muito complexo, nesse sentido de muitas discussões e conversas sobre como filmar. Não tínhamos uma referência de como passar por isso. [...] E me interessava também a ideia de voltar a trabalhar com essa equipe.”

“Então, a partir daqueles personagens, a proposta foi: bom, façamos um road movie, mas agora vamos em direção ao norte, [...] e agora vamos conversar com outros gêneros ao longo dessa viagem. As filhas do fogo é um filme de muita fantasia, mas aqui a fantasia se aprofunda de algum modo. A viagem se torna algo onírico. Por um lado, me interessava trabalhar a ideia dos gêneros cinematográficos. Conforme o território se altera e as situações se alteram, vamos sendo levados a diferentes gêneros, e isso é um pouco o reflexo da

subjetividade desse grupo. [...] Por outro lado, há a ideia de ‘sair do cinema’. Um filme que começa fazendo cinema dentro do cinema e termina deixando isso de lado, essa paixão, essa neurose em torno de como fazer um filme, todas essas perguntas que a personagem da diretora se faz. Até que ela é tomada pela vida, e o filme acaba sendo esquecido nessa viagem. Uma viagem que é um pouco como o poema de Kaváfis sobre Ítaca. Não sei se elas vão chegar a Ítaca.”

[Depoimento extraído e editado do original em espanhol: tinyurl.com/caiamasrosasac]

Ingressos: terça, quarta e quinta: R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia); sexta, sábado, domingo e feriados: R$ 30 (inteira) e R$ 15 (meia).

Em rumo a uma terra desconhecida Vers un pays inconnu Mahdi Fleifel | Palestina | 2024, 106’, DCP (Imovision)

Chatila e Reda, dois primos palestinos refugiados em Atenas, sonham com uma vida melhor. Determinados a reunir dinheiro suficiente para adquirir passaportes falsos e se mudarem para a Alemanha, eles recorrem a todos os meios possíveis. Contudo, essa busca os força a ultrapassar seus próprios limites, deixando para trás uma parte de si mesmos.

“Eu venho tentando fazer este filme há dez anos, e, quando finalmente tive a chance de realizá-lo, foi quase como um cachorro faminto a quem jogam um osso − ele agarra e não solta mais”, conta o diretor Mahdi Fleife em entrevista a Caitlin Quinlan para o portal Notebook, da Mubi. “A pré-produção foi um pesadelo, por causa da logística de fazer um filme palestino na Grécia e trazer os atores. Tivemos que coordenar todas essas pessoas exiladas − ‘Quem tem qual passaporte?’, ‘Essa pessoa tem visto?’ [...] Então, começamos a

filmar um mês depois do 7 de outubro [de 2023]... Isso impactou todo mundo, a tal ponto que comecei a perceber que os atores estavam chegando para os ensaios sem ter dormido, porque ficavam acordados até as três da manhã assistindo às notícias. Eu tive que dizer a eles: ‘Olha, eu sei que é difícil, todos estamos preocupados com o que está acontecendo, mas a melhor coisa que podemos fazer agora é focar nisso aqui’. E acho que isso gerou um senso de camaradagem e solidariedade no set. Havia um laço tão forte de amor entre os gregos, palestinos e todos os envolvidos. Eu realmente diria que este é um filme feito no exílio, sobre exilados e para exilados − para todos que não sentem que pertencem a este nosso mundo de hoje.”

Inspirado pelo livro Men in the Sun, do escritor e ativista palestino Ghassan Kanafani, Fleifel atualiza essa tragédia, trazendo a luta dos palestinos para o contexto atual da migração na Europa: “Ele escreveu sobre esses caras, três homens que deixam os campos no Líbano para ir trabalhar no Golfo, que era meio que a terra prometida, e acabam presos no deserto entre o Iraque e o Kuwait, à mercê dos contrabandistas. Então, quando cheguei a Atenas, pensei: ‘Meu Deus, a história não mudou, só é diferente’. Agora o deserto é Atenas, esse deserto urbano em que eles estão presos, esse purgatório. Então, essa foi a inspiração espiritual, sempre senti como se tivesse Ghassan Kanafani comigo. [...] E, claro, Edward Said, que me ajudou a entender − e não tenho certeza se entendo totalmente até hoje, mas pelo menos me deu uma janela para − o que significa ser um exilado.”

Pouco mais de seis meses após o início das filmagens, Em rumo a uma terra desconhecida teve sua estreia mundial na Quinzena dos Realizadores do Festival de Cannes 2024.

[Íntegra do depoimento, em inglês: tinyurl.com/emrumomf]

Ingressos: terça, quarta e quinta: R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia); sexta, sábado, domingo e feriados: R$ 30 (inteira) e R$ 15 (meia).

Eros

Daisy Ellis | Brasil | 2024, 108’, DCP (Fistaile)

Com dez histórias contadas dentro de dez diferentes suítes, Eros explora as arquiteturas do amor, do sexo e da intimidade por meio de uma das mais infames e adoradas instituições brasileiras: o motel. Frequentadores foram convidados a se filmar durante uma noite e compartilhar os seus vídeos para fazer parte de um filme.

“Descobri que quase toda cidade tem um motel chamado Eros”, conta a cineasta Rachel Daisy Ellis em entrevista a Luciana Veras para a Revista Continente. “E essa coisa da mitologia era algo que combinava, porque traz a reflexão sobre o que seria esse desejo, essa paixão, num espaço de intimidade e sexo, e do que significa amor. [...] Todo mundo vai naquele lugar, mas o espaço em si, com sua arquitetura, esconde a identidade das pessoas. Como isso se reflete nas relações íntimas e amorosas das pessoas? Até que ponto é um espelho da forma como as pessoas se relacionam? Fiquei com essa curiosidade, até para

Rachel

pensar diferente de como vemos o motel na mídia – nas outras séries, nas novelas e filmes ou nas propagandas, tudo é super estereotipado.”

“Eu sabia que nunca iria representar todo mundo que vai ao motel, mas, ao final de dois anos de pesquisa, vi, por exemplo, que era importante ter um casal mais velho, de mais idade, porque essa sexualidade existe também. Acho que o filme traz essa diversidade de corpos e a ideia do motel como um espaço que sai do cotidiano, do dia a dia das pessoas, e que permite um outro tipo de vivência. Acho que é impossível fugir do imaginário do motel que tem em todas as cidades, que está na beira da estrada, mas quis tentar mostrar que existem diversas razões que levam as pessoas a irem ao motel, e não apenas infidelidade ou fantasia, mas como um refúgio mesmo.”

[Íntegra da matéria em: tinyurl.com/erosrde]

Ingressos: terça, quarta e quinta: R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia); sexta, sábado, domingo e feriados: R$ 30 (inteira) e R$ 15 (meia).

Levados pelas marés

Feng liu yi dai

Jia Zhangke | China | 2024, 111’, DCP (Filmes da Mostra)

A duradoura e frágil história de amor de Qiaoqiao e Bin, ambientada na China do início dos anos 2000 até os dias atuais. Ligados um ao outro, eles aproveitaram tudo o que a cidade de Datong tinha a oferecer. Até que um dia Bin decide tentar a sorte em um lugar maior. Sem qualquer aviso, o rapaz vai embora. Depois de um tempo, Qiaoqiao parte em uma jornada para encontrá- lo.

Jia Zhangke percorre todos os seus trabalhos anteriores e oferece um olhar épico sobre o destino romântico de sua eterna heroína, Qiaoqiao. Abrangendo 21 anos de um país em profunda transformação, o filme oferece uma nova perspectiva para enxergarmos a China contemporânea, bem como as experiências individuais, sob turbulentas mudanças emocionais e sociais.

“Este filme abrange os primeiros 21 anos do novo século. Colaborei novamente com o compo-

sitor taiwanês Lim Giong, que já havia trabalhado comigo em O mundo (2004), Em busca da vida (2006) e Um toque de pecado (2013). Sua música eletrônica traz um tom poético e melancólico à jornada do filme. Além disso, escolhi 19 músicas para o filme, incluindo alguns rocks chineses de diferentes períodos”, comenta o diretor em entrevista a Tony Rayns divulgada com o material de imprensa do filme.

“O filme cobre um bom número de anos, e você pode encará-lo como uma espécie de revisão da China contemporânea. Só quando olhamos para trás percebemos o quanto foi esquecido nos últimos 20 anos − e os sons, em especial, foram os que mais se apagaram. Se quisermos imaginar a Dinastia Tang, de mais de mil anos atrás, podemos observar seus edifícios e pinturas remanescentes, as montanhas, os rios, os lagos e os mares que permanecem inalterados, e visualizar como viviam os antigos naquela época. Mas é difícil imaginar o som da Dinastia Tang.”

“A música, no entanto, agora pode ser transmitida. Canções de diferentes épocas podem nos transportar de volta ao seu tempo, como um código ou chave para destrancar o passado. Minhas próprias memórias são frequentemente ativadas pela música. Pegue, por exemplo, a canção pop ‘Genghis Khan’, que me leva de volta aos anos 1980, quando a China iniciou suas reformas econômicas; muitos artistas chineses fizeram versões dessa música alemã naquela época. Na terceira parte do filme, uma celebridade da internet, agora com mais de 70 anos, dança ao som dessa música, e conseguimos imaginar sua juventude como um cantor e dançarino apaixonado, forte e expressivo.”

“A música das bandas de rock chinesas, em especial, expressa as emoções e os sentimentos daqueles que a ouviam. Essas bandas romperam tabus sociais com sua música, dando voz aos sentimentos e às aspirações de uma maioria silenciosa. No filme, às vezes elas soam como a voz interior de Qiaoqiao.”

Levados pelas marés teve sua estreia na competição oficial do Festival de Cannes em 2024.

Ingressos: terça, quarta e quinta: R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia); sexta, sábado, domingo e feriados: R$ 30 (inteira) e R$ 15 (meia).

Manas

Marianna Brennand | Brasil | 2024, 101’, DCP (Paris Filmes)

Marcielle, de 13 anos, vive em uma comunidade ribeirinha na ilha do Marajó com o pai, a mãe e três irmãos. Instigada pelas falas da mãe, ela cultua a imagem de Claudinha, sua irmã mais velha, que teria partido para longe após “arrumar um homem bom” nas balsas que passam pela região. Conforme amadurece, Tielle vê suas idealizações ruírem e fica presa entre ambientes abusivos. Ciente de que o futuro não lhe reserva muitas opções, ela decide confrontar a engrenagem violenta que rege sua família e as mulheres da comunidade.

Em entrevista à RFI, a cineasta Marianna Brennand conta que, quando deu início a seu trabalho, acreditava que os dramas vividos por meninas e mulheres na ilha do Marajó eram um problema local e que sensibilizariam um público limitado, essencialmente brasileiro. Mas, aos poucos, sua própria visão mudou.

“Através de uma história que é muito específica, dentro de um contexto geográfico e socioeconômico particular, a gente fala a todas as mulheres. Infelizmente é raro você encontrar uma mulher que não tenha sofrido algum tipo de violência ao longo da vida. Então me interessava muito que, através da Marcielle, do despertar e da busca de liberdade para sair dessa situação, a gente pudesse também falar com outras mulheres.”

Manas foi premiado com o Director’s Award Giornate degli Autori em Veneza, em 2024.

[Íntegra da entrevista: tinyurl.com/manasmb]

Ingressos: terça, quarta e quinta: R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia); sexta, sábado, domingo e feriados: R$ 30 (inteira) e R$ 15 (meia).

Prédio vazio

Rodrigo Aragão | Brasil | 2025, 80’, DCP (Retrato Filmes)

A jovem Luna parte em uma jornada em busca de sua mãe, desaparecida no último dia de Carnaval em Guarapari. Suas buscas a levam a um antigo edifício aparentemente vazio, mas habitado por almas atormentadas.

“Dizem que todo filme de terror tem um monstro, né? E o monstro desse filme é o próprio edifício”, diz o diretor Rodrigo Aragão em entrevista ao portal Meio Amargo, por ocasião da estreia do filme no 28º Festival de Tiradentes, onde Prédio vazio recebeu o Prêmio Retrato Filmes de distribuição. “Prédio vazio é um filme sem efeito digital. Nós procuramos alguns prédios de verdade e no começo já percebemos que não ia rolar. Aí decidimos fazer uma miniatura. Então, em todo momento que aparece o prédio, ele é uma miniatura. Uma ideia arriscada, muito arriscada, mas que eu modelei aquele prédio. Cada

tijolo. Então a gente tem um relacionamento de intimidade. [...] E a gente pôde fazer outros truques. Por exemplo, o céu é feito com algodão. Existe momentos que aparece o mar, que na verdade é plástico de alimento. Esses truques que são truques lá de Méliès, truques antigos, é muito legal como ainda funcionam. E eu acho que mesmo que o público não identifique, dá uma aura diferente.”

[Íntegra da entrevista: tinyurl.com/prediovaziora]

Ingressos: terça, quarta e quinta: R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia); sexta, sábado, domingo e feriados: R$ 30 (inteira) e R$ 15 (meia).

Terremoto em Lisboa

O melhor dos mundos

Rita Nunes | Portugal | 2024, 74’, DCP (Filmes do Estação)

Lisboa, 2027. Marta e Miguel fazem parte de um grupo de cientistas e são um casal na vida privada. Os dois veem-se frequentemente em polos opostos no que diz respeito a questões científicas. Esse conflito será posto à prova numa noite decisiva, em que dados analisados por Marta apontam para uma probabilidade muito alta de um enorme sismo poder atingir Lisboa. Os cientistas ficam indecisos sobre alertar a população para a possível tragédia iminente.

“Eu já tinha esta ideia há muitos anos, porque nasci e cresci em Lisboa. Julgo eu que, para a maioria das pessoas que vive em Lisboa, que cresce sabendo que aconteceu o grande terremoto [na cidade] em 1755, faz parte da memória coletiva dos lisboetas ou das pessoas que vão viver em Lisboa. É uma inevitabilidade”, conta a diretora Rita Nunes em entrevista ao portal Fio Condutor. “Desde há muitos anos que queria fazer

um projeto que tivesse a premissa da possibilidade de acontecer um novo grande terremoto.”

“Houve uma base também que me inspirou que foi Um inimigo do povo, que é uma peça do Ibsen. Há um médico que analisa as águas numa vila termal e detecta uma contaminação, obviamente noutra época, no século XIX. Toda a economia dessa vila gira à volta dos visitantes, dos turistas que vêm para essas termas. Ele vem informar que as águas estão contaminadas, e por isso as termas têm de ser fechadas até se conseguir resolver o problema. Chama-se precisamente Um inimigo do povo porque é uma pessoa que vem confrontar o poder, todos os interessados que a informação não venha a público, com uma verdade inconveniente. Neste caso, a possibilidade de haver um grande terremoto é uma verdade inconveniente.”

[Íntegra da entrevista: tinyurl.com/ terremotolisboarn]

Ingressos: terça, quarta e quinta: R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia); sexta, sábado, domingo e feriados: R$ 30 (inteira) e R$ 15 (meia).

Dirigidos por Ida Lupino

Além de ser uma das primeiras mulheres a dirigir filmes em Hollywood, Ida Lupino também foi pioneira ao abordar temas nada convencionais à época, como gravidez fora do casamento, bigamia e os efeitos psicológicos de um estupro. Nos anos em que atuou como diretora, no entanto, não teve seu talento reconhecido, e cada novo trabalho era um desafio para ser concluído.

Apesar de ser a única mulher citada no livro The American Cinema: Directors and Directions 1929-1968, seu autor, o crítico cinematográfico Andrew Sarris, ao falar da obra de Lupino, cita a atriz Lillian Gish, que, em sua única tentativa de direção, disse: “Dirigir não é trabalho para uma dama”.

Ida Lupino (1918-1995) foi uma atriz, diretora, escritora e produtora britânica que desafiou os padrões de sua época. Ao longo de sua carreira de 48 anos, participou de 59 filmes e dirigiu oito, trabalhando principalmente nos Estados Unidos. Mais conhecida pelo seu trabalho como atriz durante a Era de Ouro de Hollywood, sua obra enquanto diretora ainda é pouco conhecida no Brasil.

Em junho, a mostra segue em cartaz com a exibição das primeiras experiências da cineasta na direção: Mãe solteira (1949), Quem ama não teme (1949) e O mundo odeia-me (1953).

Ingressos: R$ 10 (inteira) e R$ 5 (meia).

Mãe solteira

Not Wanted

Ida Lupino (não creditada) e Elmer Clifton | EUA | 1949, 91’, DCP, restauração 2K (Kino Lorber)

Na estreia de Ida Lupino como diretora − embora não creditada −, a vida da jovem e ingênua mãe solo interpretada por Sally Forrest sai do controle depois que seu namorado músico a abandona para fazer um show fora da cidade, apesar da presença de outro homem determinado a conquistar seu coração.

Em 1948, a atriz Ida Lupino deixou a Warner Bros. para cofundar uma produtora independente concebida como uma alternativa às estéticas dominantes de Hollywood: “Collier Young e eu havíamos formado nossa própria companhia produtora, chamada The Filmmakers. Nós tínhamos coescrito um roteiro sobre uma mãe solteira intitulado Mãe solteira e tínhamos começado os trabalhos para filmar. Tínhamos acabado de come-

çar quando nosso diretor Elmer Clifton teve um ataque cardíaco. Éramos muito pobres para pagar um outro diretor, e então tomei as rédeas.”

Lupino abordou o tema “tabu” da gravidez fora do casamento, aventurando-se de imediato por um terreno que os filmes de grande orçamento e do mainstream temiam explorar. De muitas formas, esse primeiro trabalho como diretora já carrega a marca da visão única de Lupino: a empatia pela personagem principal (Sally Forrest, como a jovem garçonete atordoada e traumatizada, jogada no mundo da maternidade solo), os momentos alucinatórios (a câmera subjetiva na sequência do parto), e a habilidade nas filmagens em locações (enquanto Forrest vaga por rodoviárias e pensões de cidades pequenas dos EUA).

[Depoimento extraído da revista Positif, editado e traduzido por Luiz Carlos Oliveira Jr. para a revista Contracampo: tinyurl.com/idalupinoims]

Quem ama não teme

Never Fear

Ida Lupino | EUA | 1949, 81’, Arquivo digital, restauração 2K (Kino Lorber)

Carol Williams (interpretada por Sally Forrest, que também trabalhara no filme anterior de Lupino, Mãe solteira) é uma jovem dançarina, cuja carreira promissora e vida pessoal são subitamente afetadas pela poliomielite. Seu parceiro de dança e noivo, Guy Richards, quer apoiá-la durante a doença, mas Carol, tomada de raiva e autocomiseração, prefere enfrentar tudo sozinha. Seu pai a leva ao Instituto Kabat-Kaiser para reabilitação, onde ela conhece outros pacientes com quem partilhará uma difícil jornada rumo à recuperação.

Coescrito e coproduzido por Lupino e seu parceiro Collier Young, Quem ama não teme é um filme de inspiração autobiográfica: Lupino enfrentou a poliomielite quando adolescente e realiza aqui um retrato psicológico profundo sobre como lidar com uma doença crônica.

Lupino repete também a parceria com o montador William Ziegler, que trabalhara com Hitchcock em Festim diabólico. Em depoimento à revista Positif, ela conta: “A cada cinco minutos, eu pegava o telefone para lhe perguntar: ‘Bill, escuta só, eu queria fazer um movimento de carrinho para a frente, mas estou com medo de não dar raccord’. No primeiro filme, ele me ajudou. Ele ia pro set. No segundo, tínhamos Bill de novo. Esse filme, Quem ama não teme, era baseado em minha história original, a de uma jovem dançarina que fica com poliomielite. Eu o coescrevi. Nesse eu ainda recorria ao telefone, mas Bill me dizia: ‘Não, não! Vire-se sozinha. Eu farei a montagem depois. Você não pode permitir que eu vá ao set.’ E foi assim que eu me tornei diretora.”

[Depoimento extraído da revista Positif, editado e traduzido por Luiz Carlos Oliveira Jr. para a revista Contracampo: tinyurl.com/idalupinoims]

O mundo odeia-me

The Hitch-Hiker

Ida Lupino | EUA | 1953, 71’, DCP, restauração 4K (Kino Lorber)

Inspirado na onda de assassinatos cometida na vida real por Billy Cook, O mundo odeia-me é a tensa saga de dois homens em uma viagem de acampamento em que são feitos reféns por um andarilho homicida. Sob a mira de uma arma, ele os força a embarcar numa tensa viagem sem rumo pelo deserto mexicano.

Um exemplo de cinema independente em sua forma mais ousada, o longa foi produzido fora dos grandes estúdios, o que permitiu a Lupino e ao produtor e ex-marido Collier Young abordarem um episódio considerado brutal demais para que os grandes estúdios sequer cogitassem filmá-lo. E também a trabalharem a partir de um argumento do roteirista Daniel Mainwaring, que estava na assim chamada “lista negra” de Hollywood, que impedia a atuação de profissionais considerados comunistas na indústria cinematográfica.

Sessão Mutual Films

Encontros solitários:

Vilarinho das Furnas + Techqua Ikachi – Terra, minha vida

Como é a experiência daqueles que vivem o fim de suas próprias culturas e comunidades? Como registrar essa experiência para que gerações seguintes possam vislumbrar seus antepassados?

A Sessão Mutual Films de junho de 2025 traz dois longas-metragens que retratam realidades de comunidades muito distintas – a aldeia de Vilarinho das Furnas, no distrito de Braga, em Portugal, e o povoado indígena de Hotevilla, no estado norte-americano do Arizona – e que compartilham o mesmo sentimento limítrofe de aniquilamento diante de uma força maior intitulada progresso. Um crucial precursor do Cinema Novo português, António Campos (1922-1999) dedicou-se a filmar povoados portugueses que desapareciam, durante a ditadura do Estado Novo, e que fizeram parte de sua própria infância. Em Vilarinho das Furnas (1971), o cineasta se desloca para o norte do país, onde a construção de uma barragem inundará a vila centenária de mesmo nome, dissipando a comunidade que ali vivia e colocando um fim nas tradições e regras de conduta construídas ao longo dos anos. Já a cineasta suíça Anka Schmid (nascida em 1961) e a artista plástica suíça Agnes Barmettler (nascida em 1945) foram convidadas pelo ativista da tribo Hopi James Danaqyumptewa (1916-1996) para criar um filme com a história de seu povo, seus rituais e o conflito com o Estado norte-americano, dando origem ao documentário lírico e pedagógico Techqua Ikachi – Terra, minha vida (1989). A sessão também traz um curta-metragem de Campos, A almadraba atuneira (1961), que apresenta o que seria a última campanha de pesca do atum realizada na Armação da Abóbora, na região de Algarve, antes da comunidade local

ser invadida pelo mar. Os três filmes da sessão passarão em novas cópias digitais restauradas, e a exibição de Techqua Ikachi no dia 10 será seguida por um debate com a escritora, cineasta e atriz Rita Carelli. A exibição dos filmes de António Campos no dia 11 será apresentada por João Fernandes, Diretor Artístico do IMS.

A sessão Mutual Films tem curadoria e produção de Aaron Cutler e Mariana Shellard.

Ingressos:

Dia 10/6, sessão com debate: Entrada gratuita. Distribuição de senhas 60 minutos antes da exibição. Limite de uma senha por pessoa. Sujeito à lotação da sala.

Dias 11, 21 e 28/6: R$ 10 (inteira) e R$ 5 (meia).

Techqua Ikachi – Terra, minha vida

Techqua Ikachi, Land – Mein Leben James Danaqyumptewa, Agnes Barmettler e Anka Schmid | Alemanha Ocidental, Suíça | 1989, 103’, DCP, cópia restaurada (Arsenal – Institut für Film und Videokunst e.V.)

Uma placa de madeira na entrada da aldeia de Hotevilla alerta: “É proibido a todos os visitantes não indígenas gravar som, fotografar, desenhar, remover objetos ou perambular perto dos kivas [espaços cerimoniais] e santuários”. Assim abre o documentário de longa-metragem Techqua Ikachi – Terra, minha vida, uma produção suíço-alemã realizada com habitantes da aldeia localizada no Arizona, Estados Unidos, pertencente ao povo indígena Hopi. Em uma vasta

e árida paisagem, um homem planta sementes de milho enquanto uma voz explica que o filme foi feito “para documentar nossa cultura para as futuras crianças Hopi e para nossos amigos. Talvez alguns irão entender por que os anciãos tentaram manter a verdadeira cultura Hopi viva e a nação Hopi livre do controle estrangeiro.” Em uma sala escura, um projetor 8 mm mostra a imagem do líder comunitário Dan Kachongwa diante de uma grande pedra, com inscrições que remetem à história de origem de seu povo.

Os Hopi são considerados um dos povos mais longevos dos Estados Unidos. No final da década de 1960, um ativista Hopi chamado James Danaqyumptewa começou a filmar rituais em Hotevilla, em super-8, a pedido de Kachongwa, que testemunhava o desaparecimento das tradições de seu povo, com a invasão da cultura do Bahanna [homem branco]. Kachongwa faleceu em 1972, e, no final da década de 1980, Danaqyumptewa conseguiu montar uma equipe de filmagem com a ajuda da pintora suíça Agnes Barmettler (que havia vivido na comunidade) e a estudante suíça de cinema Anka Schmid. Danaqyumpetwa e anciãos de Hotevilla determinaram o conteúdo do filme, enquanto Schmid e Barmettler se responsabilizaram pelas filmagens em 16 mm e a organização e apresentação do material na tela. Elas viveram durante um ano em Flagstaff, a cidade mais próxima de Hotevilla, para vivenciar um ciclo completo de colheita em Hotevilla e fazer as filmagens ao longo desse período.

O filme expressa, muitas vezes através de depoimentos dos anciãos, o principal legado dos Hopi, transmitido por Maasaw – uma deidade que permitiu a entrada do povo no Quarto Mundo, ou o mundo em que vivemos –, de manter uma vida simples. E, junto às suas palavras, Techqua Ikachi apresenta imagens de arquivo, pinturas ilustrativas de Barmettler e novos registros de paisagens e trabalho diário. Assim, o filme traça uma linha contínua de vida e resistência.

Techqua Ikachi – Terra, minha vida estreou em Berlim em 1989 e passou no Festival de Sundance em 1992, data que coincidiu com as comemorações de 500 anos da chegada dos europeus no continente norte-americano. Por anos, circulou em cópias 16 mm, sendo acessível ao público Hopi em versões em VHS e DVD e no YouTube. Em 2024, a entidade alemã Arsenal restaurou digitalmente duas versões do filme a partir de materiais em seu acervo e nos acervos da Cinemateca da Suíça (Cinémathèque Suisse) e da Cinemateca Alemã (Deutsche Kinemathek), tendo o apoio do governo alemão e a colaboração de Anka Schmid no projeto. A versão de 103 minutos (que vai ser exibida no IMS Paulista) foi criada originalmente para circulação internacional; a outra, de 111 minutos, incluiu algumas histórias locais adicionais sob pedido dos anciãos que participaram na produção. A exibição de Techqua Ikachi no dia 10 contará com um debate com a escritora, cineasta, atriz e colaboradora de longa data do projeto Vídeo nas Aldeias, Rita Carelli.

A almadraba atuneira

António Campos | Portugal | 1961, 27’, DCP, cópia restaurada (Cinemateca Portuguesa)

Vilarinho das Furnas

António Campos | Portugal | 1971, 77’, DCP, cópia restaurada (Cinemateca Portuguesa)

Em 1969, o vilarejo português Vilarinho das Furnas (também conhecido como Vilarinho da Furna), no distrito de Braga, no noroeste do país, foi desocupado à força, pois seria inundado pela represa de uma barragem hidroelétrica construída pela empresa Hica (Hidroelétrica do Cavado). A população, com cerca de 300 habitantes, cujos antepassados ali residiam desde ao menos 1540, vivia um sistema comunitário com uma série de regras sociais e tradições mantidas de forma rigorosa. Seu sustento era baseado principalmente na plantação de milho e centeio e na criação de gado e caprinos. Eles lutaram por anos contra a construção da barragem, até a submersão final da aldeia, em 1971.

O primeiro longa-metragem de António Campos (hoje considerado um dos precursores fundamentais do Novo Cinema Português, que contou com figuras como Manoel de Oliveira e João César Monteiro) foi realizado após uma série de instigantes curtas-metragens de documentário e ficção. Campos chamou seu trabalho de “etnocinema”, e considerava que a essência rural de Portugal saía na tela com força e sem sentimentalidade. Fez Vilarinho das Furnas essencialmente sozinho, com inspiração no livro Vilarinho da Furna, aldeia comunitária (1948), do antropólogo português Jorge Dias, e a partir da sugestão do também cineasta Paulo Rocha, que o instigou a se deslocar para lá.

Campos filmou em Vilarinho ao longo de 18 meses com uma câmera 16 mm e película em preto e branco, mantendo seu olhar sempre no mesmo nível das pessoas que estão sendo captadas. Pequenas corredeiras de água fazendo o caminho das pedras introduzem o narrador do filme, um homem de meia-idade chamado Aníbal Gonçalves Pereira, que se apresenta como natural de Vilarinho, “para contar os usos e costumes desta terra”. Ele explica a origem do povoado junto aos procedimentos das reuniões (“uniões”) comunitárias semanais e a importância da existência delas para organizar a comunidade e manter o controle sobre o pastoril. Surge uma dialética ao longo do filme entre cineasta e sujeito, palavra e imagem, passado e presente. Enquanto ouvimos os relatos de Aníbal, observamos os habitantes de Vilarinho envolvidos em seus afazeres, seu modo simples e centenário de vida, as festas e rezas e, enfim, o desmonte sob um manto de água que transformou o vilarejo em ruína.

O programa de Campos no IMS Paulista também conta com o curta-metragem A almadraba atuneira, hoje considerado um dos mais importantes filmes portugueses da década de 1960. Nele, o cineasta filma o que seria a última campanha de pesca do atum na ilha de Abóbora (atualmente ilha de Cabanas), antes da destruição da aldeia pelo mar no inverno seguinte. Seis meses de filmagens são condensados em uma série de imagens líricas e intensas dos esforços dos homens e suas famílias, que ganham no olhar de Campos o esplendor de figuras heroicas. Em 1974, Campos criou uma versão sonora do filme, com colagem de sons ambientes criada por Alexandre Gonçalves (que também colaborou em Vilarinho das Furnas e outros filmes do cineasta) e uma gravação de A sagração da primavera (Le Sacre du printemps, 1913), de Igor Stravinsky.

A obra cinematográfica de António Campos teve uma pequena circulação fora de Portugal durante a vida do cineasta, porém, em 2022 (o ano de seu centenário), a Cinemateca Portuguesa concluiu os restauros e as digitalizações em 4K da maioria dos seus filmes, a partir de materiais doados pelo cineasta antes de sua morte, em 1999. As exibições no IMS das novas cópias digitais de A almadraba atuneira e Vilarinho das Furnas contam com o apoio do Consulado Geral de Portugal em São Paulo.

Circuito ballroom:

o amor é a mensagem

Cinema, identidade e protagonismo

Nos dias 30 e 31 de maio e 1 de junho, o IMS Paulista se transforma em um espaço pulsante para celebrar a cultura ballroom, ressaltando seu protagonismo no Brasil e nas diásporas. Com curadoria de filmes assinada por Angel Jayaci

Hands Up e Statement Princess Dani Mutatis, integrantes do Potências T – grupo formado por pessoas trans do IMS –, e pelo Cinema do IMS, o circuito apresenta dois longas e dois curtas que dialogam com o universo dos bailes e suas relações com o mainstream.

A programação do Circuito ballroom inclui ainda oficinas de fotografia e voguing, no dia 31 de maio, e o baile O amor é a mensagem – Eras ballroom em movimento, no dia 1º de junho. Um convite para se encantar, refletir e pertencer a essa celebração da identidade e da resistência cultural. Mais informações em ballroom.ims.com.br

Ingressos: Entrada gratuita. Distribuição de senhas 60 minutos antes da exibição. Limite de uma senha por pessoa. Sujeito à lotação da sala.

Feminino

Carolina Queiroz | Brasil | 2016, 26’, Arquivo digital (Acervo da diretora)

Como a performatividade de uma drag queen é capaz de nos mostrar que, no fundo, não existe a natureza do feminino além dos atos, gestos e signos?

O filme envolve o telespectador na questão de performances de gênero, aproximando-as para um cenário regional. Utilizando da temática queer, o curta discute a relação de identidade de gênero, questionando conceitos baseados no que é considerado masculino ou feminino.

“Trabalhar com esse assunto no documentário surgiu através da minha amizade com o Nino. Sabendo que ele já se montava como drag, resolvi associar ao meu interesse pelas questões de gênero, o que me torna uma mulher, toda performatividade das drag queens e como ele pega e utiliza essas características femininas”, relata a diretora Carolina Queiroz, na época do lançamento do curta, para o portal de notícias da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF).

“Essas questões que implicam que você deixa de ser homem por fazer uma coisa feminina, ou que você deixa de ser mulher por fazer uma coisa masculina, se tornam muito problemáticas e fechadas. Acredito que a compreensão deve ser de forma mais orgânica e, por isso, é importante trazer à tona esse lugar de limite do gênero, já que eles se encontram, se chocam e se misturam, não fica tão separado.”

[Íntegra da entrevista: tinyurl.com/femininocq]

Queens at Heart

EUA | 1967, 22’, Arquivo digital (Kino Lorber)

Queens at Heart é um raro olhar sobre a vida de quatro mulheres trans e a cultura drag em meados dos anos 1960 em Nova York.

De acordo com Jenni Olson, historiadora e pesquisadora de arquivos LGBTQIAPN+ que redescobriu o filme na década de 1990, em matéria para o site da UCLA, “Misty, Vicky, Sonja e Simone são quatro mulheres trans corajosas que discutem francamente suas vidas pessoais com um entrevistador homem, cis e heterossexual, que afirma ter conversado com ‘milhares de homossexuais’ (e que claramente não entende a diferença entre orientação sexual e identidade de gênero).

Embora o interrogatório seja assustador e inadequado por parte do entrevistador e seja muitas vezes difícil de suportar, as mulheres conseguem transcender o tom do entrevistador e se apresentam com um incrível senso de dignidade e

franqueza. Elas falam sobre suas vidas duplas: sair como mulheres à noite, mas viver como homens durante o dia, e sobre como tomam hormônios e sonham em ‘mudar de vida’. Uma fala sobre como evitar o alistamento militar, outra sobre seu noivo e outra sobre o tormento da infância como um jovem efeminado. A honestidade e vulnerabilidade delas são realmente uma dádiva.”

[Íntegra da matéria em inglês: tinyurl.com/ queensatheartims]

Salão de baile – This Is Ballroom

Juru e Vitã | Brasil | 2024, 94’, DCP (Retrato Filmes)

Nas margens da baía de Guanabara, uma comunidade de jovens LGBTQIAPN+ resgata e vivencia a cultura ballroom. Rio is burning!

Salão de baile é o primeiro longa-metragem documental brasileiro a explorar profundamente o universo da cena ballroom no Rio de Janeiro, oferecendo uma imersão na cultura do voguing e dos balls, lugares que servem como espaços de resistência, celebração e autoexpressão para esses jovens da periferia do Rio de Janeiro. O filme acompanha a produção de um ball, mergulhando na vida de seus participantes e revelando tanto os momentos de glória quanto os desafios enfrentados por essa comunidade vibrante e marginalizada.

Com uma trajetória de sucesso em festivais internacionais – incluindo exibições no CPH, em Copenhagen, e no Sheffield DocFest, no Reino Unido –, o filme já foi exibido em cinco países.

No Brasil, ele encerrou a 13ª edição do Olhar de Cinema – Festival Internacional de Curitiba, além de ter sido premiado no Festival do Rio como Melhor Montagem e ter recebido menção honrosa no prêmio Felix de Melhor Documentário.

The Queen

Frank Simon | EUA | 1968, 68’, DCP, restauração 4K (Kino Lorber)

Mais de 40 anos antes do programa RuPaul’s Drag Race, esse documentário inovador sobre o concurso de beleza Miss All-America Camp de 1967 apresentou ao público o mundo de competição drag. O filme nos leva aos bastidores do concurso para acompanhar as candidatas enquanto elas ensaiam, jogam shade e se transformam em suas drag personas na preparação para o grande evento. Organizada pela ícone e ativista LGBTQIAPN+ Flawless Sabrina, a competição contou com um painel de jurados famosos, como Andy Warhol e suas superestrelas Edie Sedgwick e Mario Montez. Mas talvez o momento mais memorável do filme seja a afronta épica, chamando a atenção para o preconceito racial da cena dos concursos de beleza, feita por Crystal LaBeija, que viria a formar a influente Casa LaBeija e teve grande destaque no documentário Paris Is Burning (1990).

Uma peça vibrante da história queer, The Queen será exibido em restauração 4K.

Cinema

Coordenador | Curador

Kleber Mendonça Filho

Supervisora de curadoria e programação

Marcia Vaz

Programador adjunto

Thiago Gallego

Produtora de programação

Quesia do Carmo

Assistente de programação

Lucas Gonçalves de Souza

Projeção

Ana Clara da Costa,

Adriano Brito e Pedro Rehem

Serviço de legendagem eletrônica

Pilha Tradução

Revista de Cinema IMS

Produção de textos e edição

Thiago Gallego e Marcia Vaz

Diagramação

Marcela Souza e Taiane Brito

Revisão

Flávio Cintra do Amaral

Os filmes de junho

A programação do mês tem apoio das distribuidoras

Embaúba Filmes, Filmes da Mostra, Filmes do Estação, Fistaile, Imovision, Kino Lorber, Paris Filmes, Retrato Filmes e Vitrine Filmes.

Agradecemos a Aaron Cutler, Agnes Barmettler, Alexander Boldt/Gesa Knolle/Markus Ruff (Arsenal), Anka Schmid, Carmen Galera, Carolina Queiroz, Francisco Ferreira, Francisco Valente/Museum of Modern Art (MoMA), George Schmalz, Isabel Wittmann, Jonas Chadarevian, Lívia Fusco, Manuela Penafria, Marcelo Felix, Marcelo R. S. Ribeiro, Maria Bogado, Mariana Shellard, Raquel Morais/Tiago Baptista (Cinemateca Portuguesa), Rita Azevedo Gomes, Rita Carelli, Sérgio Alpendre e Tamara Ganhito.

Venda de ingressos

Ingressos à venda pelo site ingresso.com e na bilheteria do centro cultural, a partir das 12h, para sessões do mesmo dia. No ingresso.com, a venda é mensal, e os ingressos são liberados no primeiro dia do mês. Ingressos e senhas sujeitos à lotação da sala.

Capacidade da sala: 145 lugares.

Meia-entrada

Sessão Mutual Films

Realização: Cinema do IMS

Curadoria e produção: Aaron Cutler e Mariana Shellard

Com apresentação de documentos comprobatórios para professores da rede pública, estudantes, crianças de 3 a 12 anos, pessoas com deficiência, portadores de Identidade Jovem, maiores de 60 anos e titulares do cartão Itaú (crédito ou débito).

Devolução de ingressos

Em casos de cancelamento de sessões por problemas técnicos e por falta de energia elétrica, os ingressos serão devolvidos. A devolução de entradas adquiridas pelo ingresso.com será feita pelo site. Programa sujeito a alterações. Eventuais mudanças serão informadas no site ims.com.br e no Instagram @imoreirasalles. Não é permitido o acesso com mochilas ou bolsas grandes, guarda-chuvas, bebidas ou alimentos. Use nosso guarda-volumes gratuito. Confira as classificações indicativas no site do IMS.

Instituto Moreira Salles
apoio
Levados pelas marés (Feng liu yi dai), de Jia Zhangke

Terça a quinta, domingos e feriados sessões de cinema até as 20h; sextas e sábados, até as 22h.

Visitação, Biblioteca, Balaio IMS Café e Livraria da Travessa

Terça a domingo, inclusive feriados das 10h às 20h. Fechado às segundas. Última admissão: 30 minutos antes do encerramento.

A entrada no IMS Paulista é gratuita.

Avenida Paulista 2424

CEP 01310-300

Bela Vista – São Paulo tel: (11) 2842-9120

imspaulista@ims.com.br ims.com.br

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