Lambe-Lambe: etnografia da anti-galeria de arte do Piolho Nababo em Belo Horizonte-MG

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bateria e era acompanhado por um guitarrista. Nunca saímos da garagem onde ensaiávamos à exaustão um repertório de poucas canções, no qual se destacava a mais punk dos Titãs, ―Polícia‖. Por não sabermos tocar os instrumentos, éramos punks, sobretudo, por seguir o lema do ―faça você mesmo!‖ Esse lema pode ser interpretado como uma alternativa de produzir música e outras formas de expressão a partir dos recursos que se tem. O que importa é produzir algo, deixar sua marca, independentemente das condições adversas que se apresentam. Então nada impediria alguém de cantar em uma banda punk mesmo se não soubesse cantar, ou de tocar bateria e guitarra, mesmo sem saber nada de música. Antes de ser punk, aos quatorze anos, tive a minha fase dark

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na qual me

vestia de preto, tinha o cabelo grande, cuidadosamente despenteado. Eu era um dark que ficava no quarto ouvindo canções de bandas inglesas como The Cure, Echo & the Bunnynem, The Smiths. Ser dark significou para mim uma forma de rebelião contra os valores convencionais, no sentido de incomodar as pessoas, principalmente aquelas mais próximas de minha convivência. É curioso relembrar esses dados autobiográficos, pois, de certo modo, esses traços que tanto marcaram minha juventude me ajudam hoje a compreender os jovens com os quais interajo em sala em minhas aulas de arte. Talvez porque eu tenha entendido como é difícil se ajustar socialmente e como todo esse processo pode ser desafiador para quem se encontra nesse contexto social. Talvez esse cenário que eu vivi possa me abrir à diversidade das formas de ser jovem, e explicam, em parte, porque me tornei um pesquisador do ―planeta juvenil‖ (FEIXA, 2006, p. 20). E no trabalho de campo essas minhas vivências também estiveram presentes quando das interações com jovens que, na arte, encontravam interesses comuns e sociabilidades. Acabei vendendo a bateria e a literatura falou mais alto. Primeiro investi na poesia. Por volta dos 25 anos, me encontrei na prosa e hoje me considero escritor, tendo publicado textos esporádicos em fanzines (DANIEL, 2013a; 2013b) e em coletâneas, como nas publicações do projeto Leitura Para Todos (ALVES, 2008; PEREIRA, Maria Antonieta, 2005; PEREIRA, 2006), da Faculdade de Letras, da Universidade Federal de Minas Gerais. A escrita ficcional me levou, por tantos outros 4

Jovens que se vestiam de preto, andavam em grupo e compartilhavam o gosto por bandas do póspunk inglês. Maiores informações, consultar: Abramo (1994).


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