Democracia Viva 27

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opinião

*Carlos Tautz Jornalista, pesquisador do Ibase

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enormes de água, que é utilizada para refrigerar o sistema das usinas. Parte dessa água evapora, outra parte retorna ao meio ambiente alguns graus acima de quando é captada. Quase 50 termelétricas foram planejadas para serem instaladas perto de grandes centros urbanos onde entrariam na disputa pela água destinada ao consumo humano, à agricultura e a outros tipos de uso; 2. no campo econômico-financeiro, a dificuldade maior reside no uso do dólar como moeda para compra dos equipamentos (que não são fabricados no Brasil) e pagamento do combustível, em sua maioria importado. Gastos externos em dólares apenas beneficiam os atravessadores de financiamentos internacionais. O modelo de contrato do gás natural take or pay (pegue ou pague), como o empregado no Gasoduto Bolívia–Brasil, incorpora variantes como a inflação dos Estados Unidos e o preço do barril de petróleo em âmbito internacional. Dispara na primeira crise internacional e termina por aumentar a tarifa para consumidores e consumidoras finais; 3. no campo da segurança energética, é uma opção inadequada porque o combustível é importado. Por ora, a Bolívia é o maior fornecedor, principalmente para indústrias localizadas em São Paulo. Ocorre que, no país vizinho, há ampla (e justa, diga-se de passagem) rejeição aos contratos firmados pelos governos nacionais e empresas multinacionais, como se configura com a Petrobras Bolívia, que lá desempenha papel igual ao das demais multinacionais petrolíferas. Angaria

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a antipatia do povo boliviano, o que pode resultar no corte repentino do fornecimento. Outra opção energética que se deve rejeitar é a nuclear. Mesmo após mais de 30 anos do Acordo Nuclear Brasil–Alemanha, que viabilizou a construção das usinas nucleares Angra 1 e 2, instaladas em Angra dos Reis (RJ), esse debate propositadamente ainda não foi tornado público porque carrega a marca do pecado original. Ele atenderia, mesmo três décadas após a sua concepção, de acordo com aqueles(as) que pretendem mantê-lo secreto, a “razões estratégicas” não reveladas. Ele foi imaginado em um contexto de ditadura pelos militares brasileiros que sonhavam em dominar localmente o ciclo de enriquecimento de urânio para fabricar a bomba atômica. Pois, em pleno século XXI, essa lógica persiste, eclipsando os demais usos pacíficos da tecnologia atômica na pesquisa ambiental aplicada aos recursos hídricos, na medicina e na agricultura. Agora mesmo o governo – especificamente a Casa Civil da Presidência da República – estimula o reaparecimento do tema da construção da terceira usina, Angra 3, que acabou de ser rejeitada, em abril, no âmbito do Conselho Nacional de Política Energética, pelos Ministérios de Minas e Energia e do Meio Ambiente. O Ministério de Ciência e Tecnologia, tradicionalmente mais sensível aos apelos dos centros militares de pesquisa, apoiou a construção, desconsiderando o fato de que Angra 3 igualmente mantém a lógica da produção de grandes blocos de energia para suprir um modelo de consumo energético que tolera amplas faixas de desperdício. Além disso, como lembra o físico e ex-reitor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) José Goldemberg, que é secretário estadual de Meio Ambiente de São Paulo, há toda sorte de incertezas sobre o que fazer com o “lixo nuclear”, para o qual não existem repositórios adequados em nenhum país. Esses são indicativos fortes da existência de uma janela de oportunidade para o Brasil se concluir como nação. Indicativos de que chegou a hora de recolocarmos – como algumas pessoas já fizeram no passado – em debate público as estratégias que queremos para alcançar esse objetivo.


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