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164 Frazão, Carla Maria Reis Vieira (2015) “As ‘árvores tortas’ de Bernardino Lopes Ribeiro.”

fabrico de móveis, e em simultâneo utilizar as matérias, que tão bem conhecia, para dar forma a outras ideias que o acompanhavam no quotidiano. Este artigo pretende dar a conhecer a obra de Bernardino Lopes Ribeiro onde se descobrem animais e ambientes fantásticos que preenchiam o seu imaginário, ocupando uma parte significativa no seu espírito. Seria na Natureza que este artífice encontraria as formas que já o esperavam, que aguardavam o seu olhar atento e o labor das suas mãos para se tornarem visíveis aos olhos de outros. O autor acreditava que as obras (ou as formas) tinham uma identidade própria dada pela Natureza; no entanto, a mesma encontrava-se camuflada, sendo necessário aprender a percecionar a sua aparência nos recortes das matérias, ou aprender a retirar as camadas que as ocultavam. O ânimo, a fantasia e o espírito livre que caraterizavam Bernardino Ribeiro, assim como o seu engenho, a sua ousadia e a sua determinação, incentivaram-no a criar um recanto singular que seria povoado pelos seus animais — os que afagava e que seguiam os seus passos, e aqueles a que havia dado corpo a partir do afago dado a troncos retorcidos, ou retirado de pedras insólitas. 1. Ver as obras da Natureza Bernardino Ribeiro nasce num ambiente familiar simples; cedo deixaria a escola, e com a conclusão da 4.ª classe as letras e os números haveriam de ficar para trás. A vida mandava crescer e prontamente acompanharia o pai nas tarefas da casa, do lagar de azeite e no cultivo das terras. Após ter tido várias ocupações começaria a trabalhar com madeira e iniciaria uma atividade laboral ligada ao fabrico de móveis. Com a aprendizagem do ofício de marceneiro Bernardino afeiçoar-se-ia à madeira ficando a conhecer os seus veios, os nós e as manhas. Quando, mais tarde, decide estabelecer-se por conta própria começa a visitar pinhais para adquirir cortes de árvores que, depois de preparadas e aprumadas, seriam utilizadas na produção de mobiliário. Na carpintaria ficavam de lado as raízes e as “árvores tortas”, as que haveriam de se tornar especiais: “deixa-as lá estar, essas estão à espera da sentença” — palavras que M.ª José Ribeiro (comunicação pessoal, 15 dezembro 2014) recorda quando o marido fazia referência a um outro destino para os troncos retorcidos, ou quando procurava ver nessas formas “o que a Natureza lhe havia dado”. Apesar da infância prematuramente interrompida Bernardino Ribeiro continuaria a dar-lhe existência, e a conviver com um mundo fantástico, que, de um modo intenso, inflamava a sua imaginação desde a meninice. O artesão sonhador gostava de procurar a cumplicidade das substâncias e de descobrir as figuras que as mesmas resguardavam, referindo: “limito-me a coleccionar tudo o que vejo e gosto de aperfeiçoar as formas


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