h - Suplemento do Hoje Macau #55

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os políticos chineses reagem à rede de alcance mundial. “Há muitas formas e tecnologias para descobrir quem faz uma utilização dissidente da Internet.” Os mecanismos de controlo, associados a uma educação fortemente nacionalista, fazem com que o Governo possa continuar a ser “muito pragmático”, uma característica do Partido Comunista Chinês. “Nunca fica muito tempo longe da realidade. Mesmo quando a realidade ataca, a liderança percebe rapidamente que foi atacada e que precisa de fazer alguma coisa. Reage muito – é um legado dos anos 1980, da era Deng Xiaoping”, contextualiza o politólogo. Neste cenário, Eric Sautedé acredita que a evolução da China passa, sobretudo, por uma nova dimensão na Administração e por alguma democracia ao nível interno do PCC.

A CHINA E OS OUTROS

O professor da Universidade de São José salienta que o facto de a nova equipa estar bem preparada em termos de formação económica revela que o grande desafio da próxima década será a reinvenção do modelo de funcionamento da economia. Nesta perspectiva, acrescenta José Carlos Matias, a agenda da China vai ficar marcada pelas relações com os vizinhos e com o número um da economia mundial, os Estados Unidos da América: “A questão da vizinhança é uma questão que, obviamente, poderá marcar esta década. A gestão das relações com determinados vizinhos no Sudeste Asiático e, claro está, com o Japão, vai continuar em cima da mesa, bem como a questão da Península Coreana”. Quanto aos Estados Unidos, “é a relação central”, entende o investigador. “Diria que a China e os Estados Unidos estão condenados a terem uma espécie de mecanismo de consulta permanente. Têm a beneficiar se procurarem encaixar-se, se os Estados Unidos encaixarem a emergência da China e a China se encaixar enquanto poder emergente a nível internacional, económico e não só.” Depois de dez anos em que quase tudo mudou na China, vêm aí mais uma década em que quase tudo pode mudar de novo. Mas certezas, destaca José Carlos Matias, só depois de a nova liderança começar a trabalhar. “É preciso saber qual é o pensamento e qual é a visão de Xi Jinping, de Li Keqiang e dos outros líderes, e se isso é assim tão importante, no sentido em que estamos perante um modelo colectivo”, lembra. Os líderes terão de “responder a várias pressões, vindas do Exército Popular de Libertação, de vários sectores a nível industrial – o sector energético e petrolífero tem um peso extraordinário –, e depois, claro, os outros sectores da economia que poderão puxar o país por outro lado”. No próximo mês, lançam-se os dados para mais dez anos de jogo, com os escolhidos do Partido a assumirem os cargos de topo do país em Março do próximo ano. Num processo feito de incógnitas, José Carlos Matias avança com uma certeza: “Será uma década fascinante”.

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5 10 2012

I D E I A S F O R T E S

XI JINPING

NASCEU em 1953 e teve uma infância atormentada pelas perseguições feitas ao pai. Xi Jinping é filho de Xi Zhongxun, um revolucionário protagonista da Longa Marcha, que caiu em desgraça aos olhos do regime. O homem que, em Março do próximo ano, deverá assumir a presidência da China, é, portanto, aquilo a que se chama um “Príncipe Vermelho”. Os anos difíceis do pai foram tempos amargos para Xi Jinping, que esteve numa comuna popular em Shaanxi, de

onde fugiu para, mais tarde, ser apanhado. Foi obrigado a denunciar o pai e a crescer com paciência – uma das virtudes que lhe é, de resto, apontada pelos analistas. Os tempos mudaram e o pai de Xi Jinping acabou por se tornar numa figura essencial da reforma imaginada por Deng Xiaoping, na década de 1980: Xi Zhongxun foi um dos arquitectos das zonas económicas especiais da China, um homem virado para a reforma do país, o que acabou por influenciar o pensamento político do filho que, entretanto, se tornou engenheiro químico e doutor em ciências sociais. Tido como estando “na primeira linha do reformismo económico chinês”, o futuro Presidente tem um “estilo sóbrio”, dizem os analistas, que chega “a raiar a modéstia”. Casado em segundas núpcias com uma cantora muito popular na China, Xi Jinping mandou a única filha do casal estudar em Harvard. Dizem que é um homem virado para o mundo, conhecedor das regras da globalização e dos sistemas institucionais do Ocidente. Xi está no Partido Comunista Chinês (PCC) desde 1974, numa altura em

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que era ainda estudante. Passou por várias províncias, sempre ao serviço do Partido, e foi governador em Fujian e Zhejiang. Em 2007, mudou-se para Xangai, para ser secretário do PCC na capital económica do país. Foi substituir um antigo membro do partido condenado por corrupção – a nomeação para um lugar de tanta importância, e no contexto em que aconteceu, conta muito na hierarquia da nomenclatura. No mesmo ano, entrou no Comité Permanente do Politburo, o grupo dos nove mais poderosos do Partido, sendo que, também em 2007, passou a presidir à Escola Central do Partido Comunista Chinês, cargo que ainda desempenha. Sobre Xi Jinping, diz-se ainda ser um defensor de um desenvolvimento económico virado para o mercado, mas certo é que tem mostrado também forte apoio às grandes empresas, ou seja, às que são detidas pelo Estado. Quanto às reformas políticas, o futuro Presidente, protegido de Jiang Zemin, parece ser menos liberal: entra no grupo dos conservadores, dos que partilham as velhas doutrinas marxistas.

LI KEQIANG

O FUTURO primeiro-ministro nasceu em 1955 e estudou Direito, mas tem um doutoramento em Economia. Há quem lhe chame “o novo cérebro da macroeconomia”. O sucessor de Wen Jiabao é o “protegido” de Hu Jintao. A relação com o actual Presidente começou na década de 1980, na ala jovem do Partido Comunista Chinês. Foi por proposta de Hu Jintao que Li Keqiang entrou no Comité Permanente do Politburo.

Visto como um homem sensível e tolerante, não agrada a algumas facções – sobretudo aos mais conservadores –, mas os analistas dizem que não é um homem de rupturas, sendo, portanto, um adepto dos consensos. Li Keqiang tem uma história familiar diferente da de Xi Jinping. Natural de Anhui, província pobre no centro da China, é filho de gente humilde: o pai era apenas um funcionário da administração local, que teve, porém, o rasgo de, em plena Revolução Cultural, arranjar para o filho um professor que, clandestinamente, lhe ensinou o gosto pela arte e pela literatura. O futuro primeiro-ministro não escapou à vida nas comunas – foi enviado para uma das mais miseráveis da província. Ainda assim, nos quatro anos que lá esteve, continuou a estudar. Em 1978, na nova era de Deng Xiaoping, Li Keqiang inscreveu-se na Juventude Comunista e recuperou o tempo perdido: foi para a faculdade. Em 1982, estava formado, o que faz dele um dos primeiros juristas da história do pós-maoismo.

Quanto ao percurso dentro do Partido, Li Keqiang encontrou resistências durante a ascensão ao poder. Chegou a ser conhecido por “ave de mau agouro” porque, quando era governador em Henan, em 1999, o mandato foi manchado por uma série de catástrofes naturais. Acabou por ser transferido para Liaoning mas, dois meses, depois uma explosão numa mina na província fez mais de 200 mortos. Mas o maior desaire político de Li Keqiang aconteceu em Henan, onde foi governador. Quando tomou posse, encontrou uma província devastada pela sida. Milhares de camponeses vendiam sangue a estruturas ligadas ao partido, que recolhia plasma para revender a multinacionais. As associações de voluntários que estiveram no local acusam Li Keqiang de não ter culpabilizado os responsáveis pela tragédia e de se ter limitado a garantir fundos para os tratamentos. Vice-primeiro ministro executivo desde 2008, Li Keqiang é membro do comité central do Partido Comunista Chinês.


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