ANUÁRIO PUBLICISTA DA ESCOLA DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DO MINHO. Tomo I, Ano de 2012

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feito sem que ele houvesse tomado as medidas necessárias e razoáveis para impedir que a comissão dos referidos crimes ou para punir os seus autores”71. Acerca do aspeto mais problemático da interpretação das normas em causa, ou seja, do sentido a dar à expressão tinha motivos para saber, constante do art. 7.º, n.º 3, do Estatuto, a Câmara de Primeira Instância chega a uma conclusão diferente da apurada no caso Delalid. Faz uma análise da jurisprudência surgida na sequência da Segunda Guerra Mundial, concluindo que, após esse conflito, “foi estabelecido um padrão, de acordo com o qual um comandante pode ser responsável pelos crimes dos seus subordinados «se não pôs em funcionamento os meios de que dispunha para se manter informado da infração e se, nas circunstâncias, devia ter tido conhecimento dessa infração, a sua ignorância constitui uma infração criminal»”72. E, a verdade é que, nesta decisão, são várias as afirmações contestáveis ou problemáticas. Assim, em relação aos crimes ocorridos em três povoações do município de Vitez, a Câmara do Tribunal conclui que “o general Blaškid é responsável pelos crimes cometidos nessas três povoações com base no dolo eventual [dol éventuel/negligence], ou, noutros termos, por ter ordenado ações que apenas razoavelmente podia ter previsto que conduziriam a crimes”73. Por outro lado, em mais do que uma ocasião, o Tribunal não conclui definitivamente acerca do conhecimento efetivo de Blaškid dos crimes cometidos pelos seus subordinados, deixando no ar uma hipótese alternativa, como acontece quando se lê, a propósito de maus-tratos infligidos a prisioneiros civis: “A Câmara conclui, portanto, que o general Blaškid tinha conhecimento das circunstâncias e das condições de detenção dos muçulmanos (…). De todo o modo, o general Blaškid não atuou com a diligência razoável no cumprimento dos seus deveres”74. Portanto, qual é o seu ilícito: teve conhecimento das condições de detenção e não agiu? Ou não exerceu os seus deveres de controlo sobre os seus subordinados? Além disso, o Tribunal “não fez qualquer tentativa de distinguir amens rea [de Blaškid+ em relação aos diferentes elementos dos crimes”75. Estas razões levaram a que a sentença em causa fosse objeto de fortes críticas, não só por parte da doutrina, mas fundamentalmente pela defesa de Blaškid, no recurso que interpôs para a Câmara de Apelação. E, efetivamente, em sede de recurso, o Tribunal veio afastar 71

Caso Blaškid, IT-95-14-T, sentença da Primeira Câmara, de 3 de março de 2000, par. 322. Caso Blaškid, IT-95-14-T, sentença da Primeira Câmara, de 3 de março de 2000, par. 322. 73 Caso Blaškid, IT-95-14-T, sentença da Primeira Câmara, de 3 de março de 2000, par. 562 (itálicos nossos). 74 Caso Blaškid, IT-95-14-T, sentença da Primeira Câmara, de 3 de março de 2000, par. 733 (itálicos nossos). 75 MARTINEZ, Jenny S., “Understanding Mens Rea in Command Responsibility. From Yamashita to Blaškid and Beyond”, cit., p. 657. 72

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