Lambe-Lambe: etnografia da anti-galeria de arte do Piolho Nababo em Belo Horizonte-MG

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interpretação das culturas dos meus pesquisados se tornou possível, na perspectiva de responder porque eles faziam o que faziam. Mas antes de seguir nesse raciocínio, Geertz problematiza a seguinte proposição: O que o etnógrafo enfrenta, de fato [...] é uma multiplicidade de estruturas conceptuais complexas, muitas delas sobrepostas ou amarradas umas às outras, que são simultaneamente estranhas, irregulares e inexplícitas, e que ele tem que, de alguma forma, primeiro apreender depois apresentar. [...] Fazer etnografia é como tentar ler (no sentido de ―construir uma leitura de‖) um manuscrito estranho, desbotado, cheio de elipses, incoerências, emendas suspeitas e comentários tendenciosos, escrito não como os sinais convencionais do som, mas com exemplos transitórios de comportamento modelado (GEERTZ, 2012, p. 7).

Quando Geertz fala em ―fazer etnografia‖ ele se refere, especificamente, a todo o trabalho de campo (observação, participação, conversação, anotação etc). A multiplicidade dos signos que se apresentam ao antropólogo nesse trabalho de campo faz dele um ―manuscrito estranho‖, isto é, os significados transbordariam e se colocariam como um desafio à interpretação. Daí, portanto, as ―elipses‖, ―incoerências‖ e ―rasuras‖. O que daria a esse trabalho uma direção em meio a tantos signos e significados seriam os ―exemplos transitórios de comportamento modelado‖. Esses, por sua vez, em suas regularidades possibilitariam ao fazer etnográfico compreender a lógica que o discurso antropológico constrói em sua interpretação da cultura e sua passagem para o texto. Notemos que essa construção não é destituída de ―comentários tendenciosos‖, mas não a eles se limitaria. Seria uma mediação entre as multiplicidades dos signos e as estratégias de classificação do que se observou em campo. A observação das culturas e minhas vivências junto aos sujeitos de pesquisa me autorizaram interpretar os signos, semioticamente desafiadores porque inesgotáveis. Sempre, também, no desafiador encontro entre teoria e empiria. A interpretação ―de segunda e de terceira mão‖ (GEERTZ, 2012, p. 11) dada pelo antropólogo é atravessada por elipses, e parte do seu trabalho é preencher minimamente essas elipses na construção do texto antropológico. Esse texto surge, portanto, de um conjunto de procedimentos, em destaque, o diálogo entre teoria e empiria. A cultura na abordagem antropológica e semiótica precisa ser vivida, ao mesmo tempo em que teorizada, uma dinâmica relacional. No trabalho de campo, ―países bibliográficos‖ (CERTEAU, 2008, p. 131) são colocados em situação, cultivados antes do trabalho de campo. Isto é, antes de ir a campo, o conhecimento


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