Sobre a racionalidade e a espontaneidade na produção do espaço urbano

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Foi para resolver essa situação que o poder judiciário argentino interveio, numa ação singular no universo atual de melhorias em vilas e favelas. Para exigir o cumprimento da lei 148, de 1998, e da lei 3343, de 2009, que determinam a urbanização da vila e a elaboração de plano diretor para tanto, o juiz determinou que o arquiteto Javier Fernandez servisse como curador da área. Isso implica ter poder judicial sobre todas as autarquias municipais e federais que pretendem (ou não) intervir na área, e cuidar, junto da comunidade, para que fosse assegurado o espaço participativo na elaboração do plano. O fato de o poder judiciário, quase sempre o mais conservador dos três, ter tomado a liderança no caso da Villa 31 é digno de nota e de uma análise mais detalhada no futuro.

São Paulo: secretaria municipal de habitação social Enquanto o Rio usou do instrumento do concurso para levantar um corpo metodológico, e Medellín e Bogotá utilizaram os concursos como maneira de dar oportunidade a novos talentos, São Paulo segue um modelo um pouco diferente como solução para o mesmo problema de melhoria das áreas informais. A estratégia da Prefeitura de São Paulo através de sua Secretaria de Habitação merece ser melhor estudada por várias questões. A primeira delas diz respeito a uma possível costura entre sustentabilidade social e sustentabilidade ambiental. Ao usar as microbacias como unidades de planejamento, a SEHAB incorpora a variável ambiental (poucas questões são mais importantes do que as enchentes, por exemplo) e com isso agrupa em um mesmo projeto vizinhanças de diferentes classes sociais que, em graus variados, convivem no mesmo espaço. A outra estratégia que merece destaque é a contratação dos melhores arquitetos da cidade: MMBB, Andrade Morettin, Cesar Shundi, para projetar espaços públicos e soluções de habitação nas áreas mais pobres da cidade. Isso gera dentro da própria profissão uma visibilidade da maior importância. Contratar os melhores arquitetos para projetar espaço público e habitação popular é um fato que sempre ocorreu a contagotas no Brasil, e a SEHAB-São Paulo está mudando a escala desde tipo de iniciativa. Os desdobramentos disto são muitos. Em primeiro lugar, forma-se uma geração de arquitetos que vê seus “heróis” de ateliê projetando para a população mais pobre sem abrir mão da qualidade. Efeito semelhante tem a obra de Alejandro Araveña a nível global. Outra consequência importante é a formação de uma expectativa de qualidade maior no público em geral. Depois de ver uma praça projetada pelo MMBB ou de visitar um apartamento desenhado por Andrade e Morettin, é improvável que o cidadão não perceba a diferença de qualidade e não pressione seu vereador ou líder comunitário por uma arquitetura melhor. O problema, no caso paulista, fica por conta da ausência de participação e pela arbitrariedade do processo de escolha. Quem diz quais arquitetos deveriam ser convidados? Por que este e não aquele outro escritório? Não deveriam ser os critérios transparentes mesmo que sejam arbitrários (como certo grau de visibilidade e/ou premiações anteriores)? Há de se notar aqui que a prefeitura de São Paulo tem também usado do instrumento do concurso para buscar ideias novas e gerar discussão sobre o assunto, embora não seja esse o processo mais comum de escolha dos projetos. Em resumo, depois de algumas décadas de intervenções em vilas e favelas, já temos material suficiente para analisar os diferentes modelos. O pioneirismo do Favela-Bairro dá ao Rio de Janeiro uma experiência acumulada que diferencia o que se faz ali atualmente. Mas a ausência de um processo participativo institucional paira como uma nuvem de dúvidas por sobre todas as intervenções. Poderiam ser mais bem apropriadas se a população tivesse canais mais definitivos de participação? A pressa com que se está construindo a infraestrutura para a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016 indicam que qualquer processo mais participativo vai ter de esperar uma década. ARQUITETURA QUAE SERA TAMEN Fernando Luiz Lara

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