NEWSLETTER FMVG N.º 27 JUL-SET 2021 | CULTURA ALGARVE

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NEWSLETTER | N.º 2 7 | JUL - SET 2021

QUERENÇA ALDEIA INTERNACIONAL DA

Cinema Lençol garante noites bem passadas em Setembro. Gunda, de

Viktor Kossakovsky é a sessão de 17, na FMVG, com a Figo Lampo p.26

Espólio MVG © FMVG

P.21-22

POR DOIS DIAS

Espólio MVG © FMVG

ANTROPOLOGIA

Artigo de José do Carmo Correia Martins recorda Luís Guerreiro quatro anos após o seu desaparecimento físico p.5-6

Isabel Castro Henriques e Rui Loureiro assinam artigos da acção

Viagens pela obra de Manuel Viegas Guerreiro p.10-20


NEWSLETTER FMVG | N.º 27

FICHA TÉCNICA EDIÇÃO | FMVG TEXTOS | Isabel Castro Henriques, José do Carmo Correia Martins, Marinela Malveiro e Rui Manuel Loureiro Postais do Algarve com autoria identificada sob o excerto POSTAIS DO ALGARVE Recolha e selecção | Marinela Malveiro PAGINAÇÃO E DESIGN | Marinela Malveiro FOTOGRAFIA | Espólio MVG; cedida por Rui Manuel Loureiro; José Carlos Nascimento; Salvador Santos e Marinela Malveiro. A sardinha fotografada encontra-se pintada no exterior de um edifício em Lagos IMAGENS | Marinela Malveiro Escaparate: cedidas pelas editoras e/ou autores/as APOIO À PRODUÇÃO E SECRETARIADO Miriam Soares IMPRESSÃO | Gráfica Comercial, Arnaldo Matos Pereira, Lda., Zona Industrial de Loulé Lt. 18, Loulé | T. 289 420 200

NEWSLETTER FMVG | N.º 27 | 2021 Os textos são da responsabilidade dos/as seus/suas autores/as e o uso do Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa é, por isso, uma opção dos/as mesmos/as.


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EDITORIAL

MANUEL VIEGAS GUERREIRO, A PANDEMIA E OS POVOS DO SÉCULO XXI Some of my fellow Native Americans are performing

Alguns dos meus amigos nativo-americanos interpretam o sacralíssimo

The highly sacred Indigenous shrug, as in, “Dude, They’re not giving us smallpox blankets.”

encolher de ombros indígena, como se dissessem “Meu, nós não aceitaremos cobertores com varíola.”

But, hey, it’s the Trumps. Their wicked incompetence And delusional arrogance is striking us

O pior são os Trumps. A sua incompetência perversa e arrogância delirante estão a contagiar-nos

With smallpox of the soul.

com a varíola da alma.1

Sherman Alexie A origem dos problemas do Planeta não reside, como por vezes se pretende tornar “verdade”, nas minorias ‘x’ e ‘y’ num dado momento da História, nem no grupo ‘z’, numa outra época. O mundo e os seus problemas são globais. As questões ligadas à ecologia, à sociedade e às opções político-económicas são transversais à Humanidade. Prova maior se re-constata com a pandemia provocada pelo SARS-CoV2. Sob esse prisma, a covid-19 nada trouxe de novo. Mas uma reflexão holística sobre as consequências pandémicas nos povos ao longo dos tempos orienta-nos para a necessidade de olhar - de forma não fragmentada a multicultural casa comum que habitamos e experienciamos. A evidência de que nem todos ocupam o espaço a que têm direito à nascença suscita análise profunda, fina, crítica, não só sobre a acção individual, como sobre o ADN das comunidades dos nossos dias, das últimas décadas. Como questiona o escritor ameríndio Sherman Alexie - filho do povo Spokane e da tribo Coer d'Alene - a pandemia maior poderá ser o egoísmo:

1

Tradução do excerto do poema de Sherman Alexie

A Dispatch from Seattle, publicado a 12 de Março de 2020, por Ricardo Marques

«Talvez a verdadeira pandemia seja / a perda / de uma decência universal / e partilhada.»1 O que nos une afinal? VEMOS vários grupos a insurgirem-se pelos seus direitos, como foi exemplo, em finais de Agosto, a presença em Brasília, no Brasil, de centenas de indivíduos, representando 305 povos ameríndios. OUVIMOS que a mais recente pandemia se deve ao continuado desrespeito pelo Planeta, à devastação ecológica e falta de qualidade e igualdade da vida humana. E LEMOS na História, tal como na poesia do século XXI de Sherman Alexie, que os males do mundo prevalecem, assim como o império das elites e da valia financeira, ditando escolhas , vivências e “necessidades”, da alimentação ao lazer. O poema invoca os sécs. XV-XVI e a oferta de cobertores contaminados de varíola aos povos indígenas pelos colonos europeus, com o objectivo de controlar o número de “rebeldes” que dificultava a ocupação das Américas. A antropologia cultural e social praticada por Manuel Viegas Guerreiro (MVG), ao lado de Jorge Dias e de


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tantos outros, nas décadas de 50 e 60 do século passado, junto de comunidades indígenas de matriz africana, mostra-nos o papel crucial que esta área de conhecimento desempenha na tomada de consciência do outro, maximizada por uma perspectiva interdisciplinar com outras ciências, como a História. Isabel Castro Henriques regista isso mesmo no seu ensaio sobre o estudo de MVG Ovankwankala

(Bochimanes) e Ovankwanyama (Bantos): aspectos do seu convívio. A determinada altura, a historiadora salienta: «Utilizando a noção de aculturação progressiva, [MVG] analisa as transformações sofridas pelos Bosquímanes, permitindo ao historiador recolher elementos que o autorizam a sublinhar a dimensão histórica desta sociedade (...) Vistos preferencialmente como uma sociedade dita primitiva, sem história e sem evolução, os Bosquímanes definiram estratégias de mudança que lhes asseguraram a concretização de situações históricas inovadoras e de formas de vida dinâmicas.» Releia-se, assim, a estreita relação destes povos com a natureza e as consequências dos sistemas coloniais da época, que persistem, perpetuando o genocídio, silenciando culturas, reduzindo o conhecimento do outro, menosprezando a dialéctica Homem-Meio Ambiente, essenciais para o futuro das gerações. Constituirá um pensamento minoritário aquele que resulta da soma de todos os grupos que, pelo mundo, defendem os valores ecológicos e da igualdade? Até que ponto é universal o discurso e a agenda dos países ditos desenvolvidos ou, se quisermos, localizados no hemisfério Norte? Já o segundo artigo da iniciativa Viagens pela obra de Manuel Viegas Guerreiro é da autoria de Rui Loureiro. O historiador recorda as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses de 1992 em Lagos, cinco séculos após a viagem de Colombo. O evento contou com Viegas Guerreiro na comissão científica do seminário Cristóvão Colombo, a América e os Portugueses.

No ensaio, Rui Loureiro nomeia Luís Filipe Thomaz e o seu mais recente projecto, destacando a actualidade dos estudos de MVG, sempre empenhado em sublinhar a ligação de Colombo a Portugal. É o partilhar dessa visão que fundamenta o seminário

Manuel Viegas Guerreiro: o percurso e a filosofia de um humanista e antropólogo. Agendado para os dias 18 e 19 de Setembro, promete cruzar pesquisas de vários/as investigadores/as nacionais e estrangeiros/as na aldeia de Querença, numa iniciativa parceira com o CIDEHUS – Centro Interdisciplinar de História, Cultura e Sociedades da Universidade de Évora, Cátedra UNESCO, Centro de Estudos Africanos da Universidade do Porto, Câmara Municipal de Loulé e União de Freguesias local. O programa encontra-se na pág. 26. Esta newsletter reflecte ainda o trimestre que marca as datas de nascimento e falecimento de Luís Guerreiro, Presidente da Fundação Manuel Viegas Guerreiro desde a sua criação até 2017. Uma perda insubstituível é o nome do artigo generosamente enviado por José do Carmo Correia Martins e que se pode ler ao lado. Citações de vários autores, de Ataíde Oliveira a Manuel da Fonseca, de Leonel Neves a Fernando Esteves Pinto, levam-nos até Loulé, com breve passagem por Querença. Através das palavras de Raul Brandão, mergulhamos ainda na faina da sardinha, um dos muitos Postais do Algarve que aqui se publicam desde 2020. Marinela Malveiro


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LUÍS GUERREIRO 04 SET 1960 - 14 AGO 2017

UMA PERDA INSUBSTITUÍVEL POR JOSÉ DO CARMO CORREIA MARTINS

Luís Guerreiro

Da esq. para a dir.: Luís Manuel Mendes Guerreiro e José do Carmo Correia Martins

Conheci o Luís em 1994 ao iniciar funções de Diretor Administrativo e Financeiro da Câmara Municipal de Loulé, quando era Presidente Joaquim Vairinhos. Nesse ano, como nos anteriores, algumas câmaras municipais eram dos poucos refúgios do pessoal dirigente da função pública desalinhado com o Cavaquismo. Luís Guerreiro era o chefe de gabinete do Presidente e figura estimada, mesmo querida, por todos naquele 1.º andar do edifício principal da Câmara Municipal. A sua tolerância, por vezes excessiva, o seu fino trato, com voz pausada e escorreita, o seu conhecimento inquestionável da “máquina“ e das pessoas, o seu

sorriso sempre cordato, faziam dele uma peça fundamental no funcionamento de várias áreas daquela autarquia. A ação cultural exercida então pelo Luís na Câmara Municipal era meritória. Ele era mesmo o principal elemento com múltiplas apresentações de livros de gente de Loulé ou não, na antiga sala do atual museu. Quando falava fazia-o com sólidos conhecimentos e duma forma acessível que só a sua singular dose de conhecimento e capacidade de comunicação permitiam. Mas o nosso convívio cultural rapidamente extravasou a âmbito municipal. Ainda me lembro de em Lisboa, ir


com ele dar uma volta aos alfarrabistas. Era conhecido e conhecia-os. Contou-me que desde os tempos do Técnico andava por lá em buscas qualificadas. Nessa altura andava a preparar um dos seus grandes projetos, a abertura da Odisseia em Faro. Lirismos de quem, como eu, gosta de livros, concluímos hoje… Mas a política nacional mudou em 1995 e no início de 1996 fui convidado para um cargo de coordenação regional e deixei a Câmara Municipal. Todavia eram frequentes os nossos encontros, quer nas assembleias do INUAF, quer em eventos culturais. Então a saudade era mitigada. Durante mais de vinte anos era ao Luís que recorria quando me debatia com alguma dúvida sobre alguma personalidade algarvia. Normalmente obtinha uma resposta importante e decisiva. A amizade nascida naqueles dois anos perdurou até ao desenlace fatal para o Luís. Quando soube da sua doença fui a sua casa. Apresentava algumas melhoras depois de uma intervenção cirúrgica. Lá estava ele (e a sua estimada esposa) rodeado de livros em arrumações que cresciam quase até à nossa altura. E É ESSA A MELHOR IMAGEM QUE TENHO DO LUÍS: O SEU SORRISO MEIGO COM UM LIVRO NAS MÃOS…

FOTOGRAFIA: SALVADOR SANTOS

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Imagem de divulgação do Seminário dedicado a Manuel Viegas Guerreiro


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POSTAIS

DO ALGARVE

A LUZ AMADURECE AS PEDRAS E OS FIGOS NOS LADOS DOS CAMINHOS ADOÇA AS ALFARROBAS FENDE A CASCA CINZENTA DAS

AMÊNDOAS E DESPRENDE-AS VAREJAMOS AS QUE FICAM PRESAS DE LEVE AOS RAMOS; NO ARMAZÉM DA CASA AMONTOADAS DESCASCAR AS AMÊNDOAS NO VERÃO

GASTÃO CRUZ Luís Guerreiro

A LITERATURA É ESTA MEMÓRIA DE AZEITONAS E LARANJAS NO DA INFÂNCIA

VERÃO

NUNO JÚDICE


« A uns tres quilometros ao sul de

QUERENÇA está situada a

Vendinha do Esteval numa zona de jurassico superior e não longe do contacto da formação de grés vermelho até hoje chamada triasica, em que assenta uma parte da freguezia. ATAÍDE OLIVEIRA

FOTOGRAFIA: MARINELA MALVEIRO

« Num passeio pela BENÉMOLA voltei a sentir tudo isto: a paz da natureza no mundo humano (...) Na Benémola, por um milagre, pude ver todos os quadros que pintei na adolescência. Fui guiado pela arte, e a minha paixão, ainda viva, sentiu a bondade do infinitamente belo. FERNANDO ESTEVES PINTO


POSTAIS

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DO ALGARVE

« VILA REAL, LOULÉ, LAGOA E ALBUFEIRA! E MESSINES E ALTE! A FUZETA! S. BRÁS! - Ó COR! Ó PITORESCO! Ó GRAÇA FEITICEIRA! EU QUERO-VOS CANTAR, E SINTO-ME INCAPAZ! JOÃO BRAZ

« Serra acima, como de um alto TERRAÇO a meio dos montes,

LOULÉ defronta uma vasta paisagem que vai, EM DECLIVE,

por CERROS, POMARES, HORTAS, ATÉ AO MAR. MANUEL DA FONSECA

« LADAINHA LOULETANA À MEMÓRIA DE ANTÓNIO ALEIXO

DEUSA MONTANHEIRA VIRGEM LOULETANA NOSSA PADROEIRA

LEONEL NEVES

« «Vio-o [António Aleixo] pela primeira vez numa manhã – penso que em 1929 -, sentado num banco público desta vila, dedilhando uma guitarra enquanto cantava de improviso. Rodeavam-no meia dúzia de curiosos, que lhe davam dinheiro de mistura com aplausos. Foi assim que eu conheci aquele que mais tarde haveria de saber guardador de rebanhos, vendedor de cautelas, cantador de feiras e arraiais e senhor de uma infelicidade a roçar o extraordinário. FERNANDO LAGINHA

RICA MÃE SOBERANA

« Vou escrever dois POSTAIS com vistas de

LOULÉ, num CAFEZINHO modesto, em frente ao local de onde partem as camionetas de passageiros. MANUEL DA FONSECA


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VIAGENS PELA OBRA DE MANUEL VIEGAS GUERREIRO

OVAKWANKALA (BOCHIMANES) E OVAKWANYAMA (BANTOS): ASPECTOS DO SEU CONVÍVIO UMA INTERPRETAÇÃO HISTÓRICA POR ISABEL CASTRO HENRIQUES

A

investigação e o estudo de sociedades de caçadores-recolectores desenvolveram-se de forma significativa no quadro de uma antropologia social e cultural sobretudo neo-evolucionista, em particular anglo-americana, nos anos 50 e 60 do século passado. A África constituiu um espaço privilegiado para este tipo de estudos que procuravam pôr em evidência as relações íntimas destas populações com o meio ambiente em que viviam e do qual dependiam, mas também as consequências, sobre a sua evolução, do desenvolvimento e consolidação dos sistemas coloniais europeus, que obrigavam a alterações no seu quadro territorial de circulação conduzindo-as a situações-limite de sobrevivência. De uma forma mais precisa, no contexto intelectual da época, ligada a valores e princípios que marcavam a valorização da natureza, o conhecimento dos ecossistemas, o avanço da ecologia - em particular a ecologia-cultural ou antropologia ecológica americanas - como forma de pensar o mundo e as relações da humanidade com os espaços envolventes, multiplicaram-se também os estudos que procuravam sublinhar as virtudes e os benefícios destas sociedades, a que chamaram as primeiras sociedades de abundância (Marshall Sahlins, 1968). Mas a história destas sociedades ficou sempre no silêncio, os documentos escritos eram frágeis e os conhecimentos destes grupos humanos assentavam na ideia de um longo multissecular percurso marcado pela constância dos seus actos, das suas práticas, das suas vidas. Esta ausência de movimento era incompatível com a noção de mudança, indispensável à evolução – e, portanto, à história - das sociedades. A própria noção de “sociedade de abundância” remetia para o reconhecimento de uma suposta “riqueza” dos caçadores-recolectores, que encontravam na natureza envolvente tudo aquilo de que necessitavam

para viver numa situação confortável, que resolvia a sua alimentação, dispensava relações com outros povos, e garantia tempos livres e de descanso, que permitiam facilmente a realização das suas práticas sociais e religiosas. Tratava-se de uma visão idílica que remetia para tempos históricos anteriores, quase sem movimento, e para a ausência de processos de transformação e mudança significativos da sua situação histórica. O quadro teórico e institucional do estudo de Manuel Viegas Guerreiro Também a antropologia colonial portuguesa, particularmente em Angola, se debruçou sobre estes grupos de caçadores-recolectores, como é o caso dos estudos que Manuel Viegas Guerreiro e José Redinha levaram a cabo desde os finais da década de 1950 e ao longo dos anos Sessenta do século passado. Se se trata de uma antropologia que manteve uma ligação apertada com o sistema colonial português, permitiu ela o desenvolvimento de estudos pioneiros que deram a conhecer as realidades etnográficas dos Bosquímanes, os caçadores-recolectores angolanos. É no quadro desta realidade, enunciada aqui de forma muito geral, que aparece este estudo de Manuel Viegas Guerreiro, (MVG), intitulado Ovankwankala

(Bochimanes) e Ovankwanyama (Bantos): aspectos do seu convívio, publicado em 1960. Este texto resulta de uma pesquisa antropológica levada a cabo em Angola, junto das populações Bosquímanes, por Viegas Guerreiro, no âmbito do programa “Missão de Estudos das Minorias Étnicas do Ultramar Português”, (MEMEUP), criado em 1957, no Centro de Estudos Políticos e Sociais (1956) da Junta de Investigações do Ultramar, chefiado pelo antropólogo Jorge Dias, com o objectivo de proceder ao estudo das vertentes social e cultural das populações africanas dos territórios coloniais portugueses. Viegas Guerreiro ocupa o lugar de


Espólio MVG © FMVG

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Capa e índice da Separata de Garcia de Orta (Lisboa, 1960)

Adjunto de Jorge Dias na direcção da MEMEUP. A sua investigação sobre os Bosquímanes do sul de Angola, de que este texto é um dos seus primeiros estudos e que virá a integrar a sua tese de doutoramento sobre esta população angolana, defendida na Universidade de Lisboa, em 1969 (Bochimanes ´Khú de Angola: estudo etnográfico, Lisboa, 1968) revela a sua opção antropológica que contrariamente às antropologias evolucionistas lineares e redutoras, porque demasiado gerais e insuficientemente elucidativas sobre os marcadores culturais e sociais das populações estudadas -,

privilegia a necessidade de reconhecimento dinâmico da multiplicidade dos processos - nem sempre progressivos - de evolução cultural e da importância do comportamento individual como motor da mudança. Num texto crítico às ideias antropológicas de “evolucionismo sistemático” de Oliveira Martins (Temas de Antropologia em Oliveira Martins, 1986), Viegas Guerreiro rejeitou “a utilização do conceito de «raça», denunciou o modo como «o progresso científico das culturas europeias gerou, naturalmente, uma profunda convicção de superioridade, um desmedido etnocentrismo, que veio a concretizar-se


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nas mais abomináveis formas de racismo”, defendendo a autonomia dos conceitos de raça, cultura, religião e moral e sobretudo desligando-os de qualquer tipo de relação causal ou determinista. Defendia o estudo da cultura expurgado de qualquer tipo de juízo valorativo, entendido como um vício do etnocentrismo europeu” (Rita Mendonça Leite, “Manuel Viegas Guerreiro”, Dicionário de Historiadores Portugueses, 2014) Se as missões de estudo etnográfico que Viegas Guerreiro levou a cabo em Angola e também em Moçambique, no quadro da MEMEUP, lhe permitiram o desenvolvimento de relações seguidas e intelectualmente frutuosas com Jorge Dias, as suas concepções antropológicas não podem ser desligadas da influência que a obra de José Leite de Vasconcelos, marcadamente preocupada com a perspectiva histórica, que seguiu e conheceu profundamente, teve na sua organização do trabalho etnográfico. No que respeita à sua antropologia angolana, outro nome que o marcou, surge com grande relevância: numa primeira viagem a Angola, travou conhecimento com o missionário católico Carlos Estermann, um importante investigador das culturas angolanas, cujo trabalho constituiria uma influência fundamental na sua investigação. Este quadro permite-nos de forma sintética reconhecer na sua perspectiva antropológica uma preocupação central em abordar as culturas africanas de uma forma dinâmica, com uma estrutura de mudança, contribuindo desta forma para que os seus estudos sejam reveladores de elementos fundamentais para perceber as estratégias africanas de sobrevivência e mudança cultural e consequentemente de transformação histórica. O texto em questão permite-nos, numa leitura orientada por uma perspectiva historiográfica dos Bosquímanes, pôr em evidência e explicar marcadores culturais que revelam a dimensão de um movimento de transformação histórica destas populações. A “aculturação progressiva” ou as estratégias de mudança dos Bosquímanes Se os fenómenos de aculturação suscitaram, desde os finais do século XIX, o interesse da antropologia, anglo-saxónica em particular, pondo em evidência

a existência de contactos directos e prolongados entre duas culturas e sociedades diferentes e a consequente transformação de uma delas - a menos equipada sobretudo do ponto de vista tecnológico -, aderindo a valores e a práticas do grupo mais evoluído, as interpretações históricas destas sociedades foram duramente marcadas por visões redutoras que consideravam os povos que a antropologia designava de primitivos como povos sem história, apesar dessas mudanças que se iam impondo através da aculturação. Estas visões redutoras assentavam numa ideia de ausência de movimento e de transformação social marcada pelas mudanças de natureza económica e social. Estas eram sobretudo privilegiadas no quadro do desenvolvimento do capitalismo ocidental e das suas técnicas e práticas económicas, a actividade comercial e todas as estruturas que ela mobilizava sendo entendidas como o motor central dessas modificações dinâmicas e transformadoras das realidades humanas. A ausência de trocas marcava definitivamente o primitivismo de qualquer grupo humano e nela se incluíam as sociedades de caçadores-recolectores, como os Bosquímanes do sul de Angola. Esta curta reflexão pretende definir o eixo central da minha abordagem deste texto de Manuel Viegas Guerreiro que, utilizando a noção de aculturação progressiva, analisa as transformações sofridas pelos Bosquímanes, permitindo ao historiador recolher elementos que o autorizam a sublinhar a dimensão histórica desta sociedade, em movimento, em processo de transformação através da sua adesão às práticas fundadoras da modernidade, como o comércio, e das suas repercussões na vida social, económica e técnica. Vistos preferencialmente como uma sociedade dita primitiva, sem história e sem evolução, os Bosquímanes definiram estratégias de mudança que lhes asseguraram a concretização de situações históricas inovadoras e de formas de vida dinâmicas. Da caça e recolecção ao comércio com populações vizinhas: trocas, crédito e trabalho Num espaço de circulação contido pela presença de outras populações, espaço esse marcado por uma natureza de baixa produtividade, que os obrigou


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Legenda de MVG: Mulher peneirando à moda cuanhama (Ondova)

durante séculos à frugalidade da subsistência, os Bosquímanes do século XX, e provavelmente já do século anterior, procuraram progressivamente sair da situação-limite em que se encontravam, estabelecendo relações com povos vizinhos mucancala ou cuanhama, que reconheciam como mais sabedores e aptos do ponto de vista económico, para atingir uma melhoria das suas condições de vida. Manuel Viegas Guerreiro dá-nos conta de um mito fundador bosquímane, que sublinha a preferência de uma mulher bosquímane por uma enxada em detrimento de um pau de escavar, numa partilha entre os dois objectos com uma Cuanhama. A Cuanhama ficou com a enxada, que naturalmente simboliza a agricultura, a Bosquímane com o pau de escavar destinado à recolecção de animais e plantas nos matos desertos. A compreensão da importância da agricultura integra esta ideia bosquímane da sua origem territorial, bem como aponta para a estratégia dos contactos entre populações e consequentemente das trocas a desenvolver como meio de aquisição de bens essenciais. As trocas/o comércio constituem uma alavanca fundamental da evolução social. Os bens trocados acarretam técnicas e saberes novos, formas de fazer e de pensar inovadoras, ideias capazes de melhorias significativas, em suma mudanças sociais e culturais. Quando a caça era abundante, as trocas pareciam ser mais profícuas, pois peles e carne dos animais constituíam bens essenciais para a troca com os vizinhos agricultores. Embora esta actividade fosse

sempre condicionada pelas estações climáticas e pelo aparelho técnico de caça de fraca qualidade. Também frutos, raízes, tubérculos e mel, que serviam de alimento e de troca, eram reduzidos no tempo das chuvas e no tempo frio. Mas havia, no entanto, um produto, apanhado nos matos, que lhes permitia a manutenção de relações de troca essenciais à sua subsistência: “a lukula que se arranca, às lascas, o cerne da árvore Pterocarpus erinaceus e cujo pó vermelho os Cuanhama muito apreciam para com ele se colorirem” (MVG, pp.530-531), mesmo se as anilinas europeias importadas vieram afectar este comércio. Se estas trocas permitiam aos Bosquímanes assegurar algumas necessidades básicas - alimentos provindos da agricultura cuanhama, objectos domésticos como os mais diversos recipientes em cerâmica, instrumentos de ferro como facas, punhais, ganchos de caça e pontas de flechas com que caçavam e pontas de ferro para a pesca -, estavam elas também marcadas por algumas práticas inovadoras e modernizantes, como o recurso ao crédito. “E a permuta não implica sempre entrega imediata da parte dos Bosquimanes (...) Está aberto um crédito em que o tempo não conta como factor oneroso” (MVG, p. 531). O crédito, integrado num contexto de desenvolvimento comercial baseado em produções locais, constituiu, desde a segunda metade do século XIX, um instrumento fundamental das sociedades angolanas, permitindo desenvolver outras alavancas da sua modernização, como as ideias de lucro, de investimento e de trabalho pago, depois assalariado. A par das trocas, emerge o sector do trabalho na agricultura, que vem colmatar lacunas fundamentais na subsistência da população bosquímane. “Prestação de serviços” diz Manuel Viegas Guerreiro, referindo-se aos múltiplos trabalhos, em particular ao trabalho agrícola, que os Bosquímanes desempenham no tempo das colheitas dos Cuanhamas, de Abril a Junho, que coincide com os seus períodos mais difíceis de sobrevivência no mato. Em troca dos trabalhos relacionados com a agricultura, os Bosquímanes recebem alimentação diária e bens alimentares para levar para casa. Todos estes contactos, estas novas formas de vida


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que se repetem com ritmo certo, não podiam deixar de ter um impacto social e cultural na população bosquímane que reconhece qualidades e capacidades importantes de organização económica e social às populações cuanhamas, com as quais mantêm um convívio regular e histórico. A aquisição de novas técnicas, bens e objectos e o seu impacto na vida social e cultural “Proximidade e convívio nascidos deste regime de permutas e prestação de serviços não podiam ficar sem profunda ressonância no mundo material e espiritual dos Vakwankala (Bosquimanes). Adoptam-se novas técnicas de aquisição, produção e consumo, o luxo é diverso, a sociedade organiza-se de outro modo, alteram-se profundamente usos, costumes, religião e artes; uma sociedade em constante renovação.” (MVG, p. 531). Neste quadro de mudança que é um contexto de dinâmica histórica, descrito por Manuel Viegas Guerreiro, encontramos alterações significativas no campo social, em particular no sistema de parentesco, que, como sabemos é uma das vertentes essenciais - articulado com o religioso -, da organização das sociedades africanas. Normas, costumes e comportamentos cuanhamas alteram pouco a pouco regras sociais bosquímanes. “Na sua tradição monogâmica penetrou já (...) o casamento poligínico” (MVG, p.532) e o dote devido pelo noivo, geralmente em peças de caça, é agora substituído pelo alambamento à maneira dos Bantos. Se a chefia do grupo bosquímane era assumida “pelo filho mais velho do chefe ou (...) pelo homem mais hábil e inteligente e melhor caçador, presentemente tende-se para escolher o sobrinho” (MVG, p.532). Esta aproximação ao sistema matrilinear verifica-se igualmente na questão da habitação que se instala junto da família da mulher de um novo casal, bem como na questão das heranças que privilegia o sobrinho. Se o facto religioso sofre igualmente a influência cuanhama com a integração das divindades e das crenças destas populações com quem convivem com muita proximidade, no campo social de práticas quotidianas, as alterações não podiam deixar de ser visíveis, como é caso da organização do espaço habitável, que, se mantém os abrigos tradicionais,

integra agora um “recinto de conversa ou olupale “(MVG, p.531), lugar naturalmente de convívio à maneira banto, e também as formas inovadoras de preparar e cozinhar alimentos, estes também novos e integrados a partir dos conhecimentos adquiridos. Práticas de adorno sobretudo das mulheres, mas também dos homens que trocam vestuário de peles por panos, sofrem a marca dos Bantos, como pulseiras metálicas e com missangas, roupas, penteados, coloração da pele com lukula. Sublinhe-se uma questão interessante: o acesso das mulheres bosquímanes às mercadorias europeias - como metais, missangas e tecidos - introduzidas pelos Cuanhamas. Também a língua cuanhama passa a marcar igualmente os quotidianos e os falares das gentes bosquímane, pois trata-se da “língua do povo mais rico, do qual se depende e cuja cultura profundamente se admira e imita” (MVG, p.532), adoptando-se até um nome cuanhama, e integrando vocábulos bantos na sua própria língua. A sua música, o canto e a dança sofrem também o peso das variantes bantas com as quais convivem nas cerimónias lúdicas e religiosas. Cuanhamas e Bosquímanes: relações sociais e adesão bosquímane a valores e práticas bantos Mas a admiração dos Bosquímanes em relação aos Cuanhamas dos quais absorvem elementos sociais e culturais intensos, não corresponde a um olhar similar por parte destes últimos, que, segundo Manuel Viegas Guerreiro, utilizam de forma inferiorizante as populações do mato. “Para os Cuanhamas, os Bochimanes são a gente pobre do mato, sem eira nem beira, abaixo de si porque não possui bois nem trabalha a terra. Conscientes dessa submissão económica, tornam-se, de certo modo, seus protectores, embora interessados, já se vê, no amparo que lhes dispensam e lhes é grandemente proveitoso. Dão, por isso, ordens, como senhores (...) e logo lhes põem nas mãos os próprios serviços.” (MVG, p. 533). Os Bosquímanes obedecem, não sem perceber e sentir injustiças, pois “põem neles [os Cuanhamas] os olhos como detentores de uma civilização que se esforçam de imitar” (MVG, p.534). Estamos perante uma relação de trabalho marcada por situações de dependência e de protecção que


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Págs. 530 e 531 do estudo de MVG: Ovakwankala (Bochímanes) e Ovakwanyama (Bantos): aspectos do seu convívio, in Separata de Garcia de Orta

Manuel Viegas Guerreira chama de “servidão” (MVG, p. 532). Trata-se de situações levadas a cabo pelos Cuanhamas, que envolvem práticas culturais dos Bantos angolanos, como a utilização de crianças e jovens bosquímanes cedidos e/ou retirados à família e integrados nas estruturas familiares cuanhamas, onde trabalham e participam na vida do grupo. Esta integração no sistema de parentesco, marcada pela flexibilidade, permitia repelir as formas mais violentas de exclusão e de dominação, mesmo se os Bosquímanes ficavam na posse do “amo (...) a quem pertencem até à idade de casar (...) depois do que voltam ao agregado familiar e aí ficam para sempre” (MVG, p. 533). Esta permanência e este contacto íntimo com a vida económica, familiar e cultural cuanhama permite compreender a facilidade de adesão por parte dos Bosquímanes às formas sociais cuanhamas, que carregam consigo no retorno ao seu grupo de origem. Trata-se de um processo de

formação e de aprendizagem de jovens indivíduos bosquímanes, mas também de outros trabalhadores bosquímanes em contacto frequente com o sistema social cuanhama, que marca a sua “aculturação”, ou, dizendo de outro modo, a sua capacidade de transformação cultural e social, contribuindo para a emergência de novas formas de evolução histórica. Para terminar esta leitura do texto de Manuel Viegas Guerreiro sublinhe-se a importância inovadora da sua investigação centrada na problemática da mudança cultural da população bosquímane, capaz de fornecer elementos significativos para compreender a relação interdisciplinar entre a antropologia e a história, fornecendo a esta última elementos significativos para o estudo das dinâmicas históricas de uma população particularmente marcada pelas ideias de “primitivismo” e “selvajaria” de uma historiografia colonial portuguesa e europeia, que marcou de forma redutora os processos de transformação histórica da África.


NOTA BIOGRÁFICA

ISABEL CASTRO HENRIQUES Agregação, hoje aposentada, do Departamento de História da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, introduziu os estudos de História de África em 1974, orientou teses de mestrado e doutoramento e ensinou durante quase 40 anos História de África, História do Colonialismo e História das Relações afro-portuguesas, continuando a desenvolver a sua investigação histórica sobre África e sobre os Africanos no CEsA/ISEG-Universidade de Lisboa. Além de trabalhos científicos de natureza diversa, como projectos de investigação, programas museológicos, exposições, documentos fílmicos, colóquios, conferências, publicou artigos e livros. Algumas publicações mais recentes: A Herança Africana em Portugal (séculos XV-XX), Lisboa, CTT, 2009; “Colonialismo e História”, in Sérgio Campos Matos, coord., Dicionário de Historiadores

FOTOGRAFIA: JOSÉ CARLOS NASCIMENTO

Portugueses- Da Academia Real das Ciências ao Final do Estado Novo, Lisboa, Biblioteca Nacional de Portugal e

Isabel Castro Henriques nasceu em Lisboa em 1946, tendo-se licenciado em História em 1974, na Universidade de Paris I – Panthéon-Sorbonne. Em 1993, doutorou-se em História de África na mesma universidade francesa, com uma tese consagrada ao estudo da Angola oitocentista, publicada em francês (Harmattan, 1995) e posteriormente em português sob o título " Percursos da Modernidade em Angola. Dinâmicas comerciais e transformações sociais no século XIX", Lisboa, IICT, 1997. Professora Associada com

Centro de Historia da Universidade de Lisboa, 2014; "Classificar o Outro: historização e flutuação dos conceitos", in Benet, Farré, Gimeni e Tomàs, eds., Reis Negres, Cabells Blancs, Terra Vermella, Barcelona, Bellaterra 2016; São Tomé e Príncipe: o Espaço e a História, em colaboração, Lisboa e São Tomé, Fundação RoçaMundo, 2019; Roteiro Histórico de uma Lisboa Africana , Lisboa, ACM, 2019; As

Mulheres Africanas em Portugal através do Discurso das Imagens (séculos XVI-XXI), Lisboa, ACM, 2019; De Escravos a Indígenas. O longo processo de instrumentalização dos Africanos (séculos XV-XX), Lisboa, Caleidoscópio, 2019; A Descolonização da História. Portugal, a África e a Desconstrução de Mitos Historiográficos Portugueses, Lisboa, Caleidoscópio, 2019; No Prelo: A África e o Mundo. Circulação, apropriação e cruzamento de conhecimentos (séculos XV-XX), Lisboa, Caleidoscópio; “Os Africanos em Portugal: integração e africanidade (séculos XV-XIX)” e “Modalidades da ‘escravatura’ no centro-sul de África (séculos XVIII-XIX)”, in História Geral da África da UNESCO, volume 9, Paris, UNESCO.


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O CRISTÓVÃO COLOMBO DE MANUEL VIEGAS GUERREIRO POR RUI MANUEL LOUREIRO

Capa de Colombo e Portugal que teve como génese o seminário Cristóvão Colombo, a América e os Portugueses .

U

m dos muitos assuntos que suscitou a sempre viva curiosidade de Manuel Viegas Guerreiro (MVG), a partir de data que não consigo determinar, foi a ligação de Cristóvão Colombo a Portugal. Esse interesse despontou por razões ligadas à Etnografia, o seu campo essencial de formação e de actividade, pois o navegador genovês celebrizou-se justamente por ter sido o primeiro a desvendar o caminho marítimo

Pêro Vaz de Caminha, Carta a el-rei D. Manuel sobre o achamento do Brasil, introdução, actualização do texto e notas de Manuel Viegas Guerreiro & leitura [1] Ver

paleográfica de Eduardo Nunes (Lisboa: Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 1974); Manuel Viegas Guerreiro, A Carta de Pêro Vaz de Caminha Lida por um Etnógrafo (Belmonte: s. n., 1985), obra retomada em Manuel Viegas Guerreiro, A Carta de Pêro Vaz de Caminha Lida por um Etnógrafo (Lisboa: Edições Cosmos, 1992) [2] Ver,

nomeadamente, Cartas de particulares a Colón y Relaciones

para a América e o primeiro a descrever os habitantes deste novo mundo anteriormente desconhecido dos europeus. MVG abordara antes a célebre carta de Pêro Vaz de Caminha, primeira descrição europeia dos ameríndios do Brasil[1] , de modo que a ideia de confrontar o testemunho do observador português com os escritos de Colombo terá surgido de uma forma lógica. De qualquer maneira, o interesse de MVG – enquanto leitor, investigador e divulgador – por Colombo terá crescido exponencialmente com a aproximação do ano de 1992, quando se comemoraria o quinto centenário da famosa viagem de descobrimento colombina. Por esses anos, eu mantinha uma ligação de colaboração com a Comissão Municipal dos Descobrimentos em Lagos (CMD), a qual, com o apoio da Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, dinamizava um ambicioso programa de actividades, que incluía nomeadamente a realização de colóquios científicos e a publicação das respectivas actas. A CMD pretendia relembrar devidamente a viagem de Colombo, pelo que se iniciaram contactos com diversos investigadores ligados à temática dos Descobrimentos. Creio que terá sido Luís Filipe Barreto a sugerir-me o nome de Manuel Viegas Guerreiro, juntamente com o de António Borges Coelho, para integrarem a comissão científica que desde logo se constituiu. O Seminário Cristóvão Colombo, a América e os Portugueses teve efectivamente lugar em Lagos, em Outubro de 1992, sob a direcção de MVG, reunindo um alargado conjunto de investigadores, incluindo aqueles que eram na altura os grandes especialistas em Colombo, a nível mundial, os espanhóis Consuelo Varela e Juan Gil, autores de obras que ainda hoje são referenciais[2]. Por uma curiosa casualidade, eu próprio tinha há pouco travado conhecimento com Consuelo Varela,

Coetáneas, compilação e edição de Juan Gil & Consuelo Varela (Madrid: Alianza Editorial, 1984); Juan Gil, Mitos y utopias del Descubrimiento: 1. Colón y su tiempo (Madrid: Alianza Editorial, 1989); Cristóbal Colón [Cristóvão Colombo], Textos y documentos completos. Nuevas Cartas, edição de Consuelo Varela & Juan Gil (Madrid: Alianza Editorial, 1992).


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e estabeleci o contacto com ela e com o marido, Juan Gil, que a partir de então foram presença constante em muitas das reuniões científicas organizadas em Portugal em torno dos Descobrimentos.

Penso que MVG terá ficado inteiramente satisfeito com os resultados do colóquio de Lagos, tanto a nível de comunicações apresentadas, como em termos de impacto público. Ele próprio apresentou uma comunicação sobre «Cartas sobre o achamento das Antilhas», na qual abordava os primeiros escritos de Colombo sobre o Novo Mundo, confrontando-os precisamente com passagens da missiva escrita ao monarca lusitano por Pêro Vaz de Caminha. Esta comunicação foi depois integrada nas actas do colóquio, publicadas pouco depois pela CMD[3] , e nela MVG sublinhava desde logo a importância fundamental do período de cerca de dez anos passado por Colombo em Portugal para a sua formação como navegador oceânico (c.1474 a c.1484). Nas suas palavras, a viagem colombina de 1492 fora uma «navegação sábia e audaciosa de um genovês, que do Mediterrâneo se passa a Portugal para aprender com Portugueses a ciência de descobrir»[4]. Ou seja, MVG tomava posição inequívoca em duas das mais controversas questões que rodeavam a história de Cristóvão Colombo: por um lado, afirmava sem dúvidas a

sua naturalidade genovesa, contra teorias então em voga sobre o alegado ‘Colombo português’; por outro lado, destacava a aprendizagem de navegação no Atlântico que o genovês fizera em navios portugueses de longo curso, ao longo de uma década, em viagens para os arquipélagos da Madeira e dos Açores, e também para a costa ocidental de África. Durante a preparação do colóquio lacobrigense, MVG tentara obter em Lagos apoio para a reedição da primeira tradução portuguesa do diário de bordo da primeira viagem de Colombo, que fora realizada por Francisco Fernandes Lopes e publicada no jornal República, entre 3 de Agosto de 1938 e 15 de Março de 1939. Para o efeito, cedera-me fotocópias das páginas do jornal que continham a referida tradução[5]; mas não foi possível, por então, dar andamento a esse projecto. Mas o interesse de MVG pelas questões colombinas manteve-se activo, e resultou em duas outras publicações que valerá a pena destacar. Ainda com data de 1992, e resultando decerto de trabalho de investigação desenvolvido anteriormente, MVG publicou em edição de autor a chamada Carta do achamento das Antilhas, escrita por Cristóvão Colombo em 1493, já depois do descobrimento do Novo Mundo, durante a viagem de regresso à Europa, e dirigida a Luis de Santángel[6]. Este último era então escribano de rácion (responsável pelas finanças) dos monarcas espanhóis Fernando e Isabel, e fora um dos apoiantes e financiadores do projecto colombino de encontrar uma rota marítima ocidental para as Índias. O reconhecimento do navegador genovês por este apoio é evidente, pois a primeira notícia que escreve sobre o descobrimento do Novo Mundo é precisamente dirigida a Santángel. Esta carta, um folheto de quatro páginas, foi publicada em Barcelona logo em Abril de 1493, sendo pois o primeiro

[3] Manuel

Colombo, A Descoberta da América: Diário de Bordo da 1ª Viagem (1492-

«

Embora etnógrafo de formação, MVG, com estas publicações sobre Colombo, cumpria devidamente a dupla função de historiador e de pedagogo

Viegas Guerreiro, «Cartas sobre o achamento das Antilhas»,

Cadernos Históricos, vol. V [1993], pp. 48-58. [4] Ibidem, p. 57.

1493), tradução de Ana Maria Rabaça (Mem Martins: Publicações Europa-

[5] Há

[6] Cristóvão

poucos anos, remeti estas fotocópias à Fundação Manuel Viegas Guerreiro, onde creio que hoje se encontrarão devidamente arquivadas. Entretanto, fora publicada uma nova edição deste relato colombino, não sei se baseada ou não na tradução de Francisco Fernandes Lopes: Cristóvão

América, 1990). Colombo, Carta do achamento das Antilhas, 15 de Fevereiro – 14 de Março de 1493, biografia, tradução e notas de Manuel Viegas Guerreiro (Lisboa: s.n. 1992).


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Primeira tradução portuguesa do diário de bordo da primeira viagem de Colombo, por Francisco Fernandes Lopes, plasmada no jornal República (1938-39), e que MVG tentou reeditar com o apoio da Comissão Municipal dos Descobrimentos de Lagos.

impresso que documenta o descobrimento do continente que mais tarde viria a ser conhecido como América. MVG publicou o fac-símile deste raríssimo impresso (pp. 51-54), acompanhado de uma transcrição do original (pp. 55-61) e de uma tradução em português (pp. 63-73), cuidadosamente anotada. A obra era complementada por uma longa biografia de Cristóvão Colombo (pp. 7-48), que revelava um apurado conhecimento da mais importante bibliografia colombina, tanto a nível de fontes como em termos de estudos, e que destacava a crucial importância do período passado em Portugal para a formação náutica e geográfica do navegador genovês.

[7] Manuel Viegas

Guerreiro, Colombo e Portugal (Lisboa: Edições Cosmos, 1994).

Trata-se de um estudo e de uma edição modelares, que ainda hoje se lerão com proveito, cujo propósito essencial era apresentar pela primeira vez em língua portuguesa um documento fundamental para a história do descobrimento do Novo Mundo, dotado de um amplo aparelho crítico e contextualizante. Provavelmente ainda em 1992, ou em princípios do ano seguinte, MVG completou um outro livro sobre Colombo, com propósitos algo diferentes, e que viria a ser publicado com o título Colombo e Portugal, em 1994[7] . As primeiras palavras desta obra são reveladoras: «Pouco se sabe de Colombo em Portugal. Como entender isso, já que, em boa


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parte, seu afortunado sucesso nos pertence?». Ou seja, um propósito eminentemente didáctico orientava esta publicação, a saber, destacar, através de um hábil manuseamento das fontes existentes, a extraordinária importância de Portugal e dos portugueses nos feitos náuticos de Colombo. A obra Colombo e Portugal começava por buscar na documentação referente ao genovês os traços da sua ligação a Portugal (pp. 11-32), deste indícios auto-biográficos nos escritos colombinos até testemunhos dos seus contemporâneos, passando pelas narrativas de cronistas e biógrafos posteriores. Esta secção inicial, muito rigorosa e documentada, era seguida por uma outra que recolhia, de entre os autógrafos e apógrafos colombinos, todas as passagens referentes a Portugal (pp. 33-70). Enfim, a secção final reunia os testemunhos sobre Colombo transmitidos por três cronistas portugueses activos nos séculos XV e XVI, a saber, Rui de Pina, Garcia de Resende e João de Barros (pp. 71-84), dos quais os dois primeiros se terão em algum

momento cruzado com o navegador genovês. Embora etnógrafo de formação, MVG, com estas publicações sobre Colombo, cumpria devidamente a dupla função de historiador e de pedagogo, ambas com igual rigor e entusiasmo. Talvez tenham sido esses os dois traços essenciais do seu labor enquanto investigador, aliar a exigência científica a uma atitude eminentemente pedagógica. Pois, para que serve o conhecimento especializado, se não for devidamente difundido? MVG deu um contributo essencial ao conhecimento das relações históricas entre Cristóvão Colombo e Portugal, e as suas investigações e publicações continuam actualizadas e a fazer sentido, perante o obsessivo retorno da fantasiosa tese de um ‘Colombo português’, que ainda há pouco mereceu as críticas acertadas de um historiador do calibre de Luís Filipe Thomaz, que, ao que parece, prepara obra de maior fôlego sobre o assunto, comprovando que a ligação de Colombo a Portugal, como bem anteviu MVG, continua a ser tema de extrema actualidade.

RUI MANUEL LOUREIRO Reside habitualmente em Lagos e é doutorado em História pela Universidade de Lisboa (1995). Presentemente é director do Instituto Superior Manuel Teixeira Gomes, em Portimão, e investigador do CHAM, Centro de Humanidades da Universidade Nova de Lisboa. É também membro emérito da Academia de Marinha. Especializou-se na história dos contactos ibéricos com o mundo asiático nos séculos XVI e XVII, tendo publicado mais de uma centena de trabalhos académicos (incluindo livros, capítulos de livros, artigos em revistas científicas, comunicações em actas de colóquios, etc.). As suas publicações mais recentes incluem uma nova edição da Suma Oriental de Tomé Pires (Lisboa: CCCM, 2017), o catálogo Em demanda da biblioteca de Fernão de Magalhães (Lisboa: BNP, 2019), a colectânea de estudos, organizada com Maria Augusta Lima Cruz, Diogo do

Couto: História e Intervenção Política de um Escritor Polémico (Famalicão: Húmus, 2019), e uma edição do Itinerário da Índia por terra a este reino de Portugal de António Tenreiro (Portimão: Livros de Bordo, 2020).


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DIÁRIO DE CAMPO

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SEMINÁRIO DE DOIS DIAS FAZ DE QUERENÇA ALDEIA INTERNACIONAL DA ETNOGRAFIA

Legenda de MVG: Quibanda, Vouga (Bié), Casa dos Enslim. Outubro de 1957 A fotografia, quadrada no original, foi editada para efeitos de paginação desta publicação

Investigação de Manuel Viegas Guerreiro mobiliza encontro de investigadores/as provenientes de algumas das mais conceituadas universidades nacionais e estrangeiras, como a Sorbonne Nouvelle, Paris e a Universidade Goethe, Frankfurt. Manuel Viegas Guerreiro: o percurso e a filosofia de um humanista e antropólogo dá nome ao seminário a realizar no fim de semana de 18 de Setembro, na Fundação Manuel Viegas Guerreiro (FMVG) e em outros espaços da pequena aldeia. O acervo do Patrono reveste-se de assinalável valor para a história regional, nacional e internacional, bem como para o aprofundar do conhecimento sobre os saberes etnográficos. É também extraordinariamente rico pela pluralidade de materiais que integra, entre livros, relatórios, artigos, documentos manuscritos, fotografias, diapositivos e bobines com registos captados em território africano e nacional. O seminário decorre do processo de tratamento técnico, organização, digitalização, salvaguarda e divulgação destes materiais. Se ao longo dos dois dias de seminário está previsto o cruzamento de pesquisas por parte dos/as investigadores/as convidados/as e o debate em torno do pensamento de Manuel Viegas Guerreiro, no sábado, far-se-á a escuta de registos gravados em bobines pelo etnógrafo, em território africano e nacional. O processo de tratamento, conservação

e digitalização foi concluído este ano, o que viabiliza a partilha do património sonoro junto de investigadores/as, alunos/as e público interessado. No segundo dia de seminário, será apresentado o projecto coordenado por Maciel Santos: a edição de um livro com a chancela da FMVG e do Centro de Estudos Africanos da Universidade do Porto (CEAUP). Este junta os apoios da Câmara Municipal de Loulé (CML) e do CIDEHUS – Centro Interdisciplinar de História, Cultura e Sociedades da Universidade de Évora. A futura publicação reunirá as notas de Viegas Guerreiro nas missões em Angola, bem como o relatório no âmbito da Missão de Estudos das Minorias Étnicas do Ultramar. Sucede a Cadernos de Campo – Manuel Viegas Guerreiro, Moçambique, 1957, coordenado por Luísa Martins e publicado pela Fundação em 2016. No encerramento do seminário, será inaugurada a exposição itinerante Boers de Angola, 1957, constituída por um conjunto de 27 fotografias de Manuel Viegas Guerreiro, que revela famílias, casas, palheiros, carroças, animais e todo o contexto quotidiano dos Afrikaners. Estes descendentes


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de antigos holandeses - que tinham aportado na África do Sul nos séculos XVII e XVIII - migraram por várias vezes rumo ao Sul de Angola, apesar de a maioria ter retornado. A exposição resulta de uma parceria com o CIDEHUS.

Legenda de MVG: Tunda, Chienge, anexo da casa do Velho Prinsloo:

dispensa. Outubro de 1957

Destaque ainda para a apresentação do projecto de quatro alunos/as finalistas da Escola Secundária João de Deus, em Faro: o Museu Digital concebido a partir da colecção de peças africanas doada por Viegas Guerreiro ao antigo Liceu de Faro, onde foi professor entre 1948 e 1950. Apesar de as sessões de trabalho decorrerem ao longo do dia, face aos objetivos do seminário e à actual conjuntura pandémica, existirão apenas duas sessões abertas ao público. A saber, no dia 18, um Jantar-Conferência marcado para as 19h00, no Restaurante Bar Querença, situado junto ao adro da Igreja de Nossa Senhora da Assunção. A palestra

Sobre a filosofia humanista de Manuel Viegas Guerreiro será proferida por Egídia Souto, investigadora do CREPAL Sorbonne Nouvelle | Paris 3, do CEAUP e do Instituto de Filosofia da Faculdade de Letras da Universidade do Porto (FLUP). A sessão é limitada a um grupo de 15 pessoas e requer inscrição, que inclui o jantar, no valor de €28 euros.

Também será pública a última conferência, no dia 19, às 12h00, no auditório da Fundação. Luísa Monteiro apresentará Escavar a Fala: Viegas Guerreiro e Varejota à luz de Martin Heidegger. A professora de ensino superior e escritora será moderadora dos trabalhos ao longo dos dois dias de seminário. A inscrição para esta sessão é gratuita mas limitada, de acordo com as regras da DGS. No seminário, estarão representados os centros de investigação CIDEHUS, CEAUP, CLEPUL - Centro de Literaturas e Culturas Lusófonas e Europeias da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e CREPAL da Sorbonne Nouvelle. Também a Cátedra UNESCO em Património Imaterial e Saber-Fazer Tradicional: Interligar Patrimónios, o Instituto de Filosofia da FLUP, o Instituto de Antropologia Frobenius da Universidade Goethe de Frankfurt, o Arquivo Nacional do Som e a pHneutro – Conservação preventiva e restauro. O encontro tem o apoio da Câmara Municipal de Loulé e União de Freguesias de Querença, Tôr e Benafim. Acontece em Querença, no interior do Algarve, território de baixa densidade populacional, a partir do qual a FMVG produz e promove uma cultura de pensamento crítico e de exercício da cidadania, imbuída dos princípios do conhecimento, da inclusão e da multiculturalidade.

PARA MAIS INFORMAÇÕES E INSCRIÇÕES: Fundação Manuel Viegas Guerreiro SITE | http://www.fundacao-mvg.pt EMAIL | fundacao.mvg@gmail.com MORADA | Rua da Escola, Povo de Querença, 8100-129 Loulé TEL | + 351 289 414 213 FMVG | COORDENADAS GPS 37°11'53.2"N 7°59'13.9"W


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CRIANÇAS VISITAM COLHEITAS ARTÍSTICAS Este Verão, a Fonte da Benémola também foi palco de arte. Outrora acolheu hortas familiares e cultivo comunitário. Colheitas é a instalação artística de Milita Doré para o Geopalcos/Geoparque algarvensis. Nos dias 15 e 16 de Junho, a artista sensibilizou os/as alunos/as de Querença para as questões da tradição, do ambiente e da arte e sublinhou: “É um privilégio estarem hoje aqui nesta propriedade que é privada e movimentarem-se com o vosso corpo pela instalação. De poderem estar neste ambiente, junto à natureza.”

MVG “DÁ-SE A CONHECER” A ALUN@S DE 12.º ANO O solstício de Verão iniciou-se com a visita de estudantes da Escola Secundária João de Deus (Faro) à Sala-Museu do Patrono. Adam Lomas, Carolina Palma, Diogo Vitorino, Lucas Rodrigues e os/as professores/as Paula Pereira, Rui António e Sandra Costa e Espada aprofundaram o conhecimento sobre o antropólogo, já que este fundamenta o projecto dos finalistas: um Museu Digital concebido a partir da colecção de peças africanas doada por Viegas Guerreiro ao antigo Liceu de Faro, onde foi professor entre 1948 e 1950.

FUNDAÇÃO TERMINA ANO LECTIVO COM CINEMA Concluídas as actividades pedagógicas e lúdicas desenvolvidas em parceria com a Câmara Municipal de Loulé e o agrupamento de escolas Pde João Coelho Cabanita, através da EB/JI de Querença, a Fundação MVG recebeu os/as alunos/as de pré-escolar e 1.º ciclo nos dias 2 e 7 de Julho, para duas sessões de cinema. Através de sensíveis propostas autorais, as crianças contactaram com universos que apelam à tolerância, às diferenças e à empatia entre os seres vivos. As sessões foram servidas com pipocas, sumo e muita animação.

CANCIONEIRO DE LOULÉ APRESENTA-SE NA FMVG A Câmara Municipal de Loulé apresentou o

Cancioneiro Popular do Concelho de Loulé no dia

27 de Junho, no auditório da Fundação. Projectou-se o documentário Tempos de Outrora, com vozes, memórias e cenários de Querença, Tôr e Benafim. Maria Teresa, da Tôr, lembra: “Inventávamos os carrinhos, autocarros e camiões com as várias formas das pedras que encontrávamos. Filipa Faísca, de Querença, acrescenta: “Para termos bonecas tínhamos que as fazer.” A filha, Jesus Dias, regista: “Hoje há um silêncio que dói.”


POSTAIS

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DO ALGARVE

« O MESTRE não é apenas um observador – É UM BRUXO (...) - Cá está a brancura da SARDINHA!... Bate lá! A seu lado, um homem bate com um malho numa tábua, e este ruído faz estremecer e reluzir o cardume na profundidade das águas. O barco roda. O SILÊNCIO aumenta. Aqui, acolá, no negrume, ouve-se o mesmo bater compassado a bordo de outros vapores que deslizam na noite como sombras. - BATE LÁ! E não despega os olhos do mar em busca da ardência. São dez horas. O mestre imobilizou-se, petrificado... entre ele e o banco de peixe estabelece-se uma comunicação magnética: durante alguns momentos é um adivinho, sob uma excitação nervosa extraordinária. (...) O bruxo INTERROGA A NOITE, o silêncio e o mar. A excitação aumenta (...) Cá estão elas, eu não o dizia! CÁ ESTÃO ELAS! – E num grito de triunfo: - Rede ao mar! Venha a chata! A rede é lançada ao mar e fixa pela chata. Toda a excitação do mestre desapareceu de repente. Toma o leme e brada ao maquinista: - Toda a força à máquina! Trata-se agora de envolver rapidamente o cardume da sardinha e ouve-se o vozeirão no escuro, repetir:

- TODA A FORÇA! TODA A FORÇA! RAUL BRANDÃO

« Pouco depois, toda a campanha salta em terra. O MESTRE, o «Zé da Luciana» vem contente. A pesca não lhe falta que ARDEM CARDUMES lá na «Arrifana»

JOÃO BRAZ


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ESCAPARATE

SINOPSE | O estudo constitui um exercício de síntese sobre o que terá sido a evolução histórica da rede confraternal no termo de Loulé ao longo da Idade Moderna (sécs. XVI, XVII e XVIII), arrolando o essencial do que foi possível recolher a respeito da história, protagonistas, modelo de organização e atividades desenvolvidas pelas noventa Irmandades, confrarias e mordomias no território. O livro contempla a sua caracterização e inclui fichas de inventário divididas por freguesias.

SINOPSE | Em Selvagem, o primeiro livro do autor, a voz angustiada do sujeito e a violência errática do discurso são acompanhadas pela presença constante da noite. A noite enquanto metáfora da dor, da cegueira do pensamento e da barbárie a que o homem regressa constantemente. A passagem do tempo - a ruína das coisas e a aproximação da morte -, o avanço continuado das cidades sobre o litoral e a agonia do mundo rural são alguns dos temas tratados no livro. SINOPSE | “As vontades que se juntam nesta Revista querem a valorização das nossas gentes, da nossa história e destas terras de Alportel, com tantos pergaminhos e com tanta gente pioneira nos mais diversos aspetos sociais, culturais, comerciais ou industriais e que tão pouco tem sido divulgado.” (Extraído do n.º 1 da SBA - Revista de Cultura) SINOPSE | PALAVRAR - Ler e escrever é resistir é uma revista literária independente, digital e gratuita que reúne novas e conceituadas vozes em crónicas, artigos de opinião, contos, poesia, crítica literária, escrita criativa, motivacional e um poeta convidado. Nuno Júdice fez a estreia com um inédito. As autoras da revista, Analita Alves Santos e Diana Almeida, promovem a reflexão e o conhecimento.

SINOPSE | A Sangrada Família é o romance que traz Sandro William Junqueira pela primeira vez para um território concreto, sujo de terra e cinza, com árvores e ar nos pulmões em vez de betão e muros altos. Um território habitado apenas por personagens com nome e apelido, com vozes que nos interpelam diretamente, que nos são próximas. É baseado em factos, mas podia não ser. Ou então não é baseado em factos, mas podia muito bem ser.



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POSTAIS BIBLIOGRAFIA DO ALGARVE

Oliveira, Francisco Xavier Athaíde - Monografia do Concelho de Loulé [edição facsimilada], Faro [Porto] : Algarve em Foco Editora [Tipografia Universal], 1998 [1905]. Brandão, Raul - Algarve. Coimbra : Edição Alma Azul, 2008. Braz, João - Esta Riqueza que o senhor me deu. [S.I] : Edições Sit., 1953. Cruz, Gastão - Outro Nome. Lisboa : Guimarães Editores, 1965. Fonseca, Manuel da - Crónicas Algarvias. Lisboa : Caminho, 1986. Fundação Manuel Viegas Guerreiro - Festival Literário Internacional de Querença: Catálogo 2017 . Querença : Fundação Manuel Viegas Guerreiro, 2018. Júdice, Nuno - Geometria Variável. Lisboa : Dom Quixote, 2005. Neves, Leonel - Natural do Algarve. Faro : Universidade do Algarve, 1986.



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