Folha da Rua Larga Ed.49

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4 folha da rua larga

janeiro – fevereiro de 2015

história baú da rua larga

Central do Brasil: o Relógio, a Providência e o Mangue Informações históricas sobre marcos importantes da Região Portuária O prédio de arquitetura art déco da Central do Brasil é um marco na paisagem do Rio de Janeiro. Cariocas possuem o hábito de se referir à imponente construção: “Vou pegar um trem na Central! Trabalho na Central! Cuidado com a Central do Brasil!” Também é costume um rápido olhar para o relógio monumental. Quantos não acertaram seus ponteiros ao ver a hora certa? E quantos não disseram que estavam atrasados ou adiantados para o compromisso ou para o trem? O gigante das horas salvou vidas e compromissos, e também testemunhou fracassos e sucessos. O imóvel de 124 metros de altura, com sete andares e torre de 28 pavimentos, foi tombado em 1996 pelo prefeito César Maia, quase 80 anos depois do projeto definitivo de 1937 que substituiu a velha estação da Estrada de Ferro Dom Pedro II. A denominação de Estrada de Ferro Central do Brasil veio com a República, em 1889, e a nova rede incorporou as linhas de trens existentes, expandindo ramais para o subúrbio e interligando as bitolas, largas e métricas, mais estreitas, que iam para o interior do estado e se juntavam à antiga RMV (Rede Mineira de Viação) – carinhosamente tratada de

Divulgação

Antiga Estação Dom Pedro II, em 1899

“Ruim, mas Vai!” pelos passageiros. A primeira estação, chamada de Estação da Corte, foi inaugurada em 1858, no quarteirão do Campo da Aclamação, hoje Campo de Santana, após a demolição da Igreja de Sant’Ana, edificada em 1735, gerando uma fantástica indenização para a Irmandade mantenedora do templo. Em 1879, a luz elétrica chegou à estação e o prédio foi ampliado para suportar o fluxo de passageiros e produtos, principalmente o café. Com o término da Guer-

ra dos Canudos em 1897, grande número de soldados vitoriosos acampou na região. Sem moradia, esperando indenizações ou algum aceno do governo, eles se juntaram às centenas de negros do pós-abolição, que habitavam inúmeros cortiços na área próxima do atual Túnel João Ricardo. A região, outrora nobre, de imóveis ricos, foi invadida pelos desassistidos, formando uma população que, em alguns casos, como o famoso cortiço Cabeça de Porco, chegou a abrigar mais de 3 mil pessoas. Parece que o

destino de combatentes e escravos era receber o pagamento infame de pedaços de tábuas para construir seus barracos. Exemplos não faltaram e não faltam, como o do Morro da Mangueira, quando soldados do 9º Regimento de Cavalaria, em 1900, foram autorizados pelos comandantes a pegar o material de demolição das casas mais abastadas e se instalar no morro. A providência ganhou nome e subiu o morro. A princípio chamado de Morro da Favela, por conta de uma planta de flores brancas

e favas, comum em Canudos e também nas encostas dos morros mais baixos do Rio. Depois ganhou o nome de Providência, face à “providência” urgente tomada pelos soldados de Canudos. O gigantesco corte vertical no granito de boa qualidade do morro, que podemos ver da Avenida Presidente Vargas atualmente, serviu de trabalho para os novos moradores da Providência, da Central e região portuária do Santo Cristo. Em 1929, cerca de 1.100 trens passavam pela via, sendo 430 de bitola larga que iam para o subúrbio, com 170 na Linha Auxiliar. Com o apoio das Oficinas do Engenho de Dentro, que atendiam as composições elétricas e as movidas a carvão e a vapor, o tráfego ferroviário cresceu muito na cidade, gerando emprego para milhares de pessoas. O famoso relógio de quatro faces foi fabricado pela IBM no Brasil e é considerado o maior do mundo com quatro faces. Originalmente mecânico com sistema de pêndulos, foi substituído mais recentemente por um sistema de quartzo. A denominação de Estação Dom Pedro II foi dada pelo presidente Arthur Bernardes, em homenagem ao imperador, mas não pegou. Ficou mesmo Central

do Brasil. Cortando a região está o canal do Mangue, incensado no poema Santeiro do Mangue, do modernista Oswald de Andrade, que descreve a mistura de proxenetas, cafetãos, prostitutas brasileiras, negras, francesas e as famosas polacas. Artistas, músicos e escritores como Segall, Di Cavalcanti e Bandeira frequentaram a chamada Vila Mimosa, depois Coréia e por fim República do Mangue em 1954. Nesse contexto social de trens, favelas e sexo da região da Central do Brasil, o samba e os folguedos populares desabrocharam. Atestando isso, já em maio de 1906, a Revista da Semana publicava a trova de violão: “Dona Maria Gibóia, vai de saia de balão, ao Morro da Providência, dançar o samba a tostão”. Hoje repetimos, ao passar pelo prédio da Central do Brasil, o mesmo refrão histórico: “Vou pegar um trem na Central!”. A via férrea possui mais de 150 anos e o prédio quase 80. Seu rico patrimônio de estações, imóveis e oficinas poderia estar mais bem preservado.

aloysio clemente breves soubreves@yahoo.com.br


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