PRETO NO BRANCO

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medo do que vão pensar. Ao contrário do rei Tut, Ruy não nasceu em berço de ouro, nasceu em uma família pobre, mas foi adotado por uma família rica, por isso teve uma infância confortável, sem muitos traumas e autoestima bem trabalhada, (ele se acha o rei da cocada preta). De todos os bens que pôde ter, ao que mais se agarrou foi o conhecimento, o estudo foi seu aliado sem nem mesmo precisar ouvir aquela frase dita por muitos pais à seus filhos: “estude, por que você já é negro.” Ele é baiano, faz comédia e Stand-up e sempre tem uma ou outra piadinha na ponta da língua. Uma vez quando chamaram seu cabelo de ruim, ele prontamente se defendeu: ruim é o seu, “opaí,” é ruim de fazer uma trança, ruim de fazer um draed. E agora qual cabelo é ruim?, perguntou ele, a pessoa ficou sem saber o que falar. Quando vive situações de preconceito como essa, ele não deixa passar, sempre com bom humor, ele tira de letra. É sem dúvida, uma coisa que sua autoestima elevada não permite que o diminua. Uma vez, coversando com um amigo ele falou assim: que ele era negro mas que tinha alma branca. Rui prontamente respondeu: ” brother não viage não” E ele insistiu, disse que não via Rui como negro.“Rui já muito irritado respondeu secamente: “Agora eu que estou falando sério, eu sou negro sim, e amo ser negro, e a gente vai brigar se você continuar falando que eu não sou negro.” Uma pausa para uma ajeitadinha no cabelo. Ele tira do bolso mais improvável possível, o seu pente garfo. “Aqui é fiel, não ando sem ele!”. Ele arruma o cabelo, olhando fixamente para o horizonte, como se estivesse se olhando no espelho, termina, se volta pra mim e pergunta: Onde estávamos? Não sou atriz como ele, mas aproveito a “deixa” e pergunto como é sua rotina capilar. Ele me explica que não passa nada no cabelo, lava duas vezes por semana e não usa creme, a não ser quando vai sair sem capacete. “Que aí dá pra deixar ele mais cacheado”. Sua preocupação maior é ficar batendo e apalpando, sempre passando o garfo, pra manter o formato. “Eu sou muito vaidoso, como eu afirmo minha cor preta e minha identidade africana, gosto, brigo, e bato se necessário, em alguém se disser que sou feio. Por que eu vejo no espelho um cara bonito igual a todo mundo, não vejo diferença. O dia vai acabando, e o sol de fininho se retira, ali, bem na nossa frente. Devagarzinho o dia vai dando lugar à noite e a praia que foi palco para a nossa conversa começa a ficar deserta, os caiaques que antes estavam na água de um lado para o outro, sem descanso, agora, são recolhidos e guardados na beira da barraca. O tempo começa a esfriar, mas a nossa conversa sobre cabelo ainda parece longe de ter um fim. Então marcamos um novo encontro para o dia seguinte, dessa vez na casa dele. Chego novamente no horário marcado, e como previ, ele está novamente atrasado, dessa vez estava mais ensolarado, logo, tinham mais turistas na rua. Ele chega e vamos até a sua casa, que casa! Com todas as janelas de frente para o mar, uma sala ampla e repleta de livros de todos os tipos e variados títulos. A cozinha também é grande e tem cheiro de café. A casa é dividida por Ruy e duas pessoas. Ele me leva até o seu quarto-escritório-despensa, onde me mostra e explica orgulhoso, minunciosamente todos os cartazes, de todas as peças e apresentações que participou. São banners, convites, ingressos e até figurinos que agora são conhecidos meus. Seu quarto é bem simples, mas tem janela de frente para o mar também, me encosto no parapeito da janela e olho em frente. É nessa hora que entendo o que ele quis dizer com: “Eu aprendi a essência das coisas, o que é importante de verdade.” Falamos por mais algum tempo, sobre seus trabalhos, sua vida, e para acabar, pergunto como é a reação das pessoas com seu cabelo black power, e ele me conta rindo que uma menina uma vez pediu pra tocar no seu cabelo, depois do toque ela se espantou e disse:” nossa é molesinho”. Conhecendo ele como já conheci, sabia que ela teria uma resposta à altura, e ele logo me disse qual foi: “você achou o que? Que eu faria assim (ele balança a cabeça repetindo o gesto) e você morreria com o impacto?” rimos os dois sem parar.


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