4 folha da rua larga
janeiro – fevereiro de 2016
história baú da rua larga
Dom Obá II: guerreiro, príncipe dos esfarrapados e do povo negro A história de um líder negro prestigiado pelo Imperador Dom Pedro II Autor desconhecido
Um negro livre se apresentou em Salvador, Bahia, com 30 voluntários, para defender a honra da pátria quando estourou o conflito com o Paraguai (1865-1870). Seu nome: Cândido da Fonseca Galvão. Ele recebeu uma farda e partiu junto com as tropas para defender o Brasil, como alferes da 3ª Companhia de Zuavos Baianos. Assim começa a história de Dom Obá II, príncipe da África, que nasceu na Vila dos Lençóis, no sertão baiano, por volta de 1845. Era neto do rei Alafin Abiodun, que unificou o império de Oyó. O rei Abiodun possuía mais de uma centena de esposas e chegou à impressionante descendência de 600 filhos. Alafin, um de seus filhos, foi vendido como escravo e aportou em Salvador recebendo o nome de Benvindo, pai de nosso voluntário da Guerra do Paraguai, Cândido, ou Dom Obá II. Apesar do preconceito vigente, Obá foi um líder carismático e influente no meio de sua gente, pregando a igualdade racial e o patriotismo. Ciente e devoto das tradições da mãe África, Dom Obá acreditava que Ogum protegia os acampamentos brasileiros durante a guerra: “Ogum Mejê general de Umbanda, em seu cavalo, Seu Ogum foi guerrear, com sua espada e sua lança, venceu demandas, nos campos do Humaitá”, dizia o ponto nas rodas de samba da Bahia. Como muitos que voltaram da Guerra do Paraguai
Biblioteca Nacional
Desenho dos uniformes usados pelos militares brasileiros na Guerra do Paraguai
Dom Obá II no seu uniforme de alferes
e ficaram acampados no Campo da Aclamação, atual Campo de Santana, o Príncipe dos Esfarrapados entrou na luta por direitos. Em 7 de março de 1871, esteve com estadistas como Rio Branco e Gotegipe na defesa do fim dos castigos e chibatadas nos negros no pós-guerra no Rio de Janeiro. Com autoridade moral entre os seus, criticava abertamente os escravocratas mais renitentes: “Pois o fim deles é acabarem doidos varridos para pagarem as consciências que devem a Deus e
às majestades, tanto quanto aos pretos e pardos”. No Rio de Janeiro, a partir de 1870, quando fixou residência no Centro da cidade, Dom Obá se tornou uma figura folclórica, talvez até caricata, na visão de alguns. Mas ele nunca abandonou sua luta, seja nos artigos para os jornais da Corte, onde defendia a monarquia e a abolição, ou na participação nos debates políticos da época. Dom Pedro II recepcionava Dom Obá II com pompa e solenidade, nas audiências
públicas do sábado na Quinta da Boa Vista. O príncipe negro, alto e forte, chegava para as recepções elegantemente vestido com sua farda de gala, luvas brancas e chapéu de alferes, ou vestido de fraque e cartola, com bengala e guarda-chuva – e sobre o nariz um pince-nez de ouro com lentes azuis. Um verdadeiro nobre, que falava crioulo mesclado com palavras do latim e iorubá. Em algumas vezes, Pedro II o recebia em audiências particulares e, nos arquivos fotográficos da Princesa Izabel, foi encontrado um retrato de Dom Obá, demonstrando o apreço da família real pelo líder dos africanos no Brasil. A Escola de Samba Estação Primeira de Manguei-
ra prestou sua homenagem no ano de 2000, com o samba-enredo intitulado Dom Obá II – Rei Dos Esfarrapados, Príncipe do Povo. Um trecho do samba dizia: “Sou guerreiro de Oyó, filho de Orixás, vim da corte do sertão, pra defender a nossa pátria mãe gentil, sou ‘Dom Obá’, o príncipe do povo, rei da ralé...”. Ficou a homenagem do samba carioca, pois até mesmo seu posto de Alferes honorário foi cassado pelos republicanos, em 1889, com a queda do Império, como um castigo pela sua admiração por Pedro II. Meses depois, em 8 de julho de 1890, morreu em sua casa na Rua Barão de São
Félix, no Rio de Janeiro, sendo noticiada sua morte na primeira página dos jornais. Os artigos ressaltavam sua grande popularidade e sua realeza, que nunca foi contestada por seu povo ou pela família imperial. Eduardo Silva, incansável pesquisador e escritor, escreveu sua biografia, intitulada Dom Obá II, Príncipe das Ruas, na qual traça uma excepcional aula de história sobre a Pequena África do Rio de Janeiro, enriquecida com narrativas sobre a fantástica figura de Dom Obá.
aloysio clemente breves pesquisador de história soubreves@yahoo.com.br