“ESTAMOS AQUI, CONECTADOS!” CAXINGÓ, OS PRIMEIROS PASSOS DA INCLUSÃO DIGITAL EM UM DOS MUNICIPÍOS MAIS INFOEXCLUÍDOS DO BRASIL Aniele Teixeira Glenda Uchôa
UNIVERSIDADE ESTADUAL DO PIAUÍ (UESPI) CURSO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL COM HABILITAÇÃO EM JORNALISMO E RELAÇÕES PÚBLICAS Projeto Experimental (TCC) Estamos aqui, conectados! Caxingó, os primeiros passos da inclusão digital em um dos municípios mais infoexcluidos do Brasil Autoras Aniele Teixeira Lopes de Sousa Glenda Grazielle Uchôa de Abreu Fotografia Glenda Uchôa Orientação Orlando Maurício de Carvalho Berti Capa, projeto gráfico e diagramação Kerignaldo Júnior Revisão Sávia Barreto Junho de 2013
A todos os familiares, amigos e demais envolvidos nesse projeto.
AGRADECIMENTOS Aos meus avós, Noemia, Sebastião (em memória), Vicente (em memória), e Maria do Carmo, a ‘vó Duca’ (em memória), que nos deixou durante a produção deste projeto, mas mesmo de longe olhou por mim e me deu forças para seguir e transformar a profunda dor em inspiração. A minha mãe, Lucia e ao meu pai, Gonçalo, pelo grande amor, dedicação, entrega e por sempre embarcarem e tornarem possíveis os meus sonhos. Ao meu irmão Eduardo, por sempre ajudar nos momentos em que mais precisei. Aos tios, tias, primos, primas e demais familiares, por compreenderam minha ausência nos últimos tempos e por nunca negarem palavras e gestos de carinho e apoio. Aos meus amigos e amigas que são minha fonte de alegria e porto seguro. Aos meus colegas de trabalho, pelos ensinamentos diários, incentivo e companheirismo. Ao Movimento Estudantil da UESPI, a Executiva Nacional de Estudantes de Comunicação Social – ENECOS e ao Coletivo Piauí, que se tornou minha família nesses quatro intensos anos de universidade, obrigada por terem me transformado em um ser humano melhor e por me ensinarem que nesse mundo, cheio de desigualdades e sofrimento, existem muitas flores construindo um lindo jardim, regado com sonhos, ideias, lutas e muito amor.
Cada um de vocĂŞs deixou um pouco de si e levou um pouquinho de mim e por isso carregarei para sempre um pedacinho de todos vocĂŞs. Aniele Teixeira
Agradeço ao amor sentido diariamente em suas variadas formas. Ao amor sublime e inexplicável de Deus, presente em todas as esferas da minha vida. O responsável por me fazer entender toda poesia. Aos meus pais, Paulo e Claudinéia, a quem devo toda minha gratidão e reconhecimento pelas batalhas diárias, pelo apoio, formação humana e espiritual. A vocês meu eterno amor de além. Ao meu irmão, Gláuber. A minha doce avó Marlene, pelo amor e apoio incondicional, revestidos em formas de carinho, ações e incentivo. A minha avó Maria Helena, símbolo de força e determinação. As minhas tias e tios, por todos os conselhos e por acreditarem em meus planos. Ao Tio Robert (in memorian), que foi deixar sorrisos em outra dimensão durante a conclusão deste trabalho. As minhas primas e primos, por quem nutro um amor fraternal e sincero. Sempre tem gente para chamar de nós. As amigas de sempre, de todas as horas e para todas as situações, à vocês minhas Babys, mais uma fase superada das tantas que já passamos. Aos amigas e amigos também de longa data, do ensino médio, meus amores de certezas. A minha família EJC, que prova existir laços que vão além dos sanguíneos, existem laços de fé. Ao amor dividido, ao nosso futuro e todos os ‘vai dar certo’ do namorado Pablo. Aos amigos da universidade (Uespi e UFPI), por
me mostrarem que o amor une todas as diferenças. Aos conhecimentos compartilhados, alegrias, lágrimas e porres. A formação conjunta alcançada através das vivências em sala de aula, na militância e na vida. Aos amigos de trabalho da Ccom, a quem deixo representados na figura de competência e admiração da chefa Paula e da Vanessa. Aos dias mágicos, preenchidos pela alegria de conviver com as melhores pessoas do mundo. Ao amor diário e a certeza de que é importante saber: “não importa o que aconteça, continue a nadar”. Glenda Uchôa
SUMÁRIO INTRODUÇÃO............................................... 11 ESSE É SÓ O COMEÇO....................................... 17 EU COMUNICO, TU COMUNICAS E NÓS CONECTAMOS............... 31 JUVENTUDE E INTERNET: HISTÓRIAS QUE SE CONECTAM.......... 47 DOS MALES O MENOR: PROBLEMAS SOCIAIS E SEUS REFLEXOS NA INCLUSÃO DIGITAL......................................... 65 SONHOS EM REDE........................................... 89 REFERÊNCIAS.............................................. 93
INTRODUÇÃO O uso de recursos tecnológicos sempre encantou a humanidade. As descobertas e avanços ligados às tecnologias da comunicação formataram um novo campo de possibilidade para as sociedades modernas. A Era da Informação, também conhecida como Era Digital, iniciada na década de 1980, trouxe consigo o surgimento do computador pessoal, da Rede Mundial de Computadores e outros elementos que tornaram viável o sonho de compartilhar informações de forma rápida, sem a preocupação com distâncias geográficas. O mundo se interliga, mas não por completo. É fácil associar o Desenvolvimento Social e Tecnológico aos grandes Centros Econômicos. Porém, longe dessa realidade, há regiões mais pobres e isoladas, que pouco usufruem das conquistas dos modernos recursos. O Piauí, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad), divulgada em maio de 2013, no suplemento “Acesso à Internet e Posse de Telefone Móvel Celular para Uso Pessoal”, é o penúltimo estado do Brasil em número de pessoas com dez ou mais anos de idade com acesso à internet. Essa desigualdade no campo do acesso a rede mundial de computadores é reflexo da má qualidade na garantia de outros direitos fundamentais ao indivíduo, como a educação, a saúde e a comunicação. Para tentar diminuir esses problemas, em 2000, a Organização das Nações Unidas - ONU realizou a Cúpula do Milênio, na qual 191 países aprovaram as “Metas do INTRODUÇÃO | 11
Milênio”. Esses países, inclusive o Brasil, se comprometeram a cumprir, até 2015, oito metas de redução da desigualdade e da pobreza, e entre essas metas está à Universalização do Acesso a Internet. Com isso, um dos grandes desafios dos Governos Federal, Estaduais e Municipais é o cumprimento dos prazos e o planejamento para levar internet a todas as localidades do país. Os desafios são enormes. Para dar início ao processo de universalização da internet no país, o Ministério das Comunicações apresentou, no inicio de 2010, ao então presidente do país, Luís Inácio Lula da Silva (PT), o Plano Nacional de Banda Larga (PNBL): O Brasil Conectado. O projeto teve sua estruturação e início dados oficialmente pelo decreto nº 7175, no dia 12 de maio do mesmo ano. Uma das suas metas é, também, universalizar o acesso à internet para todo o país até o ano de 2014. Passados dez anos da assinatura das Metas do Milênio, o Censo 2010, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e o Mapa da Inclusão Digital, realizado pelo Centro de Políticas Sociais da Fundação Getúlio Vargas, divulgado em maio de 2012, trazem números alarmantes sobre a inclusão digital no Brasil. O Brasil é número 63° no ranking de inclusão digital, em uma lista de 154 países. De acordo com os dados, menos de um terço da população brasileira (33%) tem computador com internet em casa. Assim como no restante do mundo, os dados confirmam que as regiões mais ricas são líderes em acesso como é o caso dos países nórdicos - e as regiões mais pobres são as mais excluídas do mundo virtual, como acontece em países da África e em municípios da região Norte e Nordeste do Brasil. 12
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Essas desigualdades na distribuição da internet sinalizam um atraso econômico e educacional para essas regiões mais pobres. A internet é uma ferramenta fundamental para se garantir a liberdade de expressão individual. Na prática, essa liberdade vem do direito de receber e buscar informações de qualquer natureza, além de receber, produzir e compartilhar dados e opiniões em todos os meios possíveis. Sendo assim, esse não é um direito novo, ele é garantido desde a aprovação da Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948. Logo, a universalização da banda larga é um elemento necessário no campo dos direitos humanos, da liberdade de expressão, acesso à informação e é, também, parte do direito ao desenvolvimento social e econômico. Todo esse contexto abre precedente para algumas perguntas. É possível que a população das localidades mais humildes e que possuem pouca infraestrutura na área de Tecnologias da Informação tenham a garantia desses direitos? Existem iniciativas que visem inserir a inclusão digital na vida da população mais pobre? Para buscar essas repostas foi preciso conhecer a realidade da população de Caxingó, cidade do interior do Piauí, localizada a 280 quilômetros de Teresina, e apontada pela pesquisa da FGV como uma das dezoito localidades no Brasil onde, até o ano de 2010, 100% da população não tinha acesso a computador com internet em seus domicílios. Os dados apurados na época já não condizem muito com a realidade do município. Como aponta o próprio Mapa da Inclusão Digital, o acesso à rede mundial de computadores vem crescendo com uma velocidade gigantesca: em três anos estimase que ele cresça 152,4% e com Caxingó não foi diferente. INTRODUÇÃO | 13
A chegada da infraestrutura das empresas de telefonia também possibilitou o desenvolvimento da banda larga nas localidades mais desenvolvidas do município, no entanto, os locais mais distantes e menos povoados continuam sendo excluídos desse processo. A chegada tardia da internet às regiões mais carentes simboliza uma grave falha na implementação da inclusão digital no país, e os problemas na democratização do acesso em Caxingó são um reflexo da má distribuição de renda e de banda larga em todo o território nacional. “Estamos aqui, conectados!” Caxingó, os primeiros passos da inclusão digital em um dos municípios mais infoexcluidos do Brasil expõe à realidade da utilização da internet no município de Caxingó, procurando entender como o acesso ao mundo digital foi iniciado no município e de que forma a internet é utilizada pelos moradores da região. Em uma cidade pacata do interior do Piauí, o acesso à rede mundial de computadores criou horizontes para alguns e gigantescas barreiras para outros.
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Capítulo 1 ESSE É SÓ O COMEÇO
ESSE É SÓ O COMEÇO Alguns animais circundam a pista da PI-350, que liga o município de Caraúbas do Piauí a Caxingó. Duas vacas desafiam o fluxo dos carros e se mantém quase imóveis próximas às linhas que separam a pista do acostamento. A estrada de asfalto recente, ladeada pela vegetação que a pouco recebera chuva, antecipa o cenário da cidade tranquila encontrada logo mais à frente. Caxingó é um dos 224 municípios piauienses, localizado ao Norte do estado, longe cerca de 60 quilômetros das águas do Oceano Atlântico, mas envolto por um dos principais rios que banham o estado, o Longá. Poucos carros e algumas motos circulam a cidade cortada por pista asfáltica, e as demais ruas de calçamento pedregoso, também suportam a movimentação dos moradores do lugar. Segundo dados do Instituto de Geografia Brasileira Estatística (IBGE), de 2010, o município tem 5.039 mil habitantes, dos quais apenas cerca de 20% moram na zona urbana, a pesquisa também aponta que a cidade apresenta mais moradores homens que mulheres, são 2656 habitantes do sexo masculino contra 2383 do sexo feminino. Contada como uma lenda, a história sobre o nome de Caxingó passa por pequenas variações de acordo com cada personagem que se propõe a explicá-la. “Posso contar, porque ouvia dizer do meu avô, que o nome vem da história de um comerciante que era aleijado de uma das pernas”, relata um dos moradores mais antigos do município, Francisco Martins ESSE É SÓ O COMEÇO | 17
Costa. Para a maioria da população, o relato fidedigno é justamente sobre o primeiro morador da cidade, o imigrante Otávio Medeiros da Cunha que, junto a sua esposa, Amélia Santos Medeiros, ocupara as terras próximas ao Rio Longá, sendo, os dois, os primeiros moradores da região. O fato de ser comerciante fez do morador do local que abrigaria o futuro município uma pessoa bastante conhecida na região, com clientes em Buriti dos Lopes, município a qual pertencia àquelas terras, e em vários outros povoados vizinhos. Por
caxingar, já que era amputado da perna esquerda,
vitimado por um acidente acontecido ainda em Pernambuco, sua cidade natal, o comerciante era chamado de “Caxingó”. “Cadê o Caxingó?”, “Quem vende é o Caxingó! Pode ir lá, ele tem tudo”. O nome do apelido ultrapassou a personificação de Otávio, que batizou, involuntariamente, a região. A história do comerciante é datada dos meados dos anos de 1860, mas só em 15 de setembro de 1997, Caxingó ganha emancipação política, sendo desmembrado do município de Buriti dos Lopes, elevando-se à categoria de cidade. A Constituição do Distrito, sede de Caxingó, faz parte da levada de novos municípios surgidos no Piauí entre os anos de 1994 e 1997, ao total, 74 regiões ganharam emancipação política nessa época. Outros nomes como Curralinhos, Cajazerias, Nova Morada, Jacobina, Bom Jesus, Entrecatiga, Picos, Gangorra, Canta Galo, Taboquinha, Angelim, Vila do Sapo, Sapucaial, Lagoa da Onça, Laranjo, Pé do Morro, Serafim, Candeio, Genipapeiro do D8, Ema, Alegre da Ema, Tourada, Baixa Fria, Cedro, Alto dos Borges e Genipapero do Virgilio, são localidades que integram a zona rural da cidade.
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Em uma das entradas que dá acesso ao município, no caminho de quem chega da Região Norte, à imagem da santa padroeira, Nossa Senhora da Conceição, dá boas-vindas aos viajantes. Uma placa de material reflexivo, fixada poucos metros a frente da imagem, está escrito em letras garrafais o nome do lugar: CAXINGÓ. O modo como a placa está correlacionada à imagem da santa reafirma a ligação entre a fé católica e o município. A maioria dos moradores é praticante da Religião Católica, de acordo com o IBGE 2010, são 4619 católicos na cidade. As missas acontecem aos domingos, celebradas pelo Padre Marlons Vieira Borges, na Igreja Nossa Senhora da Conceição, localizada no Centro da cidade, às 19 horas. São cerca de 26 bancos dispostos dentro do Templo Religioso, o altar coberto por um pano de cor branca se harmoniza com as paredes de mesma cor. Há uma imagem central, de Jesus Cristo preso à cruz fixada na parede, onde detalhes em cor dourada destacam o local próximo aos braços abertos do Cristo morto. A igreja, na parte externa é pintada de azul e branco, as mesmas cores do manto sagrado da Padroeira do município. Até a principal data
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festiva do lugar acontece quando é realizado o festejo de Nossa Senhora da Conceição, no mês de dezembro. Em Caxingó, a maioria das linhas das construções das casas, comércios e prédios públicos, não desafiam olhares verticais. Algumas antenas tornam o designer da cidade vertical e sobrepõem-se à uniformidade do lugar, alcançando distâncias mais próximas da altura das nuvens. Algumas dessas antenas, sem utilidade, marcam a história de lugares que já não existem mais, como a de uma rádio comunitária fechada. São, ao todo, cinco transmissores espalhados pela cidade. Pela área da casa de Francisco Martins Costa, à visão de alguns desses transmissores fica privilegiada. O senhor de porte esguio, cabelos ralos e olhos pequenos, formula respostas com a rapidez com que leva à vida, já usufruída por 74 anos. Francisco atende pelo apelido de “Chichico”, alcunha que ganhou ainda menino, quando Caxingó era apenas povoado do município de Buriti dos Lopes, sem luz elétrica ou água encanada. A casa que divide há mais de 50 anos com a esposa, Dona Maria do Socorro Carvalho Costa, 71 anos, foi o local escolhido para criar os cinco filhos do casal. Na área da residência, duas redes já armadas sempre esperam o cochilo de alguém, após o almoço, ou a brincadeira dos netos mais novos. Outras peças de metal, os tornos, fixados na parede, demonstram que outras redes podem ser dispostas no espaço, que tem aproximadamente 15 metros quadrados. Para receber visitas, há cadeiras de plástico deixadas uma sobre a outra no canto da área. E o piso de azulejos grandes, com desenhos cinza, complementam o cenário formado pela parede amarela com janelas simples, logo no primeiro espaço 20
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da residência. Os detalhes na pintura das paredes, das cerâmicas, as cadeiras de plástico, o acesso à água encanada e a luz elétrica, foram algumas das poucas coisas que mudaram na casa, que já recebeu mais de quatro gerações. “Aqui morou meu avó, meu pai e hoje sou eu quem mora. Dizem que o quarto que eu nasci é onde eu durmo até hoje. Sou caboclo da roça, vaqueiro, violeiro e repentista”, explica o dono da casa com voz rouca, como forma de apresentação antecipada. Chichico é uma figura muito conhecida na cidade. A rotina do senhor começa às cinco horas da manhã, durante a visita à roça, onde planta milho, feijão e mandioca, variedades que servem para o consumo da família. A plantação de subsistência é comum no município, principalmente para as famílias que moram nas localidades rurais. No caso do senhor Chichico, o trabalho com a terra ajuda a manter a sua rotina ativa. Ele
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só descansa no cochilo tirado depois do almoço, e quando se prepara para dormir, às 22 horas. “Não quero ser rico e nem quero ser pobre, eu só quero que Deus me dê o que minha vida precisar, quando um irmão precisar de ajuda, eu ter para meu irmão ajudar, que eu nunca vi, quando de novo não morre, nunca vi um ‘veim’ escapar. Quando Chichico Martins está muito avexado, ele faz é se deitar”, cantarola o senhor. Uma das três filhas mulheres de Chichico, mora na cidade do Rio de Janeiro. A distância fez com que o senhor que nunca se preocupara em entender a facilidade advinda com as tecnologias da informação, adquirisse um celular para ter notícias da filha. “É muito bom, eu falo com minha filha e sei do que acontece por lá. Não é? Daqui de Caxingó eu não quero sair por nada desse mundo e, desse jeito, pelo menos a gente fica sabendo das coisas lá de longe”. Com o recurso, as distâncias e a saudade foram encurtadas. Pela área da casa de Chichico uma das antenas de operadora disponível fica visível. No município, chegaram os sinais das operadoras de telefonia celular Vivo e Claro. Ambas se instalaram na região após o ano de 2010. No caso da operadora Claro, o sinal é estabelecido pelo compartilhamento de antenas. A Oi é outra operadora que existe na região, mas não oferece os serviços de telefonia móvel, disponibilizando, no entanto, serviços ligados a telefonia fixa e concessão de internet. Na padaria São José, nos bares e lojas de confecção, há placas indicativas de “Recarga Aqui”, que simbolizam a oferta de créditos para os aparelhos telefônicos. Já não é novidade encontrar alguém à sombra da praça da Igreja de Nossa da Conceição manuseando um moderno celular, com recursos nunca antes imaginados. 22
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Para Chichico, o uso do telefone celular continuará se concentrando nas tarefas de ligar e desligar. Para ele, a idade não permite outros avanços. “Tá bom assim do jeito que tá”. Porém, os recursos trazidos pela instalação das operadoras de telefonia móvel ao município estão além dos recursos da aproximação de voz. As tecnologias 3G, sigla representativa de ‘terceira geração’, permitem as operadoras ofertarem serviços de transmissão de dados a longas distâncias, são capazes de estabelecer conexão com a internet. Através da pequena dimensão da tela dos aparelhos telefônicos, os moradores que detêm celulares com a devida tecnologia, estão abertos a gama de informações e utilidades disponíveis na rede. No entanto, essa realidade continua sendo para poucos, para quem tem como bancar o valor de aquisição do aparelho e dos planos que custeiam a utilização dos recursos, sejam eles pós ou pré-pagos. De acordo com a pesquisa divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia Estatística (IBGE), através da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad), divulgada em maio de 2013, o uso de celulares se disseminou fortemente entre os anos de 2005 e 2011, no Brasil. Durante os anos pesquisados, a posse de celulares cresceu 107,2%, contra expansão de 9,7% da população brasileira. Em 2011, 115,4 milhões de brasileiros, ou 69,1% da população com dez anos ou mais, tinham celular. Em 2005, a proporção era de apenas 36,6%.
ESSA TAL DE INTERNET Toda história tem um passado. Antes dos recursos tecnológicos alcançados pelos celulares estarem disponíveis em Caxingó, o município havia construído seus caminhos de ESSE É SÓ O COMEÇO | 23
acesso às novas tecnologias, que revolucionavam a forma de comunicação e interação entre as pessoas em todo mundo, com a instalação de uma nova ferramenta alcançada através da intervenção de uma pessoa. A história do primeiro acesso à internet, em Caxingó, perpassa pela vida de Isael Vieira de Oliveira, que no ano de 2001, quando ainda era presidente do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Caxingó (STTRC), localizado a poucos metros da entrada principal da cidade, buscou implementar na cidade os recursos que estavam transformando o mundo. “Em 1999, a Prefeitura colocou internet discada na sua sede, já que por lá funcionava um posto telefônico, mas a velocidade era tão ruim, que praticamente era impossível utilizar alguma coisa. Eu já tinha noção de alguns recursos da internet, porque havia trabalhado em uma empresa, quando morava fora de Caxingó, que me fez ter esse contato com computador, com a rede. Como no Sindicato, nós atuamos pela busca da garantia dos direitos e benefícios para os trabalhadores e trabalhadoras junto à Previdência Social, ficou claro para mim que precisaríamos de internet para facilitar algumas dessas atividades. Na época, o INSS (Instituto de Previdência Social) começou a disponibilizar alguns serviços via internet, foi quando eu busquei, pesquisei e vi que para ter acesso à internet em Caxingó teríamos que contratar uma empresa que oferecesse sinal via satélite. E assim foi feito. Em 2001, nós tínhamos a antena da Star One e, também, através de um provedor de São Paulo, chamado Primenet, nós acessávamos a internet de 150kbps. O tráfico de informações era limitado e tudo era muito caro, nós pagávamos cerca de trezentos reais, que, naquela época, era uma quantia muito alta. Mas assim fizemos. A partir daquele período os trabalhadores não precisariam irem sempre a Parnaíba, já que 24
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muitos serviços nós conseguíamos fazer através da rede. Todo mundo ficou encantado com aquilo na época, era uma coisa que chamava atenção”. As palavras que Isael usa com tamanho domínio, como “kbps”, “provedor”, “internet via satélite”, eram símbolos quase criptografados para os moradores da cidade. Embora o fato de não entender que “kbps” significa quilobit, uma unidade de tempo que mensura o volume de dados em transmissões feitas por segundo, os moradores da região entendiam que o dinheiro que seria gasto com as passagens e estadias, em Parnaíba, para ter acesso à aposentadoria, por exemplo, havia sido economizado graças aquela engenhoca que chegara à região. Os conhecimentos que Isael dominava a respeito do manuseio com o computador e à internet foram transferidos para outros dois trabalhadores do Sindicato. Fora eles, os trabalhadores rurais que chegavam em busca de serviços, como, também, recadastrar o CPF (Cadastro de Pessoa Física), permaneciam longe de adquirir conhecimentos sobre o que era capaz de realizar aquela máquina composta de partes diversificadas. A Prefeitura da cidade também buscou aperfeiçoar a internet disponível em sua sede. No ano de 2003, o local recebeu a transmissão de dados de internet via satélite. “Eu queria levar o que estava acontecendo lá fora para as pessoas do município. Em Teresina, na capital, todo mundo já trabalhava com internet, era tudo mais fácil e eu não queria que ficássemos longe de todo aquele desenvolvimento”, explica Isael. As facilidades advindas com o estabelecimento de pontos com acesso à rede mundial de computadores haviam sido ESSE É SÓ O COMEÇO | 25
percebidas de forma positiva na vida de uma parcela da população caxingoense, que se utilizara dos serviços ofertados através da rede. E a rotina do acesso continuou a ser como foi estabelecida, os poucos que detinham o recurso e a capacidade de manuseá-lo, faziam a ponte entre os recursos disponíveis e a necessidade da população. As conversas que o jovem Thiago Farias, escutara sobre a internet disponível no Sindicato e na Prefeitura deixou a curiosidade do rapaz aguçada. Já por volta do ano de 2007, durante uma viagem à cidade de Parnaíba e a visita a um estabelecimento que dispunha de computadores com acesso a internet pagos por hora, a chamada “Lan House”, o adolescente se encheu de certezas. “Eu gostava de brincar com o Orkut, MSN, essas coisas que eram famosas na época. Depois me organizei para comprar um computador e trouxe para Caxingó. Comprei um modem da TIM - no tempo aqui pegava TIM em alguns lugares - então comprei uma antena, dessas que recebem sinal normal e coloquei perto do modem. Dessa maneira dava certo o acesso. O pessoal passou a vir aqui com a intenção de acessar a internet e eu cobrava um real pela hora. Mas além disso, eu pesquisava e estudava sobre o funcionamento dos computadores, da internet e foi assim, quando um amigo meu desistiu da antena de distribuição que ele tinha, que eu comprei e comecei a descentralizar a internet Velox que eu instalei. Hoje eu tenho quarenta clientes, principalmente em alguns locais da zona rural”. Com os recursos que eram disponíveis na época, por volta do ano de 2009, Thiago, também abriu caminhos para o acesso à rede aos jovens curiosos que já entendiam as facilidades e atrativos proporcionados pela internet, mas não tinham o 26
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equipamento necessário para usufruir do meio online. Quem conseguia economizar a quantia de um real, podia usar a internet ofertada por Thiago, durante uma hora. A casa do rapaz, nesse período, era sempre lotada. E, depois disso, aqueles que compravam os equipamentos de informática pessoais, como computadores ou notebooks, tiveram a oportunidade de contratarem os serviços de distribuição do “TF Studio Digital”.
Assim como a utilização dos recursos do celular, só conseguiam se beneficiar com as novas tecnologias os usuários que tinham poder aquisitivo para bancar o custeio dos equipamentos. Caso contrário, a promessa de internet gratuita ESSE É SÓ O COMEÇO | 27
em uma das escolas da região ainda era esperada por alguns, mas ainda estava longe de ser efetivada. A mensalidade da internet, paga pelos clientes de Thiago, é orçada em quarenta reais. “Hoje em dia estamos usando o sinal da Embratel. Eu tirei o registro da Anatel, antes, eu tinha velocidade de 400kbps e agora é em torno de 350kbps, mas tudo está legalizado, só estou esperando a liberação da licença. Quando eu usava a Velox, que era ilegal, já que é um provedor que não pode ser distribuído, a diferença estava principalmente na quantia que eu pagava mensalmente, enquanto à Velox era só cem reais mensais, na Embratel tenho que pagar setecentos reais. Mas pelo menos agora é tranquilo, antes eu tinha medo da Anatel, chegar aqui e fechar tudo” conta. A Velox é um serviço de internet oferecido através de linha telefônica da Operadora de Telecomunicações Oi Fixo e a Internet Via Rádio. Funciona com internet transmitida através de uma antena instalada em cada casa, que recebe e transmite sinais para outra antena principal, através do sinal cedido pela Embratel. Com as modalidades de Internet Banda Larga, Via Rádio e através das Tecnologias 3G, os moradores de Caxingó se conectam com o mundo. O próprio fluxo de comunicação, o modo como às informações são compartilhadas no município ganharam novos contextos com a inserção da internet.
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Capítulo 2 EU COMUNICO, TU COMUNICAS E NÓS CONECTAMOS
EU COMUNICO, TU COMUNICAS E NÓS CONECTAMOS Nenhuma banca de revista pela vizinhança, mas quem passa pela panificadora São José, localizada na Avenida Antônio Joaquim, no Centro da cidade, além de pães e bolos variados, pode encontrar alguns jornais e revistas à disposição. A rádio local, Longá FM, de frequência 104,9, tem programação quase que inteiramente musical.
Só alguns
anúncios comerciais intercalam os programas “Som da Terra”, “Show da Manhã”, “Agito Jovem”, cada um com duração média de três horas. Na televisão, a programação regional fica por conta das duas emissoras que disponibilizam sinal na região, a Rede Meio Norte e a Antena 10, essa última, é filiada à emissora nacional TV Record. Antes da internet, era esse o contexto de atuação e existência dos meios de comunicação que disponibilizavam informações para a população de Caxingó. A internet, que foi descentralizada de maneira privada no município, em meados do ano de 2009, trouxe contribuições percebidas na rotina do acesso às informações alcançadas pelos moradores do lugar. Com o novo meio, a comunicação não atuava mais em uma via única de direção, como o que acontecia com jornais, rádios e TV’s, já que além das mensagens serem recebidas, eram, também, compartilhadas e produzidas pela própria comunidade. Descobria-se o que até então parecia não funcionar: há outras formas de fazer a comunicação acontecer.
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A
vida
de
muitas
pessoas
tomou
novos
rumos,
aparentemente inesperados, com o estabelecimento dos recursos disponibilizados através da rede mundial de acesso aos computadores. Quando Laércio de Jesus da Silva Morais, 41, descobriu as potencialidades de estar em rede, a atividade de comunicador nato tomou outras proporções em sua vida. Laércio é conhecido por “LJ”. O nome artístico é a marca registrada do locutor de voz aveludada, estatura mediana e pele negra, que iniciou a carreira de comunicador utilizando-se da imponência da voz. O timbre preciso lhe dá as credenciais para exercer a profissão que aprendeu longe das salas de aula. LJ faz uma análise sobre o dom que, segundo ele, é uma recompensa por ter ficado deficiente físico. O locutor teve paralisia infantil aos cinco anos de idade. “Acho que Deus sempre fecha uma porta e abre uma janela, eu tive esse problema na perna, mas ganhei um outro dom. É bem isso. Eu sempre fui muito ligado à igreja, e me destacava por conta da voz. Comecei a fazer meus primeiros trabalhos de forma voluntária, em leilões, bingos, quermesses, em várias atividades relacionadas a própria igreja. Meu primeiro trabalho de verdade foi como animador de loja, e foi essa a função que me abriu portas para outros horizontes. Um dia, enquanto eu realizava meu trabalho, tentando convencer os clientes a comprar algum produto ‘Venha conferir os preços baixos que estão esperando por você’, um cidadão chamado Gilvan Barbosa passou pela calçada do local e me convidou para trabalhar em uma rádio em Parnaíba. Nesse tempo, a rádio era daquelas à cabo, que espalhava caixas de som pela praça e, assim, nós fazíamos a transmissão. Por questões políticas, acabei saindo desse trabalho e retomei outros serviços como radialista em Caxingó”.
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LJ rememora a importância da comunicação feita através da rádio no município de Caxingó, considerada uma das formas mais eficazes de comunicação há pouco mais de uma década. “Antes, as pessoas ficavam sabendo de tudo através da rádio, era a única fonte de informação acessível para saber notícias do que estava acontecendo por nossa região. Tudo mudou com a internet”, conta. Mudou. A vida e, principalmente, o trabalho de LJ com a chegada da internet. Em 2010, o radialista, que até então realizava trabalhos apenas presenciais, usando como transporte a moto modelo Bis, que permitia o deslocamento quando seus serviços eram contratados para a apresentação de um evento em alguma localidade próxima, ou para a gravação de algum spot na sede da rádio, teve o trabalho facilitado com a aquisição de um computador pessoal. Com o programa específico instalado e a utilização de um microfone externo, a nova ferramenta permitiu que o comunicador produzisse seu material de trabalho em casa. A possibilidade de enviar os trabalhos através da transmissão de dados estabelecida pela rede, também foi um dos aspectos facilitados na vida de LJ com a instalação da internet. Além de poder se utilizar dos recursos da internet para potencializar o seu trabalho como radialista, LJ recebeu outra incumbência. Indicado para assumir o cargo municipal de Assessor de Cultura, ele foi recrutado para atualizar um blog em uma página de vasta abrangência em acessos no Piauí, o Portal 180graus (http://180graus.com/caxingo). A partir desse período, além de trabalhar com a comunicação falada, LJ também passou a ser um produtor de Comunicação Online.
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Os blogs são páginas disponibilizadas através da internet, que possuem produção de conteúdo realizadas por pessoas ou empresas, e podem apresentar temas específicos ou gerais. Comumente esses espaços possuem recursos de uso não só de texto, como também de imagens, vídeos e demais ferramentas. No caso do blog atualizado por LJ, no site 180graus, os recursos mais utilizados são as postagens de texto e fotos. A cidade de Caxingó figura entre o universo dos municípios que dispõe de uma página alimentada no 180graus. O Portal foi criado em junho de 2001 e é um dos mais conhecidos no Estado pelo grande apelo político, regional e de cunho sensacionalista, seguido por sua linha editorial. “Como muitos caxigoenses moram em outras cidades e até em outros estados, eu sempre sou cobrado pelas atualizações das coisas que acontecem no município. Todo mundo está de olho na internet. Quando acontece um acidente que eu não tiro fotos ou não posto no blog ou no Facebook, todo mundo me pergunta o por quê de não ter feito. O blog também ajudou na divulgação do meu trabalho. Meu número de celular e email estão lá disponíveis no cabeçalho da página. As notícias sempre chegam a mim, sejam boas ou ruins, elas chegam”, esclarece, entre sorrisos.
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Para ter a página do blog de Caxingó disponibilizada dentro do portal de notícias, a Prefeitura, anteriormente, custeava um valor mensal pago veículo de comunicação, orçado entre R$ 600 a R$ 900. Atualmente, o serviço não é mais mantido financeiramente pela gestão municipal em vigor, mas o espaço da Web continua sendo disponibilizado. Apesar de já não ocupar mais o cargo público de Assessor de Cultura, LJ continua atualizando a página do blog, hoje, no entanto, com menos frequência. Ele reclama por não haver uma contrapartida financeira pelo trabalho que executa. “Não estou mais trabalhando na Prefeitura, e ela não tem mais contrato mensal com eles (180graus), mas a gerência do 180graus perguntou se eu queria continuar atualizando o blog e eu aceitei. Só não posso mais colocar conteúdo político e nem dedicar tanto tempo, já que não recebo remuneração para isso”. Através da tela do computador, LJ conseguiu unir duas grandes paixões: a carreira de radialista, que foi impulsionada com as ferramentas tecnológicas da Web; e a rotina de blogueiro, de filtrar os assuntos mais relevantes e disponibilizar informações que alcançam locais nunca antes imaginados. As atividades encantam e cativam o profissional, que assume não se ver praticando outra atividade senão a de comunicador. Assim como o radialista e blogueiro, em Caxingó, outras pessoas estreitaram a ligação com a produção de informações e conteúdos, tanto nas mídias convencionais, como com a utilização dos recursos da internet. A afinidade com aspectos ligados à comunicação sempre atraíram a atenção de Gilmar Rodrigues dos Santos, 26 anos. Enquanto trabalhava na sede do Sindicato dos Trabalhadores EU COMUNICO, TU COMUNICAS E NÓS CONECTAMOS | 35
e Trabalhadoras Rurais de Caxingó - o local que recebeu a primeira conexão de internet via satélite do município, ainda em 2001 - o jovem aprendeu a lidar com os primeiros benefícios de estar em rede. Gilmar lembra que o acesso à informação era bem mais rápido com o novo recurso, mais rápido até do que as informações transmitidas pelas rádios locais da época. Com o tino de comunicador aguçado por todas as transformações que aconteciam na região, Gil, como é conhecido na cidade, também enveredou por um projeto que diz ser “uma das coisas mais interessantes que já fiz na vida”: um jornal impresso distribuído de forma gratuita na cidade. “Há alguns anos participei de um curso de associativismo e cooperativismo e, durante um dos momentos desse evento, participei de uma oficina de colagem de jornais e eu achei interessantíssimo conhecer um pouco mais da realidade da comunicação e pensei: “Nossa, eu posso fazer isso no futuro”. Depois de algum tempo surgiu a ideia de montar um jornal impresso aqui para a região. Distribuíamos cópias gratuitas, com tiragens quinzenais... foi uma época muito boa”, relata Gil. O jornal existiu durante os anos de 2005 a 2007, e era de responsabilidade de Gil a elaboração das matérias. “Eu fotografava e fazia os textos, também digitava e mandava para um rapaz que fazia a diagramação em Teresina. Havia alguns patrocínios no jornal, mas com o dinheiro eu só conseguia custear algumas das minhas despesas e a impressão. Eu fazia porque gostava e me sentia bem fazendo aquilo, mas retorno financeiro não tinha não”, avalia. Com o fim do jornal, a carreira de comunicador do rapaz não parou. Apesar da população de Caxingó perder um canal de informação, e algumas rádios comunitárias estarem 36
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sendo fechadas, a crescente descentralização da internet e o domínio desse meio por parte da população fez com que os moradores da região se voltassem para o universo cibernético e às potencialidades de receber e produzir informações através desse meio. “Agora, as pessoas são mais ligadas à internet. Eu atualizo um blog no Portal Meio Norte (http://www.meionorte.com/ caxingo) e acho que temos bastante repercussão, até pela empresa oferecer um Sistema Integrado em Comunicação. Quando fazíamos o jornal, as informações eram mais trabalhadas, hoje em dia é mais o básico, ir a um evento ou a um acontecimento, fotografar e postar. Não é aquela coisa que exige uma investigação. Eu divulgo muitas atividades relacionadas à Prefeitura, já que sou Assessor de Comunicação do Município. Como a cidade é pequena não tem muita coisa acontecendo, mas é um trabalho que você percebe que está sendo visto”, conta Gil.
LJ e Gil, são sempre os indicados como referências de pessoas que produzem informações no município. A alusão e reconhecimento ao trabalho deles acontece de forma natural. Os dois possuem acesso à internet e ambos trabalham com EU COMUNICO, TU COMUNICAS E NÓS CONECTAMOS | 37
o uso do novo meio para potencializar suas atividades, seja de blogueiro, radialista ou assessor de comunicação. Nesse aspecto, os dois ajudam, diariamente, a atualizar aqueles moradores que também têm acesso aos computadores com acesso à rede. E aonde a internet não chega, a informação em tempo real continua sendo inacessível. Apesar das potencialidades proporcionadas pela internet, principalmente na esfera da informação, o acesso desigual gera, também, novas categorias sociais, distanciando os polos entre os indivíduos conectados e não conectados, daqueles que são incluídos e dos que são infoexcluidos do acesso às redes digitais. Quem conseguiu se munir de infraestrutura básica para possibilitar o próprio acesso à internet, consegue ficar a par da comunicação online. Ou seja, pode ter acesso aos blogs atualizados por Gil e LJ e, também, as páginas criadas a partir do Facebook, que trazem informações sobre educação, os serviços de assistências oferecidos no município e ainda assuntos voltados ao entretenimento popular. Em uma busca rápida na rede social é possível encontrar dez caminhos de diferentes serviços criados relacionados à Caxingó. Gente que nunca sonhou em ser jornalista, nem atuar de forma profissional na área, desenvolve propostas intrigantes, como a da TV Caxingó( http://www.youtube.com/ user/edcalixto), um canal de vídeos disponível no Youtube, abastecido com reportagens relacionadas ao município. Outros blogs atualizam notícias sobre os acontecimentos locais, como o Portal do Estreito (www.portaldoestreiro.blogspot.com.br) e Caxingó Em Boas Mãos (www.caxingoemboasmaos.blogspot. com.br). 38
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O cenário é plural, mas ainda excludente. Muitos moradores têm acesso às novas possibilidades de comunicação, saindo da figura engessada de apenas receptores de conteúdo para, também, serem compartilhadores e produtores dos mesmos. Mas ainda há quem observa sem entender as transformações oriundas da internet, principalmente os mais velhos. Os jovens de Caxingó podem ser considerados compartilhadores natos, afinal, nada escapa de um comentário no Facebook ou opinião publicada em blogs da região.
ESCUTAR A MESMA FREQUÊNCIA A rádio Longá FM é a única da região e existe há 14 anos. O cenário nunca foi tão favorável para a Longá, mas, por conta das frequentes vistorias da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), as demais rádios que existiam na região foram fechadas por serem consideradas ilegais, já que não possuíam a outorga expedida pelo Ministério das Comunicações e nem a licença para operar a radiofrequência, que é concedida pela Anatel. “A nossa rádio é fundamentada em cima de uma associação, a ‘Associação de Amigos e Produtores Rurais da cidade de Caxingó’, somos legalizadas na função de rádio comunitária. Há cerca de dez anos brigamos para conseguir toda a autorização, mas é uma coisa que não depende só da gente, depende de políticos e eles dificultam muito, porque aqui ninguém trabalha com política. Não divulgamos nada com política pelo meio. No começo, por falta de experiência, a gente teve uns probleminhas, mas a Anatel esteve aqui e nos autuou. Isso aconteceu duas vezes, em 1999 e em 2008. Eles chegaram EU COMUNICO, TU COMUNICAS E NÓS CONECTAMOS | 39
aqui em viaturas, foi uma coisa de louco. Hoje, somos a única rádio da região, todas as outras foram fechadas. Agora, fomos multados também porque a Anatel quer que a gente utilize um transmissor de 25 watts, e eles chegaram aqui e viram que nós estamos usamos um de 75 watts. O homologado por eles é muito pequeno para a abrangência, por isso, fomos multados. A gente só não fecha a rádio porque tem muita coisa guardada aqui dentro, mas o rendimento de uma rádio dessas é triste”, relata Deoclides de Sousa Filho, 45, diretor da rádio Longá FM. O Serviço de Radiodifusão Comunitária foi criado pela Lei 9.612, de 1998, e regulamentado pelo decreto 2.615 do mesmo ano. A cobertura desses veículos devem ser restritas a um quilômetro a partir da antena transmissora, em frequência
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modulada (FM), de baixa potência - 25 watts. Apenas fundações comunitárias e associações sem fim lucrativos podem implementar a instalações de rádios comunitárias, quando essas possuem sede na localidade. Segundo a regulamentação, as estações de rádio comunitárias devem ter uma programação pluralista, sem qualquer tipo de censura, e devem ser abertas à expressão de todos os habitantes da região atendida pela frequência. No entanto, a Longá FM, apesar de manter a população atendida com programas musicais, não oferece outras vertentes de programação, como conteúdos voltados a informação, lazer, manifestações culturais, artísticas ou folclóricas. Na sede da rádio, a sala da diretoria é enfeitada por troféus de todos os tamanhos, cores e formas. São prateleiras inteiras repletas pelos objetos ganhados pelo time de futebol local, o Caxingó Futebol Clube, que Sousa acompanhou por 16 anos, enquanto foi Assessor de Esporte da Prefeitura. A decoração do lugar reitera o que o diretor especificou: a rádio também funciona como uma extensão da vida particular de sua família. A associação que fundou a rádio tem como presidente o pai de Sousa, que é ex-prefeito da cidade, além de outros membros da família. Na mesma sala decorada por troféus, um rádio pequeno, sobreposto a um mobiliário sem gavetas, transmite a programação musical que é formatada na sala seguinte, onde Poliana Machado, 23 anos, comanda um dos programas diários da transmissão. Poliana aprendeu com orientações de pessoas que já lidavam com os equipamentos da rádio a também dominar as técnicas necessárias para manusear a mesa de som do local. Sempre com o celular por perto, a radialista que diz exercer 42
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a profissão há cerca de quatro anos, relata sobre a constante participação população durante a programação. “Muita gente liga pedindo música, e para mandar recados é só o que aparece”. A jovem radialista interrompe a programação quando tem de mandar o “alô” para os ouvintes. Não fosse pelo recurso da comunicação feita através da linha telefônica, os ouvintes não poderiam interagir com o espaço “comunitário”. Com o pouco rendimento conseguido pela Longá FM, apesar de existir um computador na sala de rádio, o equipamento não disponibiliza internet. “Eu queria muito, mas infelizmente não existe internet aqui na sede”, conclui Poliana.
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Capítulo 3 JUVENTUDE E INTERNET: HISTÓRIAS QUE SE CONECTAM
JUVENTUDE E INTERNET: HISTÓRIAS QUE SE CONECTAM Freedom, ou em bom português, liberdade. Essa é uma palavra que o pessoal do grupo “Ala Jovem” conhece bem. Eles cresceram correndo pelas curtas ruas de Caxingó, livres, brincando, sorrindo. Em uma dessas ruas, próximos à imagem de Nossa Senhora da Conceição, três jovens: : Ivanildo Felipe Sousa, 16 anos, Maria da Conceição Santos Silva, 14 anos, e Ana Kelly Carvalho, 14 anos, andavam a procura de ajuda para organizar a festa junina da igreja local. Durante uma conversa, que seguia o mesmo ritmo da caminhada, os três explicavam o funcionamento do grupo para os pretensos contribuidores. “O Ala Jovem é um grupo de jovens da Igreja Católica, nos reunimos para rezar e conversar sobre a palavra de Deus. Temos uma página no Facebook (https://www.facebook.com/ alajovem.caxingo?fref=ts) onde a gente se organiza e divulga nossas atividades, se vocês quiserem conhecer, basta acessar”, explica, convincente, o simpático Ivanildo. O fato dos jovens interagirem e se organizarem em torno de uma causa é extremamente importante para se compreender a rapidez com que a importância da internet cresce na região e, também, seu papel na própria Organização Social da Juventude. Para testar a conexão da galera, no dia 13 de abril, foi lançado um desafio: os três garotos tinham que reunir o maior número de membros do grupo na igreja, em um espaço de JUVENTUDE E INTERNET: HISTÓRIAS QUE SE CONECTAM | 47
tempo de duas horas. Para isso, eles tinham duas ferramentas, as mensagens via celular e a rede social Facebook. A jovem Maria logo apontou um problema: ela e Ana Kelly, não tinham acesso à internet. Maria ainda tinha um agravante, já que sequer gostava dessa história de rede social, muito pelo contrário, a menina de 14 anos, nem entende o por quê dos amigos passarem a maior parte do tempo conectados. Ela conta que, às vezes, fica brava porque combina de ir até a praça da igreja para conversar e, quando menos espera, todo mundo está conversando, mas só pela internet do celular. A chateação vem em forma de grito: “Ô bando de diabo besta, não sai dessa porra de Facebook! Dá vontade de papocar esses celulares no chão”. Segundo o Mapa da Inclusão Digital no Brasil, Maria faz parte do grupo que lidera as razões de não uso da internet, o grupo dos que “não acham necessário ou não querem”, que representa 33,14% da população que não acessa a internet no Brasil. Maria vive com os pais, José Carlos Pereira Silva e Joana Silva Santos e dois irmãos, Lucas Santos Silva e Maria do Amparo Santos Silva. A mãe é lavadeira e o pai é lavrador. A renda da família é complementada pelo benefício do programa Bolsa Família. A menina possui um celular que dispõe de internet, mas quase não usa. A preferência é para o uso do computador da escola, e só quando tem que pesquisar algum assunto para trabalhos ou provas. Maria diz que não tem muito interesse por saber de notícias, quando acompanha alguma coisa é só através da televisão. Já Ana Kelly que, assim como Maria não tem internet em casa, adora o Facebook. Mas a menina, que é muito tímida e fala pouco sobre sua vida, não tem acesso à internet nem através do celular. Ana Kelly faz
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parte do 3° grupo no ranking das razões de não uso, os do que “não tem acesso”, que representa 29,79%. Ainda incumbidos da missão, como as meninas apontaram algumas dificuldades, Ivanildo, o único do trio que possui internet em casa, ficou responsável por avisar o restante do pessoal pelo grupo criado no Facebook e, também, enviar as demais mensagens virtuais. Já as duas meninas ficariam responsáveis pelas mensagens telefônicas. Duas horas depois, lá estavam eles, reunidos em frente ao altar da Igreja de Nossa Senhora da Conceição. Em um papo super descontraído, os dez jovens (Ivanildo, Maria, Ana Kelly, Tayane Sousa, 14 anos, Ana Liberato Lima, 16 anos, Francisco das Chagas Sousa, 16 anos, Pedro Paulo Lopes, 19 anos, Socorro Caetano, 15 anos, Lucas Mateus Pires, 15 anos e a Layane Resende Silva, 16 anos) contaram sobre as suas experiências com o uso dos recursos da internet e, também, com os meios de comunicação em geral.
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Logo no início da conversa Maria já deixa claro que todos os colegas tinham contas no Facebook e eles foram categóricos em afirmar que na maior parte do tempo que passam na internet estão de olho no “face”. A rede social é uma unanimidade entre os jovens, que afirmam que a maior funcionalidade do site são os recursos do bate papo e o upload de fotos. O apego ao site de relacionamentos é tão grande, que durante a entrevista, Layane ficou caladinha, atualizando sua conta. Os jovens afirmam que ficam tanto tempo conectados que, ao iniciar uma reunião do grupo, o primeiro pedido da coordenadora é que eles desliguem os celulares, porque ela já sabe que se ficarem ligados à internet, ninguém consegue prestar atenção na reunião. Pedro Paulo, 19 anos, tenta explicar o motivo de tanto interesse pela rede social. Segundo ele, a razão é a pura e simples curiosidade. “Eu fico curioso pra ver as notificações, saber o que está acontecendo com os meus amigos”. Além disso, o rapaz, natural de Teresina, só mora há quatro anos em Caxingó e afirma que também usa o site para manter as relações com os amigos de infância que ficaram na capital No grupo, ainda há aqueles mais vulneráveis aos recursos da internet. Os jovens, Chaguinha e Aninha foram apontados como os mais “viciados” na Rede. Segundo os amigos, eles passam quase 24 horas por dia conectados à internet. Chaguinha, não esconde de ninguém que “o Facebook é uma parte de mim”. O rapaz de 16 anos possui um user1 complicadíssimo no microblog Twitter, o @francis92033232. 1
Nome de usuário.
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Em tom de comemoração, afirma que ainda irão inventar a rede social que ele não possua a conta. “Eu tenho tudo. Na hora que eu vejo qualquer aplicativo eu baixo logo para o meu celular, crio uma conta e adiciono os amigos”. Chaguinha mora com a mãe, dona Cilda Sousa, e o irmão Kaúer, de dois anos. Na casa, apenas o filho mais velho sabe navegar na internet. Dona Cilda só observa de longe a habilidade da cria e acha muito especial o “dom” que ele tem para acompanhar tudo que acontece no mundo pela telinha do pequeno celular. De vez em quando, ela até pede para que o filho veja alguma informação, ou o próximo capítulo da novela. Assim como a grande maioria dos brasileiros, Dona Cilda não acessa a internet, porque nunca foi educada para isso. A sua juventude foi diferente da juventude do filho. Quando Cilda estudava ainda não era cogitada a possibilidade de se trazer internet para o interior do Piauí. Aliás, ninguém entendia “das modernidades”. Atualmente, a família de Chaguinha é sustentada pela matriarca, que trabalha na casa de parentes, realizando serviços domésticos. Por esse serviço, ela recebe cerca de R$ 100 e o que complementa a renda da família são os R$ 120, conseguidos através do programa Bolsa Família. Uma pequena parcela desse dinheiro já tem destino certo: pagar o pacote de internet do celular do filho, que custa dez reais mensais. Para o jovem, que até hoje só teve um plano de internet, através da tecnologia 3G do celular, a velocidade oferecida é razoavelmente boa, de 1Mbps. Mas, segundo o próprio site da operadora, o limite de tráfego desse tipo de plano é de apenas 20Mbps por mês. Se ultrapassado o limite, a conexão cai para 32kbps. Os valores cobrados pela banda larga por esse tipo de plano JUVENTUDE E INTERNET: HISTÓRIAS QUE SE CONECTAM | 51
são considerados exorbitantes se comparados à velocidade do serviço oferecido em países desenvolvidos da Europa e Ásia. De acordo com a pesquisa da Fundação Getúlio Vargas, que relaciona o preço médio da banda larga com a renda per capita do consumidor, pelo mesmo preço que é pago por 1 Mbps de internet no Brasil, daria para ter acesso a 50 Mbps na França ou na Inglaterra, ou até mais nos principais países Asiáticos. Por conta do custo dos planos de banda larga, a internet no Brasil é a segunda mais cara do país, perdendo apenas para a Argentina. Para Aninha a comunicação e interação com a internet acontecem de outras formas. Ela não esconde a vontade de fazer o curso de jornalismo para trabalhar com webjornalismo e, por conta desse desejo, já chegou até a trabalhar em uma rádio. Desde muito cedo, Aninha já usava celular, e foi dessa forma que a garota começou a perceber as facilidades da comunicação
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através do um aparelho móvel. Por SMS e ligações para falar com os amigos sobre os mais variados assuntos, como estudos, shows ou só pra contar uma novidade, o celular foi se tornando peça essencial no dia-a-dia da garota. Há cerca de dois anos, quando ela começou a interagir com a grande rede, nos computadores dos vizinhos, ela nem imaginava que a internet se tornaria uma ferramenta tão fundamental na sua vida. A irmã mais velha, Bruna, relata que a jovem passa o dia todo conectada. “O celular não sai da mão, é na hora do trabalho, no intervalo da escola, todo o tempo”, comenta Bruna. A menina admite que acessa mais o Facebook e prefere compartilhar suas próprias fotos e assuntos ligados a igreja, mas também tem interesse pelos sites da região, como portaldoestreito.com,
bocadopovo.com,
portalburitiense.
com. A jovem também descobriu uma outra utilidade para o acesso à rede. Hoje, a internet na vida de Aninha é um meio de reivindicar melhorias para a cidade. Ela começou usando sua página do Facebook para fazer denúncias sobre questões que atrapalham o dia-a-dia da população. Atualmente, ela é colaboradora do site portaldoestreiro.com e conta, orgulhosa, que publicou uma matéria reclamando de um matagal no terreno ao lado da sua casa e que três dias mais tarde a Prefeitura foi até lá e limpou tudo. Os mesmo jovens que participam do grupo “Ala Jovem”, criaram a sua própria versão da TV Orelha - Programa de Internet Fictício, que faz parte do enredo da novela Malhação, da Rede Globo de Televisão. Na novela, a TV Orelha é feita pelo personagem do ator David Lucas, o Orelha. Na trama adolescente, ele é um jovem de classe média alta, que tem equipamentos supermodernos de vídeo e de internet. O Orelha JUVENTUDE E INTERNET: HISTÓRIAS QUE SE CONECTAM | 53
grava tudo o que acontece na sua escola e, muitas vezes, usa o programa para denegrir a imagem de alguns colegas de classe. A TV Orelha, versão Caxingó, é um pouco, ou melhor, muito diferente. Chaguinha é o organizadora da iniciativa, além de ser super fã de Malhação. A sua versão da TV Orelha é um grupo aberto no Facebook, que tem 264 membros e foi criado há quatro meses. Por lá, o pessoal acompanha a Malhação, seleciona os capítulos do dia seguinte, e os fãs da novela, que estão no grupo, ficam acompanhando o que vai rolar no programa. Ele também conta que qualquer “babado” que acontecer na cidade é fotografado e colocado no grupo. A TV Orelha é atualizada constantemente, com fotos, cartela de imagens e novidades sobre a novela, além de muitas histórias da vida particular de algumas pessoas da cidade. Todos os jovens, com exceção da Aninha, que afirmou não ter muito tempo para o programa, assistem a novela Malhação e afirmam que a realidade dos jovens da ficção é muito parecida com a deles, principalmente nos assuntos relacionados a namoro e demais relações afetivas. A população de Caxingó, também é um reflexo da cultura 54
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introduzida em toda a sociedade brasileira, que ainda tem como principal meio de comunicação e de informação, a televisão aberta. A contradição está no fato de que esse meio transmite aos moradores da cidade informações de todo o mundo, mostrando, por exemplo, o processo eleitoral americano, a crise econômica na Europa, a nova moda vinda do Ásia, mas está distante dos assuntos regionais, que abrangem a rotina da população caxingoense. É fácil perceber a forma como esse tipo de informação é absorvida e de como as pessoas que usam a TV aberta como principal meio de informação ficam alheias a realidade regional. Em uma conversa na mesa de um restaurante da Dona Júlia, o único da cidade, os moradores falavam sobre o aumento do preço dos alimentos, de como estava difícil chegarem legumes de qualidade ao município e logo começaram a discutir a questão da forte seca que atingiu o todo o Nordeste no ano de 2012. Foi falado dos rios do Rio Grande do Norte que estavam secando, das plantações destruídas no interior do Pernambuco, do gado que não resistiu no sertão do Ceará. Mas quando um senhor, que estava de passagem na cidade, falou da situação de calamidade de municípios piauienses, que mal tinham água para o consumo humano, a dona do restaurante olhou para ele espantada e questionou: “É verdade? O Piauí também está assim?”. A mulher que sabia tudo sobre a seca nos outros Estados do país, mal sabia que 184 cidades piauienses estavam em estado de calamidade por conta da seca.
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EXCLUSÃO DIGTAL:FALHAS NA DISTRIBUIÇÃO DA GRANDE REDE Mesmo com o crescimento quantitativo do acesso a internet no município, a exclusão digital ainda é gigantesca. A poucos metros do restaurante da Dona Júlia, está localizada a Escola Municipal Felipe Neris, que traz no nome uma homenagem a um dos primeiros moradores da cidade. No local, funciona a
única sala pública de acesso à internet do município. Foi nessa sala, que Francisco de Assis, de 16 anos, teve o seu primeiro contato com um computador, antes disso ele só conhecia o aparelho pelo relato de amigos, que falavam sobre como era legal o bate-papo e sobre como era possível receber notícias lá 56
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de São Paulo, mais especificamente da Palestra Itália, casa do seu time do coração, o Palmeiras Futebol Clube. Mas a primeira experiência de Francisco não foi lá muito proveitosa. A lentidão da internet da escola logo fez com que a conexão caísse e o garoto não teve tempo de criar seu email, primeiro exercício passado pela professora, que a partir de agora vai ministrar aulas para a turma toda sexta-feira. Mesmo com os problemas técnicos, o garoto ficou feliz por ter conhecido a tal da internet e confidenciou: “Meu sonho é aprender a mexer na internet pra ver todas as notícias sobre o Palmeiras e quem sabe um dia ser um grande jogador de futebol”. Sempre com um largo sorriso e um brilho no olhar que corresponde ao seu desassossego e desejo de descobrir o mundo, Francisco é o representante da grande maioria dos brasileiros que nunca tiveram acesso à internet. Segundo dados da PNAD 2011 divulgados pelo IBGE, 46,5% da população com dez anos ou mais de idade ainda não tem acesso à internet. Mais da metade dos brasileiros ainda são excluídos do mundo digital. Francisco vive no povoado Jacobina, zona rural de Caxingó. A localidade fica a nove quilômetros da zona urbana. Na casa simples, com paredes estruturadas com tijolos e barro, dois cômodos modestos guardam as histórias do período em que a casa vivia cheia de gente. Há pouco tempo, os três irmãos de Francisco foram morar na casa da avó, em um povoado vizinho e o garoto hoje vive sozinho com o pai, o senhor Antônio José da Conceição, de 49 anos. Segundo ele, os filhos saíram de casa porque “as coisas por lá são mais fáceis”. Desde muito cedo, Antônio trabalha na roça e até hoje é JUVENTUDE E INTERNET: HISTÓRIAS QUE SE CONECTAM | 57
de lá que ele tira os alimentos necessários para sobreviver. No pequeno pedaço de chão, o pai de Francisco planta milho, feijão e arroz. O que complementa a renda é o dinheiro do Bolsa Família, mas ele conta que não entende muito bem o funcionamento do Programa, já que o valor do seu benefício mudou nos últimos meses e ninguém soube lhe explicar o motivo. “Antigamente a gente recebia 120 reais, mas esse valor foi diminuindo. No ultimo mês só recebemos setenta reais. Tirando os vinte reais da conta de luz, ficou muito pouco pra gente se virar”. Mesmo com a vida sofrida, Antônio se esforça para que Francisco não falte às aulas para ajuda-lo na roça. “A educação dele é mais importante”.
Assim como os meninos do grupo “Ala Jovem”, Francisco sempre viveu livre, brincando na estrada que corta o povoado 58
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ou jogando bola no campinho de areia com uma trave improvisada. A diferença entre os adolescentes, é que lá na zona rural tudo demora mais para chegar, assim foi com a energia, com a água encanada e com a internet, que ainda não tem uma boa conexão na localidade. A poucos metros dali, uma cena inusitada chama a atenção. O jovem Geniel Rodrigues, de 17 anos, sentado na beira da estrada em uma cadeira de plástico e com um computador de mão nas pernas, sob um sol de “rachar a moleira”. Aquele foi o único local em que o garoto conseguiu encontrar sinal de internet no povoado. A saga de Geniel em busca de rede começou há três meses, quando ele comprou o seu primeiro computador, mesmo sem ter acesso à banda larga. Com o aparelho em mãos, o jovem começou a andar pela casa, procurando um local onde houvesse sinal. Depois de muito procurar, ele percebeu que só seria possível encontrar conexão do outro lado da avenida e, desde então, quando precisa fazer os pedidos da mãe - que é revendedora de produtos de beleza -, pesquisar ou acessar as redes sociais, o jovem tem que fazer o mesmo ritual com a cadeira, computador e modem. O rapaz conta que uma vez quase foi atropelado por um carro que vinha em alta velocidade: “Ele não me atropelou por pouco”. O computador foi comprado à prazo e ainda faltam serem pagas algumas parcelas, mas a mãe do rapaz afirma que é prioridade pagar a conta, já que o aparelho trouxe muitos benefícios para a família. Geniel, que é amigo de Francisco, assume que tem um certo ciúme do notebook e diz que não empresta o equipamento para ninguém. São muitos os fatores que podem explicar a demora na introdução da internet nas localidades mais remotas. O Mapa JUVENTUDE E INTERNET: HISTÓRIAS QUE SE CONECTAM | 59
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da Inclusão Digital aponta que os moradores das metrópoles tem 4,5 vezes mais possibilidade de acesso que os moradores das áreas rurais. Isso se dá pelas dificuldades de ofertar infraestrutura em áreas de população dispersa. No Brasil, essa dificuldade se deu pela forma como essas infraestruturas das Tecnologias da Informação e da Comunicação- TICs foram distribuídas pelo Governo Federal, através do PNBL, onde o Território Nacional foi dividido entre um pequeno grupo de empresas da área das Telecomunicações. Como já foi citado, a cidade de Caxingó também participou desse processo e atualmente somente uma empresa, a Oi Velox, tem concessão da ANATEL para oferecer serviços de telefonia fixa e Banda Larga para a região, já que as outras duas empresas, Claro e Vivo, só oferecem internet móvel. A pouca concorrência acaba afetando um dos princípios básicos do capitalismo, o livre comércio, que tem como finalidade oferecer serviços com melhor qualidade e com custos menores. Sem essa garantia, as possibilidades de acesso diminuem, já que essas empresas privadas sobrevivem do lucro, logo, é mais interessante para elas oferecerem seus serviços para regiões mais populosas, onde sua margem de lucro é bem maior. Esse contexto intensifica o processo de exclusão digital, privando, sejam por motivos sociais, econômicos, políticos e/ou culturais, o acesso às vantagens e aos benefícios trazidos por essas novas TICs. Para muitos, a introdução de novas TICs aumenta a exclusão e a desigualdade social, já que essas novas tecnologias são produzidas a um alto custo e em um país onde muitos ainda vivem na miséria e convivem lado a lado com a fome, assim, ter acesso a esses novos produtos tecnológicos é uma JUVENTUDE E INTERNET: HISTÓRIAS QUE SE CONECTAM | 61
realidade quase impossível. Logo, o termo liberdade, usado no inicio do capítulo, é ambíguo, já que a falta de investimentos em infraestrutura e o alto custo das novas tecnologias acabam distanciando ainda mais o direito de expressar sua liberdade de opinião pela rede mundial de computadores.
Capテュtulo 4 DOS MALES O MENOR: PROBLEMAS SOCIAIS E SEUS REFLEXOS NA INCLUSテグ DIGITAL
DOS MALES O MENOR: PROBLEMAS SOCIAIS E SEUS REFLEXOS NA INCLUSÃO DIGITAL A chegada tardia da internet na cidade de Caxingó, não afeta apenas a vida dos jovens, como foi colocado no capítulo anterior. As falhas na implementação da inclusão digital são reflexos de uma série de deficiências na estrutura social do município. Educação, saúde, segurança, projetos e programas sociais acabam sendo limitados por não receberem os devidos investimentos. Em meio a todos esses problemas, o alto número de pessoas excluídas do mundo digital é apenas a ponta de um iceberg, que tem como base uma série de problemas que não foram tratados como prioridade pelo poder público.
EDUCAÇÃO: DAR A REDE E ENSINAR A NAVEGAR Cerca de 20% da população de Caxingó nunca frequentou uma sala de aula. É o que denuncia o Censo 2010 do IBGE. A maior parcela está entre a população acima de 60 anos, que são cerca de 23% desse total. A própria prefeita da cidade, Rita de Resende Sobrinho, 55 anos, do Partido dos Trabalhadores (PT), reconhece que esses números são altíssimos, inclusive, seu marido, Raimundo Nonato Sobrinho, 59 anos, que há 25 DOS MALES O MENOR: PROBLEMAS SOCIAIS E SEUS REFLEXOS NA INCLUSÃO DIGITAL | 65
anos é figura ativa no cenário político da cidade e já foi prefeito do município, nunca entrou em uma sala de aula. Esses números levam a uma consideração importante: se a cidade ainda não conseguiu superar o analfabetismo, como ela pode democratizar o acesso à internet, já que para acessar computadores com banda larga é necessário um grau mínimo de instrução? A educação tem o poder de mudar histórias e trazer avanços reais para a sociedade. Para ter a real descentralização da internet, de forma gratuita, é preciso ter o acesso à rede em locais públicos, onde pessoas com baixo poder aquisitivo e graus de escolaridade possam ter contato com as novas tecnologias em escolas, repartições e, principalmente, em localidades mais distantes. Além disso, é fundamental levar a alfabetização digital para esses espaços. Dados da Secretaria de Educação de Caxingó mostram que, atualmente, existem 26 instituições de ensino espalhadas por todo o município, e apenas a Escola Municipal Felipe Neris possui uma sala de informática, que existe há cinco anos. De acordo com a direção da escola, do segundo ao nono ano e no Ensino de Jovens e Adultos (EJA), cerca de 500 estudantes estão matriculados na unidade. Foi lá que Francisco e muitos outros estudantes tiveram a oportunidade de navegar na grande rede pela primeira vez. A sala amarela, repleta de cadeiras, conta apenas oito computadores em funcionamento. A estrutura simples do lugar é decorada com desenhos e textos, um deles, destinado à professores e alunos, alerta que a presença dos computadores na sala de aula não é suficiente, por isso, é preciso que o trabalho 66
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vá muito além da digitação de textos. “É preciso ensinar não só a procurar, mas também a selecionar e interpretar dados de diversas fontes para construir conhecimento”. Essa frase, mesmo que sem intenção, remete a um importante conceito sobre
universalização do acesso à internet, que é o de
democratizar o conhecimento, privilegiando não só a estrutura física, mas, também, o conteúdo, que permitirá à população ser provedora ativa das informações que circulam na internet. Infelizmente, mesmo com os avisos fixados na parede, a sala de informática não é utilizada de forma correta. Os alunos da escola não têm aulas de informática, usam a sala apenas para realizar pesquisas ou conferir, por conta própria, sites que têm interesse. Para a área de informática, o município é deficiente de técnicos qualificados e, atualmente, existe apenas uma pessoa responsável para auxiliar esse processo.
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O único projeto existente no município para incentivar a alfabetização digital é de autoria do Governo Federal. Os estudantes que fazem parte do Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos para Adolescentes e Jovens de 15 a 17 anos, o Projovem Adolescente, tem aulas semanais na sala de informática, acompanhados por um orientador social. Um dos objetivos do programa é possibilitar o desenvolvimento de habilidades gerais, como a capacidade comunicativa e a inclusão digital, aspectos que visam fortalecer a escolha profissional consciente dos jovens beneficiados e, também, evitar que esses estudantes entrem precocemente no mercado de trabalho. O projeto tem como público-alvo jovens cujas famílias são beneficiárias do Bolsa Família, ou que estejam em situação de risco pessoal e social. 68
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No entanto, mesmo no Projovem Adolescente, é possível encontrar alguns problemas. A orientadora social do programa, Jaciene Machado de Sousa, de 18 anos, que acompanha e orienta as turmas durante as aulas na sala de informática, foi uma das jovens que conseguiu se inserir no mercado de trabalho graças ao contato que teve com a internet nesta mesma sala de aula, há alguns anos, quando ainda era estudante da escola. Ela acompanha os alunos do projeto mesmo sem nunca ter tido aulas intensivas de informática. Muito do que Jaciene sabe, aprendeu sozinha, com a própria curiosidade. A jovem orientadora, que já viu muitos olhinhos brilharem ao verem pela primeira vez a tela de um computador, conta que já tentou muitas vezes participar de curso de capacitação, mas não concluiu nenhum. Como muitas pessoas desistem antes da conclusão do cursos particulares, os responsáveis acabam encerrando as turmas temendo prejuízo. Determinada, Jaciene não desiste de buscar a qualificação profissional e já se inscreveu em uma nova qualificação. Apesar do curso não ser reconhecido pelo Ministério da Educação e Cultura (MEC) ela vai arriscar novamente, na certeza de que não há bem maior do que o conhecimento. Há poucos metros dali, funciona a única escola de Ensino Médio do município, a Escola Estadual Profª Maria do Socorro Sampaio Martins, que tem 240 alunos matriculados, distribuídos nas três séries do Ensino Médio. Dos doze professores da escola, apenas a professora Márcia Rodrigues, de 30 anos, é natural de Caxingó. Ela também é diretora da escola estadual e tem acompanhado de perto a difícil rotina dos alunos, que até então não possuíam laboratório de informática, apesar dos computadores do laboratório terem chegado à DOS MALES O MENOR: PROBLEMAS SOCIAIS E SEUS REFLEXOS NA INCLUSÃO DIGITAL | 69
instituição no ano de 2006. Só agora, sete anos depois, o laboratório começou a ser montado. A diretora relata a história recente da escola, que até 2005 funcionava no local onde hoje é a Escola Municipal Felipe Neris. “Durante a mudança de prédio, a instituição foi beneficiada com os equipamentos para um laboratório de informática. Na época, uma sala de aula foi adequada para abrigar o laboratório, mas os equipamentos nem chegaram a funcionar. Para tentar solucionar à questão, profissionais da Secretária Estadual de Educação (Seduc), vinheam aqui, mas encontraram problemas com os equipamento. Os computadores tinham códigos de instalação, que impediam até que a gente ligasse os computadores, e isso nunca foi solucionado”. Cinco desses computadores estão em um armário na sala da direção, em meio aos documentos. Eles foram inutilizados por conta do tempo e da má conservação, antes mesmo de serem usados pelos alunos. De acordo com a diretora, em 2008 uma pessoa da Seduc
ligou para o orelhão da escola e pediu que fosse relatada a atual
situação do laboratório para que fossem providenciados novos
equipamentos, que só chegaram no ano de 2012. Durante todo esse período a internet só funcionava na sala da direção e,
quando os alunos precisavam realizar alguma pesquisa, eles usavam este único equipamento.
Com toda a burocracia, o laboratório só começou a ser
montado no inicio de maio de 2013, quando uma professora da cidade de Parnaíba foi disponibilizada pelo Governo do Estado para acompanhar a montagem do espaço que, agora, passa a
contar com 16 computadores. Nas demais escolas do município
ainda não existem projetos para a implementação de espaços de inclusão digital. 70
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Caxingó ainda não foi incluída no projeto Banda Larga nas Escolas, promovido pelo Ministério da Educação, Anatel e Ministério das Comunicações. Segundo o MEC, o programa, que foi lançado há cinco anos, tem como objetivo conectar todas as escolas públicas urbanas à rede mundial de computadores, por meio de tecnologias que propiciem qualidade, velocidade e serviços para incrementar o ensino público no país. Ao serem analisados, os números do projeto mostram que o Estado do Piauí está muito atrasado em relação ao restante do Nordeste. Dos 224 municípios piauienses, apenas 45 foram incluídos no projeto: Acauã, Água Branca, Alegrete do Piauí, Altos, Amarante, Angical, Avelino Lopes, Barras, Batalha, Bom Jesus, Buriti dos Lopes, Campo Maior, Canto do Buriti, Castelo do Piauí, Corrente, Curimatá, Elesbão Veloso, Esperantina, Floriano, Fronteiras, Gilbués, Inhuma, Jaicós, José de Freitas, Luzilândia, Marcos Parente, Monsenhor Gil, Oeiras, Parnaíba, Paulistana, Pedro II, Picos, Pio IX, Piracuruca, Piripiri, Redenção do Gurguéia, São João do Piauí, São Pedro do Piauí, São Raimundo Nonato, Simões, Simplício Mendes, Teresina, União e Valença do Piauí. Para dimensionar esse atraso, basta analisar os números do Estado vizinho, o Maranhão que, segundo o Mapa da Inclusão Digital, é o último estado brasileiro no ranking de acesso à internet, e mesmo assim, conta com 72 municípios que já fazem parte do programa Banda Larga nas Escolas. Os estudantes mais prejudicados com a falta de laboratórios são os que vivem na zona rural, que são a maioria na instituição. A própria diretora explica que o acesso à internet nessas regiões ainda é muito precário e, quando esses alunos precisam pesquisar algo, se deslocam para a zona urbana no 72
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ônibus escolar durante o contra-turno, na esperança de utilizar a sala de informática da própria escola. Caso a tentativa não dê certo, esses estudantes procuram a casa de amigos, ou a casa do Tiago, o rapaz que faz a manutenção da maior parte dos computadores da localidade. Márcia
admite
que,
quando
o
laboratório
estiver
funcionando, “vai ser muito melhor para os estudantes, pois será algo mais concreto, eles vão ver, pegar, aprender”. Ela ainda dá mérito ao esforço dos jovens que, mesmo com as dificuldades, conseguem cumprir as atividades escolares. “Eles sempre correm atrás, dão o jeitinho deles, mas não deixam de fazer”, conta orgulhosa. Para Márcia, os celulares com internet facilitaram muito os problemas de acesso. Os estudantes que possuem a tecnologia 3G nos telefones, principalmente aqueles que moram nas localidades que não possuem cobertura de internet, quando vão para as aulas levam os celulares e aproveitam a cobertura para entrar na rede. Para a diretora, por mais que a maioria deles só acesse as redes sociais, esse contato é muito importante, porque contribuiu para diminuir as barreiras do mundo digital. Outro grave problema enfrentado pelos estudantes da zona rural é a necessidade de lidar com o trabalho da roça e a rotina escolar. Segundo dados do Centro de Assistência Social da cidade (CRAS), a grande maioria da população que vive na zona rural tem como atividade principal a agricultura familiar e muitos desses jovens têm que trabalhar o dia todo para ajudar suas famílias. Sem muitas perspectivas, a maioria deles só objetiva concluir o Ensino Fundamental e acabam abandonando os estudos antes de concluir o Ensino Médio. DOS MALES O MENOR: PROBLEMAS SOCIAIS E SEUS REFLEXOS NA INCLUSÃO DIGITAL | 73
Dados da Escola Estadual Profª Maria do Socorro Sampaio Martins, apontam que, no ano de 2012, houve um alto índice de evasão escolar, quando 23,8% dos estudantes abandonaram a sala de aula. A diretora conta que é visível a relação entre o trabalho e o abandono da escola, já que no período da colheita da carnaúba, cultivo abundante na região, a situação só piora. Mas para ela o mais grave é que muitos estudantes do sexo masculino estão abandonando a escola para trabalhar na construção civil e nas lavouras de cana de açúcar no Sudeste do país. A diretora relata que é comum agenciadores visitarem a cidade para levarem esses jovens, que são contratados como mão de obra barata. Por conta da alta evasão escolar, a escola já chegou ao ponto de extinguir uma turma inteira de segundo ano, porque no meio do semestre não tinham mais alunos suficientes e os poucos que restaram foram transferidos para outra turma. No terreno próximo à Escola Estadual, está a obra núcleo da Universidade Aberta do Brasil (UAB) de Caxingó, que foi iniciada no ano de 2006 e ainda não foi concluída. O prazo inicial de entrega era em julho de 2010. Orçada em R$ 87 mil, a obra é de responsabilidade do Governo do Estado, através da parceria entre o Programa de Combate a Pobreza Rural (PCPR) com a Associação de Moradores de Caxingó. O PCPR é um programa que opera na zona rural do Nordeste desde 1993, com objetivo de contribuir para a erradicação da pobreza, no meio rural, financiando projetos comunitários baseados na demanda popular. A motivação para levar os cursos da UAB para o município foram os baixíssimos índices de moradores com nível superior. Dados do Censo 2010 do IBGE mostram que, no município, 74
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apenas 35 pessoas frequentaram cursos de graduação, três pessoas frequentaram especialização e ninguém participou de cursos de mestrado e/ou doutorado. Os estudantes beneficiados pela UAB, que são da modalidade de educação à distância, teriam como Polo a UAB de Buriti dos Lopes. A estrutura física em Caxingó seria usada para as aulas via internet e os laboratórios também ficariam à disposição para que o restante da população tivesse acesso gratuito ao mundo digital. De acordo com a Prefeitura, para que a UAB funcione, só é necessário que a Associação dos Moradores de Caxingó faça a prestação de contas da obra. Segundo Orisvaldo Martins de Castro, 55 anos, gerente de rede da UAB no Piauí, a Seduc já solicitou uma posição sobre a obra à diretoria do PCPE, mas o prédio ainda não foi passado para a Secretaria, que só pode enviar equipamentos e o restante da estrutura quando a obra DOS MALES O MENOR: PROBLEMAS SOCIAIS E SEUS REFLEXOS NA INCLUSÃO DIGITAL | 75
estiver concluída. O presidente da Associação de Moradores de Caxingó e a direção do PCE não se posicionam sobre o caso.
SEGURANÇA PÚBLICA Diferente da realidade dos grandes centros urbanos, onde há um alto índice de violência, a paz na cidade de Caxingó é quase uma constante. Às vezes a tranquilidade é rompida quando alguém abusa do álcool ou algum marido agride verbal, ou fisicamente a esposa, como contam o sargento Luís Mário dos Santos e o soldado Gerson Brito Soares. Eles são os policiais militares responsáveis por garantir a ordem nas ruas da pequena cidade, através do policiamento ostensivo e intensivo. A cidade faz parte da comarca de Buriti dos Lopes e, por isso, todos os processos, audiências e prisões têm que
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ser notificados na Delegacia Regional de Buriti dos Lopes, trabalho que podia ser bem mais simples se houvesse internet na casa onde funciona a modesta Delegacia Modelo de Caxingó. Por conta do pouco efetivo, eles relatam que se for preciso transferir um preso para a Delegacia Regional, a cidade fica sem policiamento. Os policiais também reclamam que poderiam utilizar a internet para fazer Cursos de Aperfeiçoamento, oferecidos pela Secretária Nacional de Segurança Pública (Senasp). O sargento Luís Mário conta que já participou de curso online de Aperfeiçoamento de Sargento, que durou seis meses. Na época, ele ainda morava em Parnaíba. Mas agora o prédio público de Caxingó não oferece o acesso. Os dois homens chegaram há pouco tempo na cidade e reclamam que se sentem desatualizados das notícias, já que passam o dia na delegacia. Para tentar solucionar o problema do acesso à informação, a mãe de um deles emprestou uma televisão usada, que está na sala principal da delegacia. A TV doada e sem antena é motivo de piada entre os militares porque “só dá para assistir [o desenho animado] ‘Pica-Pau’”. Na cidade não existe Corpo de Bombeiros e, mesmo com a grande quantidade de motos que circulam na região, não há posto da Polícia Rodoviária Estadual em toda a extensão da PI-350, que corta o município.
SAÚDE No principal posto de saúde da cidade, que fica ao lado da sede da Prefeitura Municipal, no Centro de Caxingó, DOS MALES O MENOR: PROBLEMAS SOCIAIS E SEUS REFLEXOS NA INCLUSÃO DIGITAL | 77
o movimento é intenso. Pessoas de praticamente todos os povoados do município são atendidas no local, com exceção dos moradores das localidades Cajazeiras de Baixo e Centro, que também possuem posto de saúde. No posto de saúde são realizados os atendimentos básicos, com o auxílio de duas equipes do Programa Saúde da Família (PSF). O atual secretário de Saúde do município é
Antônio
Bruno Fontinele, economista e bacharel em Direito, mas quem coordena a saúde no município é Fábio Mota Machado, 35 anos, enfermeiro, formado pela Universidade Federal do Piauí (UFPI), natural de Parnaíba e que trabalha há 11 anos em Caxingó. A situação da saúde no município é complexa, já que é necessário seguir uma série de hierarquias para realizar os atendimentos. Fábio conta que em um município pequeno como Caxingó, as exigências são muitas, principalmente para as pessoas das localidades mais distantes do centro. “Pequenas urgências, pacientes com poder aquisitivo baixo que não têm como pagar transporte – isso quando tem algum transporte nessas localidades – e as dificuldades no transporte, já que em alguns lugares é mais fácil ir para Parnaíba, ou Buriti dos Lopes, do que vir para o posto de saúde”, lamenta o enfermeiro. As equipes do PSF se desdobram para atender todo o território. Nas localidades onde não existe posto de saúde, os atendimentos são feitos nas escolas da Prefeitura. Para auxiliar no atendimento, existem 15 agentes de saúde responsáveis por atender mais de cinco mil habitantes, o que torna ainda mais precário o trabalho. Como o atendimento se concentra na área urbana, o posto de saúde é um pouco maior que o convencional. Para tentar desafogá-lo, estão sendo feitas obras de ampliação nos outros 78
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dois postos saúde, além dos consultórios médicos odontológicos. Após a reforma, a população terá acesso à um consultório com enfermagem e espaço para sala de vacinação. Como a Prefeitura só é responsável pelo atendimento básico, é necessário que a Secretaria de Saúde tenha contato direto com os hospitais regionais. Fábio explica que se o plano do diretor de Saúde fosse seguido ao pé da letra, Caxingó teria que cuidar apenas da assistência básica, oferecendo exames laboratoriais pelo Sistema Único de Saúde (SUS), enquanto a cidade de Buriti dos Lopes atenderia os casos de média complexidade, como suturas, traumas, pequenas urgências e pacientes que precisassem ficar em observação por mais tempo. O problema é que o plano não funciona. Na maioria dos casos, para conseguir atendimento os pacientes têm que sair da cidade e ir até Parnaíba. Como não têm suporte em Buriti dos Lopes, os médicos do PSF de Caxingó acabam tendo que fazer o atendimento de urgência, mesmo sem ter a mínima estrutura para isso. O sistema também é integrado ao de Teresina. Para a capital são enviados os pacientes de alta complexidade. A Prefeitura contratou um funcionário na cidade para acompanhar essa marcação de consultas, já que muitas vezes os exames são remarcados e é necessário enviar documentos. Fábio reclama da demora no atendimento e que os prazos em Teresina são bem mais longos. Em meio a todas essas dificuldades, a internet vem ajudando a melhorar o atendimento da população. Há dois anos o sistema de solicitação de exames online foi instalado e hoje há menos dificuldades para se conseguir tratamentos de saúde fora do município. Os moradores contam que antigamente DOS MALES O MENOR: PROBLEMAS SOCIAIS E SEUS REFLEXOS NA INCLUSÃO DIGITAL | 79
para marcar os exames tinham que se deslocar para Buriti dos Lopes, Parnaíba ou para a capital, voltando semanas depois só para fazer a consulta. Agora com a marcação online através da central de regulação de Parnaíba, as coisas melhoraram um pouco, mas ainda existem grandes dificuldades. A falta de definição do número de exames para cada município atendido pelo hospital regional acaba gerando problemas diários. Na hora que abrem as vagas para a marcação de exames no sistema, por conta da alta demanda e do número insuficiente de consultas, elas acabam rapidamente. Se a pessoa responsável pela marcação de consultas não estiver na frente do computador, os pacientes do município ficam sem atendimento. Fábio afirma que é necessário que “o Governo 80
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do Estado faça um investimento maior para melhorar esse sistema”. Em uma sala pequena, no prédio da Prefeitura, funciona o Centro de Processamento de Dados da Saúde, onde é a feita a marcação de consultas. O nome pomposo, não representa muito à estrutura do espaço. Dois computados de tecnologia ultrapassada, telefone, impressora, canetas, carimbos, uma estante com alguns documentos e uma cortina, nas cores do símbolo da Prefeitura, decoram o ambiente. É lá que trabalha Antônio Machado Ribeiro Filho, de 26 anos, que até algum tempo atrás trabalhava no ramo de construção civil. O jovem não tem acesso à internet em casa e se esforçou para aprender o funcionamento dos dois sistemas de marcação online exigidos pelo atual trabalho, o de Teresina, do qual participou de um treinamento especifico, e o de Parnaíba, que aprendeu a com a ajuda de um colega. São atendidas cerca de 20 pessoas por dia. Para Antônio Filho, uma das maiores dificuldades é a baixa velocidade de conexão da internet, que acaba travando o sistema e, quando chove, a situação só piora. Ele conta que são comuns quedas no sistema por conta da interrupção da internet e, quando isso acontece, para não deixar os pacientes bravos, ele anota todos os dados no papel e marca quando o sistema retorna. Ele conta que já deixou de tirar cartões do SUS por conta do problema recorrente. Em meio a toda a organização hierárquica na Saúde para ter que deslocar pacientes para outras cidades, um problema chama a atenção:
atualmente o município só possui uma
ambulância para transportar os pacientes em estado grave, já que a outra está sucateada, porque foi utilizada sem DOS MALES O MENOR: PROBLEMAS SOCIAIS E SEUS REFLEXOS NA INCLUSÃO DIGITAL | 81
manutenção. A situação complica muito o atendimento, já que para ir e voltar à Teresina demoraria no mínimo seis horas. Se alguém no município sofre algum acidente nesse período de tempo, corre o risco de morte. Agora, o município espera a implementação do Sistema Médico de Urgência (SAMU), que já foi solicitado ao Governo Federal. A regulamentação seria do Estado, para dar mais amparo nos casos mais sérios. Mas quando se trata da assistência do Governo estadual, ele avalia que falta muita estrutura e que todos os municípios do Estado vêm passando por dificuldades na área da saúde pública. “Lidar com elas (as dificuldades), sozinho é muito difícil. O Estado precisa ser mais parceiro, estar mais presente, dar mais apoio. As coisas são muito morosas, você pede algo agora e até chegar a quem deve é uma novela.”
PROJETO BOLSA FAMÍLIA No prédio do Centro de Referência da Assistência Social (CRAS) de Caxingó, a pequena sala reservada ao Projeto Bolsa Família é a mais movimentada. Muitas histórias de vida já foram contadas naquele espaço, que é protegido pela imagem do Papa João Paulo II. Seu Sebastião é um dos muitos beneficiários que passam pelo local constantemente para resolver problemas com o seu cartão social. Na última visita ele foi acompanhado do filho para tentar entender o que estava acontecendo com o seu benefício, que há meses não era recebido. Sebastião é um homem simples, com cabelos grisalhos, vestimenta esgaçada, e deficiente mental. Ele tem perdido o seu benefício constantemente porque não saca o dinheiro no dia correto, fazendo com que o 82
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pagamento seja bloqueado. Tentando esclarecer e buscar uma solução para o problema de seu Sebastião, surge André, que é agente administrativo e técnico do Programa Bolsa Família. Ele senta com o idoso e o filho, e aconselha os dois. André pede que o filho acompanhe o pai no período de receber o beneficio e até se exalta com a teimosia do idoso, que já não controla suas faculdades mentais e insiste em questionar pontos que já foram esclarecidas em outras visitas. Essa é uma parte da rotina diária de André, que na certidão de nascimento é registrado como Lindomar José Oliveira Rodrigues, mas desde a infância só atende pela alcunha de André. Ele trabalha em Caxingó, mas, assim como muitos outros trabalhadores da região, mora em Parnaíba. Há cinco anos ele foi aprovado em um concurso federal para trabalhar no projeto do Governo Federal. Para ele, é essencial que os funcionários do projeto sejam concursados, pois a pressão política é muito grande: “O oxigênio daqui é 100% política. Já recebi ameaças de pessoas influentes por não abandonar o cargo”. Ele conta que querem tirá-lo do cargo porque com o controle rígido do programa não é possível conseguir o benefício para pessoas que não se enquadrem no perfil de beneficiárias, ou seja, que tenham renda familiar per capita inferior a R$ 70 reais mensais. “Uma vez uma comerciante veio aqui e declarou que não tinha renda e que queria entrar no programa, como o programa é auto declaratório, não pude fazer nada, fiz a solicitação e logo após foi comprovado que ela não tinha o perfil de um beneficiário”, conta André, indignado. Em um caso mais grave, uma pessoa tentou comprar o benefício. O agente faz questão de esclarecer que no seu trabalho “não existe política partidária, só política social”.
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Segundo dados da Secretária Nacional de Renda e Cidadania, em abril de 2013, 917 famílias caxingoenses eram beneficiadas com o programa. O que, pelos cálculos do André, representa 95% da população do município. A grande maioria dessas famílias vive na zona rural e trabalham na roça, já que na zona urbana a maior parte da população ou é funcionário da Prefeitura ou é comerciante e tem uma boa remuneração. O valor total de recursos financeiro pagos para essas famílias é R$ 172.396. A internet foi instalada no CRAS em maio de 2011 e desde então os cadastros dos beneficiários passaram a ser realizado via sistema online. André conta que em seu trabalho a internet “é tudo e ao mesmo tempo nada”, já que atualmente todas as informações do projeto estão em um programa online, mas a péssima qualidade da conexão acaba atrapalhando o serviço. Ele denuncia que uma das principais exigências do Bolsa Família é que o município disponibilize internet de um megabit, mas à internet da Oi Velox existente no CRAS é de apenas 300 kbps. Além disso, ela ainda é dividida entre três salas e tem um alto custo. A conta paga mensalmente é no valor de cerca de R$ 250. Para atualizar o cadastro de uma família é preciso preencher um formulário de 30 páginas. Com a internet oferecida, esse processo demora cerca de 20 minutos, e se a internet fosse de qualidade, só seriam gastos cinco minutos. Na maioria dos casos, há uma grande demora para concluir os formulários porque a maior parte das famílias têm mais de 10 filhos. André afirma que essa demora na conclusão dos formulários acaba se tornando um processo cansativo tanto para o profissional, quanto para o beneficiário Existem planos 84
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para ampliar a velocidade de conexão para dois Mega, mas ainda não saíram do papel. Quando a conexão cai, todo o cadastro é perdido e muitas pessoas que estão atualizando o cadastro não entendem o por quê da demora, já que muitos deles fazem parte do grupo que não têm acesso a um computador. André reclama que a conexão cai com frequência e quando ligam para a Oi, ela não aparece para resolver o problema, “não adianta, eles não dão suporte. A única solução é esperar”. O objetivos do Bolsa Família é a distribuição de renda e a qualificação profissional para que a população saia da miséria. Para isso, o projeto oferece cursos profissionalizantes gratuitos para a população. Em Caxingó já foram ministradas aulas do Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec), e cursos do Plano Setorial de Qualificação Profissional (Planseq), conhecido como Próximo Passo, que são específicos para os beneficiários do Bolsa Família e oferecem cursos de pedreiro, eletricista, pintor, gesseiro, encanador, entre outras profissionais. O último que foi ministrado no município foi o de pintor em parceria com o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac). Além disso, são oferecidas aulas do Projovem Adolescente, Trabalhar, Campo e Rural. Mesmo com todo o amor que o André tem pelo trabalho, ele conta que o programa tem muitas falhas. “Nesses cinco anos que trabalho no projeto, nunca vi ninguém abandonar o Bolsa Família”. Segundo ele, isso acontece porque o município não tem suporte para absorver todos os profissionais que saem capacitados desses cursos, já que eles não atendem as demandas reais do município. Quando os cursos foram elaborados, não foi pensado na diversidade econômica e social de cada região, e SONHOS EM REDE | 85
tudo foi elaborado de forma unificada, como se cada localidade do país não tivesse suas especificidades. André alerta que a falta de capacitação técnica é tão grande, que no último concurso realizado pela Prefeitura, só foram aprovadas pessoas de fora da cidade. Ele torce para que a população seja capacitada e possa servir ao município, onde ainda falta muita coisa. “O povo não precisa só de dinheiro, falta saneamento, educação, saúde, segurança, moradia, vestuário. É uma lista gigantesca de necessidades. Os caxingoenses têm o dever de estudar e lutar para defender esses direitos.” O que mais encanta André é a cordialidade e a ingenuidade do povo da cidade. Ele conta, que um dia, após cadastrar a família de dona Rita, ela ficou tão feliz que lhe ofereceu um capão para retribuir a ajuda. André afirmou que não era nada mais que a sua obrigação e pediu que dona Rita matasse o animal, convidasse os filhos e fizesse um belo almoço de domingo para a família. Mesmo ciente de todas as falhas do Bolsa Família, André se sente realizado com o trabalho que exerce porque acredita que consegue, mesmo que de forma pequena, ajudar famílias que vivem à margem da sociedade e que são esquecidas pelo Poder Público. “Amo o que faço porque ajudo pessoas que precisam e minha função é fazer valer esses direito”.
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Capítulo 5 SONHOS EM REDE
SONHOS EM REDE Ainda não é só isso, se espera muito mais. Apesar da cidade de Caxingó, com a chegada da internet e a descentralização crescente da mesma, ter se afastado da realidade de ser configurada como um dos municípios mais infoexcluídos do país, o local ainda aguarda grandes transformações. Os sonhos de Chaguinha ultrapassam a velocidade que qualquer serviço de internet pode oferecer. O contato diário com a rede mundial de computadores baseou as expectativas de futuro do garoto, que potencializa grandes conquistas de vida. “Eu espero conquistar meus objetivos e me formar em técnico de circuitos de computação. Quero ser um ‘fera’, acho que já sou um pouco, mas quero mais. Quero criar aplicativos que sejam utilizados em rede e, sei lá, ir para o exterior. Seria uma boa Los Angeles ou Londres. Mas tem uma frase que levo sempre comigo: ‘Antes do sucesso, vem o trabalho’. Por isso, onde eu for vou levar minhas raízes, de pessoa humilde e batalhadora e, para Caxingó, espero três coisas específicas: que a cidade evolua no mercado de trabalho e negócios; que os profissionais sejam mais capacitados e contribuam pra evolução da cidade com novos projetos e, no final, que o povo se orgulhe da cidade”. As certezas de Chaguinha vão além das incertezas encontradas nas muitas dificuldades ainda enfrentadas pelo SONHOS EM REDE | 89
município. Esgotamento sanitário precário. Muita muriçoca. O polo da Universidade Aberta do Piauí ainda continua fechado. Falta investimento. Os serviços públicos possuem déficits que perpassam pelas esferas da educação, segurança e saúde. Falta muito, mas também houveram conquistas. As duas escolas localizadas na zona urbana da cidade, que recebem a maioria dos alunos do município, a Escola Estadual Profª Maria do Socorro Sampaio Martins e a Escola Municipal Felipe Neris, com as salas de informática montadas, agora, dão os primeiros passos para a intensificação da inclusão digital no município. Muitos estão tendo o primeiro contato com o universo digital e usando a internet e a informática como ferramentas na luta contra os problemas de acesso à informação e à educação. O uso contínuo das redes sociais, propagada pelos jovens do município, também pontuam no quesito da garantia da liberdade de expressão. Os problemas enfrentados na cidade não ficam apenas a mercê do conhecimento dos próprios moradores da região, eles são alarmados no Facebook, Twitter, Blog e Youtube. Com a rede, a informação circula. “Eu ainda quero ter formação acadêmica na área de Comunicação e também gostaria de me tornar um micro empresário bem sucedido no ramo de bingos e Comunicação. Olha eu aqui, querendo isso tudo com 41 aninhos, às vezes, sinto que não vai dar tempo. Espero que daqui a alguns anos essa cidade tenha cultura, lazer, assistência social e o reconhecimento do povo que temos que cuidar mais do rio, dos lagos e matas”, relata LJ.
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Os “quereres” variados estão distribuídos por cada sonho dos moradores da cidade. A internet tem aproximado e alavancado muitos deles. É claro que na cidade de pouco mais de 5 mil habitantes, há quem ainda não entenda os recursos de transformação advindos pelas possibilidades oferecidas no mundo online. Os mais idosos, ou aqueles adultos e jovens que não frequentam a escola, se distanciam circunstancialmente da oportunidade de um dia estarem conectados. As distâncias, agora, não são apenas geográficas. O município de Caxingó, localizado ao Norte do Piauí, consegue estar ligado a qualquer local do mundo apenas através da tela do computador, as distâncias não tem sido quantificadas só em quilômetros, mas em aspectos sociais, que continuam a separar os incluídos dos infoexcluídos.
SONHOS EM REDE | 91
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