2 minute read

Políticas da performance: crítica da violência e clínica da vida

Lucas Dilacerda

Os regimes de dominação e violência da colonialidade se reproduzem como um vírus. Eles são propagados por meio de imagens, hábitos e discursos, que reiteram e atualizam – a todo instante – a manutenção das estruturas de poder. Como então romper com esse ciclo vicioso? Uma primeira iniciativa poderia ser a de tornar visível esses regimes que muitas vezes são invisíveis para uma parcela da população. Pois um dos mecanismos de defesa dessa estrutura é a de se tornar imperceptível, e operar nos níveis mais subterrâneos da nossa existência, isto é, no nosso desejo, afeto e imaginação.

Advertisement

A performance pode ser um dispositivo de tornar visível os regimes invisíveis de dominação e violência da colonialidade. Por meio de sua própria linguagem artística, a performance tem a potência de dar a ver o intolerável do nosso mundo. Através de um conjunto de ações, a performance torna visível as imagens, hábitos e discursos que são constantemente propagados no invisível de nós mesmos.

O objetivo desse tipo de performance seria o de produzir uma denúncia do imperceptível e de criar consciência no espectador, a fim de transformar a sua subjetividade e, assim, romper individualmente com o ciclo vicioso. Podemos chamar esse tipo de performance de “performance crítica”, pois ela usa a sua própria linguagem artística como uma crítica da violência.

O problema – ou melhor, o limite – desse tipo de performance é que ela mira na consciência e aposta que a transformação da realidade acontece por meio da transformação dessa consciência. Nesse ponto, precisamos nos perguntar quais são os princípios que fundamentam essa afirmação. O pressuposto de que a consciência tem um domínio sobre o desejo, o afeto, e a imaginação é um princípio moderno que foi a base do racionalismo, que fundamentou o iluminismo, e que tornou possível a colonidalidade. Portanto, o risco da performance crítica é a de andar na corda bamba entre uma crítica da violência e uma reencenação da própria violência.

Como conjurar o intolerável sem convocá-lo? Como performar uma crítica da violência sem reencenar a própria violência que denunciamos? Como imaginar nossos corpos fora da ecologia da violência e ao mesmo tempo não cair no romantismo idealista e utópico?

Tomar consciência dos regimes de dominação e violência não faz com que esses regimes parem de operar, pois eles operam sobretudo no nível que não é consciente, isto é, no campo do sensível. Por isso, o desafio seria não apenas intervir na consciência, mas sobretudo intervir na sensibilidade, lá onde as mutações subjetivas acontecem.

A performance pode ser um dispositivo de transformação das sensibilidades, quando usa a sua própria linguagem artística como um campo de experimentação de novas corporeidades que permitem se reconectar com os níveis mais subterrâneos da nossa existência. Podemos chamar esse tipo de performance de “performance clínica”, pois ela usa a sua própria linguagem artística como uma clínica da vida.

A performance clínica utiliza um programa performativo para produzir um estado corporal que possibilita sairmos do plano da consciência e mergulharmos em outros planos da existência, e lá inventar novas armas e armaduras sensíveis de enfrentamento bélico à colonialidade.

Lucas Dilacerda é Curador e Crítico de Arte. É Coordenador do LACLaboratório de Arte Contemporânea; do LEFA - Laboratório de Estética e Filosofia da Arte; e da CAV - Curadoria em Artes Visuais. É Graduado (Licenciatura e Bacharelado) em Filosofia, com distinção Summa Cum Laude, pela UFC; Especialista em Filosofia Clínica; Mestre em Filosofia, com ênfase em Estética e Filosofia da Arte, pela UFC; Graduando em Artes Visuais, pela UECE; Mestrando em Artes, pela UFC. E-mail: lucasdilacerda3@gmail.com.

Por fim, é importante ressaltarmos que a performance clínica não é o oposto da performance crítica. Reencenar os princípios de oposição e contradição é cair nas armadilhas do binarismo que fundamentam a colonialidade. A performance crítica e a performance clínica são duas políticas de uma única e mesma performance que – juntas e ao mesmo tempo – buscam transformar a consciência e reflorestar a sensibilidade.

This article is from: