A ocupação do tempo e do espaço na poética urbana de Francis Alÿs

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A abertura de um tempo dentro de outro, gera uma temporalidade não linear, não cronológica. Nos trabalhos de Alÿs, por meio de movimentos cíclicos e quase hipnóticos, emerge um tempo heterogêneo, feito de hecceidades. O que vemos não é um simples loop, em que uma mesma ação e imagem se repetem à exaustão, mas sim diferentes andamentos: avançar e recuar, fazer e desfazer. Outros ritmos, aparentemente circulares, porém sutilmente heteróclitos, insurgem a partir de ações artísticas efêmeras e reclamam sua duração nesse presente a ser continuado. Ficamos em suspensão acompanhando os gestos que seguem: nosso raciocínio busca fechamentos. Nossa mente nos ilude, e permanecemos compenetrados, numa atenção flutuante, atraídos pelo suspense e pela esperança de um fim que nunca chega. A poética de Alÿs parece impregnada por essa temporalidade cíclica: seja como alusão ao dogma do progresso, às rotinas diárias, aos deslocamentos pendulares ou ao vai-e-vem de fatos históricos e políticos. Em seus trabalhos o movimento se refaz, porém a cada vez com uma nova variação: pequenas mudanças inseridas no roteiro original, no local de sua realização, no ponto de vista de quem observa a ação, na forma de registrá-la ou de fazê-la

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reverberar. De tal maneira que a repetição torna-se algo que Deleuze considera transformador, por expressar “[...] ao mesmo tempo, uma singularidade contra o geral, uma universalidade contra o particular, um extraordinário contra o ordinário, uma instantaneidade contra a variação, uma eternidade contra a permanência. Em todos os sentidos, a repetição é transgressão.” (1988, p. 24).

Fig. 41. Francis Alÿs. Desenho do artista


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