ANUÁRIO PUBLICISTA DA ESCOLA DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DO MINHO. Tomo I, Ano de 2012

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modo complexa, e em muitos casos presta-se tão pouco a análises laboratoriais, que a formulação de previsões (rigorosas) neste âmbito se afigura frequentemente como uma miragem35. Por outro lado, mesmo que pudéssemos conhecer todo o conjunto de factores explicativos dos acontecimentos humanos e assim formular previsões sobre estes, ficaríamos ainda com um problema adicional: o próprio conhecimento da previsão por parte dos seus destinatários, incluindo os próprios observadores. Em que medida é que este dado poderia influenciar a previsão anteriormente realizada? Estaríamos assim perante um novo dado, imprevisível. O que daí surgisse constituiria uma nova realidade, a carecer de novos conhecimentos, que por sua vez gerariam novos dados e assim sucessivamente…, constituindo tal naturalmente mais um elemento perturbador numa concepção determinista tout court36. Se a isto juntarmos os problemas epistemológicos inerentes à actividade de conhecer os fenómenos humanos nas suas múltiplas expressões, que vão desde o domínio psicológico37 até

duas realidades andam, deverão andar, intimamente ligadas, sob pena de podermos legitimamente colocar em causa o próprio determinismo: se a causa A produz sempre – dadas determinadas condições – o efeito B, então é sempre possível prever que A, naquelas condições, gera o efeito B – ainda aqui, poderemos sempre ficar na incerteza, pois nada nos garante que um dia poderemos encontrar algo de inesperado (infra n. 36). Que, de qualquer modo, o conhecimento absoluto não possa ter lugar, dada a complexidade dos factos em causa e por via disso, tal implique a nossa presumível ou provável ignorância, é algo que, num primeiro momento, tanto pode permitir a crença no determinismo, como no seu contrário. 35 Cf., neste sentido, o nosso artigo “As Finalidades das Penas no Âmbito do Artigo 40.º do Código Penal”, in Estudos em Homenagem de Joaquim M. da Silva Cunha, Fundação Universidade Portucalense Infante D. Henrique, 1999, pp. 325-338. 36 Neste sentido, o nosso artigo “Algumas Reflexões Epistemológicas…”, cit., p. 759. De notar, para além disto, que a própria metodologia, seguida pela ciência de repetir inúmeras vezes a mesma experiência (quando possível) até um ponto em que finalmente se desiste (sob pena de os cientistas se encontrarem permanentemente a realizar as mesmas experiências ad infinitum), não deixa de desde logo colocar um problema importante, já formulado por Hume, que é o de saber se afinal de contas a causalidade não passa de uma ideia do ser humano, que ao habituar-se a ver as coisas da mesma maneira cria a ilusão de que tal é uma característica do seu objecto, quando não constitui fundamentalmente mais do que uma qualidade do sujeito observador, concluindo-se deste modo no sentido de a ciência apresentar um carácter probabilístico. Cf. nesta mesma linha POPPER, Logik der Forschung, 1934, e a sua célebre teoria da falsificabilidade, (versão simplificada) de que uma teoria científica nunca poderá ser provada, apenas falsificada. Por outro lado, a ideia de Berkeley de que o ser é ser percebido ignora as nossas mais básicas experiências, quer de um ponto de vista individual, quer colectivo. Se nos encontramos inconscientes de algo, com características próprias, físicas, energéticas, etc., nem por isso esse algo deixa de ter a sua existência autónoma para os outros – embora neste último caso não de forma necessária. Há assim uma óbvia (ou possível) distinção entre o domínio do objectivo e do hipotético – a ciência disso dá a prova ao exigir a confrontação de quaisquer hipóteses com a observação ou a experimentação objectivas – o que não significa, por outro lado, que a percepção e o entendimento desses objectos se identifiquem com um real, que em definitivo ignoramos se existe mesmo. Efectivamente, como já referimos, o nosso conhecimento do que nos cerca é parcial, se calhar mesmo ilusório (lembremos mais uma vez o perturbador legado da física quântica em que o observador cria a “realidade”). Fica-nos assim, eventualmente, aberto o caminho ao mesmo ser, através de outros modos: a religião, a metafísica, a arte, uso de estupefacientes, etc. Algo que de resto coloca sempre a questão da objectividade deste tipo de experiências e da sua efectiva natureza… 37 Basta pensar na impossibilidade de, em última análise, se poder penetrar na esfera da intimidade do outro, do seu mundo interior, só nos podendo mover de fora, através de manifestações desse mundo, exteriorizáveis por comportamentos de vária índole (falar, gesticular, agir, etc.) ou de manifestações psíquicas desse mesmo

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