Revista Atlântica de Cultura Ibero-Americana 04

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ESTÁDIO DE SÍTIO

«La pelota ríe y canta! ¡La pelota zumba y vuela!»

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Juan Parra del Riego2

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Isabelino Gradín3, um negro de ascendência africana, possivelmente congolês, angolano ou, porventura, mandinga, foi um desses primeiros magos. Bastou que se aproximasse dos marinheiros ingleses que levaram o futebol a Montevideu para, com os seus feitiços, se apropriar do ir e vir da bola e, depois, ao ritmo dos endiabrados tambores do candombe, despedaçar as cinturas dos seus adversários brancos.

Ágil, sagaz, veloz, eléctrico, repentino, fulminante

Este é Gradín aos olhos do surpreendido Parra del Riego. Negro víbora que desaparece por momentos: esquiva-se, curva-se, flutua, para voltar a sair com a bola, e lá vai o fulgurante espadachim. E vai um, e vão dois, e vão três, quatro, cinco, sete jogadores estoqueados para, finalmente, chutar a bola com o pé, a alma, o peito, com a vida inteira, para que descanse no fundo da rede. Gradín!, Gradín!, Gradín!, gritava o soberano, enquanto o mago, sorridente e prazenteiro, se dispunha a mostrar novos sortilégios: deixou as cartas, agora tira os lenços… Senhores, é chegada a hora do hipnotismo. Ninguém melhor nesses momentos de transe que o peruano José María Lavalle. Nada por aqui, nada por lá. E ali está a bola: acaricia-a, beija-a, namora-a, uma finta, uma evasiva, sempre à margem direita, sempre à beira da linha de cal, lenço branco alçado e chuta! Ali vai o nené,

cantando e rindo, prazenteiro pelo trato, à procura de outros malabaristas que o continuem a mimar; ou, se o mago assim o dispôs, directo, a colocar-se no fundo das redes. Porque, isso sim, os magos nunca tratam a bola aos pontapés já que a diversão não passa pelo pontapé ardiloso. Há que acariciar a redondinha, dar-lhe ritmo de samba, candombe, milonga4, ou marinera5 para que ela se ajuste ao que o ilusionista deseja. Recordam-se de Didi e sua folha seca? A bola ia onde esse negro admirável queria que fosse. Se não acreditam em mim, perguntem a Dom Rafael Asca, o guarda-redes peruano que, em Abril de 1957, só conseguiu ver a trajectória de uma bola que foi colar-se exactamente no ângulo inalcançável da sua baliza, depois de um raro efeito em pleno voo. O Peru inteiro emudeceu. Morriam as ilusões do Mundial da Suécia, mas o próprio Maracanã também se calou de espanto. «É coisa de bruxas», disse um adepto, estupefacto. O próprio Waldir Pereira deu uma explicação para esse estranho idílio com a bola: «Se alguém não a trata com carinho, ela não obedece… Às vezes ela ia por aí e eu: “vem filhota”, e trazia-a. Dava-lhe de calcanhar, de joanete e ela estava ali, obediente.» No entanto, não se pense que os magos só marcavam golos, também os evitavam, plantados sob as traves da baliza, sempre prontos a voar mesmo não tendo asas, a transformar os seus corpos em muralhas ou a converter as suas mãos em pinças. Nem o ar conseguia penetrar nas suas barreiras. O húngaro Franz Platko6 foi um desses ilusionistas. Rafael Alberti, o saudoso poeta espanhol, fala dele:


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