A grande mãe

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extraordinário proveito para a maioria das pessoas – mas não necessariamente para todas – no sentido de lhes facilitar a compreensão do contexto. Nosso trabalho não trata de um arquétipo em geral, mas de um muito especial, o do Grande Feminino, ou, mais especificamente, o arquétipo da “Grande Mãe”. Este livro, que foi precedido por um pequeno volume com outros trabalhos sobre o mesmo tema e por um comentário sobre o conto de Apuleio, “Amor e Psiquê”,* é a primeira parte de uma “Psicologia Profunda do Feminino” (cuja edição o autor aguarda ansiosamente). A investigação das peculiaridades da psique feminina é tarefa das mais necessárias e importantes a que se propõe a Psicologia Profunda, a quem compete o fecundo labor do restabelecimento e desenvolvimento criativos de cada ser humano. A problemática do Feminino tem exatamente o mesmo significado para os psicólogos da cultura, que reconhecem que a ameaça à humanidade atual assenta-se, em grande medida, no desenvolvimento patriarcal unilateral da mentalidade masculina, que não é mais compensado pelo mundo “matriarcal” da psique. É nesse sentido que a apresentação de um mundo psíquico-arquetípico do Grande Feminino, que tentamos com nosso trabalho, é também uma contribuição para o estabelecimento de uma futura terapia da cultura. A sociedade ocidental precisa, a qualquer custo, chegar a uma síntese que inclua o mundo feminino, igualmente unilateral quando isolado. Somente assim o ser humano individual poderá desenvolver a totalidade psíquica urgentemente necessária para que o homem ocidental possa estar psiquicamente atento para os perigos que ameaçam por dentro e por fora sua existência. O modelo ideal da Psicologia Profunda do futuro é o desenvolvimento do indivíduo até que ele atinja a totalidade psíquica, na qual o consciente esteja criativamente unido ao conteúdo do inconsciente. Somente essa integração total de um indivíduo pode tornar possível uma qualidade de vida melhor para a sociedade. Se, num determinado sentido, o corpo são é a base de um espírito e de uma psique sadios, mais ainda um indivíduo sadio serve de base a uma sociedade igualmente saudável. É o fato básico da vida humana coletiva, tão frequentemente ignorado, que confere ao trabalho psicológico com o indivíduo seu significado social e sua relevância para a terapia da cultura humana. Apesar da aparência anacrônica, distante da realidade cotidiana, o trabalho com o mundo arcaico dos arquétipos serve de fundamento a qualquer tipo de psicoterapia e abre ao homem uma visão de mundo a partir da qual não só ele pode se modificar como também lhe oferece uma nova perspectiva da vida e da humanidade como um todo. A assimilação do universo arquetípico leva a uma forma interior de humanização que, por não ser um conhecimento da consciência, mas, sim, uma vivência do ser humano total, se mostrará ainda mais confiável que a forma de humanismo que conhecemos, desprovida de bases psicológicas profundas. Parece-me que um dos sintomas decisivos dessa nova humanização é o desenvolvimento, no indivíduo e na comunidade, de uma consciência psicológica sem a qual é impensável uma futura evolução da humanidade ameaçada. *

Publicado pela Editora Cultrix, São Paulo, 1990.

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