A longa estrada da descoberta dos genes da gagueira

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National Institute on Deafness and Other Communication Disorders National Institutes of Health

www.nidcd.nih.gov

Março de 2010

Levou mais de uma década para conseguirmos este primeiro grande resultado [...]. É um tremendo privilégio trabalhar em uma instituição que permite a realização de pesquisas de alto risco de longo prazo” – Dennis Drayna, Ph.D

Ninguém tinha ainda encontrado qualquer desordem humana relacionada a mutações no gene NAGPA. Seu único efeito conhecido até agora é a gagueira.”

Foi esse o ponto no qual Dr. Kang e Dr. Drayna começaram a investigação. Eles recrutaram mais famílias paquistanesas e mais pessoas com gagueira nos EUA e na Grã-Bretanha, sem relação de parentesco entre si, para coletar o DNA delas e também do grupo controle recrutado nessas mesmas populações. O grupo controle era formado por pessoas que não tinham nenhuma história de gagueira em suas famílias. De volta ao laboratório, Dr. Kang começou a trabalhar no sequenciamento do material genético. Ele verificou que a região de interesse no cromossomo 12 continha 87 genes, o que significava que 87 genes teriam de ser seqüenciados e analisados para ver se alguma coisa interessante viria à tona. Quarenta e cinco genes e três anos mais tarde, Dr. Kang sentia que estava trabalhando em um projeto que não estava indo a lugar nenhum. “Eu estava cansado e frustrado, queria desistir e voltar para a Coreia”, ele disse. “Então fui ao escritório do Dennis e disse a ele como estava me sentindo.” Desde o início, Dr. Drayna sabia que este era um projeto ao mesmo tempo de alta recompensa e de alto risco, e havia uma grande possibilidade de que os dados não rolassem a favor deles. Ele não poderia culpar Dr. Kang por querer desistir. Ele não tinha nada a mostrar depois de três anos de trabalho duro. O avanço de sua carreira estava em jogo. “Na semana seguinte, não fiz mais nenhum experimento”, diz Dr. Kang. “Fiquei apenas sentado na minha escrivaninha. E então um dia, peguei o meu notebook do laboratório e comecei a organizar as coisas nele, pois teria de entregá-lo ao novo pósdoutorando que ocuparia meu lugar. E aí eu vi uma coisa.” O que ele viu foi uma mutação em um gene que ele tinha observado antes, mas com o qual não tinha se preocupado muito. O gene, GNPTAB, estava relacionado a um grupo de doenças conhecidas como mucolipidoses – doenças metabólicas que são tão letais que a maioria dos bebês diagnosticados com elas morre nos primeiros anos de vida. Ele duvidava que um gene para uma desordem metabólica pudesse ter alguma coisa a ver com uma desordem de fala como a gagueira. Curioso, porém, ele começou a pesquisar na literatura científica para encontrar o que pudesse sobre as mucolipidoses. Foi quando ele se deparou com algo intrigante. Crianças com formas moderadas da desordem, que conseguiam sobreviver à primeira infância, tinham atrasos no desenvolvimento da fala ou anormalidades de fala. Dr. Kang sabia que ali havia alguma coisa, mas não conseguiu encontrar nenhum artigo na literatura científica que tratasse especificamente dos pro-

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blemas de fala nas mucolipidoses. Então ele fez o que qualquer um de nós faria quando precisa de informação rápida sobre alguma coisa – ele pôs no Google. A pesquisa por “mucolipidoses + fala” retornou um site que descrevia um tipo de mucolipidose na qual as crianças não falavam de jeito nenhum. Nem uma palavra sequer. Com isso, ele agora sabia que estava com os olhos voltados na direção certa. Novos sequenciamentos em amostras de DNA de famílias do Paquistão mostraram que a mutação estava presente em algumas pessoas que tinham gagueira. O sequenciamento adicional também revelou que a mesma mutação era encontrada em membros do grupo teste do estudo de linkage original. Como se sabia que o gene GNPTAB trabalha em conjunto com outros dois genes – GNPTG e NAGPA – ele os seqüenciou e encontrou mutações que estavam presentes em pessoas com gagueira e em suas famílias, mas não nas pessoas do grupo controle. Ninguém tinha ainda encontrado qualquer desordem humana relacionada a mutações no gene NAGPA. Seu único efeito conhecido até agora é a gagueira. “Este projeto serve como exemplo emblemático da filosofia de pesquisa dentro do NIH”, diz Dr. Drayna. “Levou mais de uma década para conseguirmos este primeiro grande resultado, e o esforço hercúleo do Dr. Kang finalmente foi recompensado, mas a espera foi longa. É um tremendo privilégio trabalhar em uma instituição que permite a realização de pesquisas de alto risco de longo prazo.” Quando Dr. Kang relembra seus dias de estudante de graduação, quando perguntaram a ele sobre o papel dos genes nos seres humanos, ele não consegue conter a vontade de rir da ironia. “Meu professor dizia que os genes não tinham nada a ver com a fala. Mas hoje se sabe que eles têm, e eu fui o responsável pela descoberta de um deles. É uma coisa incrível.”

Traduzido por Hugo Silva, em maio de 2010, para o Instituto Brasileiro de Fluência (www.gagueira.org.br). A matéria original (em inglês) pode ser lida no site do NIDCD através do seguinte link encurtado: bit.ly/longroad O press release do NIDCD com o anúncio oficial da descoberta dos primeiros genes associados à gagueira pode ser lido no site da instituição através do link bit.ly/nidcd-release Um resumo do artigo científico que divulgou os detalhes da descoberta pode ser encontrado em www.pubmed.gov através do indexador PMID: 20147709. Uma entrevista com o Dr. Dennis Drayna, pesquisador chefe do estudo, pode ser lida em bit.ly/drayna-interview. Uma tradução da entrevista para o português encontra-se disponível em bit.ly/drayna-entrevista

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