A ocupação do tempo e do espaço na poética urbana de Francis Alÿs

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NÚCLEO 3: TERRITORIALIZAR | Narcoturism + Doppelgänger + Pacing + Railings + La Résidence Narcoturism – Copenhague, 1996 Bebidas alcóolicas, haxixe, anfetamina, heroína, cocaína, Valium, ecstasy. A cada dia uma droga diferente, a cada droga um novo efeito, a cada efeito uma nova caminhada, a cada caminhada um novo registro, ao final de todos os registros, um novo trabalho. Ao longo de sete dias, sem parar. É esse o roteiro elaborado por Alÿs para responder, em 1996, a um pedido oriundo de Copenhague para gerar um novo projeto artístico ou uma obra comissionada (como é conhecido esse tipo de convite no meio artístico). Trata-se de um plano de derivas, físicas e mentais, de todos os sentidos: sete jornadas de desvio háptico, sensorial e mental, numa ação poética intitulada Narcoturism. Naquele ano, após uma década de vida no México, pela primeira vez após sua partida, Alÿs se depara com a ideia de retorno à Europa – mas um

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retorno não ao mesmo. Antes De Smedt, agora Alÿs; antes arquiteto, agora artista; antes europeu, agora latino-americano. Bem sabemos que a vida não é assim, binária, contudo as mudanças ao longo do caminho de Francis naqueles dez anos foram significativas o bastante para que o artista ainda não se sentisse confortável nem seguro em relação a esse confronto com sua terra natal. Alÿs revela que ir a Copenhague representava esse regresso à Europa, e que, ao receber o convite, percebeu que não estava pronto para encará-lo, conforme podemos ler em sua entrevista à Russel Ferguson (2007, p. 32). A partir dessa constatação, o artista elaborou um modo de estar fisicamente presente, mas mentalmente ausente. Em mais um trecho de As cidades invisíveis, temos a seguinte descrição do personagem Marco Polo: […] porque o passado do viajante muda de acordo com o itinerário realizado, não o passado recente ao qual cada dia que passa acrescenta um dia, mas um passado mais remoto. Ao chegar a uma nova cidade, o viajante reencontra um passado que não lembrava existir: a surpresa daquilo que você deixou de ser ou deixou de possuir revela-se nos lugares estranhos, não nos conhecidos. (CALVINO, 2003, p. 28).


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