Revista Plural

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Plural Apufsc-Sindical

Marรงo 2020

ni certteezsas cor arga sobrec ocracia bur

Como vivem e trabalham os professores e professoras da UFSC



Plural

Editorial

O barco em que vamos

A

s águas são turvas, as correntes contrárias e ameaçadoras: lutamos sem descanso contra o naufrágio no excesso de trabalho, de burocracia, de más notícias e de incertezas provocadas pelas atuais políticas governamentais. A ilustração da capa produzida pelo artista Samuel Casal é uma alegoria de como nos sentimos, cada um de nós, neste momento extremamente desafiador para professoras e professores. E que, por isso mesmo, nos exige continuar remando com empenho, sem esmorecer. É neste espírito que a atual gestão Apufsc de Lutas tem buscado retomar as melhores práticas da história de nosso Sindicato, cujas lutas coletivas asseguraram grande parte do que a categoria docente e a Universidade Pública conquistaram nas últimas décadas. Duas dessas boas práticas, que buscam dar voz à categoria, voltam a ganhar vida agora: a revista Plural, que não circulava há anos, e uma pesquisa censitária e de opinião cujos resultados apresentam

quem somos nós, afinal, professores da UFSC – algo que havia sido feito pela última vez no início do século. A pesquisa realizada pelo Laboratório de Sociologia do Trabalho (Lastro) da UFSC, por encomenda da Apufsc-Sindical, traz um retrato rico e atual de quem somos, como vivemos, trabalhamos e vemos nossa situação, nosso emprego e nossa entidade. E nos revela que, na enorme diversidade que nos constitui, temos muito em comum. A equipe de reportagem do Departamento de Imprensa da Apufsc agregou aos resultados da pesquisa do Lastro depoimentos, perfis e his-

tórias de colegas que tornaram mais vívido o que a pesquisa mostra. Afinal, somos gente e não números, e por trás de cada inscrição no Siape há uma pessoa real. Além dos resultados da pesquisa e das reportagens, este novo número da Plural traz dois artigos sobre temas que nos tocam e afligem: o trabalho tornado ubíquo, pelas tecnologias móveis que nos alcançam em qualquer lugar e a todo instante; e o momento da aposentadoria – a que muitos estão sendo empurrados com ou sem vontade – que traz novos desafios para os quais nem sempre nos preparamos. A leitura desta revista, que esperamos ser agradável e enriquecedora, pode deixar duas impressões em quem a percorrer. Primeiro, a de que somos bastante iguais com todas as nossas diferenças; segundo, a de que nenhum de nós está só. Estamos no mesmo barco, para o que der e vier, para onde pudermos conduzi-lo. Para isso existe a Apufsc-Sindical. A Diretoria Gestão 2018-2020

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Plural

Plural março 2020 Publicação do Sindicato dos Professores das Universidades Federais de Santa Catarina

GESTÃO 2018/2020 Carlos Alberto Marques (Presidente) Patrícia Della Méa Plentz (Vice-presidente) Viviane Heberle (Secretária-geral) Edinice Mei Silva (Primeira-secretária) Camilo Buss Araújo (Diretor Financeiro) Eduardo Meditsch (Diretor de Divulgação e Imprensa) Santiago Yunes (Diretor de Promoções Sociais, Culturais e Científicas) Romeu Bezerra (Diretor de Assuntos de Aposentadoria) PRODUÇÃO Jornalistas: Lara Lima / Naiana Oscar // Estagiários: Diana Koch / Emily Leão / Karina Ferreira / Ilana Cardial / Vinicius Claudio / Manoela Bonaldo // Colaboradora: Carol Gomez Capa: Samuel Casal Projeto Gráfico e editoração: Multitarefa Serviços Ltda / contato@cesarvalente.com Impressão: Gráfica Coan, Tubarão, SC CONTATO (48) 3234-5216 / 3234-3187 www.apufsc.org.br imprensa@apufsc.org.br

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Sumário 3 Editorial O barco em que vamos 6 Um retrato dos professores da UFSC Pesquisa encomendada pela Apufsc revela o perfil dos docentes da universidade

15 UFSC em gerações Mais da metade dos docentes ingressou na universidade na última década: mais velhos e com menos direitos

29 Quatro em cada cinco professores trabalham além das 40h Na UFSC, um terço dos docentes já recebeu diagnóstico de stress

36 Faltam recursos, sobra burocracia Tempo perdido com trâmites burocráticos está entre as maiores insatisfações dos professores e professoras

40 Sobre quatro rodas Embora vivam perto da UFSC, docentes preferem se deslocar de carro para o trabalho

46 Como os professores veem a Apufsc? Filiados e não filiados apontaram suas satisfações e insatisfações com a atuação do sindicato

51 Artigo A docência universitária como trabalho ubíquo 58 Artigo Se aposentando . . . Março de 2020 / APUFSC SINDICAL / 5


Plural

Pesquisa encomendada pela Apufsc revela o perfil dos docentes da universidade

S

e você é professor ou professora da Universidade Federal de Santa Catarina vai se reconhecer nas próximas páginas: a relação com o trabalho, com os alunos, a sobrecarga de atividades, a burocracia, o malabarismo para conciliar as demandas acadêmicas e administrativas com a vida pessoal, o Whatsapp que não para, o desafio de pesquisar e produzir mais com menos, o orgulho de fazer parte de uma das melhores instituições públicas de ensino do País. Embora atuem em áreas tão diversas, distribuídos por 11 centros de ensino e cinco campi, os 2,5 mil docentes ativos da UFSC compartilham dos mesmos problemas, ainda que lidem com eles, cada um, à sua maneira. Nesta edição da revista Plural, a Apufsc divide com os professores e professoras, mas também com a comunidade acadêmica e com a sociedade, o resultado de uma pesquisa reveladora que traçou o perfil dos docentes ativos e aposentados da UFSC. O levantamento, encomendado pelo sindicato, foi realizado pelo Laboratório de Sociologia

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SAMUEL CASAL

Um retrato dos professores da UFSC


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do Trabalho (Lastro) da própria universidade, sob a coordenação dos também professores Jacques Mick, do Departamento de Sociologia Política, e Samuel Pantoja Lima, do Departamento de Jornalismo, que já fizeram pesquisas semelhantes sobre os jornalistas brasileiros e os funcionários do Banco do Brasil. Os números mostram, por exemplo, que mais da metade dos docentes ativos da UFSC têm entre 30 e 49 anos de idade e foi contratada na última década. Homens e brancos ainda são maioria, mas na comparação com os aposentados é possível perceber um aumento (ainda que tímido) no número de mulheres, de pretos e pardos. A maioria mora em Florianópolis, nos bairros próximos ao campus da Trindade, e vai trabalhar de carro. O levantamento escancara a precarização do trabalho, com o alongamento das jornadas, as múltiplas atividades, a necessidade de levar tarefas para casa e avançar com elas pelos fins de semana para dar conta de tudo: 80% dos entrevistados afirmaram trabalhar mais do que as 40 horas semanais para as quais foram contratados. Não sobra muito tempo para a vida fora da UFSC. Só um em cada quatro docentes dedica-se com fre-

“A docência se vê solitária. Cada professor tem de encontrar seu próprio modo de administrar o inadministrável” Relatório Lastro

quência a atividades artísticas e culturais. E poucos se doam ao voluntariado ou à ação política. A intensificação da jornada tem um outro reflexo, mais alarmante: um terço dos professores e professoras da UFSC já recebeu diagnóstico de estresse e outros 17% relataram transtornos psicológicos relacionados ao trabalho. A frequência de assédio moral na universidade também assusta: 54% afirmam já ter presenciado alguma situação de assédio moral e 35% já foram constrangidos no trabalho a ponto de acreditar que se tratava de assédio moral. Na análise dos resultados, a equipe do Lastro concluiu que “a docência se

vê solitária”. “Cada professor tem de encontrar seu próprio modo de administrar o inadministrável: infraestrutura defasada ou inadequada, sem que haja perspectiva de melhoria; excesso de atribuições burocráticas impossíveis de transferir a técnicos ou bolsistas; infinitos pareceres sobre cada detalhe do processo de pesquisa – o recrutamento, o esboço, o projeto, o desenvolvimento, a publicação, a consagração”, diz o relatório final. Segundo o presidente da Apufsc, Carlos Alberto Marques, os dados levantados pelo Lastro serão uma ferramenta importante no planejamento estratégico da entidade, de modo a orientar as lutas sindicais para os problemas que mais afligem a categoria. “A pesquisa supera a prática sindical do achômetro”, diz Marques. “Ela revela uma fragilidade cada vez maior nas nossas condições de trabalho e uma frustração dos docentes, que acabam buscando saídas individuais para problemas que são comuns a todos nós e que precisam de caminhos coletivos”, diz. “Construir essa unidade, respeitando a pluralidade ideológica e política dos professores e professoras, é uma das missões do nosso sindicato.” Ao assumir o comando da Apufsc, no fim de 2018, a atual diretoria sentiu

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“A pesquisa supera

a necessidade de conhecer melhor fessores da UFSC. “Temos uma a prática sindical os professores e professoras que quarta geração de docentes que iria representar a partir de então. convive com gerações anteriores do achômetro” “A primeira motivação foi a necese têm problemas e situações de sidade de aprimorar os instrumencarreira distintos”, diz Carlos Alberto Carlos Alberto Marques tos de comunicação do sindicato, Marques. O trabalho feito pelo LasPresidente da Apufsc entender como os docentes se intro dá pistas de como a Apufsc formam”, diz o professor Eduardo pode responder a essas diferentes Meditsch, diretor de Imprensa e demandas. Ao avaliar as funções Divulgação da Apufsc. “Mas tínhamos também do sindicato, os participantes da pesquisa india curiosidade de saber como os professores caram como mais relevantes a representação encaram o sindicato, se a entidade está atenjurídica dos filiados, a defesa dos interesses dendo às expectativas e o que mudou no perfil trabalhistas e da universidade pública, assim da categoria nos últimos anos.” como da autonomia universitária. Em 2000, a Apufsc chegou a realizar uma Os apontamentos feitos pelos professores pesquisa que ouviu 333 ativos e aposentados assumem uma importância estratégica e rena tentativa de levantar informações que ajuforçam o caráter de luta do sindicato, no modassem a compreender o corpo docente da mento em que o governo ataca sistematicaUFSC. Desta vez, 943 professores e profesmente a ciência e a universidade pública. Não soras, de um universo de 4,1 mil pessoas, resfoi por acaso que os coordenadores da pesquisa, ponderam, anonimamente, ao questionário ontambém docentes e sindicalizados à Apufsc, line, entre os dias 16 de agosto e 16 de seoptaram por adotar a primeira pessoa do plural tembro de 2019. O número superou em 80% a em seu relatório, destacando-a também no amostra mínima ideal, com a participação de título do trabalho: “Nós, Professores da UFSC”. filiados e não filiados. Entre os ativos que resNa escolha, está implícita uma constatação: ponderam ao questionário, quase 40% não “num contexto de forte individualismo e vultêm vínculo com o sindicato. nerável a ataques de diversos tipos, a categoria A comparação entre os levantamentos de não terá nenhuma chance de resistir aos efeitos 2000 e de 2019 mostra que, duas décadas deda conjuntura adversa se não reencontrar pois, há mais mulheres, mais jovens, mais negros modos coletivos de ação – se não conjugarmos e negras, e mais recém-chegados entre os proo “nós” cada vez com mais força.”

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Nós, em números

2.493 1.640

docentes na ativa 2.377 no ensino superior e 116 no ensino básico, técnico e tecnológico (EBTT)

docentes aposentados 1.474 do ensino superior e 166 do EBTT

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Ensino Superior Professores da Ativa SEXO

FAIXA ETÁRIA

Homens

Mulheres

59%

41%

71 a 75 66 a 70 61 a 65 56 a 60 51 a 55 46 a 50 41 a 45 36 a 40 29 a 35

17 107 208

316 337 301 373 457 261

COR/ETNIA Branca Indígena Preta Amarela Parda

2002 3

24 28

NI

97 227

84%

TEMPO DE SERVIÇO mais de 41 anos de 36 a 40 anos de 31 a 35 anos de 26 a 30 anos de 21 a 25 anos de 16 a 20 anos de 11 a 15 anos de 6 a 10 anos de 2 a 5 anos até 2 anos

46 86 70 117

Mais da metade dos docentes ativos da UFSC foram contratados na última década

299 92 187 565 760 155 Fonte: Prodegesp | Análise de dados: Lastro/UFSC

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Ensino Básico, Técnico e Tecnológico (EBTT) FAIXA ETÁRIA

SEXO

27

93

Mulheres

Homens

23% 78%

mais de 66 61 a 65 56 a 60 51 a 55 46 a 50 41 a 45 36 a 40 29 a 35

1 4 13 13 14 19 25 27

COR/ETNIA Branca Indígena Preta Amarela Parda

103

0

2

86%

2

4

NI

9

TEMPO DE SERVIÇO

de 31 a 35 anos de 26 a 30 anos de 21 a 25 anos de 16 a 20 anos de 11 a 15 anos de 6 a 10 anos de 2 a 5 anos até 2 anos

6 6 9 6 6 45 33 8 Fonte: Prodegesp | Análise de dados: Lastro/UFSC

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Plural

Aposentados (ensino superior e EBTT) SEXO

FAIXA ETÁRIA mais de 91 anos de 81 a 90 anos de 76 a 80 anos de 71 a 75 anos de 66 a 70 anos de 61 a 65 anos de 56 a 60 anos de 51 a 55 anos menos de 50 anos

15

860

148

614

Homens

Mulheres

247 325 387

59%

265

42%

74 11 2

TEMPO DE SERVIÇO mais de 60 anos de 56 a 60 anos de 51 a 55 anos de 46 a 50 anos de 41 a 45 anos de 36 a 40 anos de 31 a 35 anos de 26 a 30 anos de 21 a 25 anos até 20 anos

2 8 32 54 102 197 334 497 246 2 Fonte: Prodegesp | Análise de dados: Lastro/UFSC

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Quem respondeu à pesquisa

943

professores e professoras 714 da ativa (28,6% do total) 229 aposentados (14% do total)

Comparação entre totais de docentes da UFSC e participantes da pesquisa mostra a representatividade do levantamento feito pelo Lastro

Mulheres

Homens

Sindicalizados

93%

Não-filiados

87%

62,6% 56% 44%

48% 43%

46%

57% 52%

54% 48%

52%

37,3%

13%

OS

ATI V

ATI V

OS

(TO TAL ) (RE S AP P) OS . (T OTA AP L) OS . (R ES P) ATI VO S( TO TAL ATI ) VO S( RE S AP P) OS . (T OTA AP L) OS . (R ES P) ATI VO S( TO TAL ATI ) VO S( RE SP AP ) OS . (T OTA AP L) OS . (R ES P) ATI VO S( TO TAL ATI ) VO S( RE SP AP ) OS . (T OTA AP L) OS . (R ES P)

7%

Fonte: Lastro/UFSC

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Plural ESTADO CIVIL

17,39%

Solteiro(a)

51,61%

Ativos

Casado(a) Separado(a)

3,37% 9,12%

Divorciado(a) Viúvo(a)

0,56% 17,95%

Em união estável

6,70%

Solteiro(a)

54,02%

Aposentados

Casado(a) Separado(a)

3,13% 15,63%

Divorciado(a)

5,36%

Viúvo(a)

14,73%

Em união estável Outros

0,45%

REGIME DE TRABALHO

20 horas

40 horas Dedicação Exclusiva (DE)

95,42%

40 horas

1,98% 2,60% Fonte: Lastro/UFSC

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UFSC em gerações Mais da metade dos docentes ingressou na universidade na última década: mais velhos e com menos direitos

A

caminho da UFSC com seus fones de ouvido que tocam funk ou deitado à beira do lago do campus depois do almoço, Paolo Colosso pode facilmente ser confundido com um dos 30 mil estudantes da universidade. Aos 36 anos, ele é um dos mais jovens professores do Centro Tecnológico (CTC), onde desde 2019 dá aulas de Teoria e História da Arquitetura e Urbanismo. Paolo integra uma nova geração de docentes que entrou na universidade na última década e já é maioria. Entre os 2,37 mil professores que estavam na ativa em janeiro de 2019, 62% ingressaram na federal nos últimos dez anos segundo dados da Pró-Reitoria de Desenvolvimento e Gestão de Pessoas (Prodegesp). Os números condizem com a evolução das contratações na universidade: depois de uma redução nos concursos no fim dos anos 1990, o quadro de magistério superior da UFSC passou por uma expansão, principalmente entre 2009

e 2014. A implementação dos campi de Curitibanos, Araranguá, Joinville e Blumenau deu impulso a essa renovação. A pesquisa feita pelo Laboratório de Sociologia do Trabalho (Lastro) a pedido da Apufsc ajuda a entender as muitas gerações que convivem hoje na universidade e, especialmente, a da última década. São professores em fase inicial de carreira, ainda que muitos possam ter tido experiências anteriores em outras áreas ou em outras instituições. São jovens, mas não tão jovens quanto os que entraram há três, quatro décadas, quando a carreira de professor universitário era outra. A UFSC, como as demais universidades federais, não exigia doutorado nem mestrado na seleção dos docentes, até porque a própria pós-graduação ainda era incipiente no país e restrita às universidades mais antigas. Era comum que profissionais do mercado que se destacavam em suas áreas de atuação fossem convidados para dar aula nas universidades, apenas com a graduação. Os concursos selecionavam pela competência comprovada na área do conhecimento em que havia necessidade de professores. Isso explica por que uma parcela significativa dos atuais aposentados da UFSC (quase 17%) ingressou na universidade antes dos 25 anos. Hoje, entre os ativos, esse percentual não chega aos 5%.

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Distribuição por faixa etária de ingresso na carreira ativos inativos

4,29%

Até 25 anos

16,82% 17,71%

26 a 30

33,72% 33,95%

31 a 35

22,66% 23,14%

36 a 40

13,36% 11,44%

41 a 45 46 a 50 51 a 55 Mais de 55

6,92% 6,44% 3,66% 2,15% 2,17% 0,88% 0,68%

2377 Professores da ativa da UFSC ano referência 2019

1474 Professores aposentados da UFSC ano referência 2019

O perfil dos docentes começa a mudar de forma significativa a partir dos anos 2000, quando os concursos para professores universitários passam a exigir doutorado. As gerações das últimas duas décadas tiveram de investir muitos anos na própria formação para concorrer a vagas cada vez mais disputadas. Hoje, como o doutorado deixou de ser um diferencial, há candidatos que dão aula voluntariamente ou que partem direto para

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Fonte: Prodegesp | Análise de dados: Lastro/UFSC

o pós-doutorado para terem maiores chances nos concursos. Desde que optou pela carreira acadêmica, ainda na graduação, Paolo Colosso levou praticamente 15 anos se preparando para se tornar professor universitário: formou-se em Arquitetura e Urbanismo, depois em Filosofia, e aliou as duas áreas no mestrado e no doutorado com o intuito de estudar e entender as cidades. Em 2019, depois de obter o título de doutor, começou


Plural sua maratona para disputar uma vaga de professor em uma universidade federal. Cinco meses, três concursos e uma gastrite depois, ele foi aprovado na UFSC. Hoje, Paolo vê na universidade pública “um lugar onde se pautam os horizontes de sociedade” e, na sala de aula, um espaço de transformação. "Daqui a dez anos, quero ter formado pessoas que tenham desejo de uma cidade menos desigual. Mais do que

trabalhar como arquiteto só para satisfazer pequenos caprichos e demandas do mercado, quero saber que marquei de alguma forma a vida dessas pessoas", comenta o professor que, nos poucos meses exercendo a profissão, diz não saber mais discernir o que é trabalho do que é seu tempo livre. "Você faz algo e se reconhece naquilo. Então ou eu estou sempre trabalhando, ou nunca estou trabalhando", brinca.

Escolaridade dos pais dos professores ativos inativos

18,54%

Pós-graduação

10,09% 31,04%

Superior completo Superior incompleto

22,37% 3,79% 2,63% 18,82% 18,86%

Ensino médio completo Ensino médio incompleto Ensino fundamental completo

3,51% 4,39% 6,46% 20,61% 17,28% 20,18%

Ensino fundamental incompleto Nenhuma

0,56% 0,88%

Fonte: Lastro/UFSC

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Plural Muito além das 40h

Paolo Colosso escolheu morar a menos de cinco minutos a pé do trabalho, tanto para evitar o trânsito da ilha, como para “viver a universidade”. Costuma ir uma vez por mês para Itapira (SP) visitar a família. Concilia a rotina acadêmica com a publicação de análises de conjuntura em sites como Carta Capital, Outras Palavras, GGN e Justificando, e com a coordenação do projeto Br Cidades, que reúne ONGs e entidades profissionais na discussão de uma nova agenda urbana. Paolo não se esquiva de assuntos políticos. Pelo contrário, gosta do debate. “Nós, a universidade pública, temos que voltar a mostrar nosso papel como sendo o lugar onde se pautam os horizontes de sociedade e de cidade”, diz. “O mercado não fornece saída para a crise urbana e, se o poder público também não está fornecendo, a universidade pública tem que ter essa força social.”

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KARINA FERREIRA

Vencida a etapa da seleção, esses pesquisadores ingressam em uma carreira com menos direitos e em que a sobrecarga de trabalho os desafia cotidianamente a dar conta do recado sem adoecer. “É um Deus nos acuda. Não pergunte como eu consigo fazer tanta coisa porque eu não sei”, diz Leila Hayashi, 44 anos, docente do Departamento de Aquicultura (CCA). A rotina da professora, que completa este ano uma década de UFSC, envolve a orientação de um doutorando, três mestrandos e uma iniciação científica, além das aulas em duas disciplinas da graduação e três na pós, da coordenação da

pós-graduação e de um projeto de internacionalização Print. Na coordenação do Laboratório de Algas, para onde vai três vezes por semana, Leila faz reunião com os bolsistas, orienta pesquisas com alunos, organiza as saídas de campo para as fazendas de cultivo e as coletas de material para as aulas práticas. Com todas essas demandas e também porque acaba levando trabalho para casa, Leila percebe que seu tempo dedicado ao lazer é muito curto – condição compartilhada pela maioria dos docentes e que ficou evidente na pesquisa do Lastro. As atividades realizadas com mais frequência por professores e professoras da UFSC fora da universidade não são atividades de lazer,

Paolo Colosso, 36 anos, professor do Departamento de Arquitetura e Urbanismo (CTC) . Um ano de UFSC.


Plural Quem está há mais tempo na UFSC percebe com muita clareza como o trabalho se precarizou ao longo das décadas. Cristina Scheibe Wolff, que entrou em 1992, aos 24 anos de idade, no departamento de História do Centro de Filosofia e Ciências Humanas (CFH), diz que a exigência por produtividade aumentou, mas que a sobrecarga se deve também ao crescimento do número de alunos que não foi acompanhado pela contratação de novos professores. Ela conta que o curso de graduação em História, por exemplo, tinha 29 docentes no começo do governo de Fernando Henrique Cardoso, quando ingressavam 30 alunos por semestre. Com as aposentadorias, o número caiu para 18 e assim se manteve até o

KARINA FERREIRA

mas de trabalho: afazeres domésticos (36,25%); estudos relacionados à atividade profissional (32,16%); trabalho acumulado da universidade (36,10%) e outras atividades relacionadas à profissão, como elaboração de projetos, pareceres ou relatórios (36,14%). Leila tenta tirar pelo menos um dia do fim de semana para se desligar de tudo. “Tenho amigos que me convidam para ir ao cinema, por exemplo, e eu já não vou porque sei que vou dormir no meio do filme, de tão cansada”. As aulas de dança de salão, que amava, já não encaixam na agenda. “Eu gostaria de fazer alguma atividade mais frequentemente, mas o estado de cansaço é tão grande que você fica meio apático”, lamenta.

Leila Hayashi, 44 anos, professora do Departamento de Aquicultura (CCA). Dez anos de UFSC.

Descendente de japoneses, Leila recebeu apoio e estímulo para se tornar professora vindos do outro lado do mundo. Seu avô, Kyoto, que acaba de completar 99 anos, trabalhou como técnico em uma universidade pública no Japão e trata com reverência o ofício de ensinar. “Lá as pessoas te saúdam, te agradecem por você estar ensinando os outros e ter uma profissão tão nobre. No Brasil, ser professor e nada é quase a mesma coisa. Chega a ser triste.” Hoje, uma das maiores recompensas do seu trabalho é a relação que costuma desenvolver com os estudantes. “Não tenho filhos, mas tenho todos os meus alunos, que considero como filhos”. No último ano, com a greve estudantil contra os cortes na educação, esse vínculo se fortaleceu. “Foi enriquecedor estar ao lado deles ajudando na conscientização de que estamos em uma universidade pública e gratuita. De que esse tipo de educação não é um luxo, é uma necessidade.”

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KARINA FERREIRA

início dos anos 2000. Com a retomada das contratações, o curso voltou agora a ter 30 docentes novamente, mas o número de alunos entrantes passou para 45 por semestre, totalizando cerca de 400. Além disso, foram abertos novos cursos que são atendidos por professores de História: Museologia, Cinema, Relações Internacionais e Literatura Indígena. “A sobrecarga existe faz tempo, só que antes trabalhávamos animados porque havia editais, mais bolsas de estágio, mais bolsas de pós-graduação e de pós-doutorado, oportunidades para os alunos fazerem sanduíche, professores visitantes. O ano de 2019 e as medidas do governo Bolsonaro nos trouxeram muita angústia, depressão”, desabafa Cristina, que participou da Comissão Memória e Verdade da UFSC e escreveu sobre as mulheres vítimas da ditadura. Entre essas medidas, está a reforma da Previdência, promulgada em novembro de 2019. As

Cristina Scheibe Wolff, professora do Departamento de História (CFH). 28 anos de UFSC.

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mudanças atingem duramente os professores federais de todas as gerações. Ninguém foi poupado. Cristina Scheibe, por exemplo, poderia se aposentar daqui a dois anos, quando completa 30 anos de contribuição. Agora, se quiser manter a integralidade (aposentadoria com o mesmo valor do último mês de atividade) e a paridade (mesmos reajustes dos servidores da ativa), terá que esperar a nova idade mínima (de 62 anos) ou optar por uma regra de transição e trabalhar até os 57 – o que é mais vantajoso para ela. Em quase 30 anos, a aposentadoria dos servidores públicos federais passou por cinco reformas (contando com a de Jair Bolsonaro). Os quase 1,5 mil professores e professoras que entraram na última década – e também vão se aposentar mais tarde – já não tinham muitos dos direitos de gerações anteriores, como a de Cristina. A integralidade e a paridade caíram em 2003. E, dez anos depois, uma alteração ainda mais profunda limitou o valor da aposentadoria ao teto do INSS, hoje de R$ 6,1 mil.

Vassoura nova é que varre bem O choque para quem ingressa na carreira docente é imediato. É preciso, na largada, sobreviver ao estágio probatório (período de três anos em que o docente está sob avaliação). Daiane Bertasso, de 37 anos, professora do Departamento de Jornalismo (CCE), concluiu o seu há três anos, mas ainda se lembra do que passou nessa fase. “Eu costumava ouvir dos colegas: vassoura nova é que varre bem.” Sem conseguir dizer não para as tarefas que recebia, acabou acumulando a preparação das aulas, com reuniões nos cole-


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VINICIUS CLAUDIO

em claro, mantendo o mesmo ritmo profissional. “É bem desafiador”, diz. “Aos poucos a gente vai se acostumando a se sentir constantemente frustrada: ou em relação ao filho ou ao trabalho.” Maurício Badaró, professor de Odontologia, está no começo de seu estágio probatório. Em menos de um ano de UFSC ele já pode perceber que a burocracia e as tarefas administrativas tomam tempo demais dos professores: são projetos e relatórios de pesquisas, documentos do estágio probatório, pareceres de validação de diplomas e suas cópias. Hoje, além das aulas, das práticas laboratoriais e dos projetos de extensão, ele também é responsável por avaliar a compatibilidade de diplomas de instituições estrangeiras e por coordenar a disciplina Clínica III. “Encaixar em 40 horas fica difícil. Sempre acabo levando trabalho para casa.” No ano passado, ele conseguiu tempo para se dedicar a aprender um novo idioma. Depois VICTOR LACOMBE

giados dos cursos de Jornalismo e Biblioteconomia e coordenação de estágio. “Os novatos acabam sendo sobrecarregados pelos outros colegas, que também já passaram por isso. É uma cultura de passar adiante o sacrifício”, diz. O fim do período de avaliação veio como um divisor de águas para ela. Daiane começou a sentir a chefia mais solícita aos seus pedidos, passou a ter mais liberdade para escolher horários de aula e administrar a carga de trabalho – que não é baixa. Só então se sentiu confortável para levar adiante um outro projeto: o da maternidade. Queria ter uma relação estabelecida no emprego e, principalmente, estar preparada para dividir a atenção entre a vida familiar e a profissional – tarefa que tem se mostrado um desafio diário desde a chegada de Heitor, em janeiro de 2018. Assim como tantas outras mães no ambiente de trabalho, experimenta a exaustão de ter que atender às necessidades de um bebê, o que inclui passar noites

Daiane Bertasso, 37 anos, professora do Departamento de Jornalismo (CCE). Seis anos de UFSC.

Maurício Badaró, 35 anos, professor do Departamento de Odontologia (CCS). Menos de um ano de UFSC.

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Plural

Natural de São José do Rio Preto, no interior paulista, viveu a maior parte de sua vida na cidade de São Paulo. Trocou o Minhocão pela Ponte Hercílio Luz porque “só um maluco para desperdiçar a oportunidade de trabalhar na UFSC”. Tiago dedica mais tempo à universidade do que seu contrato de 40 horas de dedicação exclusiva prevê – o que não considera necessariamente uma virtude. É nos finais de semana que ele coloca as leituras e outras tarefas acadêmicas em dia. Mesmo nas férias, segue com as pesquisas. “Eu não tenho tempo nem de respirar”, diz em sua sala no Centro de Filosofia e Ciências Humanas (CFH), onde as prateleiras entortaram pelo peso de tantos livros. Em seus momentos de folga, dedica-se à literatura e aproveita para ir ao cinema – assiste dos clássicos ao popular Vingadores.

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não olhar a política tal, o candidato tal… Eu procuro ver o que tenho pra fazer”, diz.

Uma preocupação comum: o desmonte da universidade pública Mas a pesquisa encomendada ao Lastro pela Apufsc mostra que os professores estão, sim, preocupados com o futuro da universidade pública. O questionário indagou aos docentes quais aspectos mais os preocupam em relação à carreira e ao trabalho. Um total de 613 professores da ativa responderam à questão aberta e as expressões mais frequentes que emergiram dessas respostas foram: falta de recursos, futuro da universidade, condições de trabalho, plano de carreira, recursos para pesquisa,

KARINA FERREIRA

das aulas e atividades laboratoriais que preenchem sua segunda-feira das 7h30 às 17h, Maurício estuda Francês no Centro de Comunicação e Expressão (CCE). Só às 20h deixa o campus e dirige para sua casa no Itacorubi, onde mora sozinho. Ele não é de reclamar, nem gosta de discutir política. Costuma dizer que, quando uma porta se fecha, é melhor encontrar outra que esteja se abrindo do que ficar se lamentando e dá como exemplo os cortes no orçamento da universidade: com menos recursos, o professor é forçado a explorar novas possibilidades, seja com uma mudança na linha de pesquisa, na busca por parcerias nacionais e internacionais ou na interação com outros pesquisadores para que, juntos, unam o que cada um tem disponível a fim de “fazer algo maior”. “Eu procuro

Tiago Borges, 37 anos, professor do Departamento de Sociologia e Ciência Política (CFH). Seis anos de UFSC.


Plural

falta de perspectiva, reforma da previdência e falta de verbas. Para o professor Jacques Mick, um dos responsáveis pelo estudo do Lastro, o resultado não surpreende. “Os cortes são contínuos desde 2015, o que leva à deterioração da infraestrutura e a uma série de novos limites ao trabalho docente”, afirma. “Como os professores estão inseridos em redes internacionais de investigação, o reconhecimento dessa imensa falta é intensificado pelo contraste das condições de trabalho no Brasil e no Exterior.” Contraste que aumentou no ano passado. O questionário do Lastro foi aplicado entre agosto e setembro de 2019, primeiro ano de Jair Bolsonaro na presidência da República e um ano difícil para a educação. Os professores estavam (e seguem) sob o impacto de uma série de medidas e declarações que enfraquecem o ensino público e desmoralizam a carreira docente. O ministro da Educação, Abraham Weintraub, que chegou em abril para “acalmar os ânimos”, depois de uma série de polêmicas envolvendo seu sucessor, Ricardo Vélez, colocou mais lenha na fogueira. As universidades tiveram seus recursos congelados por mais de seis meses e foram alvo de acusações, por parte de Weintraub. Sem oferecer provas, ele afirmou que as universidades promovem “balbúrdia”, mantêm “plantações de maconha” e “laboratórios de drogas”. Com os cortes, em todo o país, foram canceladas 7.590 bolsas da Capes para financiar pesquisas de pós-graduandos – o que corresponde a 8% do total. O CNPq esteve prestes a suspender o pagamento de mais de 80 mil bolsistas.

“Acredito que colocar barreiras ao desrespeito dos direitos fundamentais vai possibilitar a sobrevivência da universidade, mas não sem retrocessos.” Luana Heinen

Concomitantemente, o MEC apresentou à sociedade, sem um diálogo prévio com a comunidade universitária, seu projeto de financiamento para as instituições federais de ensino, o Future-se, que prevê a criação de fundos privados (abastecidos com dinheiro público) e a transferência da gestão para Organizações Sociais. “A lógica do projeto é incentivar a inovação e o empreendedorismo nas universidades, mais como produto e prestação de serviços. O Future-se estreita a atuação e a função social dessas instituições e compromete atividades de várias áreas do conhecimento”, resume o presidente da Apufsc, Carlos Alberto Marques, professor do Departamento de Metodologia de Ensino (CED), com 22 anos de UFSC . Em setembro do ano passado, quando o Conselho Universitário promoveu uma reunião aberta e histórica para discutir o Future-se (que acabou sendo rejeitado pela UFSC), Marques se manifestou, ao lado de professores de diversas gerações, contra o projeto do governo federal. O maior auditório da universidade estava lotado naquele dia. Luana Renostro Heinen, de 33 anos, foi uma das professoras mais aplaudidas. A docente do curso de Direito leu, emocionada, uma

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VINICIUS CLAUDIO

análise jurídica, feita em conjunto com outras professoras, que apontava inconstitucionalidades no projeto federal. Embora o Future-se ainda fosse uma novidade para a comunidade acadêmica, as mudanças propostas pelo governo já eram, de certa forma, objeto de pesquisa de Luana há mais tempo. Ela coordena o Núcleo de Pesquisa e Extensão em Sociologia do Direito, onde se discute, desde o início de 2019, as relações entre direito e neoliberalismo e a “percepção de que devemos ser empreendedores de nós mesmos”. Depois do Future-se, o grupo passou a estudar também o neoliberalismo nas universidades. “Eu sentia que as pessoas queriam respostas, principalmente meus estudantes. Aquele dia foi emocionante e o momento de consolidação de uma

Luana Renostro Heinen, de 33 anos, professora do curso de Direito (CCJ). Três anos de UFSC .

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luta”, disse a professora, que ingressou na UFSC em 2017. Sobre o que esperar para as universidades, ela destaca um sentimento de pessimismo para os próximos anos ao lado de uma esperança no longo prazo. “Acredito que colocar barreiras ao desrespeito dos direitos fundamentais vai possibilitar a sobrevivência da universidade, mas não sem retrocessos.”

Vem mais por aí O ataque à autonomia universitária não veio apenas com a estratégia de asfixia financeira ou com a ameaça do Future-se. Ele foi direto e sem cerimônias. No ano passado, Bolsonaro quebrou a tradição na escolha dos reitores ao não indicar o primeiro colocado nas listas tríplices, elaboradas

Natural de Paranatinga (MT), Luana conta que a escolha pelo Direito veio de um sentimento de impotência, após conviver de perto com a violência exercida por figuras de poder, como os fazendeiros de sua cidade. "Queria poder contribuir para levar o império da lei a esses lugares em que a lei parecia não existir". A UFSC despontou em seu caminho profissional como o ambiente de debate político que ela buscava desde a graduação. O perfil crítico e o reconhecimento nacional da pós-graduação em Direito da federal catarinense foram decisivos para a escolha. Em Florianópolis, também encontrou o contato com a natureza, a segurança e a qualidade de vida que buscava. Algumas vezes na semana, consegue ir para o campus de bicicleta – o que considera um privilégio – e pratica meditação com um grupo da UFSC. “É uma forma de cuidar da minha saúde mental e dar conta de toda essa sobrecarga de trabalho.”


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Aspectos mais preocupantes em relação à carreira / trabalho Carreira docente, progressão, salário e aposentadoria Financiamento da educação pública / cortes Volume ou condições de trabalho Insegurança / incerteza diante da conjuntura política Desvalorização / sucateamento / desmonte da educação Estratégias de privatização da universidade pública Valorização da identidade docente / pesquisador(a) Políticas do atual governo federal Comprometimento / engajamento dos estudantes Infraestrutura precária Cerceamento da liberdade Burocracia universitária Instabilidade (em vários aspectos) Ataque à ciência e pesquisa Relacionamento interpessoal / com colegas Condições de saúde decorrente do trabalho Condições de estudo / bolsas / permanência para alunos Impossibilidades de atualização / formação profissional Comprometimento dos pares / mobilização coletiva Gestão universitária (departamento, campus, reitoria) Perda da autonomia universitária Perda da saúde mental Partidarização / ideologias na universidade Sensação de impotência com a situação da universidade e da ciência Desvalorização / invisibilidade da Educação Básica Saúde mental dos estudantes Democracia ameaçada Evasão dos alunos Prática docente e estratégias de ensino

155 108 99 87 74 47 36 30 23 22 21 17 14 13 11 10 9 9 8 8 8 8 7 5 4 4 3 3 2

O quadro apresenta as principais ocorrências categorizadas a partir do que os/as docentes redigiram em suas respostas. A questão era aberta.

Fonte: Lastro/UFSC

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Plural a partir de eleições internas com regras próprias de cada universidade. Dos 14 reitores nomeados no ano, Bolsonaro escolheu seis candidatos que foram os menos votados. No fim de 2019, às vésperas do Natal, o presidente editou uma Medida Provisória que impõe novas regras para a escolha dos reitores federais, tornando as consultas internas obrigatórias para a definição de uma lista tríplice a ser apresentada ao presidente da República, que escolhe, então, uma das opções. Na prática, o governo impôs procedimentos às instituições que antes podiam definir livremente as próprias regras para a escolha dos reitores. O governo já deu sinais de que 2020 também não será fácil. As universidades começaram o ano com um orçamento menor – de R$ 122 bilhões caiu para R$ 103 bilhões -, e parte desses recursos ainda depende da aprovação do Congresso para ser liberada. O governo, em vez de realizar o contingenciamento como de costume, sugeriu aos reitores que não realizem novas despesas, paralisando a contratação para reposição de pessoal e as progressões de carreira previstas em lei. Uma portaria do ministério suspendeu a contratação de funcionários nas instituições de ensino federais. Enquanto cria mecanismos que impactam diretamente na qualidade

do ensino oferecido pelas universidades, o governo federal também trabalha para desmoralizar os servidores públicos e reduzir seus direitos. Com a aprovação da reforma da Previdência em 2019, os professores universitários terão de trabalhar mais e contribuir com alíquotas previdenciárias mais altas para se aposentar. Agora, o governo tenta aprovar uma reforma administrativa para acabar com a estabilidade no serviço público, reduzir jornada e salários dos servidores, chamados recentemente de “parasitas” pelo ministro da Economia Paulo Guedes.

As alegrias da docência Apesar das incertezas em relação à carreira e ao futuro da universidade e mesmo com a intensificação do trabalho, os professores e professoras indicaram na pesquisa do Lastro encomendada pela Apufsc que estão satisfeitos com a maioria dos aspectos relacionados a seu trabalho na UFSC, como remuneração, plano de carreira e qualidade de vida. No topo do ranking, se somadas as respostas “satisfeito” e “muito satisfeito”, estão a experiência de trabalho (83,9%), as relações interpessoais com estudantes (83,1%), as relações interpessoais com chefias e integrantes de instâncias superiores (68,3%), a quantidade de estudantes por turma (65,5%), e

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as relações interpessoais com colegas de trabalho (63,6%). São essas relações que motivam os docentes no dia a dia da universidade. Em Curitibanos, isso ficou bem claro em uma conversa com dois professores sobre carreira docente. Em meio à sobrecarga de trabalho, à falta de recursos para projetos, aos processos burocráticos que lhes tiram do foco, é dessa relação em sala de aula que vem a resposta para a pergunta “o que é o melhor de ser professor?”: os estudantes. “A gente só é o que é pelos alunos”, diz a professora Karine dos Santos. Ela e o marido, Alexandre


Plural rença na minha vida, sinto que posso fazer um benefício assim também na vida de alguém”, diz a professora, filha de um pedreiro e de uma auxiliar de enfermagem, natural de Caçador (SC). A retribuição vem com o carinho e com as homenagens que costuma receber dos estudantes. Esse relacionamento com os jovens, ela diz,

FOTOS: CAROL GOMEZ

Siminski, atuam no Departamento de Agricultura, Biodiversidade e Florestas do campus de Curitibanos, desde seu início, há dez anos. Aos 40 anos, Karine encara a docência como uma missão e chega a se emocionar ao pensar no poder que os professores têm de mudar vidas. “Assim como os meus fizeram dife-

Karine dos Santos, 40 anos, e Alexandre Siminski, 41 anos, professores do Departamento de Agricultura, Biodiversidade e Florestas, no campus Curitibanos. Dez anos de UFSC

lhe dá também a sensação de que nunca está parada no tempo. A cada semestre uma nova turma, a maioria com seus 17 anos, chega ao campus e com eles também chegam novas perspectivas e até mesmo novas gírias. “A universidade não nos envelhece”, dizem Karine e Alexandre, surpresos com a própria conclusão.

Além de colegas de profissão, Alexandre e Karine também são casados e dividem a paixão por lecionar, pelas florestas e pelos animais. Antes de atuarem como professores nos cursos de Agronomia e Engenharia Florestal da UFSC, os dois foram colegas de graduação no curso de Agronomia, em Florianópolis, na década de 90. Ao se mudarem para Curitibanos, cidade com 40 mil habitantes, os dois enfrentaram além dos desafios comuns ao início da carreira docente, as dificuldades de um campus recém-criado. O casal abraçou intensamente a nova cidade e a nova rotina. Eles vivem em uma casa a 800 metros da UFSC e quando não estão na universidade, gostam de cuidar de sua horta particular – é um hobby, “mas também uma forma de colocar em prática o que ensinam aos alunos”. Os ambientes familiar e acadêmico muitas vezes se confundem. O curso de pós-graduação em Ecossistemas Agrícolas e Naturais, que começou em 2016 e hoje está sob coordenação de Alexandre, foi planejado nos finais de semana, em reuniões que aconteciam na casa dos próprios professores. “É difícil desligar. Não existe isso de bateu o ponto e terminou. Ou tu estás pensando sobre algo que precisas desenvolver ou estás, literalmente, envolvido em alguma coisa,” explica Alexandre. Eles não desligam nem nas férias. Gostam de visitar unidades de conservação e as experiências das viagens acabam virando conteúdo em sala de aula.

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KARINA FERREIRA

Plural

Luiz Fernando Scheibe e Leda Scheibe, 77 anos, aposentados; no meio deles, Cristina Scheibe Wolff, 52 anos, professora do Departamento de História há 28 anos

A trajetória da família Scheibe A trajetória da família Scheibe ajuda a entender as mudanças na carreira de professor universitário em diferentes períodos da UFSC. Leda e Luiz Fernando Scheibe, ambos com 77 anos, começaram suas carreiras na universidade em meados da década de 60 – ele com 23 anos, formado em Geociências, e Leda aos 24, formada em História. Cristina Scheibe, a filha mais velha, tornou-se professora da UFSC em 1992. Luiz Fernando e Leda vivenciaram as mudanças da reforma universitária de 1969 e as que vieram nos anos seguintes: a extinção das cátedras e a criação dos departamentos e centros de ensino, a semestralização (antes os

cursos eram anuais) e, mais tarde, a Dedicação Exclusiva – que “foi uma grande conquista dos professores”, lembra Luiz Fernando. “Também havia mais incentivo à formação docente.” Cristina, a filha, pegou a estagnação e depois os anos de expansão de vagas nas universidades públicas, viu seus colegas (e ela própria), serem afetados por cinco reformas previdenciárias, que tiraram direitos dos servidores, assim como viu se consolidar a cultura do produtivismo acadêmico, marcada pela valorização da publicação de artigos científicos. Aposentado desde 2012, Luiz Fernando continua trabalhando

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voluntariamente na UFSC na pósgraduação. Como ele, cerca de 30% dos professores aposentados da UFSC atua de forma voluntária na universidade. Leda, aposentada desde 1997, é editora de uma revista da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE). Nem os pais de Leda nem os de Luiz Fernando tinham curso superior – o perfil dos aposentados da UFSC indica que a geração anterior tinha pais com escolaridade menor em comparação com os professores que hoje estão na ativa, em que pelo menos um dos pais conseguiu se formar na universidade.


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Quatro em cada cinco professores trabalham além das 40 h Na UFSC, um terço dos docentes já recebeu diagnóstico de stress

somam 30 horas semanais –, está envolvido em projetos de pesquisa e extensão e, atualmente, orienta quatro graduandos, dois mestrandos e uma doutoranda, além de 11 estudantes em reão 4h30 da manhã e o professor Sérgio gime de Educação à Distância (EaD/UFSC) e três Murilo Petri, 46 anos, já está a postos para estagiários. No último ano, o professor produziu começar mais um dia de trabalho. É de ma- 40 artigos e participou de três eventos nacionais drugada, no silêncio de casa, que ele encontra de Ciências Contábeis. Editor chefe da revista tempo para responder alguns dos mais de 100 do Conselho Regional de Contabilidade, ele tame-mails que recebe por dia e as mensagens de bém faz parte de comissões que organizam ao WhatsApp. Depois, deixa os filhos na escola e menos quatro eventos anuais na área e, todos segue, às 7h30, para o Departamento de Ciências os anos, capacita as comissões de validação das Contábeis da UFSC (CCN/CSE), onde inicia ofi- Ações Afirmativas da UFSC. cialmente sua rotina de professor universitário. O tempo que Sérgio dedica para cumprir Como docente, ele é responsável por ministrar todas essas funções passa bem longe de caber disciplinas na graduação e na pós – que juntas dentro das 40 horas semanais para as quais foi contratado, em regime de Dedicação Exclusiva. A pesquisa “Nós, docentes da Na UFSC, você trabalha por tempo superior UFSC”, elaborada pelo Laboratório de Soà jornada semanal prevista em seu contrato? ciologia do Trabalho (Lastro) em parceria com a Apufsc-Sindical, demonstrou que SIM Sérgio não é exceção, mas sim a regra: 4 em cada 5 professores afirmam que trabalham além da jornada prevista em seus NÃO Fonte: Lastro/UFSC contratos. Segundo o relatório, as ativi-

S

79,5%

20,5%

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KARINA FERREIRA

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Sérgio Murilo Petri, 46 anos, Departamento de Ciências Contábeis (CSE/UFSC)

dades mais frequentes dentro da tríade ensinopesquisa-extensão, como dar aulas na graduação e pós, orientar trabalhos nesses dois níveis e coordenar projetos de pesquisa não são as únicas tarefas dos professores. “Uma infinidade de outras responsabilidades se soma a essas atividades principais e cria uma pista recheada de obstáculos a quem gostaria de se dedicar, sobretudo, à pesquisa ou ao desenvolvimento de ciência, tecnologia e arte”, aponta o relatório. Para Lucídio Bianchetti, 66 anos, professor aposentado da UFSC e referência na pesquisa sobre precarização e intensificação do trabalho docente, a programação semestral de 40 horas é “a coisa mais fantasiosa” que já viu. Isso porque

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uma série de atividades realizadas pelos professores, como palestras, orientação de alunos e participação em eventos não entra nessa soma, o que faz com que os professores acumulem mais tarefas do que podem dar conta dentro do expediente. A estratégia para cumprir tantas demandas é estender a jornada, levando trabalho para o espaço doméstico. De acordo com a pesquisa, as atividades realizadas com mais frequência pelos docentes da UFSC fora do expediente não são atividades de lazer, mas sim de trabalho. Cerca de 70% afirmam preferir trabalhar em casa por sofrerem menos interrupções, estarem em um ambiente confortável e com mais disponibilidade tecnológica. Um a cada três docentes con-


Plural sidera importante a possibilidade de conciliar o A partir daí, os métodos de avaliação dos protrabalho com as atividades domésticas. Estender gramas passam a valorizar excessivamente a a jornada noite adentro e nos finais de semana quantidade de produção científica acadêmica, também apareceu entre as respostas, o que reforça dando menos ou nenhuma atenção à sua qualidade, os indícios de prolongamento do trabalho para além à formação e ao bem-estar dos pesquisadores. do formalmente contratado, segundo o relatório. Segundo Lucídio, isso impacta diretamente a vida Autor do livro “Publique, Apareça ou Pereça”, dos docentes, que precisam de tempo e concenLucídio, que já integrou a Comissão de Avaliação tração para exercer o trabalho intelectual. “É da Capes e o Comitê da Área de preciso ter autonomia para pensar Educação do CNPq, também aponta sobre o trabalho, refletir, pesquisar o produtivismo acadêmico como de novo. Quando você entra na lógica Atualmente, que causa para a sobrecarga do trabalho produtivista, não é mais você quem tipos de atividades docente. “Essa lógica da empresa define nem o objetivo, o meio ou o exerce na UFSC? dentro da universidade faz você enfim do seu trabalho, ou seja, o tratrar em uma linha de superprodução, balho passa a ser alienado. E disso (Múltipla escolha) numa concorrência violenta para resultam consequências até mesmo Ensino – educação básica 6,41% conseguir financiamentos e bolsas. patológicas”, afirma o professor. Ensino – graduação 91,60% Seu colega, em vez de ser o seu Ensino – pós-graduação 57,71% Consequências patológicas parceiro de pesquisa, vira seu conOrientação – iniciação científica 56,49% corrente. Isso torna a universidade Orientação – pós-graduação 58,63% Sérgio Murilo Petri já sentiu na um ambiente tóxico”. Professor uniMembro de comitê editorial 22,14% pele as consequências físicas dessa versitário há mais de 40 anos, ele Editor(a) de revista científica 10,84% sobrecarga. Em 2019, no fim do úlexplica que essa perspectiva proChefia ou sub-chefia de departamento, timo semestre, precisou se desdodutivista, inerente ao mundo emcoordenação ou vice de cursos de brar em bancas de TCC, processos presarial, foi migrando para o amgraduação ou pós-graduação 22,75% seletivos de mestrado e doutorado biente universitário progressivaMembro de Conselhos Superiores 13,89% e dar aulas no lugar de colegas que mente a partir da década de 1960, Membro de NDE 34,50% saíram do Departamento, além do nos Estados Unidos. A mesma lógica Coordenação de laboratório 33,59% trabalho habitual. Em um único dia, chega ao Brasil no início dos anos Coordenação de projetos de pesquisa 57,71% no feriado de 15 de novembro, ela1990, por meio de mudanças esCoordenação de projetos de extensão 44,43% borou 23 provas diferentes para tratégicas da Capes (Coordenação Coordenação de estágios 5,50% aplicar às suas turmas. Terminou o de Aperfeiçoamento de Pessoal de Supervisão de estágios 30,23% ano com sintomas de estresse e Nível Superior), que altera seu foco Coordenação de áreas da gestão universitária / escolar 3,66% teve de buscar ajuda médica. Dados e passa a formar pesquisadores, Outra(s) 18,78% da pesquisa demonstram que 64% no intuito de desenvolver os prodos docentes sentem estresse regramas de pós-graduação no país. Fonte: Lastro/UFSC

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Plural Quando não está em sala de aula, com que frequência você costuma desenvolver atividades nos espaços abaixo?

Sala de professores Laboratório Sala do grupo de pesquisa Biblioteca Em casa Outros espaços

Nunca ou raramente

Ocasionalmente

Com frequência ou muita frequência

20,82% 36,64% 41,18% 78,17% 11,72% 49,29%

10,57% 17,98% 18,69% 18,54% 19,84% 26,07%

68,61% 45,38% 40,14% 3,30% 68,44% 24,65%

Por que realiza atividades de trabalho em casa? Não trabalha em casa Dificuldade de deslocamentos para a UFSC Melhor acesso a equipamentos / tecnologias Espaço físico e mobiliário mais adequado Acústica mais adequada Menos interrupções no trabalho Menos custos com transporte/alimentação Possibilidade de coordenar trabalho e compromissos domésticos Outro

9,87% 13,79% 25,08% 37,62% 27,27% 69,75% 23,98% 33,54% 20,85%

Fonte: Lastro/UFSC

lacionado ao trabalho e um terço já recebeu diagnóstico médico da doença. Quase um em cada cinco já foi diagnosticado com algum transtorno psicológico, em consequência da profissão. Além das questões relacionadas à saúde mental, cerca de 20% dos professores participantes da pesquisa confirmam que já receberam diagnóstico de lesão por esforço repetitivo (LER) e/ou distúrbio osteomuscular relacionado ao trabalho (DORT). Para a professora Marcela de Andrade Gomes, coordenadora do Curso de Psicologia da UFSC (PSI/CFH), o adoecimento psíquico de professores está se tornando mais visível. Ela aponta como causas principais, além da sobrecarga de trabalho e acúmulo de funções, a falta de reconhecimento social e o que chama de "campanhas difamatórias" contra as universidades públicas. "Muitos professores chegam na coordenação do curso com a narrativa de que não dão conta. Acabam individualizando um problema que é maior, estrutural e coletivo. A educação nunca foi prioridade no projeto político do país. Esse é

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o paradoxo que o professor vive, e não é culpa dele, é algo histórico e institucionalmente criado." Dados da pesquisa do Lastro apontam que mais da metade dos respondentes considera que seus esforços não são devidamente reconhecidos. Além disso, a terceira maior preocupação relatada pelos docentes em relação à carreira é referente a diversos aspectos das condições de trabalho, entre elas o volume, a sobrecarga e a perseguição ideológica.

Zebras gordas? No ano passado, em mais de uma ocasião, o ministro da Educação, Abraham Weintraub, mostrou seu total desconhecimento sobre a carreira de professor universitário (embora ele também seja um). Chegou a dizer que estava atrás da “zebra gorda, que é o professor de uma federal, com dedicação exclusiva, que dá oito horas de aulas por semana e ganha de R$ 15 mil a R$ 20 mil por mês”. Um estudo do Banco Mundial, no


Plural entanto, revela que apenas 2,9% dos professores universitários no Brasil alcançam o último nível da carreira, sendo necessários, em média, 25 anos de serviço para chegar ao topo. Além da falácia salarial, outro equívoco na fala do ministro é a de que as atividades do professor terminam na sala de aula. Rafael da Cunha Lara, pesquisador da área de Educação e Sociologia Política da

UFSC, em sua pesquisa com docentes da pósgraduação em Educação, listou pelo menos 80 tipos de atividades realizadas pelos professores. Elas compõem o chamado "trabalho invisível", ou seja, todas as partes do processo que são cruciais para que ele aconteça, mas que não ficam evidenciados no resultado final. Estudo e preparação de aula, correção de trabalhos, atribuição de

Estresse no trabalho Ativos

SIM Você se sente estressado no trabalho? 63,78% Você já foi diagnosticado com estresse? 35,50% Você já foi diagnosticado com algum transtorno psicológico relacionado ao trabalho? 17,13% Você já foi diagnosticado com algum sintoma de LER/DORT? 20,86% Você já teve afastamentos do trabalho motivados por doença relacionada ao trabalho? 12,69% Você considera que seus esforços no trabalho são devidamente reconhecidos? 45,38% Você se considera de algum modo discriminado em suas oportunidades de ascensão profissional? 20,25% Você já presenciou alguma situação de assédio moral no trabalho? 53,62% Você já foi constrangido no trabalho, a ponto de acreditar que era assédio moral? 35,23% Você já presenciou alguma situação de assédio sexual no trabalho? 14,55% Você já sofreu assédio sexual no trabalho? 4,75%

Aposentados

SIM Você se sente estressado? 21,03% Você já foi diagnosticado com estresse? 26,64% Você já foi diagnosticado com algum transtorno psicológico relacionado ao trabalho? 10,70% 18,48% Você já foi diagnosticado com algum sintoma de LER/DORT?

NÃO 36,22% 64,50% 82,87% 79,14% 87,31% 54,62% 79,75% 46,38% 64,77% 85,45% 95,25%

NÃO 78,97% 73,36% 89,30% 81,52% Fonte: Lastro/UFSC

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“Antigamente quando a gente ia para fora da universidade, a gente saía. Agora não, a gente sai mas continua aqui, porque os e-mails e mensagens permanecem” Carmen Rial

notas, desenvolvimento de atividades e provas, são exemplos do trabalho que não é contabilizado nas 8 horas de aula apontadas por Weintraub. Além das tarefas relacionadas à ensino, pesquisa e extensão, os professores também precisam assumir responsabilidades de gestão da universidade, mesmo sem preparação técnica para isso. Foi assim para Juliano Andreoli Miyake, 41 anos, professor e ex-subchefe do Departamento de Ciências Morfológicas do Centro de Ciências Biológicas (MOR/CCB): "Não fiz administração, eu sou dentista. Tenho muito mais a oferecer nas áreas para as quais fui contratado, que é para dar aula, trabalhar em pesquisa e fazer extensão, do que resolvendo problemas burocráticos." Em períodos em que a demanda de trabalho é mais intensa, o professor relata sofrer com insônia e precisar de análise terapêutica para ajudá-lo a lidar com todas as questões de ordem psíquica. Por isso entende que, mesmo quando o cargo é remunerado – o que não é o caso da subchefia –, o retorno financeiro não é suficiente para com-

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pensar o estresse que o acúmulo de funções acarreta. "Eu não ganho função gratificada, que é um valor irrisório, mas se ganhasse, esse dinheiro teria que ser aplicado em tratamento de saúde.”

Em tempos de WhatsApp… Responder mensagem a qualquer hora do dia ou da noite, mesmo aos finais de semana, seja por WhatsApp ou redes sociais, é uma prática que já se tornou comum no cotidiano das pessoas. Porém, quando incorporadas à vida profissional, essas ferramentas acabam se transformando em um canal extra para recebimento de demandas, tornando cada vez menos delimitada a fronteira entre a esfera profissional e a pessoal na vida do docente. Rafael usa o termo “ubiquidade” para caracterizar essa “presença e disponibilidade constantes” que os usos de dispositivos digitais e móveis impõem na vida dos professores. Dados da pesquisa "Nós, docentes da UFSC" demonstram que 75,5% dos respondentes afirmam interromper


Plural Como as tecnologias digitais e móveis afetam a vida dos professores e professoras Discorda total ou parcialmente Realizo mais de uma atividade ao mesmo tempo Trabalho a mais no mesmo período de tempo que antes Sou requisitado/a mais vezes a qualquer instante via dispositivos móveis Interrompo momentos de lazer e descanso para atender demandas que chegam via dispositivos digitais Com o uso de dispositivos digitais e móveis, há uma separação mais clara entre tempos e espaços de trabalho e de não trabalho. A economia de tempo significa ganho de tempo livre para mim

Nem discorda, nem concorda

Concorda parcial ou totalmente

8,13% 7,66%

7,36% 15,49%

83,29% 74,85%

6,29%

5,98%

86,66%

17,48%

6,29%

75,46%

80,68%

8,74%

9,97%

51,23%

17,23%

30,16% Fonte: Lastro/UFSC

momentos de lazer a fim de atender às demandas que chegam por esses dispositivos, o que faz com que 80,7% considerem que não há mais uma separação nítida entre trabalho e lazer, bem como entre dias úteis e não úteis. Essa relação vai se fortalecendo culturalmente entre os próprios professores e estudantes quando, de maneira positiva, há um reconhecimento daqueles que respondem com prontidão e estão sempre conectados, observa Rafael. Carmen Rial, 65 anos, coordenadora do Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Ciências Humanas, passa pelo oposto: recebe reclamações quando não atende imediatamente a certas demandas. A professora, que também é presidente do Conselho Mundial de Associações Antropológicas (WCAA), diz responder, no mínimo,

entre 50 e 60 e-mails diariamente. "É um trabalho incessante, é como secar a água do mar. E se você demora um ou dois dias para responder o e-mail, a pessoa já envia outro reclamando. Antigamente quando a gente ia para fora da universidade, a gente saía. Agora não, a gente sai mas continua aqui, porque os e-mails e mensagens permanecem". A situação ocorre com frequência e é traduzida em números na pesquisa do Lastro. Entre os respondentes, quase 75% afirmam que passaram a trabalhar mais no mesmo período de tempo, comparado a antes da inserção das tecnologias digitais no trabalho e 83,3% concordam que são multitarefas. Para Rafael, o termo "Dedicação Exclusiva", que se refere ao regime de contratação do professor, “vem sendo levado às últimas consequências".

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Plural

Faltam recursos, sobra burocracia Tempo perdido com trâmites burocráticos está entre as maiores insatisfações dos professores e professoras

E

ra para ter sido uma simples doação, mas se tornou um exemplo acabado de como a burocracia pode atravancar a rotina acadêmica. Um professor da UFSC foi premiado internacionalmente e recebeu como gratificação uma placa de processamento gráfico, usada na computação de alto desempenho, e que custa US$ 8 mil. Sua intenção desde o início era doar o prêmio para o Departamento de Informática e Estatística da universidade. Não parecia uma tarefa complicada. Mas entre o começo do trâmite e a instalação do equipamento passaram-se dois anos. “Foi uma experiência extremamente desgastante, que me fez pensar em desistir várias vezes ao longo do processo”, conta o professor Márcio Castro, que fez a doação. Não é à toa que o excesso de burocracia aparece como uma das maiores insatisfações dos professores e professoras da universidade. Na pesquisa encomendada pela Apufsc para tra-

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çar o perfil da docência da UFSC, 71% dos entrevistados se mostraram insatisfeitos com a burocracia, atrás apenas dos 76% que reclamaram da falta de recursos para pesquisa e extensão. A crítica está no tempo perdido com tarefas administrativas, como o preenchimento de formulários, pesquisas de preços, prestação de contas, que tiram dos docentes o tempo que deveria ser dedicado à ciência e à sala de aula. Uma estimativa feita pelo Conselho Nacional das Fundações de Apoio às Instituições de Ensino Superior e Institutos de Pesquisa (Confies), em 2017, aponta que os pesquisadores brasileiros gastam um terço de seu tempo resolvendo questões burocráticas – mas a sensação é de que é muito mais que isso. Em alguns casos, como no registro das atividades docentes, o desgaste está em ter que documentar as mesmas informações manualmente em sistemas diferentes, que não estão conectados (e nem sempre funcionam bem). É preciso atualizar o currículo Lattes, mas também o currículo no sistema da UFSC e o Curriculum Vitae em inglês e português, além de escrever relatórios anuais de atividades e resumos desses relatórios. É tempo desperdiçado, literalmente.


Plural

Mas há também os casos em que o trâmite burocrático traz prejuízos concretos e mensuráveis para o professor, como nos afastamentos para congressos, por exemplo. É necessário fazer o pedido com 60 dias de antecedência, preencher um formulário online com as mesmas informações do pedido de afastamento e uma carta com os mesmos dados, tudo impresso, assinado e digitalizado. Quando se recebe um convite em cima da hora fica impossível viabilizar a viagem. Para não correr o risco de perder um evento importante, a professora Carmem Rial, do Departamento de Antropologia da UFSC, passou a reservar alguns dias das férias para esses afastamentos. “É uma gambiarra, na verdade. Se eu não puder cumprir os 60 dias e precisar me afastar para algum congresso, eu tiro férias naquele período”, diz. “Isso significa que as minhas férias são usadas para eu poder trabalhar numa coisa que é fundamental para a universidade

que é a tal da internacionalização.” Recentemente, ela foi convidada para participar da mesa de abertura de um congresso da União de Antropologia do Mercosul, na Argentina, mas por um problema no departamento o processo não correu dentro do prazo. “Recorri à reitoria para que eu pudesse representar a UFSC no evento, mas não teve jeito, porque o pedido não foi feito com 60 dias de antecedência”, diz. A compra de materiais de consumo e equipamentos é outro transtorno. Além de ser uma tarefa que exige conhecimento específico, tem um trâmite complexo, com prazos e exigências que podem comprometer o funcionamento de um laboratório ou a continuidade de uma pesquisa. No Departamento de Ciências Morfológicas da UFSC, por exemplo, o professor Juliano Andreoli Miyake descreve o processo de compra de um solvente como algo torturante: é preciso verificar o período de compra desse material,

Maiores motivos de insatisfação entre docentes*

E o que mais lhes dá satisfação**

Recursos para pesquisa e extensão Burocracia e rotina universitária Recursos para visitas técnicas e ida a campo com os estudantes Carga / volume de trabalho

Experiência de trabalho Relações interpessoais com estudantes Relações interpessoais com colegas de trabalho Relações interpessoais com chefias e integrantes de instâncias superiores Quantidade de estudantes por turma

76,78% 70,9% 55,9% 50,61%

75,91% 83,1% 63,68% 68,31% 65,54%

* Percentual de respostas insatisfeitos e muito insatisfeitos. **Percentual de respostas satisfeitos e muito satisfeitos Fonte: Lastro/UFSC

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PIXABAY.COM

Plural

se ele é permanente ou de consumo, fazer três orçamentos, fazer um formulário incluindo esses valores, depois é preciso abrir o processo de licitação, verificar se foi aprovado ou não e só então efetuar a compra. “Isso é extremamente cansativo”, diz Juliano. “E todos os departamentos acabam tendo que fazer a mesma cotação para adquirir um mesmo material, de maneira desnecessária.” Quando os insumos precisam ser importados a complicação é ainda maior. Há casos de perecíveis que têm de chegar logo ao destino ou produtos novos, que não têm uma regulamentação própria. Um estudo realizado pela UFRJ, em 2014, indica que 84% dos pesquisadores entrevistados já deixaram de realizar alguma pesquisa (ou parte dela) ou tiveram de mudar suas especificações por problemas relacionados à importação.

A cobra que morde o próprio rabo O coordenador do Centro de Ciências da Educação (CED), Antonio Brunetta, compara o ciclo da burocracia com uma cobra que morde o próprio rabo. Os professores são obrigados a lidar com uma série de sistemas, sem ter formação para operá-los. “Tem gente que passa a vida aqui dentro [da UFSC] e se aposenta sem dominar sistemas que seriam básicos para sua vida funcional”, diz. “Dentro da universidade, eu tenho que lidar com SPA [Sistema de Processos Administrativos], Sigpex [Sistema Integrado de Gerenciamento de Projetos de Pesquisa e de

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Extensão], uma série de plataformas e formulários e eu não sou treinado pra isso.” Ele pondera, no entanto, que certos processos burocráticos são fundamentais em uma instituição autocrática e autônoma como é uma universidade federal. “Para gerenciar um processo colegiado, invariavelmente, isso exige um controle burocrático.” É por conta dos próprios regimentos que a realização de uma eleição para reitor, por exemplo, está garantida independentemente de quem gere a Educação Superior do país. O pesquisador Fernando Peregrino, presidente do Conselho Nacional das Fundações de Apoio às IFES e de Pesquisa Científica e Tecnológica (Confies), defende mais flexibilidade e diz que a burocracia é um problema cultural, que tem


Plural origem na visão de que a gesA UFSC já promoveu altão pública é mais eficiente gumas iniciativas – ainda que quanto maior o controle sobre pontuais – para reduzir a per“Se botar no ela. “Não faz sentido um conda de tempo com trâmites trole para evitar prejuízo com internos da universidade. No papel quanto o qual se gasta mais do que o ano passado, a federal foi a custou meu desperdício eventual”, diz Peprimeira do País a emitir diregrino, que em 2017 coordeplomas digitais para os fortempo, a gente nou uma pesquisa nacional somandos. O projeto, que tem jogou um monte bre o custo da burocracia na até o ano que vem para ser ciência. Ele lembra que, nas implementado em todas as de dinheiro fora” aquisições para uma pesquisa universidades, estima reduzir Júlio Cordioli científica, é preciso se levar de 90 para 15 dias o prazo em conta que são hipóteses de autenticação do diploma. que estão sendo testadas, o A versão eletrônica também que torna o controle mais difícil. é mais barata: custa R$ 85, “É preciso flexibilidade, não para se fazer o que contra R$ 360 do diploma físico. quiser, mas para se obedecer ao método científico. Outra iniciativa recente é a plataforma AsDo contrário, você engessa a pesquisa.” sina UFSC. Pelo sistema, professores, estuNo Centro Tecnológico da UFSC (CTC), não dantes e técnicos-administrativos podem comfaltam exemplos de entraves burocráticos que partilhar documentos e assiná-los digitalmente. poderiam ser evitados. No projeto de construção A facilidade já está disponível, mas seu uso de uma das poucas câmaras de temperatura do ainda não se popularizou entre os servidores. Brasil, conduzido pelo professor da Engenharia O professor Jean Everson Martina, do LaboMecânica Julio Cordioli, a escolha da empresa ratório de Segurança em Computação (LABSec) parceira levou um ano para ser concluída. “Como da UFSC, e coordenador do Assina UFSC, explica exigido, foram feitos três orçamentos com em- que, por insegurança jurídica, nem todo mundo presas distintas, o que demanda um tempo ab- dentro da universidade aceita a assinatura disurdo. Talvez valesse a pena, lá no começo, es- gital, mesmo após a publicação de uma portaria colher uma empresa com capacidade, sentar e que dá subsídio a ela. “Estamos indo atrás de explicar uma única vez”, diz o professor. “Se botar um parecer da Procuradoria para que pacifique no papel quanto custou meu tempo, a gente a questão da assinatura digital e que todas as jogou um monte de dinheiro fora.” Cordioli defende pessoas dentro da UFSC possam aceitá-la”. a possibilidade de os recursos serem remanejados Ou seja: nem mesmo um projeto que nasce mais facilmente, ainda que isso implique em uma com o propósito de aliviar a burocracia consegue escapar dela. prestação de contas mais rígida.

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Plural

Sobre quatro rodas Embora vivam perto da UFSC, docentes preferem se deslocar de carro para o trabalho

O

s professores e professoras da UFSC orbitam em torno da universidade. A pesquisa do Laboratório de Sociologia do Trabalho (Lastro), encomendada pela Apufsc, indica que mais da metade mora em bairros que estão a menos de 10 km do campus, como Trindade, Serrinha, Pantanal, Córrego Grande, Santa Mônica e Itacorubi. Mas, apesar da proximidade, o deslocamento para o trabalho se dá predominantemente de carro: 76% usam veículo próprio. Para quem mora mais longe, fica ainda mais difícil encontrar alternativa ao carro, já que o transporte público em Florianópolis funciona mal e a cidade é carente de ciclovias. Até o paulistano Gabriel Coutinho Barbosa que, em São Paulo, fazia um esforço para andar apenas de ônibus e de bicicleta, teve de se render ao automóvel desde que se mudou para Florianópolis há nove anos. Professor do Departamento de Antropologia da UFSC, ele escolheu viver no sul da ilha, a 16

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km do campus. “Lamento ser tão refém do carro, porque sempre andei de ônibus e de bicicleta mesmo morando em São Paulo e relativamente longe do trabalho”, diz. “Aqui, cheguei a ficar sem carro durante um período e foi muito difícil.” O professor do Departamento de Ciências da Administração e coordenador do Observatório da Mobilidade Urbana da UFSC, Bernardo Meyer, diz que “estamos reproduzindo dentro da UFSC o que acontece na cidade”. Ele lembra que o Plano de Mobilidade Urbana da Grande Florianópolis (Plamus), projeto do governo estadual que teve participação do Observatório, mostrou que, na capital, 48% dos deslocamentos são feitos com automóvel, sendo que a média nacional nas regiões metropolitanas varia entre 21% e 33%. A baixa qualidade do transporte público, diz Bernardo, está entre os principais motivos, mas a falta de estrutura para bicicletas e ciclistas também colabora com esse índice. Na UFSC, o Departamento de Projetos de Arquitetura e Engenharia trabalha na elaboração de políticas que melhorem a mobilidade no campus. A meta é concluir um plano de mobilidade até o fim do ano. “Tem muita gente que mora de 5 a 30 minutos da universidade, caminhando, e vem de carro. Por isso, nossa ideia é ver onde


VINICIUS CLAUDIO

Plural

Alexandre Meyer Luz

Onde moram Ativos Trindade, Serrinha, Pantanal, Carvoeira, Córrego Grande Santa Mônica e Itacorubi Sul da Ilha Centro e Agronômica Norte da Ilha Joinville Leste da Ilha Araranguá Continente Curitibanos São José Blumenau Palhoça Biguaçu Outra

Aposentados 29,13% 13,03% 11,06% 9,66% 9,24% 5,60% 5,18% 3,92% 2,94% 2,80% 2,38% 2,10% 0,56% 0,14% 2,24%

Trindade, Serrinha, Pantanal, Carvoeira, Córrego Grande 24,89% Centro e Agronômica 21,83% Norte da Ilha 9,61% Sul da Ilha 7,42% Santa Mônica e Itacorubi 7,42% Leste da Ilha 6,55% Continente 5,68% São José 3,49% Biguaçu 0,44% Santo Amaro da Imperatriz 0,44% Camboriú 0,44% Outra 11,79%

está essa comunidade e traçar um plano para incentivar que as pessoas venham a pé, de ônibus e de bicicleta”, diz Camila Poeta, arquiteta do departamento. A pesquisa do Lastro indica que apenas 8% dos professores utilizam bicicleta para chegar ao trabalho. Alexandre Meyer Luz, de 51 anos, está nesse grupo. Embora reclame da falta de respeito dos motoristas com os ciclistas, o professor do Departamento de Filosofia se desloca diariamente de bicicleta entre o Córrego Grande, onde mora, e a UFSC. “A bike tem a função primária de me dar um tempo extra e facilitar a vida nas pequenas locomoções dentro do campus”, diz. Além de evitar o congestionamento, Alexandre se livra de outra incomodação:

Como se deslocam para o trabalho Carro próprio A pé Ônibus Carro por aplicativos (Uber, Pop99 etc.) Bicicleta Carona Táxi

Nunca ou raramente 18,16% 62,59 77,41

Com frequência ou muita frequência 76,05 22,56 10,61

63,81 83,13 86,27 94,89

8,39 8,04 3,68 0,60 Fonte: Lastro/UFSC

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KARINA FERREIRA

Plural disputar uma das 3,2 mil vagas de estacionamento na UFSC. Em alguns horários, é quase impossível estacionar. O professor do Departamento de Artes, Felipe Soares, de 55 anos, pedala do Campeche até a universidade com frequência e reclama da interrupção de ciclovias no trajeto, dos ciclistas que pedalam na contramão, da falta de bicicletários (existem apenas 924 vagas na UFSC), mas diz que os benefícios superam as dificuldades. “Só saio de carro se eu tiver que levar mais alguém comigo.” As pedaladas diárias são como combustível para a criatividade, diz. “No trajeto, encontro soluções fantásticas e tenho grandes ideias.”

Além do trabalho Um dos estacionamentos da UFSC

Com quem moram Ativos Com cônjuge/companheiro(a) Com filhos(as) Sozinho(a) Com outros familiares Com os pais Com amigos(as) Outro

Aposentados 66,99% 42,56% 19,38% 2,25% 1,83% 1,12% 2,81%

Com cônjuge/companheiro(a) Sozinho(a) Com filhos(as) Com outros familiares Com os pais Com amigos(as) Outro

67,71% 22,42% 16,59% 1,79% 1,35% 0,00% 3,59%

Fonte: Lastro/UFSC

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Quando não estão no trabalho, professores e professoras da UFSC ocupam seu tempo, primeiro, com afazeres domésticos, tarefas acumuladas, estudos e atividades relacionadas à atuação profissional. Só depois vêm as formas de entretenimento, lideradas pelo lazer em casa. “Com menor alcance, fazemos viagens e passeios, vamos a bares e restaurantes ou confraternizamos com família ou amigos – mas tendemos a não conviver socialmente com colegas da UFSC fora da universidade”, conclui o relatório do Laboratório de Sociologia do Trabalho (Lastro), responsável pela pesquisa. Só um em cada quatro docentes (25%) dedica-se com frequência a atividades artísticas e culturais. E poucos se doam ao voluntariado ou à ação política. No tempo que sobra, praticam atividade física – corridas ou caminhadas, musculação ou academia,


Plural pilates ou ioga, natação ou ciclismo, assim como variadas combinações entre essas e outras modalidades esportivas. Entre os entrevistados, 47% afirmam praticar exercícios de duas a três vezes por semana. Os aposentados e aposentadas são mais ativos: 60,8% realizam atividades físicas com essa frequência. A pesquisa também questionou os professores sobre seus hábitos de informação. Os três canais mais frequentes são o WhatsApp, os contatos com amigos e os sites, aplicativos ou portais de jornais ou outro veículo de jornalismo. Redes sociais têm menor alcance entre os ativos: 76% nunca usam Twitter, 74% nunca

usam LinkedIn e há taxas elevadas de não-uso também em Instagram e Facebook. Já o WhatsApp é usado diariamente por 74% dos docentes. Entre as mídias convencionais, o menos consumido é o jornal impresso (56% nunca leem), seguido por revistas (41%). O mapeamento dos veículos que são as principais fontes de notícias dos docentes aponta a relevância da Folha de S. Paulo, principal mídia para 52% dos respondentes. Em seguida vêm organizações ligadas à Rede Globo – o portal G1 e o grupo NSC, ambos com 39% de alcance. A partir daí, há notável pulverização de veículos.

Atividade física

Fontes de notícias

Com que frequência pratica exercícios?

Folha de S. Paulo G1 NSC TV / Rede Globo Uol Diário Catarinense CBN Diário O Estado de S. Paulo O Globo Band SC Notícias do Dia RIC TV / Record A Notícia Jornal de Santa Catarina SBT SC Outro

Ativos Com frequência (entre duas a três vezes por semana) Ocasionalmente (até uma vez por semana) Raramente (menos de uma vez por semana) Com muita frequência (mais de quatro vezes por semana) Nunca

47,32% 20,67% 13,78% 12,56% 5,67%

Aposentados Com frequência (entre duas a três vezes por semana) Com muita frequência (mais de quatro vezes por semana) Ocasionalmente (até uma vez por semana) Raramente (menos de uma vez por semana) Nunca

60,85% 18,40% 12,26% 7,08% 1,42%

51,63% 39,65% 39,00% 31,37% 22,22% 18,52% 16,12% 13,73% 7,63% 6,97% 5,23% 2,61% 2,61% 2,61% 45,97% Fonte: Lastro/UFSC

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PIXABAY.COM

Plural

Com que frequência você utiliza esses canais para se informar?

35,41% 12,26% 48,17% 75,54% 73,97% 2,78%

Menos de uma vez por semana 11,80% 5,59% 9,46% 7,36% 19,31% 10,71%

Algumas vezes durante a semana 19,96% 7,74% 14,19% 4,76% 5,42% 35,76%

Ao menos uma vez ao dia 19,53% 13,76% 17,85% 6,28% 1,30% 26,34%

Várias vezes ao dia 13,30% 60,65% 10,32% 6,06% 0,00% 24,41%

23,39%

13,73%

26,18%

21,46%

15,24%

3,81% 55,56% 19,27% 27,14% 41,36%

11,21% 29,27% 18,42% 22,44% 30,70%

23,04% 10,26% 26,34% 21,79% 20,90%

36,58% 3,63% 27,19% 22,01% 6,18%

25,37% 1,28% 8,78% 6,62% 0,85%

Nunca Facebook WhatsApp Instagram Twitter LinkedIn Contato com amigos Páginas de redes sociais de veículos de comunicação Site, aplicativo ou portal de um jornal ou de um órgão jornalístico Jornal impresso Televisão Rádio Revista

Fonte: Lastro/UFSC

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Plural Com que frequência se dedica a essas atividades?

Ativos

Nunca ou raramente

Ocasionalmente

Com frequência ou muita frequência

25,76% 73,27%

49,69% 18,13%

24,54% 8,6%

70,86% 14,24%

17,94% 49,00%

11,2% 36,75%

17,36% 4,90% 2,76% 7,99%

44,85% 21,59% 11,67% 18,59%

37,79% 73,51% 85,56% 73,43%

7,81%

20,52%

71,67%

Atividades artísticas e culturais Projetos sociais ou trabalho voluntário Ação política (associações, movimentos ou partidos) Viagens e passeios Bares, restaurantes e confraternização com familiares / amigos Entretenimento e lazer em casa Afazeres domésticos Trabalho acumulado da universidade Estudos relacionados à atividade profissional Atividades relacionadas à atuação profissional (projetos, pesquisa, pareceres, relatórios) Outra profissão e/ou atividade profissional

5,97%

18,53%

75,5%

89,55%

4,37%

6,09%

Vida social

Aposentados

Nunca

Às vezes

Com que frequência convive socialmente com colegas da UFSC fora do ambiente de trabalho?

Atividades artísticas e culturais Atividade profissional Afazeres domésticos Entretenimento e lazer em casa Bares, restaurantes e confraternização com familiares / amigos Viagens e passeios Ação política (associações, movimentos ou partidos) Projetos sociais ou trabalho voluntário

25% 35,75% 5,16% 3,30

39,15% 22,22% 16,90% 20,28%

Com frequência ou muita frequência 35,85% 42,03% 77,94% 76,41%

19,43% 11,91%

43,13% 50,00%

37,44% 38,10%

60,19% 58,96%

21,30% 19,81%

18,52% 21,23%

Ocasionalmente Raramente Com frequência Nunca Com muita frequência

42,73% 30,47% 18,22% 5,21% 3,37%

Fonte: Lastro/UFSC

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Plural

Como os professores veem a Apufsc? Filiados e não filiados apontaram suas satisfações e insatisfações com a atuação do sindicato

A

lém de traçar o perfil sociodemográfico dos professores e de tentar entender as principais transformações no exercício da docência, a pesquisa feita pelo Laboratório de Sociologia do Trabalho (Lastro) com quase mil docentes da UFSC também procurou saber quão representados os professores da instituição se sentem em relação à atuação da Apufsc-Sindical. Das respostas recebidas, 63% vieram de filiados ao sindicato e 37% de não filiados, entre os docentes que estão na ativa. Entre os aposentados, 93% são filiados à entidade. Em meio a todas as funções exercidas pelo sindicato, as que são consideradas mais relevantes pelos participantes da pesquisa envolvem a representação jurídica dos associados, a defesa dos interesses trabalhistas e da universidade pública, gratuita e de qualidade, bem como de sua autonomia. Os professores também consi-

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deram importante a função de mobilizar e unificar a categoria e informá-la sobre temas de seu interesse. Entre as respostas dos professores aposentados, “defender os interesses trabalhistas da categoria” é a função que aparece como mais relevante. No polo oposto, em relação a aspectos nada ou pouco relevantes para os entrevistados da ativa, está a função de “promover a integração social e atividades de lazer entre filiados”. Na pesquisa do Lastro, os professores também foram indagados sobre seu grau de satisfação em relação a 12 funções do sindicato. Os maiores graus de satisfação foram apontados na seguinte ordem: “Informar a categoria em temas de seu interesse”, “defender juridicamente os filiados” e “defender os interesses trabalhistas dos docentes da UFSC”. As maiores insatisfações estão nas funções de “mobilizar e unificar a categoria” e “representar politicamente os filiados”. A pesquisa também demonstrou que a participação no movimento docente é um benefício por si só, uma vez que os professores valorizam o pertencimento a uma comunidade política. Frente aos desafios da educação pública e da carreira, a ação coletiva ainda parece ser vista por muitos docentes, da ativa e aposentados, como uma importante possibilidade de resistência.


Plural Entretanto, metade dos respondentes participa da Apufsc apenas ao votar nas eleições para a diretoria e 16% afirma nunca participar. Entre os que disseram não participar de reuniões e assembleias promovidas pelo sindicato, o maior motivo alegado é a falta de tempo, com 55,3% assinalando essa opção. Mas também há os que não participam por “desmotivação com o sindicato” e por “falta de estímulo”. Há críticas ao caráter “ideológico” de posicionamentos da entidade, com menções a “pautas esquerdistas” e a “posturas conservadoras”. Entre os não filiados, a pesquisa colheu respostas de 238 docentes sobre seus motivos. Em questão de múltipla escolha, 42% apontaram desconhecimento sobre a Apufsc, tanto de sua atuação (18%), quanto dos benefícios que oferece (24%). Outros 24% não têm interesse e

14% estão vinculados a outra entidade. Entre os docentes que apontaram outros motivos para não serem filiados, a principal razão apresentada é a disputa, entre Apufsc e Andes, pela base sindical. Depois de se desvincular do Andes, em 2009, a Apufsc passou a atuar como sindicato autônomo, reconhecido pela Justiça do Trabalho em Santa Catarina e com Carta Sindical concedida pela Secretaria de Relações do Trabalho, do MTE . Como prevalece no País o princípio da unicidade sindical, que proíbe o estabelecimento de mais de um sindicato representativo de uma categoria na mesma base territorial, a atuação da seção sindical do Andes em Santa Catarina passou a ser ilegal. Professores da ativa e aposentados também responderam a questões sobre hábitos de informação ligados ao sindicato. No primeiro grupo,

Quais as funções mais relevantes do sindicato? ATIVOS Representar juridicamente os filiados Defender os interesses trabalhistas dos/as docentes da UFSC Informar a categoria em temas de seu interesse Defender a universidade pública, gratuita e de qualidade Defender a autonomia da universidade Mobilizar e unificar a categoria Representar politicamente os filiados Oferecer benefícios, serviços, convênios e planos de saúde Promover a integração social e atividades de lazer entre filiados/as

APOSENTADOS 95,57%* 95,09% 89,95% 89,92% 88,40% 87,75% 79,41% 77,45% 53,43%

Representar juridicamente os filiados Defender os interesses trabalhistas dos/as docentes da UFSC Informar a categoria em temas de seu interesse Defender a autonomia da universidade Mobilizar e unificar a categoria Oferecer benefícios, serviços, convênios e planos de saúde Defender a universidade pública, gratuita e de qualidade Representar politicamente os filiados Promover a integração social e atividades de lazer entre filiados/as

99,44%* 98,89% 97,19% 92,22% 91,67% 91,06% 90,55% 75,00% 70,39%

*Percentual de entrevistados que consideraram a função relevante ou muito relevante Fonte: Lastro/UFSC

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Plural a newsletter semanal por e-mail (Notícias da Semana) é o canal de comunicação utilizado com mais frequência: 59,4% afirmam acessá-la com frequência ou com muita frequência. O informativo do sindicato via WhatsApp é o segundo em uso frequente, seguido do site oficial. Os canais com mais baixo uso declarado são a página no Facebook, a lista de discussão da Apufsc por e-mail e o Jornal Mural. Entre os aposentados, os meios mais eficazes são a newsletter semanal Notícias da Semana – 72% responderam que leem com frequência ou com muita frequência – e o informativo diário enviado por WhatsApp.

Grau de satisfação com as funções desempenhadas pela Apufsc DOCENTES DA ATIVA

Informar a categoria em temas de seu interesse Representar juridicamente os filiados Defender os interesses trabalhistas dos/as docentes da UFSC Defender a universidade pública, gratuita e de qualidade Defender a autonomia da universidade Representar politicamente os filiados Oferecer benefícios, serviços, convênios e planos de saúde Mobilizar e unificar a categoria Promover a integração social e atividades de lazer entre filiados

APOSENTADOS

Representar juridicamente os filiados Defender os interesses trabalhistas dos/as docentes da UFSC Informar a categoria em temas de seu interesse Defender a autonomia da universidade Defender a universidade pública, gratuita e de qualidade Oferecer benefícios, serviços, convênios e planos de saúde Representar politicamente os filiados Mobilizar e unificar a categoria Promover a integração social e atividades de lazer entre filiados

Insatisfeito ou Satisfeito ou muito insatisfeito muito satisfeito 10,39% 11,11% 18,48% 20,74% 18,32% 25,92% 12,37% 32,01% 11,11%

65,59% 55,31% 53,69% 49,38% 46,29% 38,77% 37,38% 31,26% 26,67%

Insatisfeito ou Satisfeito ou muito insatisfeito muito satisfeito 2,26% 5,56% 5,58% 8,99% 11,29% 3,91% 13,97% 16,85% 8,94%

88,14% 80,00% 72,62% 67,41% 65,54% 58,66% 51,95% 47,19% 43,58% Fonte: Lastro/UFSC

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Participação dos docentes da ativa na Apufsc* Não participo Apenas voto nas eleições para a diretoria Voto e faço campanha nas eleições para a diretoria Participo das reuniões Participo das assembleias Participo dos debates promovidos via mídias sociais na internet Envio sugestões e críticas à Apufsc

VINICIUS CLAUDIO

Plural

15,84% 51,24% 16,34% 16,83% 39,11% 32,43% 10,64%

* Múltipla escolha

Sete principais motivos que levam professores/as a não participarem das reuniões e assembleias

Falta de tempo Falta de estímulo à participação Excesso de politicagem e/ou de interesses político-partidários nas reuniões Desmotivação com a Apufsc Falta de proximidade da Apufsc com o cotidiano dos docentes Reuniões em horários inadequados Desinteresse em se envolver

55,30% 20,45% 19,70% 19,32% 18,56% 16,67% 16,67%

Por que não é filiado? Não tenho interesse Não quero pagar a mensalidade Desconheço a atuação da Apufsc Sindical Desconheço os benefícios oferecidos pela Apufsc Sindical Já sou filiado a outra entidade Outro motivo

23,53% 19,33% 18,07% 23,53% 14,29% 31,09%

Fonte: Lastro/UFSC

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Plural

Canais de comunicação da Apufsc Com que frequência são usados DOCENTES DA ATIVA

Nunca ou raramente Newsletter semanal por email (Notícias da Semana) 15,85% Informativo da Apufsc por WhatsApp 45,34% Site (www.apufsc.org.br) 31,00% Boletim impresso (Apufsc-Sindical) 42,21% Jornal mural 65,07% Lista de discussão da Apufsc (por email) 72,55% Atendimento presencial 65,82% Página de Facebook (facebook.com/Apufsc-Sindical) 78,52% Atendimento por telefone 76,76%

Com frequência ou muita frequência 59,40% 33,76% 31,75% 25,38% 10,13% 7,81% 6,84% 6,65% 3,79%

APOSENTADOS

Com frequência ou muita frequência 71,03% 44,32% 37,94% 36,53% 12,50% 12,28% 9,56% 7,45% 3,64%

Nunca ou raramente Newsletter semanal por email (Notícias da Semana) 13,63% Boletim impresso (Apufsc-Sindical) 31,25% Site (www.apufsc.org.br) 17,82% Informativo da Apufsc por WhatsApp 46,11% Atendimento por telefone 58,34% Atendimento presencial 46,20% Página de Facebook (facebook.com/Apufsc-Sindical) 75,16% Jornal mural 79,50% Lista de discussão da APUFSC (por email) 73,94%

Fonte: Lastro/UFSC

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Plural

Artigo

A docência universitária como trabalho ubíquo Rafael da Cunha Lara*

A

docência universitária, como qualquer outra atividade contemporânea mediada por tecnologias digitais e móveis, cada vez mais ganha características de uma atividade ubíqua. Alguns elementos pouco se alteraram com o uso de tecnologias digitais na educação: por exemplo, as práticas de ensino. Outros, no entanto, foram profundamente impactados. Temos atrelado esses processos à ubiquidade, um produto típico da cultura digital, no contexto da passagem das sociedades industriais para as pós-industriais, engendrado pelo uso de tecnologias digitais – mas, sobretudo, móveis – nas práticas sociais, culturais e nos processos de trabalho. Trabalho ubíquo pode ser definido como a condição ou caráter ubíquo do trabalho, característico de atividades humanas nas chamadas “sociedades tecnológicas”, em função da incorporação de tecnologias digitais e móveis nas práticas culturais do cotidiano de vida privada e laboral. Dessa forma, o trabalho ubíquo como característica de algumas atividades con-

temporâneas ligadas, sobretudo, ao trabalho intelectual, é um fenômeno emergente, tributário da ubiquidade característica da cultura digital, instaurada sob o capitalismo contemporâneo e que permeia processos comunicacionais e de trabalho, visto que a intersecção dos espaços online e off-line constitui “uma mistura inextrincável no tecido do cotidiano”, nas palavras de Lúcia Santaella, em sua obra Linguagens líquidas na era da mobilidade. Os estudos e pesquisas que tenho sistematizado nos últimos anos, incluindo os dados preliminares da pesquisa solicitada pela Apufsc-Sindical * Professor, pedagogo sobre o perfil de docentes da UFSC, universitário e pesquisador do Laboratório de Sociologia coordenada pelo Laboratório de So- do Trabalho – LASTRO/UFSC. ciologia do Trabalho (Lastro/ UFSC), Doutor em Educação e em 2019, permitem caracterizar, ainda doutorando em Sociologia e que sinteticamente, os elementos Ciência Política, integra o grupo de pesquisa Trabalho e que constituem o trabalho ubíquo. Conhecimento na Educação São eles: a pulverização do tempo; o Superior (TRACES/UFSC).

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Plural A docência universitária como trabalho ubíquo

desbordamento de fronteiras (entre público e privado, trabalho e não trabalho); a técnica temporal de ser multitarefa; e a simultaneidade e onipresença em diferentes espaços.

As consequências do trabalho ubíquo na docência universitária Tomando por base os dados das últimas pesquisas realizadas (em 2016, com professores de 48 cursos de doutorado no Brasil; em 2019, com professores da UFSC), podemos fazer uma síntese sobre como as características constituintes do trabalho ubíquo repercutem na docência universitária. Para isso, precisamos considerar os aspectos internos e externos do trabalho no contexto das universidades brasileiras, incluindo as práticas de (auto)intensificação do trabalho – fenômeno apreendido, por exemplo, na pesquisa de Valdemar Sguissardi e João dos Reis da Silva Júnior, e apresentado na obra Trabalho intensificado nas federais: pós-graduação e produtivismo acadêmico (São Paulo, editora Xamã, 2009) – e a multiplicidade de tarefas nas quais os professores são envolvidos, para além da tríade ensino-pesquisa-extensão: mais de 80 atividades, conforme identificado no estudo de caso realizado em 2016. Pulverização da temporalidade – Nos últimos anos tem crescido a preocupação com o ritmo de vida nas sociedades contemporâneas, expressas em obras de autores como Byung-Chul Han, William Powers, Jonathan Crary, Richard Sen-

52 / APUFSC SINDICAL / Março de 2020

nett e outros ligados aos estudos do trabalho. A pulverização da temporalidade é o elemento mais imediato identificado como consequência da introdução de tecnologias digitais e móveis – que não ocorre de modo apartado das relações de produção – em contextos laborais. Na lógica de trabalhar e produzir que marca o trabalho docente universitário, 82,6% dos pesquisados no estudo de 2016 avaliam que tempos e espaços de trabalho são estendidos para os momentos e espaços originalmente destinados a não trabalho. Além disso, relacionado às condições de trabalho e às práticas ubíquas no contexto universitário, outras características da pulverização da temporalidade e da fusão dos tempos destinados a trabalho e não trabalho aparecem nessas pesquisas: realizar horas a mais de trabalho, para além da jornada prevista, e não ‘desligar’ do trabalho em momentos de não trabalho, quando utilizam as tecnologias digitais e móveis, são alguns exemplos. Esta condição não é determinada em si pela ubiquidade que atravessa as práticas sociais, mas é decorrente das condições de trabalho destes professores: segundo eles avaliam, o tempo formal de trabalho é insuficiente para a realização das suas atividades na universidade. Outros aspectos apreendidos nestas pesquisas dão conta de que tem se tornado uma prática comum a de reservar momentos de lazer para acessar e responder e-mails, seja para fins de minimizar o volume de atividades acumuladas, seja como estratégia de antecipar as demandas do expediente. O assédio de alunos, orientandos, colegas e chefias via aplicativos de smartphones também aparecem como uma prática comum no meio universitário.


Plural A docência universitária como trabalho ubíquo

A estratégia comumente adotada tem sido atender às demandas imediatamente, independente do dia da semana ou horário. Em alguns casos, segundo depoimentos coletados em 2016, os professores preferem responder imediatamente as demandas que chegam via dispositivos móveis, para evitar acúmulo de tarefas e para evitar serem “difamados” no departamento perante colegas e estudantes. É como se a comunicação ubíqua tivesse instaurado uma nova ética de respostas às mensagens: a resposta imediata, independentemente da urgência da informação e independentemente do horário em que ela é enviada. Em ambos os estudos, na análise dos docentes, eles e elas trabalham a mais no mesmo intervalo de tempo, se comparado com outros períodos, antes da inserção das tecnologias no contexto laboral. O que se percebe é que essas práticas são uma combinação de intensificação e autointensificação do trabalho, temas clássicos da Sociologia do Trabalho que gradativamente se cristalizam como habitus na docência universitária. Esses aspecto do trabalho na universidade se coaduna com outras interpretações, acadêmicas ou não, sobre os ritmos de vida contemporâneos mediados por dispositivos móveis, traduzidas como “tempo sem tempo” ou “discronia temporal”, e materializadas em algumas falas de professoras e professores, apreendidas na pesquisa sobre o que mais se alterou no seu trabalho, com a inserção de tecnologias: “Não tenho tempo de fazer nada” (Carla, 55 anos, professora há mais de 15 anos em cursos de doutorado). “O

trabalho agora é full time” (Adriana, 48 anos). “Ampliou minha carga horária de trabalho sem aumento correspondente do salário. O número de horas trabalhadas é ilimitado, considerando o quanto trabalho em casa, usando meu computador” (Antônio, 60 anos). “A principal alteração é o trabalho em tempo integral. Durmo pouco e sempre com uso de remédios, vivo cansado, irritado, esgotado, exausto e sempre pressionado por muitos prazos e urgências todos os dias” (Juarez, 54 anos). Estes depoimentos, colhidos em 2016, relacionados aos impactos da pulverização do tempo face aos usos que se faz das tecnologias em contextos laborais, parecem alterar a própria identidade docente, como exemplificado no depoimento de Cesar, 51 anos: “De certa forma, me tornei ‘atemporal’, ou seja, uma ampliação da relação espaço/tempo para uma quantidade muito maior”. Desbordamento de fronteiras espaciotemporais – Se na pesquisa de 2016 a dimensão mais afetada do trabalho docente, pelo uso das tecnologias, era a dimensão espaço-tempo, em 2019 cerca de 80,2% de docentes da UFSC avalia que não há mais uma separação clara entre tempos e espaços de trabalho e não trabalho. De fato, neste segundo grupo, apenas 9,8% dos sujeitos não costuma trabalhar em casa. Esses dados preliminares corroboram a tese de que há uma porosidade de fronteiras entre público e privado ou, em outros termos, entre trabalho e descanso. O fato de, pela via da comunicação ubíqua, 68,1% dos docentes da UFSC serem requisitados mais vezes e a qualquer instante,

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Plural A docência universitária como trabalho ubíquo

corrobora os dados da pesquisa de 2016, que identificou que a informatização de processos, a criação de espaços on-line para o trabalho e a mobilidade são aspectos que favorecem a fusão de espaços de trabalho e de não trabalho. Mas não sem consequências: 82,6% dos participantes daquela pesquisa avaliam que, com as tecnologias digitais e móveis, houve uma dilatação dos tempos e espaços de trabalho, invadindo os momentos e ambientes de descanso e lazer. E 52,8% acreditam que os processos de trabalho ficaram mais intensificados. Essas características levam a postular a existência de uma concomitância entre intensificação e extensificação do trabalho docente universitário, uma “in/extensificação”. Em ambas as pesquisas, os impactos das tecnologias permitem uma ampliação da prática de “levar trabalho para casa” (embora essa estratégia seja clássica na atividade laboral docente). Dois fatores principais têm sido identificados na prática de estender o trabalho para o ambiente da casa: um

“A sociedade do desempenho (pautada em técnicas individuais ou coletivas para aumento da produtividade) se aproxima de uma sociedade da barbárie.”

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deles tem a ver com os meios de trabalho (sofrer menos interrupções em casa e contar com equipamentos e infraestrutura para realizar as atividades, melhores do que a infraestrutura que a universidade dispõe). Outro tem a ver com os tempos para a realização das atividades em função do volume de demandas (práticas de prolongar o labor para horas “não comerciais”, em que a universidade se encontra fechada). Não são apenas os espaços físicos impactados pela diluição de fronteiras entre público e privado: espaços virtuais, como redes sociais, voltados a atividades de entretenimento, frequentemente se convertem em espaços de trabalho, por mensagens que chegam via diferentes aplicativos vinculados a estas redes, menções ou marcações de usuários em posts e comentários. Multitarefas – Outra característica fundamental do trabalho ubíquo é a condição potencializada de realizar várias atividades ao mesmo tempo, ou seja, a técnica temporal de multitarefa. Em outras oportunidades analisei mais detalhadamente as contradições entre os elogios a essa característica do indivíduo multitarefa e as críticas emergentes a ela. A técnica temporal de ser multitarefa é mobilizada, comumente, para garantir uma maior produtividade – qualquer que seja – no mesmo período de tempo. Tanto na pesquisa de 2016, quanto na pesquisa de 2019, mais da metade dos participantes lançam mão desse recurso, com o uso de tecnologias digitais. Em ambos os casos, embora seja uma estratégia frequentemente mobilizada por professores univer-


Plural A docência universitária como trabalho ubíquo

sitários, a maioria reconhece que a economia de tempo para a realização de algumas tarefas, com o uso de tecnologias, não reverte em mais tempo livre: inclusive, em alguns casos, esse tempo economizado é colonizado por mais tarefas. Na análise de Byung-Chul Han, em Sociedade do cansaço, a técnica da multitarefa não constitui nenhum progresso civilizacional: antes, trata-se de um retrocesso civilizatório. Segundo o autor, a mobilização dessa técnica gera uma atenção ampla, porém, rasa, que se assemelha à atenção de um animal selvagem que, na natureza, é obrigado a dividir sua atenção em diversas atividades (caçar e não ser caçado, por exemplo). Isso tem duas consequências mais visíveis. Uma delas é que, no tocante a processos civilizatórios, a sociedade do desempenho (pautada em técnicas individuais ou coletivas para aumento da produtividade) se aproxima de uma sociedade da barbárie. A segunda é que a cultura de ser multitarefa – seja para fins laborais, seja nas práticas culturais e de entretenimento – cria um habitus de constantemente realizar tarefas, contribuindo para os processos psíquicos de recusa ao ócio e à contemplação, identificadas como um novo tipo de mal-estar da contemporaneidade e gatilhos de doenças psíquicas. Entre as repercussões da técnica de ser multitarefa – que de algum modo leva à ilusão de ser um atributo de engenhosidade – está o risco de comprometimento da economia de atenção, necessária para processos criativos. Logo, a médio prazo, o atributo contínuo de ser multitarefa, potencializado pela condição ubíqua contemporânea, pode se converter em obstáculo à

“A médio prazo, o atributo contínuo de ser multitarefa, potencializado pela condição ubíqua contemporânea, pode se converter em obstáculo à realização de algumas atividades, como o trabalho intelectual próprio da atividade docente.” realização de algumas atividades, como o trabalho intelectual próprio da atividade docente. Simultaneidade e onipresença – Embora conceitualmente distintos, em contextos de trabalho ubíquo, simultaneidade e onipresença se apresentam como indissociáveis nas práticas que temos encontrado. A hipermobilidade e a comunicação ubíqua, isto é, estar ao alcance das pessoas via tecnologias digitais e móveis, é ambivalente: permite deslocamentos intermitentes pelas diferentes ambiências e torna as pessoas sempre ao alcance, “disponíveis”. No entanto, atrelado à porosidade das fronteiras espaciotemporais de trabalho e não trabalho, o inverso também é recorrente: o indivíduo (trabalhador) passa a estar constantemente (oni)presente para ser alcançado pelas demandas laborais. A onipresença, via comunicação ubíqua, é considerada prejudicial pelos participantes da

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Plural A docência universitária como trabalho ubíquo

“Não são as tecnologias, em si, que promovem formas de trabalho mais profícuas ou mais precárias, mas os usos que se dão a elas.”

pesquisa de 2016: estar ao alcance das pessoas via tecnologias digitais e móveis, enquanto se está trabalhando, prejudica o desenvolvimento das atividades para 67,9% dos professores, pois leva a dificuldades de concentração nas tarefas – elemento essencial para o trabalho intelectual. Outros aspectos relacionados à simultaneidade e à onipresença também são destacados como prejudiciais, por exemplo, o fato de o uso das tecnologias digitais e móveis favorecer interrupções nos processos de trabalho, como pausar uma tarefa para checar e-mails, acessar redes sociais e links não necessariamente ligados ao trabalho do momento. Além disso, 73% dos pesquisados afirmam que sempre ou frequentemente são acionados via dispositivos móveis para fins de trabalho, enquanto estão realizando outras atividades de trabalho, fora dos horários de expediente. Isso torna a comunicação ubíqua também pervasiva – e invasiva – nesse segmento profissional. Os depoimentos sobre “estar disponível sempre” e “estar ‘ao alcance’ dos alunos (e de todos) a todo momento”, emitidos pelos professores, denotam essa condição.

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Relacionado a esses aspectos, consideramos a extensa discussão que Byung-Chul Han faz sobre doenças contemporâneas, cujas características são sistêmicas, uma vez que estão relacionadas ao excesso de estímulos externos e ao ritmo de vida contemporâneo. Referindo-se à atenção parcial contínua – o estado mental de estar constantemente alerta – o autor chama a atenção para o deslocamento da atenção profunda para uma atenção dispersa, caracterizada pela rápida mudança de foco entre diversas atividades, fontes informativas e processos. Um dos principais aspectos que a hipermobilidade e a comunicação ubíqua fomentam, nessa análise, é a possibilidade de desencadear a perda da capacidade de diferenciar situações que exijam baixa e alta capacidade de atenção, aspecto também relacionado por Santaella em seus trabalhos. Essas características repercutem em qualquer atividade no mundo do trabalho, mas especialmente naquelas que exigem um alto nível de abstração e processos criativos, como o trabalho intelectual universitário.

Estratégias, resistências, alternativas Para evitar cair no determinismo tecnológico, é importante interpretar os resultados acima como decorrentes de ambivalências e ambiguidades que permeiam o trabalho docente universitário. Não são as tecnologias, em si, que promovem formas de trabalho mais profícuas ou mais precárias, mas os usos que se


Plural A docência universitária como trabalho ubíquo

dão a elas. Nos aspectos que temos evidenciado, as características do trabalho ubíquo têm se apresentado, em frequência e intensidade, mais próximas a vetores do trabalho intensificado no tempo e expandido para outros espaços, do que o contrário. Causa apreensão a tendência de que, quanto menos tempo de magistério, mais se naturalizam as condições de trabalho precárias. Além disso, volume de trabalho, prazos exíguos e ritmo de vida acelerado – com intensa atividade nos processos comunicacionais via dispositivos móveis – têm formado uma combinação que tensiona a docência universitária e causa adoecimento, fisiológico e psíquico, dos sujeitos. Mas mesmo nesses espaços, coexistem estratégias, ainda que em escala menor: estar menos conectado, encarar o descanso como necessidade, separar tempos e espaços de trabalho e não-trabalho, diminuir o ritmo de produtividade ou abdicar de algumas designações de atividades, por exemplo, são tentativas individualizadas, marginais à cultura docente instaurada, de preservar condições mínimas de trabalho. A pesquisa, ainda que não tenha esse objetivo, cumpre a função de analisar fragmentos da realidade, estabelecer nexos e sistematizar relações para que, pelo menos, os sujeitos envolvidos tenham a possibilidade de vislumbrar um quadro mais completo da docência universitária, refletir sobre sua posição nesse cenário e reconhecer que os limites e as possibilidades

colocadas pela carreira e profissionalidade não são condição individual e exclusiva sua. A ubiquidade que alcança o cotidiano de vida social e, nele, as relações de trabalho, precisa ser situada em um movimento sistêmico, característico do atual período histórico e de novas dinâmicas do trabalho, com todas as suas repercussões políticas, em que as tecnologias emergem como pilares da mundialização da economia, da uberização do trabalho, do capitalismo de plataforma e das armadilhas da flexibilidade e do home-office, conforme os estudos do trabalho têm apreendido há mais de uma década. Em contextos laborais modulados pela ambivalência da ubiquidade, tal onipresença pouco tem de divino: ao contrário, no mais das vezes, inscreve-se nas condições humanas no limiar das características do trabalho precário. Em um cenário, entre outros aspectos, de desregulamentações nas políticas educacionais, cortes orçamentários, cerceamento da liberdade de cátedra, desvalorização da universidade pública e do conhecimento científico e de ameaças à carreira docente, temos insistido no ponto de que a saída frente ao quadro de precarização do trabalho – que se evidencia e que se anuncia – não é no plano individual, mas coletivo. Neste cenário, fortalecer as entidades de classe, as associações científicas e outros coletivos de professores para que cumpram seu papel de mobilização docente parece ser, politicamente, a estratégia mais sensata.

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Plural

Artigo

Se aposentando . . . Dulce Helena Penna Soares*

B

em, já escolhemos a profissão, já planejamos a carreira, já vivemos 30 a 40 anos no mundo do trabalho, dando a nossa contribuição social e agora chegou a hora de se aposentar. À primeira vista parece o melhor momento da vida! “Enfim, vou poder ganhar sem trabalhar! Vou poder só descansar!” Mas não é bem assim. Um grande número de profissionais, com tempo de serviço e condições legais para se aposentarem não querem fazê-lo. Sentem medo de não ter o que fazer, como ocupar tanto tempo do seu dia, antes dedicado somente ao trabalho! Este vai se tornar “tempo livre”.

Aposentar-se também é uma escolha! * Professora aposentada do curso de Psicologia (CFH). Artigo publicado em parte no livro: O que é escolha profissional. Ed. Brasiliense, 2009

Puxa, a gente não para nunca de escolher? Até para “não fazer nada” preciso decidir, refletir e me preparar! Mas é complicada esta vida profissional, pensei que seria mais fácil!

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O trabalho é central na vida das pessoas. Toda nossa vida está de alguma maneira vinculada ao trabalho e é definida por ele. Conforme a profissão escolhida, temos um tipo de vida. Por exemplo, se decidimos pela carreira militar, provavelmente estaremos sempre viajando, morando em cidades diferentes. Isso acarreta um tipo de vida para a nossa família, obrigada a nos acompanhar em todas essas mudanças! A profissão também nos permite construir uma identidade profissional, e muitas vezes a pessoa é confundida com o trabalho desempenhado. Por exemplo, dois jovens conversando: “Sabes o pai de fulano, o fiscal da receita, pois é, ele adora futebol”. Então, o pai do amigo é “o fiscal da receita”, este é o “sobrenome profissional dele”. E assim também para os funcionários das grandes empresas. O “fulano de tal da Eletrosul”, o “beltrano é da Caixa”. A empresa passa a fazer parte do nome da pessoa, e ele é apresentado socialmente sempre com mais este sobrenome. Então, como é se aposentar? É deixar de ser o “engenheiro da Mecânica da UFSC” para ser quem? Um aposentado? Muitas vezes, gentil-


Plural Se aposentando . . .

mente denominados como “inativos”. Este é mais um momento de escolha, em que é preciso se preparar, refletir sobre sua trajetória profissional, avaliar todas as realizações e o que ainda não foi feito para poder decidir qual o melhor momento para deixar de trabalhar! Quando nos aposentamos, saímos de um emprego, de uma instituição, de um local que nos abrigou durante tantos anos. Os profissionais liberais muitas vezes não podem se dar ao luxo de se aposentarem, pois com certeza seu salário vai diminuir e muito. Quem se aposenta não é o contador “João do Banco do Brasil”. É uma pessoa com sua história de vida, uma trajetória profissional, ingressou no banco com 18 anos como officeboy, fez sua vida dentro dele. O banco se confunde com sua vida pessoal e familiar. Todas as conquistas foram dentro do banco, subiu de cargo, agora é gerente, estudou pós-graduação, mas sempre em função do banco. Como deixar tudo isso para tornar-se um inativo!? Voltamos à questão da primeira escolha, aquela da juventude! O que eu gostaria de ter escolhido aos 18 anos? Quais eram os meus sonhos? Será que consegui realizá-los durante minha vida, até agora? Com certeza sempre encontraremos algo que ficou para trás. Algum sonho como: aprender a tocar violão, saber falar uma língua estrangeira, ou conhecer a Índia. Pois agora chegou a hora de realizar os sonhos que ficaram para trás. Esta pode ser a saída para resolver a angústia de deixar de trabalhar. Encontrar os sonhos de juventude perdidos. Aquele passeio de moto pelo Brasil afora conhecendo do Oiapoque

ao Chuí, ou aquela viagem pela América Latina! Agora temos dinheiro – pelo menos alguma condição construída nestes 30 a 40 anos de trabalho. E temos tempo, muitas vezes foi a nossa desculpa para não fazer as coisas!

O lado bom da aposentadoria curtindo o tempo livre Pessoas habituadas a terem suas atividades de lazer, a curtir outras atividades além do trabalho, outros amigos, frequentando grupos diferentes, sentem-se mais tranquilos neste mo-

“Sempre encontraremos algo que ficou para trás. Algum sonho como: aprender a tocar violão, saber falar uma língua estrangeira, ou conhecer a Índia. Pois agora chegou a hora de realizar os sonhos que ficaram para trás. Esta pode ser a saída para resolver a angústia de deixar de trabalhar. Encontrar os sonhos de juventude perdidos.”

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Plural Se aposentando . . .

mento da aposentadoria. Aquelas para as quais o trabalho não se constituía como a sua única atividade na vida, aposentar-se não é tão difícil assim. Por praticarem um hobby, por exemplo, andar de barco, competir em regatas, viajar, ou jogar futebol com os amigos e depois ficar “jogando conversa fora”. Aquelas que sabem aproveitar o tempo livre para fazer alguma atividade esportiva, caminhar, apreciar a natureza, ou um bom vinho, se sentem mais seguras na hora da aposentadoria, pois tem mil coisas para fazer no tempo livre. Muitas participam de grupos religiosos e com a aposentadoria podem dedicar-se mais tempo, desenvolvendo outros projetos comunitários. Participar de ONGs, em programas sociais, pode ser outra forma de se sentir útil e se envolver após a aposentadoria. Aposentar-se significa usufruir o tempo livre, aliás essa expressão foi criada justamente para significar isto: tempo “livre do trabalho”. Que bom! O que sempre sonhei, tempo livre para fazer o que eu quiser, sem dar satisfação para ninguém. Mas não é bem assim, muitas vezes não sabemos, afinal, o que gostaríamos de fazer nesse tempo livre. Nunca nos dedicamos a outras atividades além do trabalho. Nem sabemos bem aquilo que gostaríamos de fazer! Será que nos conhecemos bem? Quem somos, o que é mais importante para nós? O que gostaríamos de fazer? Afinal, por que será tão difícil aproveitar o tempo livre? Não seria este o nosso maior desejo, o que sempre almejamos, poder fazer todas aquelas coisas que sempre sonhamos, mas nunca tínhamos o tempo suficiente?

60 / APUFSC SINDICAL / Março de 2020

Sempre o trabalho era mais importante, nos chamando para jornadas extras, finais de semana, à noite, viagens de negócios etc. e tal. Precisávamos ganhar mais dinheiro, para adquirir as coisas, comprar a casa própria, o carro, pagar os estudos das crianças, e a faculdade dos filhos. E agora?! Precisamos é curtir esse tempo livre! Trabalhar significa ficar de 40 a 60 horas ocupado durante a semana. 40 horas seria a jornada normal de trabalho, embora muitas pessoas estejam envolvidas muito mais horas por semana, e algumas até nos fins de semana. Então, o que fazer com todo esse tempo livre, agora aposentado? É preciso se preparar, discutindo com os amigos na mesma situação e principalmente com a família, pois estaremos “voltando para casa”, permanecendo mais tempo em casa, conviveremos mais tempo com nossos filhos e familiares. Como será esta nova vida?!

O lado ruim da aposentadoria a perda da identidade e do status profissional O lado mais difícil de encarar a aposentadoria está ligado a questão da nossa identidade profissional. Como falei antes, nosso trabalho passa a fazer parte da nossa identidade, somos a nossa profissão. Por exemplo, os policiais quando iniciam seus trabalhos recebem uma Carteira de Identidade profissional de Policial e fazem um juramento no qual prometem serem policiais 24 horas! Em qualquer situação, onde seja necessário um policial, se eles estiverem por perto, serão


Plural Se aposentando . . .

chamados a intervir e deverão comparecer. Eles são literalmente policiais 24 horas por dia, 7 dias por semana. Ao se aposentarem, recebem uma nova Carteira de Identidade, mas dessa vez de inativo, significa que eles não serão mais policias, nunca mais! Como é difícil perder a identidade de uma hora para a outra. Por isso, a importância de um trabalho psicológico para auxiliar as pessoas a se aposentarem sem perderem a sua identidade, pois continuam sendo elas mesmas, a pessoa que sempre foram, em sua família, com seus amigos. Perderam sim a condição de policiais, mas continuam com a sua identidade pessoal. Alguns adoecem por não aceitarem essa nova situação, de perda do status social, da admiração das pessoas em geral. Muitos dirigiam um grupo de pessoas, tinham poder e eram respeitados em suas decisões. Voltam para casa e quem eles vão dirigir, dar ordens? Quem está em casa? Alguns encontram a esposa no lar, outros não, pois esta continua trabalhando, e os filhos estão estudando ou trabalhando e passam fora de casa o dia todo! O que ele vai fazer? Pode até adoecer! Por isso é importante se preparar para este momento, buscando novas atividades. Interesses antigos podem ser colocados em prática. Algumas vezes, a pessoa não se conhece muito bem, nunca parou para pensar em outras coisas além do trabalho, não sabe do que gosta, quais atividades ou fazeres lhe dão prazer, nunca parou para pensar em si mesmo, sempre se ocupou do trabalho. É chegada a hora de parar e pensar em si mesmo.

“Aposentar-se significa usufruir o tempo livre, aliás essa expressão foi criada justamente para significar isto: tempo “livre do trabalho.”

Pensando o futuro qual a nossa missão? Viemos ao mundo para realizar uma missão! Esta pode ser maior que o emprego que temos, ou a família que construímos. É uma missão de aprendizagem e de prestação de serviços ao próximo, àquelas pessoas que nos rodeiam. Esta missão pode ser o trabalho, sendo este tudo aquilo que realizamos em benefício do próximo, para alegrar sua vida, para curá-lo, para dar-lhe mais condições de ser feliz. E como o trabalho se insere na nossa vida? Sabemos que, para muitos, o trabalho representa apenas um meio de sobrevivência. Para uma pequena parcela, ele representa uma fonte de prazer. Mas como saber quando isto acontece? Será que a pessoa “bem-sucedida”, com um bom salário, é reconhecida pelos colegas, sente prazer no que faz? Será que uma conta no banco, com saldo positivo, uma casa confortável e um carro na garagem trazem prazer para a vida da pessoa?

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Plural Se aposentando . . .

E aquelas pessoas simples, que realizam diariamente suas atividades, demonstrando “orgulho” de serem responsáveis por aquela parcela do trabalho, muitas vezes, passando desapercebidas dos olhos dos demais, será que elas não estão mais integradas com o seu trabalho e com isto mais felizes? Para melhor compreender esta missão diria que ela só tem sentido se estiver intimamente relacionada com a nossa alma, aos aspectos mais íntimos de nossa personalidade. Poderíamos analisar esta realização sob dois aspectos: o interno e o externo. Muitas vezes fazemos um trabalho que é reconhecido como bom, importante para o desenvolvimento de uma parcela da sociedade. Ele é avaliado como positivo e indispensável. É uma avaliação externa, e responde às expectativas das demais pessoas, da sociedade. Este é o aspecto externo, pois é importante para os outros. A situação na qual estamos realmente realizando a nossa verdadeira missão é aquela em que significado daquilo que realizamos nos preenche totalmente. Nos sentimos plenamente realizados e felizes de termos realizado aquela atividade, que muitas vezes nem é percebida pelos demais. É uma satisfação interna, intrínseca a nós mesmos e que, na maioria das vezes, não pode ser avaliada pelos outros. É aquele “algo mais”, para o qual nos dedicamos sem esforço,

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e com o maior prazer. Às vezes nem sabemos explicar muito bem como isso acontece. Vemos, por exemplo, os professores: na maioria dos casos sua satisfação é interna, de ver seus alunos crescendo e aprendendo. Seu prazer é pessoal, na relação com cada aluno em especial, mas não é valorizado pela sociedade através de um salário justo e de condições dignas de trabalho. Mas continuamos a ver professores no Nordeste brasileiro recebendo uns poucos reais para ensinar muitas crianças a ler e escrever. Isso é uma missão. Mas não é só nestes casos extremos que podemos avaliar uma missão. Todos nós podemos encontrar nossa “verdadeira” missão. Precisamos parar um pouco para pensar em nós mesmos, em todas as coisas que fazemos e gostamos de fazer, e naquelas que também gostaríamos de ter feito e, por algum motivo, não realizamos. Pensar como, através do nosso trabalho, estamos contribuindo para um mundo mais feliz, mais “em paz”. E a aposentadoria é o momento para este encontro com a missão. Será que já sabemos qual é nossa missão aqui nesta vida? Será que foi o trabalho desenvolvido até pouco tempo atrás? Ou existe espaço para ser outras coisas, que talvez nem imaginássemos no momento? Pare e pense. E realize a sua missão.


Nós, professores da UFSC Pesquisa realizada pelo Laboratório de Sociologia do Trabalho (Lastro)

Equipe Professor Dr. Jacques Mick, Professor Dr. Samuel Pantoja Lima, Dr. Rafael da Cunha Lara, Ms. Luísa Meurer Tavares (Coordenação geral) “Optamos por utilizar ocasionalmente a primeira pessoa do plural por duas razões. A mais óbvia é que os autores são também professores da UFSC e filiados à Apufsc-Sindical. A explicação menos explícita se revelará ao longo das próximas páginas: num contexto de forte individualismo e vulnerável a ataques de diversos tipos, a categoria não terá nenhuma chance de resistir aos efeitos da conjuntura adversa se não reencontrar modos coletivos de ação – se não conjugarmos o “nós” cada vez com mais força.”

Conheça a íntegra do relatório de pesquisa no site da Apufsc ou acesse com o celular por este código 


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