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02 EDITORIAL/CRÔNICA

Nova Serrana/MG, 10 de outubro de 2019 – Edição 955

E agora, Terezinha...?

B

om. Mais uma sessão da Casa Legislativa, após a celeuma envolvendo os vereadores afastados pela Justiça, mas que continuam recebendo seus vencimentos. Mesmo que nos seus lugares tenham sido empossados seus respectivos suplentes. Urge que a situação seja resolvida, uma vez que, como já foi dito e cobrado por toda a sociedade, e pela imprensa – local e regional -, é dinheiro público escorrendo pelo ralo. A decisão de afastar definitivamente os parlamentares acusados de desvio de dinheiro público, de cassa-los, a fim de solucionar um problema, cabe exclusivamente à presidenta interina da Casa Legislativa que, sabe-se lá por que motivo ainda não o fez. Não faz mínima lógica continuar pagando a parlamentares ausentes e distanciados de suas funções em virtude de ações desabonadoras apontadas pela própria Justiça. Impondo este gasto à população, que a contragosto (como sempre) segue pagando o pato. A crise financeira, que sabidamente vem penalizando o município há pelo menos um ano e meio, graças à falta de repasses do Estado por meses, parece não ser um problema para a atual chefa do Legislativo. É bom lembrar que, apesar da distinção de poderes, o orçamento do poder Legislativo não cai do céu. É fruto do repasse de 7% da arrecadação anual do município. Ou seja, por lei, o Executivo municipal é obrigado a repassar parte de tudo o que arrecada para o outro poder e cabe a este zelar e bem administra-lo. Mas não é isso que temos observado. O gasto com cada parla-

mentar afastado é somado ao mesmo gasto com cada suplente que ocupou a sua respectiva vaga. Mais uma vez lembrando, afastamento este determinado pela Justiça. Portanto, a teimosia está em não atender à reivindicação popular de abrir um processo de cassação contra estes parlamentares, que à luz da Justiça não passam de cidadãos desonestos e sem comprometimento com a lisura própria dos cargos que até há pouco ocupavam. Não bastasse a inexplicável resistência que a presidenta interina demonstra diante de notória irregularidade, esta faz ainda vistas grossas ao clamor popular de dar uma solução imediata à situação. Nem uma ação popular, capitaneada por um vereador, que recolheu mais de quatro mil assinaturas em prol da cassação dos afastados foi suficiente para demover a presidenta, que se mantém firme na sua obtusa e inexplicável resistência. Chega-se portanto a um desagradável impasse. Se sabidamente estima-se que quase 100% da população é a favor do definitivo afastamento dos edis “fora da lei” e os representantes legais desta população são justamente os vereadores que ora ocupam a Casa Legislativa (tendo como presidente a vereadora Terezinha), o que os leva (e a ela) não tomarem uma atitude que de fato atendam às reivindicações daqueles que lá os colocaram? Não faz sentido. Passou de hora da população lotar a galeria da nossa Câmara, solicitar o uso da tribuna e, pessoalmente cobrar do edis uma postura mais condizente com o que a sociedade entende por honestidade, lisura e responsabilidade no gasto de dinheiro público. Nosso dinheiro não é capim.

Disparidades

F

Por Carlinhos Colé

az a pé o longo percurso para o trabalho. O vestido modesto e já surrado, mas impecavelmente limpo e passado, as sandálias rasteirinhas compradas pelo Tonho lá na Fartura estão ainda em bom estado, exibem parte dos pés que ela procura a custo manter bem tratados, a bolsa de couro a tiracolo, com ricos detalhes dourados, era remanescente dos bons tempos em que o Tonho era segurança de artista e lhe trazia bons presentes cada vez que vinha para casa, dentro dela, bem escondida, a sombrinha que também é um sinal de pobreza, que se precaver contra as chuvas de verão é coisa de pobre, os longos cabelos pretos apanhados num coque com um esmero que lhe tomava certo tempo todas as manhãs, que a patroa exigia esses pormenores. Disse no primeiro dia que o marido tinha verdadeiro asco ao que lembrava miséria, inclusive cara triste e lamúrias. Que ele já fora muito pobre, mas lutou e deu a volta por cima, hoje acha que o convívio com os paupérrimos é contagioso, portanto que nenhum empregado da casa deixasse transparecer suas mazelas. A patroa é uma senhora muito fina. Não se dá ao serviço doméstico para não estragar as mãos sempre muito bem cuidadas. As mãos da patroa parecem mãos de princesa. Lindas, brancas, frágeis como de porcelana. Talvez não sejam lá tão dadivosas, mas ninguém pode negar-lhes a finura. A patroa é toda linda, afinal. Daquele tipo de beleza que deixa a gente humilhada. Por sorte sua presença é pouco constante nas áreas de serviço. Está sempre muito ocupada com academia, salão de beleza, reuniões sociais e, principalmente, com os seus cães, aos quais ela gosta de dar atenção particular. Ela os tem em número de cinco, de raças diferentes. São um luxo, os bichinhos. Três vezes por semana são apanhados por um veículo identificado como de um Pet Shop e ficam por lá horas, depois são entregues limpos, cheirosos, com gravatinhas ou lacinhos na cabeça, conforme o sexo. Um cocô! Ouviu sem querer a patroa confidenciar a uma amiga que a despesa com os seus bichinhos é maior do que tem com os empregados. Que queria passar as férias em sua casa de praia na orla do Guarujá, aonde poderia levá-los, mas o marido prefere a Europa. Vai deixá-los num hotelzinho. A diária é muito alta, mas os bichinhos serão bem tratados. Ela poderá viajar tranquila. O patrão, poucas vezes Natalina o viu. Está sempre viajando. Nas raras vezes que aparece está sempre falando de negócios pelo celular. Não é um homem bonito, mas também cuida da própria aparência, os dentes implantados impecavelmente alinhados, ostenta grossas correntes de ouro no pescoço e nos pulsos. Alto e forte, com avançada calvície, os cabelos que lhe restaram são ruivos. Impõe-se pelo jeito decidido de andar e de falar. É pelo menos dez anos mais velho que a patroa. Eles não tem filhos em virtude dos projetos que tem ainda a realizar antes de assumir tamanha responsabilidade e dormem em quartos separados apenas por questão de gosto pessoal. Absorta em seus pensamentos Natalina nem sente a dureza da caminhada. Volta-lhe a lembrança de casa. Esbarra na disparidade com uma violência estonteante. Sente de repente que a realidade estrondou como um aríete as muralhas do frágil castelo dos sonhos que um dia teve. Dos bons tempos de menina sobrara-lhe o velho padrasto. No leito de morte a mãe lhe dissera: “Cuide do velho Romão. Ele te criou como filha. Desde que o conheci ele nunca passou um dia sem se barbear. Não o deixe ficar barbudo quando não puder mais cuidar de si.” Bom! Confia que a essa altura Tonho certamente já resolveu esse assunto. Tonho. Por que será que um homem bom como o Tonho não pode ter uma melhor situação de vida? Sempre tão atencioso com ela, com as crianças e com o pai. Não só com eles, ele se ocupa de qualquer pessoa que dele necessite. Até estranhos. Talvez por isso sejam tão pobres. Certamente a filosofia do patrão está correta: a pobreza é contagiosa. De novo aquela vontade de chorar. Agora não pode. A patroa não há de gostar se ela chegar ao trabalho com olhos inchados. Engole seco. Volta seu pensamento para a casa rica e tem uma surpreendente constatação: não gosta daquele ambiente de luxo, jamais gostará. Por isso será sempre pobre. Resignada, ergue a cabeça e caminha firme. Cumprirá o seu destino com orgulho de sua condição.

EXPEDIENTE maisgazeta@gmail.com Diretor Responsável: Hudson Bruno Lemos Mtb 11970/MG Editor Chefe: Jonathas Wagner Reportagens: Nayara AdilsonLopes Pacheco Reportagens:


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